Babá por Acidente

By brunakubik

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Dizem que nada está tão ruim que não possa piorar, certo? Certíssimo! A conquista do mestrado na área dos son... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Extra - Birthday Cake
Extra - Casados por Acidente

Capítulo 17

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By brunakubik

Charlie encarava a mesa de centro a sua frente sem realmente enxerga-la. Já estava ali naquele estado há uns bons minutos, a xícara de chá em sua mão já fria e esquecida. Fazia um pouco de frio e ela tinha uma manta por cima de seus ombros a mantendo aquecida. O rosto estava úmido e manchado pelas lágrimas que ela havia derrubado instantes antes, os olhos levemente avermelhados e o nariz irritado pelas vezes em que ela o assoou. A sala estava parcialmente iluminada pelas luzes dos postes que invadiam a janela, ela sequer havia se dado ao trabalho de acender a luz de um abajur que fosse, não querendo despertar sua anfitriã.

Mas obviamente que nenhum cuidado no mundo impediria o sono extremamente leve de Erin ser perturbado. A estilista havia acordado no primeiro ranger de uma tábua no corredor e esperara, atenta ao que viria a seguir. Ela sabia que era Charlie, a única pessoa que poderia estar se movimentando pelo apartamento àquela hora. Ouviu quando a mulher foi até a cozinha e preparou o chá, e ouviu a mulher se esforçando para chorar o mais silencioso que podia. Aquela rotina já estava costumeira, com a exceção do choro, aquilo era novidade e Erin ficou curiosa, mas decidiu esperar até que o mesmo cessasse. Havia aprendido por experiência própria que nem todo mundo gostava de ficar chorando na frente dos outros, e Charlie com certeza era uma delas. Haviam raras exceções, claro, mas aquela não era uma delas.

Fazia uma semana já desde a conversa entre ela e Jeremy, a última na qual a mulher havia descoberto que ele sabia toda a verdade e resolvera não contar a ela. Desde então, Charlie evitava não somente a mãe de Ava, como o próprio pai, esperando ele se ausentar para se esgueirar no quarto e ficar um pouco com a menina. Ela sabia que Jeremy sabia o que ela estava fazendo, e sabia que as vezes em que ele saía eram propositais. O ator havia tentado abordá-la algumas vezes, mas Charlie não permitia seu avanço. Era mais doloroso do que qualquer um poderia imaginar vê-lo e se lembrar de que por semanas ele vinha escondendo aquele segredo. Por meses ele resolveu esconder algo que poderia ter aliviado a consciência dela e melhorado a qualidade de vida da ex-babá em cem por cento. Charlie sabia que não era culpada por todos aqueles vazamentos, mas ainda doía Jeremy não ter aceitado sua honestidade, a sua declaração.

- Noite difícil? – Charlie se sobressaltou ao ouvir a voz de Erin, levantando o olhar para encontrar a estilista com um sorriso fraco nos lábios, se aproximando dela e ocupando o espaço no sofá próximo ao da mulher.

- Mais uma para a lista – Charlie deu de ombros, colocando na mesinha ao lado do sofá a xícara ainda cheia de chá.

- Você não chorou nas outras.

- Você ouviu? – Charlie se sentiu culpada, temendo ter acordado a amiga. – Desculpe, tentei ser bem silenciosa...

- Eu tenho sono leve, Charls, ouvi você todas as noites.

- Se era para me fazer relaxar, só piorou – a mulher tentou fazer piada, arrancando um riso curto da estilista.

- Quer parar de guardar para você o que está rolando e me contar? – perguntou Erin, visivelmente preocupada. – Algo me diz que tem algo a ver com o Jeremy.

- Ele te disse algo?

- Não, mas tem mandado muitas mensagens perguntando sobre você – confessou a estilista. – Achei que vocês estivessem bem... Amigáveis, pelo menos.

- Ele não te contou, então?

- Contou o que?

- Ele sabia, Erin, de tudo.

