Babá por Acidente

By brunakubik

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Dizem que nada está tão ruim que não possa piorar, certo? Certíssimo! A conquista do mestrado na área dos son... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Extra - Birthday Cake
Extra - Casados por Acidente

Capítulo 3

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By brunakubik

Voltar para casa para as festas de fim de ano havia lhe dado mais medo do que Charlie imaginara. Ela e Ted haviam entrado num acordo de manterem entre eles o novo emprego da mulher, deixando os pais acreditarem que ela ainda estava bem na cafeteria e não havia tido nenhum momento de pânico. Charlie ainda se lembrava de como havia notado a ponta de desapontamento quando contara aos pais que havia conseguido um emprego no Tower's, apesar de eles tentarem disfarçar, e imaginava que se viesse a revelar que havia perdido o emprego antigo e agora era uma babá, seu pai interferiria dizendo que ela deveria escolher outra faculdade, algo que lhe desse um emprego condizente. Ou talvez eles não fizessem nada disso, Charlie só não queria arriscar.

Felizmente, faltando alguns dias para o Natal, Ted conseguira se juntar a eles e roubar para si toda a atenção que Charlie estava recebendo, sendo alvo de perguntas sobre a faculdade, o curso e as disciplinas e, claro, se já havia surgido alguma oportunidade de emprego melhor. Charlie fugira da última dizendo que agora começaria a trabalhar com crianças, acompanhando seu desenvolvimento e afins, ela colocara alguns termos difíceis referente a linguística no meio da conversa para soar mais convincente. Com a chegada de Ted, Charlie conseguiu respirar mais aliviada, além de sentir a tensão abandonando seu corpo. No meio da madrugada, ainda afetado pelo jet-lag, Ted invadira seu quarto para que pudessem conversar.

- Então? – Sussurrou o mais novo, deitando-se ao lado da irmã, encarando o teto assim como ela fazia. – Como foi o primeiro dia?

- Ainda não tive um primeiro dia, Ted. – Disse Charlie.

- O dia da entrevista não contou?

- Mas sobre isso eu já te contei tudo. – Charlie entrelaçou seu braço ao do irmão, encostando a cabeça no ombro dele.

- Charls, uma conversa de quinze minutos não conta como uma conversa completa sobre esse dia. – Explicou Ted. Charlie suspirou, fechando os olhos e lembrando-se daquele dia, da confusão por não saber o que fazia ali, e depois do choque ao entender todo o cenário.

- Essa menina vai me dar muito trabalho. – Resumiu Charlie, fazendo Ted rir. Depois a mulher começou a narrar todos os detalhes daquele dia, desde sua chegada, passando por suas impressões sobre Jeremy, dando tempo para Ted voltar a surtar pelo ator ser o novo patrão da irmã, e chegando ao momento em que percebera o que faria ali. – Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei isso, Ted. – Concluiu Charlie, escondendo o rosto no ombro do irmão, sufocando as lágrimas que haviam surgido repentinamente.

- Bem, você estava no desespero de perder tudo, Charls, acho que é compreensível. – Disse o irmão, acariciando o cabelo da mais velha. – E, se quer minha opinião, você vai ser incrível nesse trabalho. Você, a pessoa mais desastrada que eu conheço, conseguiu aprender a servir mesas e carregar bandejas cheias de coisas de um lado para o outro, acha mesmo que não vai conseguir cuidar de uma menininha mimada?

- Ela não é mimada, Ted. – Corrigiu Charlie. – Mas não sei definir qual é o problema dela.

- Mimada vai servir, então. – Disse o irmão, fazendo ela rir. – Você será a melhor babá que esse homem vai ter na vida. Ele não vai querer te demitir nem quando a filha já estiver pré-adolescente.

- Menos, Ted, bem menos. – Disse Charlie, mas não conteve a risada. – Já adianto que você receberá muitas ligações.

- Posso receber alguns convites para ir às premières dos filmes da Marvel na Europa? – Perguntou o homem, recebendo um soco da irmã como resposta. – Não, então?

