Babá por Acidente

By brunakubik

24.6K 1.3K 276

Dizem que nada está tão ruim que não possa piorar, certo? Certíssimo! A conquista do mestrado na área dos son... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Extra - Birthday Cake
Extra - Casados por Acidente

Capítulo 13

793 40 1
By brunakubik


Como prometido, eles chegaram na casa de Valerie a tempo de comemorar o Halloween, com Ava usando sua fantasia dos Trolls – o novo vício da garota, e que era o guilty pleasure atual de Charlie, apesar da mulher tentar negar – e fazendo o pai e a babá usarem pelo menos uma tiara de unicórnio e gatinho respectivamente. Charlie foi além e fez desenhos no rosto para imitar o nariz e o bigode do animal, enquanto Jeremy achou que já era o suficiente a tiara com o chifre do animal. Claro que ele estava extremamente satisfeito com o que Charlie havia improvisado, ainda mais quando ela apareceu vestida toda de preto para combinar, a imaginação do ator viajando para diversos possíveis cenários – os quais ele fez questão de expressar para a mulher. Que apenas sorriu e lhe piscou um olho antes de ir até Ava para ajudá-la com a própria tiara, que tinha orelhas e o cabelo imitando os trolls do filme. Ela estava a definição de fofo e adorável, e Charlie não resistiu em tirar algumas fotos e selfies dela com a menina e com pai e filha depois.

Eles passearam pela vizinhança com Ava segurando seu baldinho para trick or treat, sempre sendo muito adorável e educada quando os vizinhos lhe davam algumas balas e chocolates. Ela corria com as priminhas e dividiam os doces, depois ela vinha até o pai para mostrar o que havia ganhado. Charlie e Jeremy andavam um pouco atrás, mãos dadas, os olhos atentos nas crianças, não querendo correr o risco de perder qualquer uma de vista. Estava uma tarde agradável, mas que prometia uma noite fria. Jeremy usava um caso, e Charlie se encolhia dentro da blusa extremamente fria que havia escolhido para aquele passeio. Ela mal podia esperar para voltarem para casa, onde um jantar preparado por Valerie os esperava.

Era claro que, enquanto via as meninas correndo a sua frente, um pensamento não deixava de cruzar a mente do casal: em algum momento poderia ter uma nova criança ali naquele meio. E tal pensamento assustava um pouco os dois: ainda era cedo para aquilo, certo? Ainda era cedo para muitas coisas, os dois pensavam quando sentiam as borboletas e as três palavras que pendiam na ponta da língua cada vez que se viam, se abraçavam ou se beijavam. Era tentador demais, e extremamente assustador. Era algo muito novo para ambos, eles não tinham como comparar com nada que já haviam vivenciado antes. Não havia um padrão a ser seguido. A única certeza que tinham era que a qualquer momento aquilo tudo podia vir abaixo e eles perderiam algo, e era assustador demais pensar que poderiam perder tudo em um piscar de olhos.

Quando já haviam terminado o passeio, Ava correu para os braços do pai, entregando seu baldinho de doces para Charlie e afundando o rosto no ombro do ator, o cansaço começando a surgir, mas a menina querendo lutar contra para aproveitar todo o tempo que tivesse com Jeremy. Era uma cena tão adorável, Jeremy agora já havia se livrado da tiara de unicórnio e cobria o corte de cabelo com um boné, carregando a filha nos braços. Charlie não resistiu, precisava de mais uma foto para a coleção que crescia a cada dia em seu celular. Jeremy possuía uma regra na casa em uma tentativa de controlar mais a privacidade da filha, mas até ele assumia que muitas vezes aquilo era impossível. Ele até tentava ficar chateado com Charlie por ela não conseguir mais se controlar como antes, mas bastava ver como as fotos haviam ficado e ele esquecia de tudo, ficando horas vendo as imagens e mandando para alguns colegas que adoravam Ava.

Eles passaram o resto da semana na casa de Valerie, mas sexta de manhã fizeram a viagem de volta para casa, afinal Ava precisava passar o fim de semana com a mãe, e Charlie pretendia usar o fim de semana para ficar em dia com os textos que não havia conseguido discutir durante as aulas que perdera naquela semana. Jeremy normalmente reclamaria, mas até ele havia dado uma pausa na vida profissional para aproveitar aqueles dias com a filha e a babá, agora a quantidade de e-mails e assuntos para resolver se empilhavam e ele pretendia adiantar o máximo que conseguisse.

Logo a correria normal voltava à vida deles, com Charlie passando noites em claro para estudar e finalizar trabalhos e, com muito esforço, ainda cedendo aos convites constantes de Anna e Erin para saírem juntas. No início, ela achava que as mulheres insistiam tanto a pedidos de Jeremy, mas após uma conversa com o ator, ele confessou que fazia semanas que não conversava com qualquer uma das mulheres – e lembrou que estava devendo uma visita apropriada ao ateliê de Erin, algo que aproveitou para tirar da lista quando Charlie comentou que a estilista estava implorando pela companhia da babá naquela semana. Eles aproveitaram para buscar Ava na escolinha e depois irem até o local, assim Ava poderia matar as saudades da estilista também.

- Tia Erin! – gritou a menina, correndo entre as mesas até alcançar a mulher, que se livrou da almofada de alfinetes antes de receber o abraço apertado da criança.

- Meu Deus! Você está tão grande! – Erin a afastou um pouco, encarando a menina que estava ainda mais adorável. – Jeremy, se você demorar esse tempo todo de novo para vir me visitar, na próxima premiação eu faço você pagar mico.

- Desculpe, mas você sabe tanto quanto eu como está uma loucura o ritmo de gravações – comentou o ator, abraçando a mulher e lhe dando um beijo no rosto. – E você sabe muito bem que pode aparecer lá em casa quando quiser, não precisa de convites.

- Sei? – perguntou Erin, fazendo uma careta. Charlie se lembrava da mulher comentando vagamente sobre um pequeno desentendimento entre a estilista e o ator alguns meses atrás, mas nunca entrou em detalhes.

- Você sempre será bem-vinda, Erin – disse Jeremy, sorrindo para a mulher.

- Acho bom – a estilista sorriu de volta. – Já estou começando a preparar suas roupas para as premiações. E acho maravilhoso que você esteja aqui, Charlie, posso finalmente pegar suas medidas.

- Minhas medidas? – perguntou a mulher, que de repente sentiu saudades do breve momento em que ficou invisível ali.

- Claro! – Erin procurava por algo em uma das mesas, o cabelo preso em um penteado que mais parecia um ninho de passarinho de tão bagunçado que estava. Por fim, ela soltou uma exclamação e sorriu vitoriosa, segurando uma fita métrica. – Você não achou que eu iria deixar você sem uma roupa decente para as premiações, achou?

- Erin, nós não... – Jeremy começou, sendo interrompido pelo olhar da mulher.

- Não vão me dizer que terminaram, eu vi as fotos essa semana de vocês dois passeando na praia. – Charlie engoliu em seco, a estilista estava assustadora diante a ideia dos dois não serem mais um casal.

- Não, mas Charlie não se sente bem ainda para participar desses eventos.

- Mas ela foi...

- Mas ela não quer mais passar por isso tão cedo.

- Mas o mais difícil...

- Vocês dois podem parar de falar como se eu não estivesse aqui? – A mulher interrompeu a discussão, tentando parecer séria, mas falhando ao ouvir o riso divertido de Ava, que acompanhava tudo sentada em um banco alto, desenhando em uma das folhas que havia roubado da estilista. – Erin, é adorável que você queira fazer algo para mim, mas Jeremy está certo... Não acho que ainda esteja preparada para algo assim.

- Mas você foi para Wind River!

- Mas aquilo é uma reunião do clube do livro comparado a um Globo de Ouro, sem ofensas – acrescentou a mulher para Jeremy, que apenas sorriu.

- Você tem ideia do quanto isso é cruel? – choramingou Erin, e Jeremy riu, já conhecendo a mulher há anos.

- E essa é a minha deixa – comentou o ator, pegando Ava no colo, apesar dos protestos dela.

- Mas eu quero ficar com a tia Erin, papai – pediu a menina, fazendo um biquinho que sabia ser irresistível.