Por mais que quisesse falar mais, Charlie não conseguiu. Um nó se formou em sua garganta e os olhos se encheram de lágrimas novamente. Erin demorou um pouco para entender, mas aos poucos as peças do quebra-cabeça foram se ligando. Bastava um mínimo conhecimento sobre o que havia acontecido entre os dois para perceber que só havia uma coisa sobre a qual o Jeremy poderia saber. E Erin ficou puta em questão de segundos.

- Desde quando?

- Ele disse que um pouco depois do aniversário dele... Mas acho que de antes já estava conseguindo ligar os pontos.

- Eu vou matar ele – disse Erin, permanecendo sentada apesar da clara ameaça, que nem mesmo Charlie ousou duvidar ou contrariar. – E ele não te disse nada? Todo esse tempo? Como você descobriu aliás?

- Ouvi ele e a Sonni discutindo. Como sempre, ela reclamando da minha presença no hospital, e então ele dizia que não era comigo que ele tinha que ficar preocupado, e que sabia do que ela tinha feito.

- Ela fez tudo aquilo?

- Como se você não desconfiasse.

- Desconfiar é uma coisa, mas ela realmente ter feito... Era a filha dela, meu deus! – Erin parecia mais irritada do que Charlie já havia visto alguma vez em sua vida. – Não acredito que ele escondeu isso de você.

- Sabe o que é pior?

Tinha como ficar pior? Se perguntou Erin. Ela mal conseguia ainda conceber a ideia de que Jeremy finalmente havia descoberto a verdade e decidido esconder de Charlie, a parte mais interessada nesse assunto do que ele próprio. Na verdade, ela ainda nem conseguia engolir a história dele não acreditar na inocência da mulher, porque era óbvio até para um cego, surdo e mudo que ela nunca faria algo daquilo. Nem era necessário conhecer a Charlie por muito tempo para saber que a mulher nunca se rebaixaria a tal nível. Erin ainda se lembrava da conversa que tivera com Jeremy, de como o ator considerara a possibilidade de Charlie ser uma espiã e o quanto ela achara aquilo absurdo. Jeremy era burro demais. Como podia alguém ser tão desprovido de inteligência?

- Alguns dias antes, nós conversamos na cafeteria – Charlie arrancou a estilista de seus pensamentos. – E ele perguntou se ainda tinha alguma chance de voltarmos a ficar juntos.

Erin nem mesmo se deu ao trabalho de ficar chocada como queria e deveria naquele momento. Se antes ela achava que a burrice dele era grande, nada se comparava à cara de pau do ator. Ela tinha que aplaudir Charlie, na verdade, por ter ainda a calma e a serenidade para voltar ao hospital todos os dias para visitar Ava, sabendo da presença dos seres infelizes que um dia ela teve o infortúnio de conhecer. A mulher não merecia aquilo, Erin sabia, era extremamente injusta a forma como havia sido tratada e agora com tudo aquilo, ela só sentia vontade de esfregar a cara do Jeremy no asfalto, espremer limão e depois jogar álcool por cima, e mesmo assim acharia pouco. Antes ela achava que havia alguma esperança para os dois, mas agora não havia nada no mundo que lhe desse um mínimo do sentimento para que eles voltassem a ficar juntos. Jeremy teria que ir ao infinito e além para merecer o perdão de Charlie, para merecer tê-la ao seu lado novamente, e mesmo assim talvez não fosse o suficiente.

- Eu sinto muito, Charls – disse Erin, vendo as lágrimas escorrerem pelo rosto da outra. – Eu queria muito que você não tivesse que passar por isso, queria eu estar no seu lugar.

- Obrigada. – A mulher suspirou, passando a mão no rosto. – Bem, com sorte, amanhã ou depois de amanhã, Ava já vai ser liberada e eu vou poder ir embora e deixar tudo isso no passado.

- Espero que não tudo – disse Erin. – Espero que não deixe isso te afastar dos seus objetivos, Charls.

- Não posso dar garantias agora – Charlie foi honesta, afinal sequer conseguia pensar naquilo sem que lhe desse vontade de chorar. – Mas eu sei que não estou sozinha.