Toda noite que passaram ali na casa dos pais, o mais novo ia ao quarto da mais velha e eles passavam a noite conversando. Charlie reclamava, mas por dentro agradecia a preocupação do irmão, cada dia que passava e o novo ano se aproximava, ela sentia-se mais nervosa porque teria que encarar o novo emprego logo. Ela fizera pesquisas na internet para tentar encontrar algo que pudesse lhe ajudar a lidar melhor com crianças, mas cada artigo que lia era ainda mais assustador que o anterior. Até que ela desistiu, sabendo que aquelas teorias não ajudariam em nada quando a realidade viesse. Charlie concluiu que agiria de acordo com a situação, improvisaria no último minuto e torceria para o melhor.

Em sua última noite na casa dos pais, uma semana após a virada do ano, Jeremy fez o primeiro contato, apenas para avisar que ela poderia ir para a casa quando sentisse vontade, mas que só começaria a trabalhar mesmo na segunda metade do mês, já que Ava o acompanharia em alguns eventos em Nova Iorque. O ator estava fazendo algumas aparições promovendo seu último filme, que Charlie havia se apaixonado completamente, e levaria a filha para alguns eventos. A mulher agradeceu a ligação e confirmou se realmente não haveria problemas ela ficar na casa durante aquele tempo, ao que Jeremy confirmou, tranquilizando-a e certificando-se de que ela se sentiria completamente à vontade. Havia comida o suficiente, as chaves já haviam sido entregues a ela antes da viagem para Norfolk, e o quarto que seria dela completamente pronto para uso. Já estava antes, mas Jeremy havia informado que queria fazer algumas mudanças.

Quando ela chegou na casa, sabia que não fazia muito tempo que seus residentes haviam partido, já que o ambiente não estava com o ar usual de algo que fica muito tempo inabitado. Ela levou suas malas para o quarto que seria dela, pensando consigo que o quarto parecia idêntico ao que ela havia visto meses atrás. Aproveitou o ânimo para já arrumar tudo e fazer daquele quarto seu, ocupando também a parte do escritório que Jeremy havia garantido ser para uso dela. O homem era bem organizado, característica difícil de ter quando tinha uma filha de três anos, mas ele conseguia de alguma forma. O escritório parecia ser o único ambiente que não possuía algum brinquedo, ela diria algo infantil, mas havia alguns desenhos colados na parede ao lado do computador que pertencia a Jeremy. Charlie aproveitou que estava sozinha para conhecer cada canto da casa, aventurando-se até mesmo pelo quarto do ator, mas ficando lá menos tempo do que em todo o resto.

Charlie aproveitou aqueles dias até a volta de Jeremy e Ava para se familiarizar com a casa, onde cada coisa ficava – achando curioso encontrar um armário com diversos remédios –, e com os arredores de onde a casa era localizada, já que ela não conhecia muito bem aquela região – que era uma das mais nobres de Los Angeles. Também aproveitou para colocar algumas leituras do curso em dia, já que havia deixado muita coisa de lado durante a crise do desemprego e depois com a chegada das férias de fim de ano. Também precisava finalizar uns trabalhos e adiantar outros, coisa que ela fez no decorrer da semana que passou.

Jeremy e Ava voltaram uma semana depois que Charlie chegara à casa, encontrando a mulher acomodada no sofá enquanto lia um dos diversos textos da faculdade, um caderno, um estojo e todo seu conteúdo estavam espalhados na mesinha de centro, uma música baixa tocava e Jeremy não conseguiu identificar a fonte. Charlie desviou o olhar do texto para ver pai e filha chegando, a mais nova parando assim que percebeu a presença da nova babá, fazendo uma careta enquanto olhava para o pai como quem perguntava por que a mulher já estava lá. Jeremy apenas lançou um olhar censurador para a filha antes de pedir que ela levasse suas coisas para o quarto, enquanto ele recebia a babá apropriadamente.

- Charlie, como foi de fim de ano? – Perguntou o ator, separando as malas que pertenciam a ele e Ava.