- Charlie? – perguntou o ator, já que a mulher ficaria por ali.

- Elas ficam, depois vamos embora juntas – disse Erin, diante da incerteza da babá. Afinal, provavelmente tinham ido até ali apenas com um carro, e Charlie não teria como voltar. – E já aviso que ficarei para o jantar.

- Quando você não fica? – brincou Jeremy, dando um beijo no rosto da estilista e depois um selinho em Charlie. – Até mais tarde.

- Até – Charlie sorriu, pegando Ava no colo quando Jeremy a entregou.

- Tchau, papai – disse a menina, sorrindo para o ator.

As três esperaram o ator se retirar do local para voltarem a agir. Charlie colocou Ava de volta em seu banquinho, a menina voltou a desenhar, e Erin apenas olhava Charlie com um sorriso de lado nos lábios. Algo que assustou Charlie quando enfim se voltou para a estilista. Erin não disse nada, apenas pediu para que a babá a acompanhasse enquanto elas iam para um espaço mais aberto e com vários pedaços de papel presos à parede, a uma distância segura para que pudessem conversar sem que Ava escutasse e que pudessem continuar a observar a menina.

- Então... – comentou Erin, fazendo Charlie abrir os braços e começando a tirar as medidas dela. – Você e o Jeremy.

- O que tem? – perguntou a mulher, desistindo de lutar contra e deixando a estilista se divertir.

- Quanto tempo já estão juntos?

- Uns cinco meses, acho – respondeu, fazendo as contas na cabeça.

- Tudo isso? – Erin arregalou os olhos, até mesmo perdendo a medida que havia acabado de medir.

- Nós mantivemos escondido por uns dois meses, acho – disse Charlie, quase rindo diante a confusão da mulher. – A mídia especulou, mas nós conseguimos fingir que era só ilusão deles.

- Então... Quem disse as três palavrinhas mágicas primeiro? – perguntou Erin.

- Que palavras?

- Isso é piada, certo?

- Erin, o que...

- Vocês ainda não disseram eu te amo um pro outro? – A estilista arregalou os olhos, sua voz saindo um pouco mais alta que o normal, chamando a atenção de Ava. – Não é nada, querida. – disse a estilista, suspirando aliviada quando a menina voltou a desenhar. – Charlie!

- O que? – Exclamou a mulher. – Cinco meses, Erin, cedo demais!

- De acordo com quem?

- Com todos os filmes e livros de romance?

- Ah, pelo amor de Deus! – Erin bufou. – Não acredito que você pegou a lerdeza do Renner. E claramente estão os dois cegos.

- Erin, você não...

- Eu sei muito bem do que estou falando – cortou a estilista, tirando a última medida e bufando novamente enquanto anotava os números no papel. – Você vai me dizer que acha que o Jeremy não sente o mesmo por você e por isso ainda não disse nada.

- Como voc...

- Eu tenho um doutorado nesse assunto, querida – disse a estilista, andando pelo ateliê para pegar um manequim de modelagem, onde prendeu com um alfinete o papel com as medidas de Charlie. – Sei que isso soa bem prepotente, mas conheço o Jeremy há sete anos, e podemos ter nos conhecido há poucos meses, mas eu sinto que já sei o suficiente sobre você para afirmar que vocês dois estão na mesma sintonia.

- Talvez seja apenas sua visão.

- Quem vê de fora tem uma visão muito privilegiada, Charlie – comentou Erin, puxando um banquinho para as duas poderem sentar. – E eu nunca erro nesse assunto. Vocês dois estão perdendo tempo. – Charlie não parecia convencida, e Erin não se surpreendeu. – Você já enfrentou a Sonni, tem o amor da Ava, algo que é extremamente difícil de conseguir, e em cinco meses já conseguiu uma viagem a dois para Tahoe. E se não acha isso o suficiente, basta notar a forma como ele te olha ou sorri toda vez que você fala um "a" que seja. Claro que você não vai conseguir ver isso, já que fica toda boba com a presença dele também, então pegue qualquer foto recente de vocês dois que saiu na mídia e lá estará sua prova. Ou, melhor ainda, já que não quer acreditar em mim, pare de evitar e leia as matérias que saem sobre vocês. Não há um site de fofoca que ouse falar que vocês dois não estão apaixonados.

- Erin...

- Qual é o problema, Charls? É tão ruim assim estar apaixonada por ele? – perguntou a estilista, olhando preocupada para a mulher a sua frente.

- Não, claro que não... – Charlie engoliu em seco diante aquele pensamento, era a melhor coisa estar apaixonada. – Mas é assustador.

- Por quê?

- Nossos mundos são tão diferentes, Erin. – A mulher parecia prestes a chorar, mas Erin sabia que era apenas por ter que admitir tudo aquilo. Quanto tempo Charlie vinha guardando todas aquelas incertezas? – E se fosse apenas eu e o Jeremy, talvez fosse mais fácil, mas tem a Sonni. Por mais que eu tente mantê-la fora da equação, eu não posso deixar de lado que os dois sempre terão algo em comum. De alguma forma, ela sempre será parte da vida dele.

- Muito bem, eu vou te parar bem ai – disse Erin, segurando as mãos de Charlie. – Quem faz parte da vida do Jeremy e sempre fará parte da vida dele é a Ava. Sonni é uma mosca chata que sempre aparece no churrasco. Ela não faz parte de nada, e eu tenho certeza que Jeremy já deixou isso claro para você inúmeras vezes. – Charlie fez uma careta ao controlar a risada diante a comparação que estilista havia feito. – E, sim, os mundos de vocês podem ser diferentes, mas isso não significa que eles não possam se unificar em alguns pontos. Basta os dois estarem dispostos a fazer algumas mudanças, e eu sei que vocês estão.

- É mais fácil falar que fazer.

- Sim, é – concordou Erin – mas qual seria a graça se a vida não tivesse algumas dificuldades? Charlie, vocês dois se amam! O que pode dar de errado quando vocês já conseguiram o mais complicado?

Erin abriu a boca, mas a fechou logo em seguida. Ela sabia que podia falar algo que faria a babá mudar de ideia rapidamente, mas ao mesmo tempo, uma dúvida surgia e ela não se via no direito de revelar algo como aquilo. Não era sua vida para ela se intrometer – apesar de ter um longo histórico ignorando essa pequena condição. Ela amava Jeremy e começava a sentir um carinho muito grande por Charlie. Era encantador ver os dois juntos, a forma como se olhavam e se admiravam. A estilista sabia o quanto o ator era importante para a babá, e o contrário também. Doía ver que os dois estavam tão hesitantes. E ela nunca conseguia ficar quieta diante uma situação como aquela.

- Olha, não cabe a mim te falar isso, mas claramente os dois estão cegos demais para perceberem, então... – Erin respirou fundo, torcendo que Jeremy não a matasse caso descobrisse o que diria a seguir. – A Sonni estragou demais o Jeremy, fez com que ele sentisse como se aquilo fosse o fim não apenas do casamento, mas de sua vida amorosa como um todo. Ele estava pronto para focar a vida dele no trabalho e em Ava, apenas isso seria o suficiente – disse Erin, chamando a atenção de Charlie, que aproveitara o silêncio para observar a menina. – Então você apareceu. Quer saber o motivo que nos fez discutir? Foi ele ser tão teimoso e querer tanto manter a distância de você no primeiro sinal de que poderia sentir algo por você. Eu nunca o vi tão apavorado quanto naquele dia, Charlie. E você mudou isso. Nós conversamos depois daquela première, ele me ligou para agradecer pelo vestido e perguntar quanto foi, como se eu fosse deixar ele pagar por aquele presente maravilhoso. Enfim, o ponto é... Já ali eu sabia que tudo havia mudado, que você havia causado algo dentro dele e aberto não só os olhos dele, mas o coração. É piegas, eu sei, mas é verdade. Outras tentaram oferecer isso a ele, mas nenhuma delas era você. – Charlie tinha os olhos marejados, algumas lágrimas já haviam conseguido escorrer por seu rosto. – Ele te ama, Charlie, e não só por amar. Mas por você ter mostrado a ele que ainda dava para acreditar no amor. Por ter dado a ele um lugar seguro para se jogar, para que ele pudesse cair.