- Não mesmo, esse apartamento já é tão seu quanto meu. Aquele quarto é todo seu. Nem precisa levar nada embora se quiser.

- Obrigada.

Charlie se virou no sofá, deitando a cabeça no colo de Erin e fechando os olhos ao sentir a estilista acariciando seu cabelo. Ela sentia falta daquilo, ter uma amizade boa e verdadeira. Por muito tempo fora apenas ela e Ted, e agora que possuía uma amiga fora daquele círculo minúsculo, se sentia ainda mais feliz. Era bom ter alguém tão próximo em quem se apoiar quando as coisas ficavam difíceis, que tinha uma visão melhor do mundo em que ela própria havia se enfiado um ano atrás. Ted era ótimo, mas estava há um oceano e mais um pouco de distância. Era bom ouvir as palavras reconfortantes do irmão, mas não era o mesmo que ter um contato físico, algo que lhe deixasse ter a certeza de que ela não estava tão sozinha quanto se sentia.

Aqueles últimos meses tinham sido os mais difíceis e ela não tinha palavras suficientes para dizer o quanto a presença de Erin havia ajudado a aliviar toda a tensão. Saber que a mulher acreditava nela e estava ao seu lado, saber que bastava uma ligação e a estilista pegaria o voo mais próximo para estar na casa dela e lhe consolar quando mais ninguém conseguia. Saber que caso finalmente conseguisse jogar tudo para o alto e voltar a trilhar aquele caminho que havia escolhido antes de tudo, Erin estaria lá para apoiá-la e lhe oferecer um lugar para ficar. Saber de tudo isso enchia o coração de Charlie com algo que há muito ela não sentia, era uma sensação engraçada e gigante de gratidão. Mesmo que estivesse perdendo duas pessoas que haviam entrado em sua vida e ganhado grande importância, ela sentia certo alívio ao saber que pelo menos uma pessoa que havia chegado mais tarde, ainda conseguiria sobreviver àquela avalanche.

- A pior parte... – sussurrou Charlie, logo se perdendo em um soluço. Erin abaixou a cabeça para ouvi-la com atenção, sentindo que sua perna começava a ficar mais molhada, mostrando que a mulher havia voltado a chorar. – O pior é que eu ainda o amo.

Erin só conseguiu dar um abraço desajeitado na mulher com força, os olhos fechados sentindo lágrimas próprias surgirem. Ela esperava não ver Jeremy tão cedo na sua frente, ou não conseguiria se controlar. Faria Ava perder o pai, e provavelmente a mãe caso Sonni cruzasse seu caminho, só para vingar o que o ator estava fazendo a amiga passar.

~ * ~

Dois dias depois, Ava finalmente conseguiu receber boas notícias. Ainda não teria alta, mas já estava mil vezes melhor do que quando havia chegado ali. Charlie ficou feliz com a notícia e enxergou ali a brecha que precisava para preparar sua partida. Ela sabia que não seria fácil, havia voltado a se apegar à menina e sabia que ela sofreria quando a ex-babá informasse que tinha que partir.

Naquela tarde, ela comprou sua passagem, pretendo partir no fim de semana. Já havia avisado Erin, que mesmo a contragosto havia concordado com os planos da amiga, e agora ensaiava para conversar com Ava sua partida. Enquanto esperava, sentada em um banco afastado, Valerie se aproximou e se sentou ao lado dela, lhe dando um sorriso simpático antes de fazê-lo. Era visível que a mulher sabia de algo, Charlie só não fazia ideia do quanto exatamente, e felizmente não demorou muito a descobrir.

- Eu sinto muito pelo meu filho – a mais velha quebrou o silêncio. – Tenho tentado descobrir onde errei com ele, mas não consigo.

- A senhora sabe?

- Todos sabem – confirmou Valerie. – E todos estão a seu favor. Nós amamos o Jeremy, não me entenda errado, mas isso não significa ficar ao lado dele em cada situação.