- Ah, nada de novo. – A mulher deu de ombros, pausando a música no celular. – Meus pais e meu irmão, só isso mesmo. E frio, como sempre. Tanto tempo em Los Angeles e a gente esquece como nos outros lugares faz mais frio que aqui.

- Sei muito bem como é. – Concordou Jeremy, conferindo o horário no relógio. – Você já almoçou?

- Na verdade eu acordei quase agora, então não tive tempo para pensar em almoço. – Assumiu Charlie, rindo do espanto do ator. – Em minha defesa, eu fui dormir no começo da manhã.

- Uma coisa que não sinto falta da faculdade. – Jeremy se limitou a comentar, fazendo a mulher rir mais um pouco.

- Não deve ser tão diferente de quando você tem um papel novo. – Comentou ela, vendo enquanto ele ponderava um pouco, para depois concordar.

- É melhor que ficar de dieta e malhando para os filmes da Marvel, isso eu admito. – Cedeu Jeremy, começando a se afastar para ir até a cozinha.

- Acho difícil de acreditar depois de ver o tanto de coisa saudável que você comprou. – Comentou Charlie, levantando-se do sofá e se aproximando da cozinha. – Acho que a vida saudável já está em você. E você quer fingir que é difícil só para eu não me sentir tão mal.

- Acabou de chegar e já está querendo me derrubar? – Jeremy brincou, fazendo a mulher corar levemente. – Eu estou brincando, pode ficar à vontade para falar e brincar o quanto quiser. – Ele se adiantou em dizer ao ver o desconforto de Charlie.

- Obrigada. – Disse ela, sorrindo de leve para o homem, ainda se sentindo envergonhada pela situação anterior. Charlie não era de se abrir com alguém tão facilmente, de partir para brincadeiras e piadas com tão pouca convivência, e talvez o período que havia passado na casa sozinha a fizera pensar que aquilo era normal, que eles já estavam morando sob o mesmo teto há mais tempo do que parecia.

- Então, almoço, vai querer alguma coisa? – Perguntou Jeremy, chamando a atenção da mulher.

- Tem algumas sobras de comidas que preparei durante a semana, não precisa se preocupar comigo. A melhor comida é aquela que é um misto de tudo. – Disse ela, fingindo uma pose de sabedoria, que só fez o ator rir. – Prepare algo para você e Ava, eu estou sem fome ainda.

- Mas terá eventualmente. – Apontou Jeremy.

- E, como eu disse antes, eu posso comer as sobras da comida da semana. – Respondeu Charlie, vendo que o ator não havia ficado feliz. – Não adianta discutir, você disse que posso ser honesta, estou sendo. Vou voltar aos meus estudos agora, com licença. – Ela ia se afastando, mas parou, voltando ao lugar de antes, vendo que o ator havia desviado a atenção do que fazia para olhá-la com uma sobrancelha arqueada. – Ou você precisa dos meus serviços imediatamente? – Perguntou ela, lembrando-se que havia um motivo para ela estar ali, e não era ficar largada no sofá estudando.

- Pode só conferir se Ava não está tentando destruir o quarto da forma mais silenciosa possível, por favor? – Pediu Jeremy, também se lembrando da função da mulher na casa.

Charlie assentiu e se retirou, pela primeira vez ficando nervosa para o seu trabalho. Até então ela aproveitou sua folga e agiu como se ela e Jeremy fossem apenas colegas de apartamento, perdendo o foco do real motivo de estar ali, mas agora a ficha havia caído e as coisas haviam se tornado reais. Ela tinha que começar a aprender a lidar com Ava e com a aparente recusa da criança em tê-la presente na sua vida. Charlie gostava de um desafio, isso ela não negaria, mas não sabia se esse gostar de ser desafiada se encaixava na batalha que provavelmente travaria com a garota. Felizmente parecia que não começaria naquela tarde, já que ao chegar ao quarto de Ava, a mulher parou e sorriu diante a cena que via: Ava deitada em sua cama, abraçada a um de seus bichos de pelúcia, profundamente adormecida. A mochila de elefante estava jogada no meio do quarto, e o casaco que ela entrara carregando em casa estava no chão ao lado. Ava não havia nem mesmo tentado se cobrir, provavelmente havia sentado na cama e aos poucos cedera ao sono que sentia, já que suas pernas ainda pendiam um pouco para fora do colchão. Charlie se aproximou, e arrumou a menina na cama, deixando-a mais confortável. Ava passou a mão no rosto, afastando alguns fios de cabelo e bocejou, mas continuou adormecida. Charlie sorriu, arrumando o cabelo da menina, logo depois saindo do quarto e encostando a porta.