Charlie não sabia como responder após aquilo. Ela e Jeremy já haviam conversado diversas vezes, mas nunca sobre algo tão íntimo e profundo como aquilo. Eles ainda mal haviam conversado sobre os namoros anteriores àquele, que diria algo tão sério quanto aquele medo de se apaixonar novamente. Erin percebeu que havia falado demais e que a babá precisava de um tempo, ela se levantou e se afastou, se juntando a Ava para ver o que a menina havia feito. Ela sentia falta da criança, que sempre pedia para a estilista ajudá-la a desenhar algum vestido. Erin já havia até mesmo costurado alguns vestidos para as bonecas de Ava, um presente que fez a menina abraça-la a cada cinco minutos durante aquele dia. Erin via na garota um caminho promissor, ela tinha os traços infantis ainda, mas uma imaginação muito fora da caixinha, algo que ajudava numa carreira como aquela. As duas podiam passar uma tarde juntas apenas desenhando e seria o suficiente.

Charlie mantinha os olhos fixos na estilista e na criança, mas sua mente estava nas palavras ditas por Erin. Cada ponto e vírgula pesando em seu discurso, fazendo sua cabeça rodar em busca de uma explicação para ela ainda se manter hesitante, para ela ainda sentir aquele medo em se declarar de coração tão aberto para Jeremy. Era como ela havia dito: era mais fácil falar que fazer. A teoria sempre era linda e simples, mas colocá-la em prática era o grande monstro do final da fase. Já havia assumido para si mesma que estava apaixonada, não havia como fugir daquilo quando todo seu corpo implorava para aquela aceitação. Mas confessar para Jeremy era completamente diferente, exigia uma coragem e uma certeza que ela ainda não sentia que possuía. A coragem talvez, mas a certeza nem tanto. Não era certeza de seus sentimentos, mas do que eles teriam após aquela revelação.

Sua cabeça continuava girando em mil pensamentos mesmo após elas saírem do ateliê e Erin as levar para a casa do ator, parando o carro e saindo do mesmo, mantendo sua promessa de que ficaria para o jantar, afinal fazia tempo que não fazia aquilo. A estilista não interrompeu o fluxo de pensamentos da babá, mantendo uma conversa ativa com Ava durante todo o caminho para casa. Parando apenas quando estavam no portão da mesma e a menina já havia entrado correndo para casa. Erin se voltou e apoiou as mãos nos ombros de Charlie, fazendo a mulher encará-la.

- Olha, eu sei que eu falei demais hoje – disse Erin, vendo Charlie focar os olhos em seu rosto, ela parecia menos dispersa agora. – E eu sei que você está processando mil cenários ai dentro, mas agora pelo menos disfarce, ou Jeremy me mata por ter falado mais do que deveria. Você está entrando em pânico, eu sei, e peço desculpas por causar isso. Mas, se você ainda não se sente pronta para esse passo, deixe que tudo vai se desenrolando no ritmo que estiver confortável para vocês dois. Tem funcionado bem para vocês, não precisa mexer em time que tá ganhando.

- Eu sei, eu sei – disse Charlie, ainda sentindo sua mente dando voltas e mais voltas. – É só... Eu preciso de um minuto, vai entrando e eu já me junto a vocês.

- Tudo bem – disse Erin, num último minuto puxando a mulher para um abraço. – Respire fundo, está tudo bem.

Charlie sorriu enquanto via a mulher se afastando, fechando os olhos e apoiando as mãos na cabeça quando estava sozinha. A noite estava fria, com o inverno se aproximando, e o vento frio ajudava a clarear sua mente, a fazê-la ficar mais atenta e desperta. Estava quase pronta para entrar quando Jeremy apareceu no portão, olhando-a com preocupação.

- Está tudo bem? – perguntou o ator, observando o rosto levemente corado da mulher e a expressão que fazia parecer que ela passou os últimos minutos chorando.

- Sim, está – disse Charlie, sorrindo verdadeiramente para ele. – Erin e Ava falam demais quando estão juntas – brincou, respirando aliviada quando Jeremy riu e pareceu concordar com ela. – Fiquei para trás para respirar um pouco e me preparar para o jantar.

- Ainda dá tempo de fugirmos – brincou Jeremy, aproximando-se da mulher para abraça-la. Charlie riu, apoiando os braços nos ombros do ator. – Certeza que é só isso?

- Sim – disse ela, ficando nas pontas dos pés para unir seus lábios ao dele. Jeremy sorriu contra os lábios dela, as mãos na cintura da mulher trazendo-a mais para perto.

- É muito desesperado se eu disser que estava com saudades? – perguntou ele, e Charlie riu.

- Um pouco, mas te dou um desconto por causa da correria dos últimos dias.

- Isso é sua forma de dizer que também estava com saudades? – O ator arqueou uma sobrancelha, Charlie revirou os olhos.

- Agora você nunca saberá – respondeu ela, tentando fugir dele, mas Jeremy foi mais rápido e ela se viu presa entre o corpo dele e o muro que cercava a casa, os lábios dele em seu pescoço. – Os vizinhos podem ver.

- Eu não ligo – respondeu ele, sussurrando no pé do ouvido dela fazendo a pele da mulher se arrepiar. – Só sai daqui quando admitir que estava com saudades.

- Hm... Cuidado, eu posso ter alguma fantasia escandalosa que envolva atos explícitos em público.

- Talvez eu também possa ter – provocou Jeremy de volta, sua barba por fazer roçando a pele do pescoço da mulher, fazendo-a suspirar e soltar todo o ar que vinha prendendo. – Vai admitir que estava com saudades?

- Não é como se você estivesse me estimulando o suficiente para ceder, na verdade está estimulando outra coisa – ponderou ela, sentindo o pescoço esquentar quando ele sugou a pele sensível. Ela sorriu vitoriosa quando Jeremy se afastou, rindo diante a afirmação dela. – Acho que seus personagens estariam desapontados diante esse fracasso de tortura.

- Talvez seja uma estratégia e eu posso terminar mais tarde – disse ele, puxando a mulher pela mão e levando-os para dentro de casa antes que algum vizinho realmente os pegasse em alguma posição comprometedora.

- Mal posso esperar – sussurrou Charlie no pé do ouvido dele antes de mordiscar o lóbulo da orelha do ator.

Quando os dois entraram em casa, Ava e Erin estavam no chão da sala, fazendo um desfile de moda com as bonecas e os diversos vestuários que elas possuíam.

- Vocês duas vão arrumar isso tudo antes da Erin ir embora – disse Jeremy, fazendo uma careta diante a bagunça que eles haviam feito em apenas cinco minutos sem supervisão.

- Sim, pai! – gritaram as duas. Charlie riu enquanto Jeremy revirava os olhos.

- Por que eu convidei a Erin mesmo?

- Quem disse que você convidou? – perguntou ela, se aproximando do casal. – Então, qual é o cardápio?

Erin ficou na casa do ator até tarde, os três adultos conversando sobre os mais variados assuntos; a estilista e o ator colocando o assunto em dia já que ficaram longas semanas sem se falar apropriadamente; Charlie se divertindo ao ouvir novas histórias contadas por Erin. Quando deram por si, o relógio já apontava duas da madrugada e o sono já começava a dar os primeiros sinais. Ava já estava dormindo há um bom tempo, e os três pretendiam fazer o mesmo. Erin se despediu do casal e logo foi embora, Charlie e Jeremy organizaram a bagunça, agradecendo pelo próximo dia ser sábado e lhes dando a chance de dormir até um pouco mais tarde, sem se preocupar com qualquer compromisso muito urgente. Eles podiam estar com sono, mas não foram dormir imediatamente, Charlie, afinal, estava com saudades.

~ * ~

Os últimos trabalhos e provas de Charlie já haviam sido entregues e feitos respectivamente. O mês passava e os professores e alunos começavam a se preparar para as férias de inverno. Muitos professores já começavam a dispensar os alunos por saberem que muitos moravam longe e passavam longos períodos sem ver a família. Outros ainda se mantinham ao programa, mas a pressão estava bem menor já que as aulas eram mais para discussão de textos e assuntos discutidos nos últimos meses.