- Sinto muito ter que envolvê-los nisso...

- Não sinta, querida. Você nunca teve culpa de nada. – Valerie finalmente encarou Charlie, erguendo a mão para acariciar a bochecha da mulher. Charlie se viu tocada por aquele gesto, nunca tendo muita intimidade com a mais velha. – Nós realmente achávamos que ele iria mudar dessa vez, que você faria alguma diferença. E achávamos que estava fazendo, mas então... É muito infeliz.

Charlie não sabia o que dizer, talvez não houvesse nada a ser dito. Ela não esperava toda aquela honestidade de Valerie, principalmente por se tratar da mãe de Jeremy. Não esperava que a mulher aprovasse as atitudes do filho, mas confessar que estava contra o ator e a favor da mulher? E que não era única? Aquilo era inesperado, que Charlie não teria previsto nem em um milhão de anos.

- Não era para ser – Charlie deu de ombros. – Não torturem tanto ele. Jeremy é adulto, sabe bem o que faz. – Valerie pareceu surpresa por ver a mulher o defendendo. – De qualquer forma, em breve eu vou embora, então não terão mais com o que se preocupar.

- Tão cedo?

- Não há mais o que ser feito aqui – Charlie suspirou. – Ava está melhor e em breve sairá daqui. Eu preciso voltar e colocar minha cabeça no lugar, respirar um pouco antes de voltar e retomar o caminho que eu trilhava antes do ano passado acontecer.

- Espero mesmo que volte, querida – disse Valerie. – Não desista de seus sonhos.

- Não acho que me deixarão fazer isso – a mulher riu.

- Quando você parte?

- No sábado à tarde.

Valerie e Charlie pularam quando escutaram um copinho descartável cair no chão e derrubar todo seu conteúdo. As duas mulheres olharam para a fonte do barulho, logo atrás de onde estavam e se surpreenderam ao ver Jeremy parado ali. Era bem claro que ele estava ali há um tempo e havia escutado a conversa entre elas. Os olhos claros do ator estavam fixos na mais nova, como se de repente ela possuísse duas cabeças. Valerie olhou para os dois por um momento, e então se retirou para deixá-los a sós. Charlie quase a impediu, mas a mais velha foi mais rápida. Charlie se levantou, encarando Jeremy, esperando que ele quebrasse o silêncio, já que ele quem estava escutando a conversa alheia.

- Você vai embora?

- Não sei por que está tão surpreso – disse ela, seu tom de voz mais frio do que ela própria esperava estar. – Eu te disse que isso iria acontecer.

- Mas eu...

- Achou que eu mudaria de ideia? Eu também achei que você fosse acreditar em mim quando eu disse que não havia feito nada daquilo, mas você não o fez né? Então...

- Charlie, por favor, eu só quero... – O ator suspirou, se aproximando lentamente da mulher. – Eu sei que errei, e eu me arrependo muito por não ter ido falar com você quando descobri a verdade.

- Você sabia da verdade desde o início, Jeremy. Só escolheu não enxergá-la. Agora é tarde demais.

- Não, Charlie, não... Eu me recuso – ele a segurou pelo braço, impedindo que a mulher fosse embora dali. – Eu preciso falar, pelo menos esse direito você tem que me dar, Charlie. Sim, eu sei que não mereço, mas mesmo assim eu vou pedir para você me deixar falar.

A mulher o analisou, a forma como ele segurava seu braço era firme, mas sem machucá-la. Seus olhos estavam marejados e demonstravam todo o cansaço que ele vinha sentido. Seu rosto parecia ter envelhecido mais uns vinte anos desde que ela havia chegado. Inicialmente ele havia melhorado, mas depois da última discussão entre eles, só havia piorado. Tudo em seu corpo lhe dizia para ela ir embora, e deixa-lo falando sozinho. Se ele não lhe dera a oportunidade de se defender, por que ela o deixaria fazer aquilo com ela? Sua consciência pesou, e sua curiosidade para saber o que ele teria a dizer tomou conta de seu corpo e a mulher suspirou. Charlie moveu o braço o suficiente para se soltar do aperto dele e então cruzou os braços, fazendo um sinal para que ele falasse.