Enquanto Charlie estava livre, Jeremy, entretanto, não estava tanto. As viagens para Atlanta retornaram e ele possuía alguns outros assuntos para discutir, de forma que mesmo quando estava em casa – como naquele momento – ele passava mais tempo no escritório e no telefone conversando com alguém, do que com Ava e Charlie.

Naquele dia não havia sido diferente. O ator havia acordado cedo para levar a filha até a escolinha e depois fizera uma pausa para busca-la na hora do almoço. Agora, enquanto Charlie terminava de guardar a louça suja e Ava estava sentada à bancada da cozinha, o ator iniciava uma discussão com alguém devido à confusão de agendas – alguém por acidente havia marcado uma reunião extremamente importante para aquela tarde, porém Ava teria uma de suas consultas de rotina, e Jeremy nunca faltava. Charlie pendurou o pano de pratos no apoio e se aproximou de Ava, que brincava com um livrinho que Erin havia dado a ela na semana anterior, e esperava o sorvete descongelar para ela e Charlie atacarem o pote. A babá se colocou ao lado da criança, cutucando com a colher o sorvete e sorrindo ao ver que já havia amolecido o suficiente, cutucando Ava de leve com o cotovelo. Os lábios da criança se partiram em um sorriso quando viu Charlie estendendo a colher para ela.

- Não, eu não posso hoje à tarde! – Jeremy passou a mão na testa, Ava e Charlie dividiam as colheradas de sorvete e haviam começado a prestar atenção no ator, que agora andava de um lado para o outro. – Não, você sabe que eu não posso! Eu te avisei, eu tenho a consulta da Ava. – Jeremy suspirou pesadamente, reprimindo um palavrão que viera com tudo. – Claro que não posso cancelar. Entre a saúde da minha filha e uma reunião que com certeza pode ser adiada? Você realmente vai me fazer escolher? – As garotas se olharam, não precisavam de uma confirmação para saber que a conversa era séria, mas só quando o tom de voz de Jeremy mudou para algo seco foi que elas se preocuparam mesmo. Charlie tinha uma leve ideia sobre o que se tratava aquela reunião, e sabia que ela era importante, então resolveu levantar a mão e começou a balança-la para que Jeremy a notasse, o que não demorou muito a acontecer. – Só um minuto – ele disse no celular, depois afastando o aparelho e olhando a mulher. – Sim?

- Eu posso levar a Ava no médico – sugeriu Charlie, tendo aprovação imediata da menina ao seu lado.

- Não, isso não é sua função, Charlie – Jeremy disse, tentando a todo custo usar seu tom mais calmo, elas não tinham culpa por nada daquilo. Charlie revirou os olhos, pediu para Ava ir para o quarto, sendo prontamente atendida. A mulher deu a volta no balcão, ficando frente a frente com o homem.

- Eu sei como essa reunião é importante para você. E sei também como é importante que a Ava vá ao médico. – Ela apoiou os braços nos ombros do homem, fazendo um carinho na nuca de Jeremy, vendo-o se acalmar aos poucos. – Deixe eu ajudar. Você vai para a reunião, eu a levo ao médico.

- Tem certeza? – perguntou Jeremy, apenas para fingir que não estava se dando por vencido tão rápido. O carinho em sua nuca tinha poderes mágicos, só podia, ou a simples presença da mulher tão perto já era poderosa o suficiente para acalmá-lo e fazê-lo ceder tão facilmente.

- Absoluta – Charlie ficou nas pontas dos pés e deu um selinho no homem. – Basta anotar as perguntas que eu tiver que fazer e está tudo certo.

- Não sei o que faria sem você – o ator cedeu, dando outro selinho nela. Ele voltou com o celular à orelha e parecia mais calmo enquanto falava. – Voltei. Sim, podemos manter a reunião no mesmo horário. Sim, nos vemos mais tarde, então. – Jeremy desligou o celular e o jogou no sofá atrás de si, segurando os pulsos da mulher atrás de seu pescoço e os acariciando. – Você precisa parar de fazer isso. – Ele riu, acompanhado dela. – Sabe quanto tempo faz que eu não brigo com alguém?

- Estou ajudando a preservar esse rostinho bonito – brincou ela. – Estresse dá rugas, você não é mais tão jovem, querido.

- Engraçadinha – o ator acabou rindo com ela antes de se inclinar para lhe dar um beijo rápido. – Vou pegar as coisas da Ava para você dar uma olhada. – Ele fez menção de se afastar, mas a mulher o segurou.

- Pra que pressa? – perguntou Charlie, voltando a ficar nas pontas dos pés e aproximando seu rosto do dele, sentiu a respiração do ator mais forte quando ele riu, passando os braços por sua cintura e a puxando para mais perto enquanto ele se encostava nas costas do sofá para deixá-los em uma altura mais próxima e deixá-la mais confortável.

- Você sabe que a Ava pode surgir a qualquer momento, não é? – perguntou Jeremy, sorrindo enquanto sentia Charlie distribuindo vários beijos pela região próxima a seus lábios.

- Se você parar de falar e me beijar logo, ela não verá nada que não deve ser visto – a mulher respondeu, sendo atendida prontamente.

Jeremy a abraçou com mais intensidade, colando seus corpos ao mesmo tempo que seus lábios, que se encaixaram perfeitamente. Charlie subiu uma mão pelo cabelo do homem, entrelaçando seus dedos entre os fios, enquanto a outra permaneceu em seu pescoço, se certificando de que ele não sairia dali tão cedo. Ela sorriu entre o beijo, sentindo o coração batendo acelerado e as borboletas no estômago, aquela mesma sensação cada vez que o via chegando em casa após um longo período afastado, ou quando ele a beijava daquela forma, com aquela mesma intensidade, de forma a parecer que era o último beijo. E cedo demais acabou. Os dois se afastaram um pouco, ambos ofegantes, os olhos fechados, recuperando o ritmo normal de ambos os corações.

- Acho que vou precisar de um banho frio – comentou Jeremy, fazendo a mulher rir, se afastando dele e lhe dando um tapa leve no ombro.

- Idiota – disse ela, ainda rindo. – Vou ver o que a Ava está aprontando.

- Provavelmente algum desenho novo na parede dela. Já disse que aquele conjunto de lápis que saem com pano úmido foi o pior presente que você já deu para ela?

- Preferia um que não saísse com pano? – a mulher perguntou, já afastada, quase chegando no corredor.

- Preferia que ela voltasse a desenhar em folhas de papel – respondeu o ator, um sorriso brincalhão no rosto, seguindo até a cozinha para pegar um copo de água.

Charlie ainda ria quando chegou ao quarto de Ava, encontrando a menina brincando na casa de bonecas. A mulher sorriu, entrando no quarto e se aproximando da garota, que permaneceu brincando com suas bonecas. Charlie se sentou na cama da menor, próxima a casa de bonecas, Ava olhou rapidamente para a mulher e sorriu, voltando sua concentração e agora falando mais alto para incluir Charlie na brincadeira. A babá estava nervosa e isso era perceptível para qualquer um. Ela conhecia a doença de Ava, já havia visto a criança internada por complicações em relação à condição, e sabia o quanto Jeremy se preocupava com a saúde da filha. Durante todo aquele ano, ele sempre fizera um esforço monumental para acompanhar a menina nas consultas para garantir completamente que não havia qualquer problema. E agora ele confiava em Charlie para cumprir aquele papel. Jeremy sabia que a lista de pessoas que amava sua filha tanto quanto ele era extremamente curta. Ele não confiaria em qualquer pessoa. Aquilo dizia muito a Charlie, ao mesmo tempo em que a deixava mais nervosa. Porém, por outro lado, era algo inevitável. À medida em que o relacionamento deles ficasse ainda mais sério, ela aos poucos perderia aquela função de babá e passaria a ser, talvez, a futura madrasta de Ava, namorada do ator Jeremy Renner.

Era muita pressão, considerou Charlie, que nunca havia imaginado que algum dia poderia ter aquele tipo de vida. Para alguém que estava acostumada a uma vida em cidade pequena, vivendo naquele quadrado que era sua família e seu mundinho que havia idealizado tanto. Ela havia imaginado apenas sua faculdade, o mestrado, um emprego na própria universidade quem sabe, e talvez um doutorado depois. Mas seu mundo havia virado de cabeça para baixo e agora ela se via seguindo um caminho que era parecido, mas ao mesmo tempo diferente do que havia planejado. Os planos de antes continuavam, mas agora havia Ava, havia Jeremy... Havia um relacionamento que ficava cada vez mais sólido. Era sério. Era real. Não era um capricho do momento de Jeremy, não era uma conquista qualquer. Era uma relação madura e adulta. Algo que ela nunca havia parado para encaixar em seus planos, mas que, de alguma forma, pai e filha haviam conseguido achar um espaço para completar um espaço que ela nem sabia que existia ou que precisava ser preenchido.

Charlie fechou os olhos, suspirando profundamente enquanto pesava aquele balde de informações que seu cérebro começava a processar. Como se aquela última conversa com Erin não tivesse sido o suficiente.

Um movimento na porta chamou sua atenção e ela olhou rapidamente para o portal, encontrando Jeremy apoiado no batente com os braços cruzados e observando tudo. Os dois sorriram um para o outro e logo o homem seguiu até o escritório, deixando Charlie responsável por continuar a fazer companhia a Ava enquanto ele começava a procurar e separar as informações médicas da filha para que Charlie ficasse por dentro até a consulta, duas horas mais tarde.

Charlie já estava mais atrasada e nervosa do que imaginava que estaria, apesar de ainda estar no horário para a consulta, e ter sido tranquilizada por Jeremy diversas vezes sobre saber tudo o que precisava. Ela pretendia sair mais cedo para ter tempo de se acalmar antes de entrar no consultório médico, mas Jeremy não pareceu acompanha-la naquele pensamento. Ele também estava nervoso, tenso e preocupado, era a primeira vez que Ava ia ao médico sem ele. E não era por não confiar em Charlie – isso ele faria de olhos fechados, mas era a falta de costume e uma sensação de que algo ruim poderia acontecer caso ele não estivesse junto. Ele sabia ser bobeira, mas não conseguia evitar. Sua filha era o ser mais precioso em sua vida, sempre garantira que ela fosse prioridade em tudo, tanto sua segurança e privacidade, quanto sua saúde. Mas ali estava ele, falhando com a mais nova pela primeira vez.

Ava sabia que o pai estava preocupado – e sabia do nervosismo da babá também – por isso que passara a última hora fazendo um desenho para ele, e entregara ao ator alguns instantes antes dela e Charlie começarem a se arrumar para saírem. Era um desenho deles dois de mãos dadas, como ela sempre costumava fazer, mas dessa vez havia um terceiro elemento no desenho, e ele não teve dificuldades em reconhecer que a filha havia desenhado Charlie do outro lado, também segurando a mão da criança.

- Está tudo bem, papai – disse a menina quando o homem a pegou no colo para lhe dar um beijo. – A Charlie vai cuidar de mim.

- Eu sei que sim, querida – disse o ator, sorrindo para a mais nova e logo depois a colocando no chão para ela ir até o carro. – Se tiver qualquer dúvida...

- Eu te ligo, eu sei, Jeremy – Charlie suspirou. Apesar de cansativo, ela não estava brava com o ator, entendendo bem sua preocupação. – Vai ficar tudo bem, é só uma consulta de rotina. E nada irá mudar. – Charlie disse aquilo tanto para Jeremy quanto para si própria. Ela segurou a mão do ator, apertando de leve.

- Sim, eu sei – Jeremy disse, apesar de não parecer convencido. – Mas, de qualquer forma, estarei com o celular ligado o tempo todo, qualquer problema...

- Jeremy! – A mulher chamou sua atenção, não contendo um sorriso. Se aproximou e lhe deu um beijo rápido. – Relaxe e vá para sua reunião. Eu mando mensagem quando estivermos saindo de lá.

- Até mais tarde, então – o ator cedeu, dando um selinho na mulher logo em seguida.

- Até mais.

Charlie seguiu até o carro, onde Ava já estava sentada em sua cadeirinha. A mulher parou apenas para conferir se ela havia prendido tudo certinho, depois fechou a porta e seguiu para o lado do motorista, saindo logo de casa e fazendo o caminho até o médico. Ela estava nervosa, mas tanto Ava quanto Jeremy haviam garantido que a menina já sabia muito bem o que ia acontecer, já estando acostumada com a rotina. A tranquilidade de Ava, enquanto ela cantava no banco de trás, vez ou outra fazendo algumas perguntas para Charlie, ajudou a babá a se acalmar durante o trajeto. Mas assim que ela estacionou na vaga e encarou o logotipo da clínica pediátrica, suas mãos voltaram a suar.

- Vamos? – perguntou Ava do banco de trás, um sorrisinho alegre nos lábios. Charlie respirou fundo e se virou para a menina, procurando nela toda aquela segurança. Um movimento rápido chamou sua atenção, mas ela preferiu focar em Ava e se preocupar com aquilo depois.

- Vai dar tudo certo, não é? – Perguntou ela, sabendo que a situação estava extremamente crítica se ela estava precisando procurar tranquilidade em uma criança de quatro anos. Ava sorriu ainda mais e assentiu. Charlie forçou um sorriso e respirou fundo mais uma vez, deixando a confiança da menina a atingir e complementar a sua. – Então vamos.

Antes de se virar para frente, ela notou o movimento de novo e franziu o cenho ao reconhecer uma câmera do outro lado da rua. Não, não naquele dia, pensou ela. Não querendo alarmar Ava, Charlie se virou e saiu do carro, ajudando a menina a sair da cadeirinha enquanto mantinha os olhos atentos nos arredores. Parecia haver apenas um e ele estava longe, ela podia lidar com aquilo. Com Ava fora do carro, elas se deram as mãos enquanto Charlie trancava o veículo e logo depois seguiam para dentro da clínica. A mulher estava incomodada e olhou ao redor, certificando-se de que estava tudo bem e ninguém mais as incomodaria. Não era comum algum paparazzo segui-la quando estava acompanhada de Ava, só quando Jeremy estava junto. Mas já havia acontecido algumas vezes, e ela não gostava de passar por aquela experiência. Eles sabiam muito bem incomodar alguém quando queriam.

Elas entraram no consultório e Ava logo foi reconhecida pela recepcionista, que sorriu para a menina quando se aproximaram do balcão. Charlie agradeceu o ar condicionado, que ela esperava que ajudaria a conter o suor que havia brotado em sua nuca. A babá pegou a mais nova no colo e a sentou no balcão para que ela pudesse conversar com a moça enquanto Charlie pegava os documentos da criança.

- Boa tarde – disse Charlie para a recepcionista depois, se desculpando por não ter falado antes.

- O senhor Renner não virá hoje? – perguntou a mulher, Kristen, estranhando a ausência do homem.

- Infelizmente, não – disse Charlie, puxando Ava e colocando-a no chão para que ela pudesse ir para a mesinha de recreação. – Ele tinha uma reunião importante e não conseguiu adiar. Não que ele tenha ficado muito feliz com a situação – completou a mulher, fazendo a recepcionista rir.

- Pelo menos veio você e não a mãe – comentou a recepcionista, logo depois arregalando os olhos como se tivesse falado alto demais. – Desculpe.

- Está tudo bem, eu entendo – Charlie sorriu cúmplice para a mulher.

- Ela será atendida em breve – Kristen disse, ao que Charlie agradeceu, afastando-se para ocupar uma das cadeiras, observando Ava mexendo com umas massinhas de modelar, e considerando se mandava uma mensagem ou não para o Jeremy para avisá-lo do fotógrafo do lado de fora da clínica.