Jeremy mal conseguiu acreditar ao perceber que ela havia lhe dado uma chance. O ator respirou fundo e passou as mãos pelo cabelo, de repente todo seu discurso sumindo. Ele sabia que não teria muito tempo para pensar e também não podia abusar, não podia falar uma vírgula fora do lugar ou a perderia ainda mais. Com um suspiro, ele voltou a encará-la. Todas as guardas que havia levantado, as máscaras que havia vestido, tudo caiu e ele permitiu que ela o enxergasse ainda mais. Sabia que ela era mais do que capaz de ver por trás daqueles muros, mas naquele momento garantiria que ela não precisaria se esforçar mais. Não era o local apropriado, mas ele não estava em posição de fazer exigências.

- Charlie, eu me arrependi no momento em que as palavras saíram de mim, mas fui burro demais e só percebi quando vi suas fotos no aeroporto. Tudo o que queria era pegar o carro, ir até lá e te impedir de entrar naquele voo. – Enquanto ele estava tão transparente quanto cristal, ela não permitia que ele percebesse qualquer reação que aquele discurso poderia causar. – Mas eu não fui, e os dias passaram e era pura tortura... Cada canto daquela casa tinha uma memória nossa, algo seu que fazia com que eu revivesse tudo. Não foi fácil para mim também. Você ao menos conseguiu fugir e ir para um lugar que não havia qualquer lembrança minha, mas e eu? Cada risco na parede que a Ava fazia parecia desenhar sua imagem, seu rosto, seu sorriso. Cada vez que ela pedia por aquele panda, eu me lembrava de como tudo começou... Como nós começamos.

Ele achava que havia sido fácil para ela esquecer tudo só porque ela não estava ali? Ele achava que a distância era o suficiente para deixar tudo menos dolorido? Ele achava que ela havia pousado em Norfolk e já estava pelo menos cinquenta por cento melhor do que em Los Angeles? Cada vez mais ela entendia todas as vezes em que Erin dizia que o ator era extremamente burro em determinados assuntos, mas talvez burrice não fosse o ponto, e sim plena ignorância. Por um lado, Charlie até entendia aquele pensamento dele e forma de agir. Por tantos anos fora só ele e sua filha, depois de todo o sofrimento que ele tivera com Sonni. Mas, ainda assim, não justificava.

- Eu precisava de tempo, Charlie – disse ele, retomando seu discurso. – E eu não quero nem tentar reatar o que tínhamos ou começar de novo, porque eu sei que isso eu já perdi... Mas eu... Eu só preciso que você me perdoe.

Charlie quase riu diante a ousadia dele, mas ela havia lhe dado a chance, não havia? Sabia que viria algo daquele tipo eventualmente. A mulher respirou fundo e passou a mão pelo rosto e o cabelo. Ela conseguia entender o lado dele, mas não queria dizer que isso fazia doer menos tudo o que havia acontecido. Era como havia dito para Valerie, ela precisava de tempo até que parasse de doer tanto, então poderia voltar. Jeremy tivera o dele, por mais mal aproveitado que tivesse sido, e agora ela precisava do dela. Por fim, ela atravessou o espaço e ocupou uma das cadeiras, ainda permanecendo de frente para o ator, que contornou a que antes ela e sua mãe ocupavam e ficou mais próximo dela. Charlie o encarou, a expressão fechada desmoronando diante uma pergunta que começava a se formar em sua mente.

- Por que foi tão difícil acreditar em mim lá no começo? – perguntou ela, a voz baixa e falhando em alguns pontos. Jeremy terminou de desmoronar naquele momento. – Que motivo eu teria para mentir para você? – perguntou novamente, agora algumas lágrimas começando a escorrer. – Eu falei que te amava, Jeremy! Eu olhei nos seus olhos e disse com todas as letras que te amava.