Charlie suspirou, considerando que não faria mal avisá-lo. Ele recebia um alerta cada vez que algo relacionado a ele ou à filha saísse na mídia, não custava nada adiantar o que poderia aparecer. Se é que o cara iria fazer algo com aquelas fotos. Não havia algo muito escandaloso naquilo, não é? Era normal crianças irem a clínicas para consultas de rotina com um pediatra. Charlie sabia que havia sentido e se encaixaria em seu contexto atual, não fosse aquela uma clínica especializada. A resposta de Jeremy veio rápida, um emoji revirando os olhos e logo depois perguntando se elas estavam bem. Charlie tentou tranquiliza-lo, achando muito mais fácil fazer aquilo por mensagem de texto.

Felizmente, a espera não demorou muito e logo elas estavam com a médica que acompanhava Ava desse o começo, doutora Angelina. As duas já eram amigas e a mulher foi muito simpática com Charlie, que apenas ficou sentada observando enquanto a moça fazia os exames primários na mais nova, brincando e interagindo com ela com tanta naturalidade que só fazia Charlie sorrir. Com os exames primários feitos, a mulher encaminhou Ava para os de sangue, que ficavam no fim do corredor, como havia explicado para Charlie quando a babá se levantou para acompanhar a mais nova. De todas as partes daqueles dias, era o que Ava menos gostava. Ela sempre se sentia mal quando ia tirar sangue. E Charlie teve que ficar conversando com a menina e segurar sua mão o tempo todo, e depois a deixou em seu colo enquanto esperavam o resultado.

Jeremy havia mandado uma mensagem com uma foto da babá e da criança chegando à clínica, mas logo depois perguntando como estavam. Charlie fez um bem a si mesma ignorando a foto, e se limitou a mandar sua própria foto com Ava em seu colo, folheando uma revistinha infantil. Derrubava Charlie vê-la naquele humor que era tão atípico, mas a mulher entendia. Ninguém gostava de exames de rotina, muito menos exames de sangue.

- Bem, Ava, como está se sentindo? – Angelina perguntou quando elas voltaram ao consultório, quase uma hora depois. A menina deu de ombros, fazendo a médica sorrir, já acostumada com a resposta da menor. – De acordo com os exames, está tudo bem, não há qualquer alteração. Pelo jeito, o senhor Renner voltou a manter a rotina de Ava muito bem controlada.

- Sim, ele não quis mais nenhum susto como o anterior – disse Charlie, passando a mão pelo braço de Ava, que ainda estava em seu colo.

- Muito bem – Angelina disse, olhando para Ava agora. – Continue a tomar seus remédios, Ava, e se alimentando bem. – Ava apenas assentiu. Angelina sorriu e voltou a olhar para Charlie. – Acho que podemos voltar a nos encontrar a cada seis meses. Tínhamos diminuído esse prazo por conta de um surto que Ava teve, mas ultimamente não houve mais nenhuma alteração, tudo está controlado, podemos voltar ao esquema de antes, tudo bem, Ava? – A menina assentiu, Charlie duvidava que ela estivesse prestando atenção em algo. – Já quer agendar a próxima consulta? Ou prefere deixar o senhor Renner resolver isso?

- Acho que ele não verá problema se eu marcar, seis meses, certo? – perguntou Charlie, vendo a mulher abrir uma agenda eletrônica e já pulando para a data que seria a próxima consulta.

- Isso, mesmo horário? – Angelina perguntou, vendo a babá assentir. – Marcado, então. – Ela pegou uma pasta, onde colocou o papel com a data da próxima consulta e os exames de Ava. – Aqui está o papel com todas as informações, uma nova receita para os remédios, e os exames que ela fez hoje. Qualquer dúvida que tiverem, o senhor Renner tem meu número e pode me ligar a qualquer momento.

- Muito obrigada – Charlie sorriu, pegando a pasta após se levantar e colocar Ava no seu colo. Ela havia colocado a menina de volta no chão já que seu braço começara a doer pouco antes delas voltarem ao consultório. – Boa tarde.

- Tchau, Ava – Angelina contornou a mesa, se agachou e abriu os braços para receber o abraço da menor. – Se comporte bem. Boa tarde para vocês.

Charlie e Ava saíram da clínica lado a lado, com a mulher organizando a pasta que a médica havia lhe entregado e tentando coloca-la na bolsa junto com a que havia trazido com os exames anteriores de Ava. Já era tarde demais quando ela percebeu que o motivo pelo qual Ava estava tão próxima dela era pelo número maior de paparazzi que estavam próximos ao local onde o carro estava estacionado. Foi só quando ela os ouviu se questionando se ela era a namorada do Jeremy Renner e a filha do ator que ela ficou consciente da situação. Quando o primeiro flash disparou, ela ainda estava tentando colocar a pasta com os exames na bolsa, desistindo logo em seguida.

- Droga – xingou a mulher, ouvindo a movimentação e olhando ao redor para ter uma leve noção da situação. Não eram muitos, havia o mesmo de quando elas haviam chegado ali e mais uns três. Mesmo assim, era o suficiente para deixa-la alerta e assustar Ava, que já não estava no seu melhor humor após aqueles exames todos. – Vem, querida – disse Charlie, parando e pegando a menina no colo, que logo escondeu o rosto na curva do pescoço de Charlie, apertando com força o ombro da mulher. – Seu pai vai ficar tão bravo – comentou a mulher baixinho, ouvindo o seu celular começando a tocar em sua bolsa, mas ignorando para apressar o passo para chegarem logo ao carro.

- Charlie! Charlie! – Um começou a gritar quando ela ficou mais próxima. – É verdade que você e o Jeremy estão planejando se casar em breve? – A mulher apenas ignorou, permanecendo concentrada no caminho até o carro.

- Charlie, você está grávida? – Outro perguntou. – Ou a Ava que veio para uma consulta na pediatra?

A situação ainda estava consideravelmente bem, considerou Charlie, quase tentada a dar um sorriso simpático aos rapazes, não fosse um comentário feito por outro.

- Ei, essa não é aquela clínica para casos especiais? – perguntou para ninguém em particular, provavelmente só para atiçar os outros mais. Se Charlie havia aprendido algo naqueles meses era que eles sempre sabiam muito bem onde estavam e do que cada local se tratava.

- Charlie, há algo errado com Ava? – Mais um perguntou, e ela voltou a xingar bem baixinho.

No colo da babá, Ava escondia o rosto a qualquer custo, assustada com a forma brusca que os rapazes abordavam a babá. Os fotógrafos costumavam ser mais educados quando ela estava na companhia de Jeremy, tanto a criança quanto a mulher haviam notado. Com grande alívio, Charlie finalmente abriu a porta traseira, colocando Ava sentada em sua cadeirinha, apressando-se em prendê-la com segurança ao assento, e tentando tranquiliza-la, já que havia percebido os olhos marejados da criança. Seu celular voltava a tocar quando ela fechou a porta traseira e começava a contornar o veículo. Charlie resolveu atender, sabendo que só haveria uma pessoa que poderia liga-la naquele momento. E não deu outra, ela quase sorriu aliviada quando leu o nome de Jeremy no visor, enquanto abria a própria porta e ocupava o espaço atrás do volante.

- Oi – disse ela, passando o cinto e ligando o carro logo em seguida.

- Está tudo bem? – Jeremy sabia que havia algo errado só ao ouvir certo vacilo no tom de voz da mulher. Algumas fotos haviam saído dela chegando à clínica com Ava, e vários rumores já haviam começado.

- Temos companhia – suspirou Charlie, passando a mão no cabelo e olhando para Ava pelo retrovisor. – Estou saindo daqui, depois a gente conversa.

- Te vejo em casa. – Aquela frase trouxe um efeito calmante na mulher, que se sentiu mais segura para arrancar logo com o carro dali, já que os paparazzi ainda tentavam conseguir qualquer clique dela e de Ava. Não havia dúvidas para ela ou para a criança que Jeremy ficaria extremamente irritado com aquela situação.

O caminho de volta nunca pareceu tão longo, as duas permanecendo em silêncio, apesar de Charlie ouvir Ava respirando com mais força – talvez as lágrimas finalmente haviam vencido a luta e ela decidira por um choro baixo para não alarmar a babá. Ela se sentia mal por não poder confortá-la, mas sabia que não havia muito que pudesse ter feito além de parecer calma e não se mostrar abalada pela presença dos rapazes. Charlie não tinha certeza se tinha sido bem-sucedida naquele quesito, mas gostava de pensar que havia conseguido passar um mínimo de confiança para a menina.

Quando chegaram em casa, Jeremy já estava lá. Charlie não duvidava que ele pudesse ter cancelado a reunião e voltado assim que a primeira foto chegou até ele. O ator esperou enquanto a babá entrava com o carro e depois se aproximou, abrindo a porta dela e a ajudando a descer. Ele tentava esconder, mas Charlie sabia que por trás de toda aquela preocupação, estava a fúria pelo avanço dos fotógrafos. Ela fez um sinal e indicou para que ele abrisse a porta e tirasse a filha do carro. Com certeza o pai seria um consolo mais bem-vindo do que Charlie. E não deu outra, Ava pulou no colo do pai assim que se viu livre dos cintos de segurança da cadeirinha.

- Está tudo bem, querida – disse Jeremy para a filha, entrando em casa enquanto Charlie pegava a bolsa e a pasta dos exames, fechando o carro logo depois.

Quando entrou em casa, Jeremy e Ava estavam no sofá, com ela encolhida no colo do pai, pelo menos não chorava mais. Charlie colocou as coisas no lugar de sempre e se aproximou dos dois, a mão de Jeremy indo para a que ela havia apoiado no ombro do ator. Eles trocaram olhares e sorrisos fracos, a mulher conseguindo abraçar Ava apesar da presença do ator – que acabou sendo abraçado indiretamente.

- É muito ruim? – perguntou Charlie, sentando ao lado de Jeremy no sofá.

- Até onde eu vi, ainda não – disse o ator, que havia entregado o celular para que Ava pudesse jogar em um joguinho que ele tinha instalado para ela. – Só fotos de vocês saindo da clínica.

- Não vai durar muito – disse Charlie. – Eles sabiam que aquela não era uma clínica comum.

Jeremy olhou a mulher, finalmente notando algo que ele não havia reparado ainda por estar tão ocupado em tranquilizar a filha: Charlie estava aterrorizada. Não pela abordagem, mas por eles terem ido até ela em um momento tão delicado. Jeremy de repente se sentiu culpado por não ter se preocupado tanto com a mulher. Ela não estava preparada para aquilo, ela já nem queria ter ido com medo de algo dar errado, mas eles estavam mais preocupados com Ava e os exames do que outros fatores. Ela tentava esconder, mas ali nos olhos dela estava claro que Charlie se sentia culpada e assustada pelo que havia ocorrido. Seus olhos estavam levemente apagados e a expressão fechada, preocupada, com medo do que aconteceria depois. Jeremy estendeu o braço e a puxou para perto de si, sorrindo quando a mulher cedeu e o queixo dela tremeu de leve, quase que imperceptivelmente. Quanto ela deveria estar se segurando para não desabar ali na frente de Ava? Se perguntou Jeremy enquanto a acomodava sob seu braço, deixando-a descansar a cabeça em seu ombro, enquanto sua mão subia e descia por seu braço para tentar acalmá-la.

Mas a pouca calma que conseguiram reunir não durou muito tempo. Eles haviam terminado de jantar quando Jeremy recebeu a primeira ligação de sua empresária, pedindo para que ele conferisse seu e-mail, o que o ator fez prontamente. E lá estavam só os primeiros links com as notícias, no alerta que Jeremy possuía, haviam muitos mais. De repente, todos sabiam sobre Ava e sua condição. Haviam inúmeros detalhes sobre a saúde da criança e como os pais dela haviam decidido manter escondido. Jeremy teve que se controlar para não jogar o notebook longe. Tanto tempo mantendo a vida da sua filha na privacidade, e bastou um dia para tudo ir por água abaixo.

As fotos de Charlie com a pequena no colo estampavam todas as notícias, informando que elas foram vistas mais cedo saindo de uma clínica pediátrica especializada. A princípio, ninguém esclareceu qual seria a especialização, mas não demorou muito para trazerem à tona as informações que alguém havia divulgado que a menor dos Renner tinha lúpus e fora diagnosticada dias após seu nascimento. Haviam todos os detalhes, as vezes em que Ava fora internada por causa da doença e até mesmo algumas informações sobre a rotina que Jeremy adotava com ela.

- Isso não pode estar acontecendo – disse Jeremy, lendo somente as primeiras linhas das notícias seguintes, após ter lido a primeira por cima.

Charlie passou a mão no cabelo, olhando Ava no chão, antes entretida com algumas bonecas, agora olhando assustada para o pai.

- Jeremy – Charlie disse baixinho, apontando discretamente para a menina. – Você está a assustando. – O homem olhou para a filha e ia dizer algo, mas seu celular voltou a tocar.

- Pode leva-la para dormir? Já passou do horário dela – pediu Jeremy, conferindo que já eram mais de dez horas da noite. Charlie o atendeu prontamente, indo até Ava e a chamando para irem deitar. Antes de ir, a menina correu até o pai e abraçou suas pernas. – Está tudo bem, princesa. Vai ficar tudo bem. – O ator disse, abaixando-se para ficar da mesma altura da filha, dando um beijo na testa da criança. – Vai dormir, quando você acordar tudo já estará bem de novo.

- Posso dormir com o Charlemy? – pediu a menina, referindo-se ao panda de pelúcia que Charlie havia ganhado "para" o ator meses atrás.

- Claro que sim, Charlie vai pegar para você. – Jeremy olhou para a mulher, que assentiu e estendeu a mão para Ava. O celular do ator voltava a tocar quando as duas sumiram no corredor, ele suspirou ao ver que era sua empresária novamente. – Sim?

Charlie acompanhou Ava até o quarto da menor, pedindo para ela ir colocando o pijama enquanto a mulher ia pegar o bicho de pelúcia que ficava no escritório. Quando voltou ao quarto, Ava já estava com a camisola do Trolls e se deitando no colchão, com um livro em suas mãos para que a mulher pudesse ler para ela. Charlie se aproximou, sentando-se na beirada da cama, entregando o panda enquanto a menina lhe dava o livro. Ava deitou-se, abraçando o panda com força e olhou para Charlie, interrompendo-a quando a mulher começou a abrir a boca para lera a história.

- Fala pro papai que eu sinto muito?

- Sente muito pelo que, querida? – Charlie franziu o cenho, afastando alguns fios de cabelo da testa da criança.

- É minha culpa – a menina choramingou. A babá suspirou, apoiando o livro na mesinha de cabeceira e encarando Ava.

- Claro que não – garantiu Charlie, vendo o queixo da menina começando a tremer e as lágrimas fazendo os olhos brilharem. – Você não tem culpa de nada, meu amor. Essas coisas acontecem às vezes, não podemos impedir.

- Mas eles estavam atrás da gente por minha causa.

- Eles estavam atrás de nós por causa do seu pai, querida – disse Charlie, não era bem verdade, mas era mais fácil de explicar. – E por causa do trabalho dele. Não tem nada a ver com você. E seu pai te ama, nunca te culparia por algo assim. Não pense nisso, ok?

- Ele não tá bravo comigo?

- Não, amor – Charlie sorriu para a menina, seu dedo enxugando uma lágrima que havia escapado. – Seu pai nunca ficaria bravo com você.

Ava sentou-se na cama e abraçou a babá, que a abraçou com força, sentindo o coraçãozinho da menina batendo acelerado. Por fim, Ava soltou a mulher e sorriu fracamente, voltando a deitar e pegando o livro para Charlie começar a ler. Mas, assim como antes, Ava voltou a interrompê-la.

- Charlie?

- Sim, querida?

- Eu amo você – disse a menina, sorrindo e logo se aninhando sob as cobertas como se tivesse acabado de disser que o céu era azul. Charlie encarou a menina, olhando-a embasbacada por um tempo. Era a primeira vez que a menina dizia isso para ela, e Charlie achou que não reagiria tanto como estava reagindo. Antes, Ava havia confessado que só gostava dela desde o começo. Mas um eu te amo era novidade. Os olhos de Charlie encheram-se de lágrimas, mas a mulher respirou fundo e apenas sorriu para a menina.