Ele não tinha aquele direito, mas não se importou. O ator se ajoelhou em frente a mulher e colocou ambas as mãos em volta do rosto dela, unindo as testas enquanto ambos choravam diante aquela réplica dela. Era doloroso demais vê-la naquele estado, saber que ele era o culpado por aquilo. Nem mesmo ele conseguia se perdoar diante aquela cena. Vê-la desmoronando e o questionando sobre sua falta de credibilidade.

- Era a Ava! – sussurrou ele, o tom desesperado. – Eu fiquei cego, o que você queria que eu fizesse? – Ele se afastou, mas manteve suas mãos no corpo dela, agora segurando os braços dela, um sinal claro de desespero para que ela o entendesse e conseguisse perdoa-lo um mínimo que fosse. – Minha filha, o ser mais precioso da minha vida. Era a segurança dela, a saúde dela... Eu não conseguia pensar em mais nada. Eu entrei em pânico e tudo parecia uma ameaça. Eu não queria te culpar, te arrastar para o meio disso tudo, mas eu também não ia conseguir ficar perto de você enquanto não resolvesse tudo, enquanto não conseguisse garantir que Ava ficaria bem. – Ele respirou fundo, levemente ofegante após aquele pequeno discurso. As lágrimas dos dois molhavam seus braços, bem no ponto em que a mão dele a segurava. – Por mais que tenha machucado te machucar, no final Ava importava mais. E ela sempre importará. Eu te disse isso desde o começo.

Ela não sabia o que se sentir com aquilo. Sim, ela sempre soube que Ava era mais importante, mas ao mesmo tempo ela não via como ele conseguira conectar aqueles dois assuntos. Como ele achava que ela não poderia ser tão importante. Como o relacionamento deles era importante também. Ele havia prometido que não a afastaria e bastou um único momento de fraqueza para quebrar a promessa. Ela nunca havia pedido para ser mais importante que Ava, para ser uma prioridade maior... Ela sabia que nunca conseguiria aquilo. Mas eles estavam juntos há um bom tempo, sabia que algum nível de importância deveria ter. Antes que pudesse questioná-lo sobre aquilo, entretanto, Jeremy voltou a quebrar o silêncio entre eles.

- Antes eu não estava pronto para adicionar mais alguém à nossa pequena família, eu tinha medo. Mas você e Ava me mostraram que eu não precisava ter medo, que eu não preciso temer você... Não precisava temer nós.

Charlie se lembrou da conversa que tivera com Erin, de como a estilista havia dito que o ator gostava da babá porque ela tinha lhe dado uma certeza. Um lugar seguro. E agora ali estava ele confessando aquilo. E era tudo lindo, mas...

- É tarde demais – sussurrou Charlie. – Eu te disse, nós não existimos mais. – Jeremy levantou o olhar para ela como se suplicasse para ela retirar o que havia acabado de dizer. – Eu entendo o que você fez no começo, mas agora... Você sabia, Jeremy. Você sabia e ficou quieto. Eu não consigo... Eu não posso lidar com isso agora. – Ela passou a mão no rosto, afastando-se do aperto dele. – Não foi fácil para mim, independente da distância a dor era a mesma. E eu finalmente estava conseguindo lidar com ela, apesar de ainda ser intensa, mas você... Não me peça para te entender agora. Eu te perdoo por antes, por como tudo acabou. Mas agora...

Charlie se levantou, mantendo-se de costas para não se quebrar ainda mais por vê-lo ainda ajoelhado no chão, rezando para que ela mudasse de ideia. Mas ambos sabiam que ela não mudaria de ideia. Jeremy havia estragado tudo e agora precisava dar a ela o tempo que ela precisava antes de finalmente tomar coragem para voltar e tentar conquistar a mulher mais uma vez. Já havia feito uma vez, talvez conseguisse fazer mais uma vez. Talvez.

- Eu vou me despedir da Ava.