- Eu também te amo, anjo – disse ela, afastando o cabelo da menina a tempo de pegar o sorriso que ela lhe dirigira.

Aquelas três palavras foram o suficiente para tirar um peso das costas de Charlie, que sem demora começou a ler a história que a menina havia escolhido. E mesmo notando que Ava havia dormindo rapidamente, Charlie continuou lendo o livro, aproveitando aquele momento para se acalmar de todo o resto que aquela declaração da menina não havia sido o suficiente para afastar, antes de voltar para a sala para descobrir o que estava acontecendo.

Era o pior pesadelo de todos, pensava a mulher. No único dia em que Jeremy resolvia sair do seu padrão, as coisas desmoronavam. A mulher se lembrava de quando havia chegado ali, de como ele demorara a confidenciar para ela sobre o problema de saúde da filha, mas como desde o princípio ele enfatizou o quanto era importante a rotina dos remédios da menor. Charlie já sabia da doença muito antes de ter a confirmação por ter procurado na internet a recomendação para os remédios que Ava tomava.

A mulher observou a menina dormindo pacificamente, abraçada ao bicho de pelúcia e sentiu saudades da época em que aquele panda havia surgido. Naquele tempo, que não era tão distante assim, não havia qualquer perigo de tudo desmoronar. Charlie percebia agora que, até então, eles estavam imersos em uma bolha. E alguém finalmente havia conseguido um alfinete bom o bastante para estourá-la. Porque, sim, Charlie sabia que aquilo, independente do que fosse, era apenas o começo. Ela já havia tido muitas experiências ruins para saber que os problemas nunca vinham um a um, ao contrário, eles vinham como uma avalanche, levando tudo o que encontrasse pelo caminho que não estivesse firme o suficiente. Aquele pensamento fez Charlie engolir em seco.

Terminando de ler o livro, a babá depositou um beijo na testa da Ava, guardou o livro na estante e saiu do quarto, apagando a luz e encostando a porta em seguida. Seguiu lentamente pelo corredor, temendo o que poderia encontrar quando chegasse na dala. Mas ela ouviu antes de ver. Pelo visto, Jeremy havia se cansado de ficar segurando o celular na orelha e ativara o viva-voz do aparelho, pois havia mais uma voz na sala além da dele. E ela sabia que ninguém havia chegado, ou teria escutado a movimentação.

- Eu nunca gostei dela. Desde o começo eu te disse isso. – Charlie ouviu, parando um pouco antes da curva do corredor para conseguir ouvir, desconfiando que ela era o assunto. A mulher não aprovava aquela atitude, mas confessava que muitas vezes não tinha como evitar.

- Sonni...

- Não, Jeremy! Eu estou falando sério, eu nunca gostei e você sabia disso... E ai o que você faz? Você a começa a namorar a garota! O que é? Alguma crise de meia idade?

- Você é mais nova que ela, Sonni, e não dizia que eu tinha uma crise quando estávamos juntos – comentou o ator, fazendo Charlie sorrir levemente. – Escute, ela não tem culpa alguma, Charlie nunca faria isso.

- Você colocaria a mão no fogo por ela, Jeremy? – perguntou Sonni. Charlie ouvia tudo em silêncio, percebendo inclusive a hesitação do ator em responder à pergunta da ex-mulher. Não o culpava, entretanto, ela não colocaria a mão no fogo nem por seu irmão. – Eu quero ela longe da minha filha.

- Você não tem direito algum para determinar isso, Sonni – observou o ator. – Eu já estou cuidando do caso, ninguém mais precisa ser prejudicado. – Complementou Jeremy, suspirando logo em seguida. – Foi um longo dia, estou exausto. A última coisa que eu preciso é você gritando no meu ouvido e querendo interferir nas pessoas com quem eu convivo.

- Eu não interferiria se essas pessoas não convivessem com a minha filha – enfatizou a mulher.

- Se você passasse mais de cinco minutos que ela, então talvez eu perderia alguns para dar atenção aos seus caprichos. – Jeremy retrucou, fazendo até mesmo Charlie arregalar os olhos. Aquilo era um sinal bem claro de quanto o ator estava de saco cheio não apenas daquele dia, mas das birras da mulher. – Tchau, Sonni. – Disse ele antes que mais alguma coisa escapasse, e encerrou a ligação logo em seguida.

O homem passou a mão no cabelo e logo em seguida levantou-se do banco próximo ao balcão, querendo conferir se a filha estava bem, mas parou no meio do caminho ao encontrar Charlie encostada na parede do corredor, sequer disfarçando que havia escutado tudo, sabendo que não havia motivos para tal. Eles trocaram olhares rapidamente, logo depois a mulher se afastou da parede e seguiu para a cozinha, ouvindo os passos de Jeremy atrás dela. Ele temia apenas o quanto ela havia escutado.

- Charlie... – começou o ator, logo parando com um movimento da mão dela.

A mulher esperou até estarem na cozinha para ficar frente a frente com Jeremy. Ela tinha os braços cruzados e eles ficaram em silêncio por um longo tempo. Charlie se concentrava para não chorar, não enquanto ainda não tivesse um bom motivo. Jeremy parecia a definição de culpa e arrependimento.

- Você acha que fui eu – disse ela, por fim. – Você acha que ela está certa. Só não sabe como dizer isso, não é?

Era um absurdo tão grande, que Jeremy não aguentou e começou a rir. Ele não mentiria, por breves segundos havia considerado aquela possibilidade, mas bastou lembrar a voz falha de Charlie no telefone, e a expressão assustada dela enquanto estavam no sofá que toda e qualquer desconfiança foram embora. Ele eliminou a distância entre eles e a abraçou, ignorando os protestos da mulher – dizendo que era errado ele rir quando ela estava tentando brigar com ele. Aos poucos, a mulher desistiu de lutar contra, retribuindo ao abraço dela. Jeremy não sabia o que dizer para ela além daquilo, talvez palavras não fossem necessárias. Ele só queria uma certeza de que eles ficariam juntos diante aquilo, que ela estaria ao lado dele para ajudá-lo a lidar com calma. Quando se afastaram, brevemente apenas para poderem se olhar, os olhos da mulher estavam marejados e ela tinha uma expressão que se assimilava a dor ou culpa.

- Eu nunca te culparia por isso – disse Jeremy, seu tom baixo e calmo, fazendo-a se sentir calma e leve. – Não me importa o que ela diga. Eu te conheço, eu sei que você nunca faria isso. – Jeremy passou a mão no rosto dela, aquele gesto fazendo-a perder a batalha contra as lágrimas e deixando-as cair livremente.

- Não me afaste, por favor – pediu Charlie em um sussurro. Jeremy roçou seus lábios nos dela, vendo quando ela fechou os olhos diante o toque.

- Nunca – prometeu ele, antes de beijá-la para selar aquela promessa.

Talvez fosse o começo de uma devastadora avalanche, ou talvez fosse apenas uma pequena bola de neve querendo causar algum desvio no relacionamento deles, Charlie não tinha como dizer. Mas naquele momento nada importou. Bastava que Jeremy acreditasse que ela não tinha culpa. Bastava Jeremy garantir que não a afastaria. Bastava Jeremy garantir que a opinião de Sonni não importava, ele estava ali ao lado dela. Talvez ele a amasse também, não como Ava, mas do jeito dele. Do jeito deles. E talvez, pensou Charlie, não importasse o tamanho da avalanche ou da bola de neve, eles fossem ficar bem.

Pelo menos ela esperava que sim.

Continue Reading

You'll Also Like

185K 15.8K 35
Amberly corre atrás dos seus sonhos em outro país deixando o passado pra atrás e ainda frustada com o término e a traição do ex que ficou no Brasil...
3.2M 273K 169
Somos aliança, céu e fé.
171K 10.5K 32
Isís tem 17 anos, ela está no terceiro ano do ensino médio, Isis é a típica nerd da escola apesar de sua aparência não ser de uma, ela é a melhor ami...
559K 56.6K 85
🚫DARK ROMANCE - HARÉM REVERSO🚫 ▪︎ Se você é sensível a esse conteúdo NÃO LEIA! Eu fugi dos meus companheiros. Eu lutei para que eu pudesse fica...