Ele não a impediu daquela vez. Já havia ganhado muito mais, não tinha direito de pedir mais nada. Sequer virou o rosto para vê-la partindo. Não conseguiria passar por aquilo. Já era dolorido o suficiente tudo o que ela havia dito e o que ele havia feito para causar aquela situação. O mínimo que tinha a fazer era deixa-la partir.

- Acho que é uma ovelha.

Charlie sorriu, encarando a nuvem apontada e tentando entender como o cérebro de uma criança de quase cinco anos funcionava. A pedidos de Ava, ela havia empurrado a maca da criança para perto da grande janela que havia no quarto. Com a melhora dela, a quantidade de aparelhos ligados à criança era bem menor, assim como a quantidade de agulhas, o que lhe dava essa possibilidade – claro que ela havia confirmado com um enfermeiro antes. O dia estava frio, mas havia um pouco de sol e muitas nuvens para elas tentarem encaixar formas nela.

Mais cedo, quando finalmente conseguira se acalmar o suficiente para encarar a criança, Charlie conversara com Ava, informando que em breve iria embora. Não foi uma tarefa fácil, afinal ela ainda era uma criança e não tinha como entender que os problemas não a envolviam. Charlie também não disse que o pai da menina tinha culpa, afinal não queria criar algum tipo de inimizade. As duas choraram e Ava tentou convencer a mulher a continuar em Los Angeles pelo menos, morando com a tia Erin. Mas, por fim, ela finalmente conseguiu entender e se resignou à brincadeira com as nuvens.

Jeremy as acompanhava da porta do quarto, aproveitando do fato delas estarem de costas para ele. Não era novidade para ninguém o quanto ele gostava da dinâmica entre as duas, desde que Ava finalmente se deixara ganhar pela mulher e parara de causar o inferno na terra. Era algo tão natural e único, algo que ele achava não acontecer nem com ele próprio. O ator já estava preparado para se retirar, temendo que aquela brincadeira acabasse a qualquer momento e Charlie decidisse ir embora, quando a voz fina e baixa de Ava o interrompeu.

- Vou sentir sua falta – disse ela, pegando até mesmo Charlie de surpresa. Elas estavam quietas há uns bons minutos, e já tinham deixado aquele assunto há quase uma hora.

- Sabe que pode me ligar quando quiser, não é?

- Mas não é a mesma coisa – choramingou Ava. – Queria você aqui.

- Bem, eu sempre estarei aqui – Charlie apontou para onde ficava o coração da menina, sentindo seus próprios olhos arderem com lágrimas. – Eu te amo, princesa, nunca esqueça.

- Também te amo – disse Ava, se virando para abraçar Charlie, que a abraçou de volta, afundando o rosto no cabelo da menina e inspirando profundamente. O cabelo dela cheirava a shampoo infantil, algo que lembrava morango e um pouco de mel. – Você vem pro meu aniversário?

Charlie achou que nunca teria que mentir para Ava. Aliás, ela havia prometido a si mesma que nunca o faria. Sempre dissera a verdade ou uma versão da verdade, algo que fosse o suficiente para sua idade tão pequena entender. Mas ali, diante aquela pergunta, Charlie não se viu com outra alternativa, porque apesar de não querer mentir, ela também sabia que as chances de voltar a pisar os pés naquela casa tão cedo seriam improváveis.

- Claro que sim, meu anjo. – Sussurrou ela, depositando um beijo no topo da cabeça da menina e começando a acariciar os fios.

Ela não viu o sorriso que aquela afirmação fez surgir no rosto da menina, e Ava tampouco percebeu as poucas lágrimas que a mulher derramava. Havia doído como tudo chegara a um fim com Jeremy, mas perder a companhia daquela criança, seu bom humor, suas risadas e sua mente extremamente ativa e criativa seria a maior perda de todas. Charlie havia se afeiçoado e se apegado a Ava de formas que não seriam consideradas saudáveis, quase como se a menina fosse sua própria filha. Era inconcebível a ideia de ir embora e não poder mais vê-la. Por isso, enquanto encarava o céu e sentia a menina aos poucos caindo em um sono profundo, Charlie considerou que deveria combinar com Erin algum esquema que lhe permitisse algumas visitas furtivas para Los Angeles que rendessem um encontro com a menina, mesmo que fosse algo breve.

Ou talvez algum milagre poderia acontecer e fazer o tempo voltar para que tudo ocorresse de forma diferente.

~ * ~

- Não acredito que já está indo embora.

- Erin, não faça isso ser mais difícil do que já é – choramingou Charlie, enquanto terminava de fechar suas malas.

- Eu estou perdendo uma das melhores colegas de quarto que eu já tive, vou dificultar sim. – Erin bufou, parada na porta do quarto e se recusando a ajudar a amiga. – Isso é tão errado.

- Eu já disse que não é permanente – disse Charlie, encarando a mulher que já possuía o título de sua melhor amiga.

- Sim, sim, eu sei... Você precisa de um tempo – Erin revirou os olhos. – Só não brigo mais porque sei como isso é importante.

- Sabia que você iria entender.

Elas haviam passado algumas semanas juntas, noites em claro conversando e se conhecendo mais. Charlie havia conhecido mais do passado da estilista e se surpreendera em descobrir coisas que nunca teria imaginado que haviam ocorrido. Erin se demonstrava ser alguém tão forte sempre, e não parecia se abalar por nada, Charlie havia encontrado dificuldades em imaginar o passado difícil que a mulher tivera.

- Bem, eu acho bom você me ligar e não se tornar uma estranha – ralhou Erin, finalmente cedendo e indo ajudar a amiga a pegar as malas.

- E eu espero que você mantenha sua parte da promessa.

Erin tinha esperanças de que Charlie fosse se esquecer daquilo, mas as duas eram muito similares naquele ponto e nunca esqueciam uma promessa. No dia anterior, quando Charlie finalmente se recuperara da discussão com Jeremy e da despedida de Ava, as duas finalmente conseguiram conversar sobre os últimos acontecimentos. Claro que a estilista havia ficado dividida entre revoltada e tocada pelo discurso de Jeremy, sendo amiga de longa data do ator e conhecendo mais do que tinha orgulho de admitir o homem, ela conseguia entender o que havia se passado pela cabeça dele durante aquela confusão toda. Percebendo ali uma brecha, Charlie fizera a amiga prometer a não deixar aquilo afetar a relação entre ela e o ator, afinal ele estava na vida de Erin há mais tempo que Charlie. Erin não gostara muito, mas confessava que não podia excluir totalmente Jeremy de sua vida, não depois de tudo o que ele já havia feito por ela. A estilista garantiu que uns dias depois que Ava saísse do hospital, algo que deveria ocorrer naquele fim de semana, ela pagaria uma visita aos dois e conversaria com o ator.

- Preparada? – perguntou Erin, após elas levarem as malas de Charlie para a sala. Não eram muitas, uma mochila que ela levaria consigo no avião, e uma de rodinha, além da bolsa pessoal.

- Você faz parecer como se eu estivesse indo embora para sempre.

- Eu sei que você não é louca – Erin sorriu. – Tem certeza de que não quer passar no hospital antes?

- Tenho... Já me despedi dela, não tem por que prolongar ainda mais.

Erin conseguia pensar em um motivo que valesse à pena prolongar aquela estadia ainda mais, mas sabia que não seria justo trazer à tona o assunto naquele momento. Charlie estava confusa e tinha muito o que processar depois daqueles últimos dias, principalmente depois da última conversa com Jeremy. Ela precisava de tempo para pensar naquilo e no que faria com toda aquela informação. Mas parte da estilista não gostava daquilo, algo lá no fundo dizia que os dois estavam cometendo um grande erro e, apesar de ter tentado se manter afastada e deixado Jeremy e Charlie lidarem sozinhos com a situação, talvez fosse a hora dela se intrometer, mesmo que fosse um pouco.

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n/a: eu não lembrava de como esse capítulo doía, peço desculpas.

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