Jeremy estava na cozinha, de frente ao fogão, preparando o que deveria ser o almoço dele e de Ava. Charlie ocupou um dos bancos que havia do outro lado e ficou olhando o ator indo de um lado para o outro, mesmo que ele já tivesse notado sua presença, surpresa pela facilidade que ele tinha em lidar com as diversas tarefas. O cheiro estava delicioso e sua boca havia se enchido de água, seu estômago havia até se retorcido um pouco, como se quisesse que ela repensasse aquela decisão anterior de comer as sobras da comida da semana.

- O quarto de Ava ainda está inteiro? – Perguntou Jeremy após tampar todas as panelas e se voltar para a mulher.

- Completamente. – Confirmou Charlie.

- O que ela está fazendo, então?

- Dormindo. – Disse Charlie, aceitando o pacote de bolacha que Jeremy lhe oferecia. – Acho que dormiu sentada na cama e depois caiu para o lado, porque as pernas estavam para fora.

- Ela faz muito isso. – Confirmou Jeremy. – Acho que almoçarei sozinho, então... Ou você vai mudar de ideia e se juntar a mim? – Perguntou o ator ao notar que a mulher olhava com atenção para o fogão. Charlie olhou para ele, revirando os olhos, mas não conseguindo segurar o riso.

- Talvez eu coma um pouco. – Cedeu ela. Rindo enquanto via o ator fazer uma comemoração exagerada. Charlie permaneceu em silêncio por um tempo, até que cansou de só observar e resolveu que deveriam começar a decidir como as coisas seriam dali para frente. – Então, como vai funcionar exatamente? Eu aqui, digo. Você não parece ser o tipo que frequenta essas baladas e festas que vão até tarde, e você não vai trabalhar em um escritório o dia inteiro... Então eu estou curiosa para saber como as coisas serão.

- Eu posso não sair de casa para ir trabalhar, mas eu tenho que trabalhar vez ou outra e Ava às vezes é um pouco rebelde em relação a isso. – Jeremy riu, apagando o fogo em uma das panelas. – Basicamente eu preciso que você fique com ela quando eu precisar trabalhar ou viajar e não tiver outra pessoa para ficar com ela. – Charlie ficou quieta por um momento, algo lhe incomodava um pouco, nada referente ao que Jeremy havia falado, mas algo que ela e Ted haviam conversado em uma das noites acordados.

- Espero que não me entenda errado – ela começou a falar, chamando a atenção dele, que deixou o que fazia para poder olhá-la – mas você não está querendo encontrar alguém para ocupar o papel de mãe dela, não é? Assim, eu sei que ela tem mãe, mas pelo visto elas não convivem muito, então eu só preciso saber o meu limite. – Explicou Charlie, garantindo que ele não a entendesse errado mesmo. – Eu não vou dar bronca, brigar ou castigar, não é meu papel ou minha função. Você quer que eu ajude a preparar comida, arrumar a bagunça, brincar, colocar para dormir, tudo bem, mas a parte de educar é por sua conta. – Jeremy a olhava tentando conter o sorriso, estava levemente surpreso pela honestidade da mulher, mas feliz por ela tê-lo feito, colocar todas as cartas na mesa e ver o que o ator faria com o que ela tinha a oferecer. Ali ele teve a certeza de que Ava não conseguiria vencer Charlie e que a mulher ficaria.

- Parece que não temos nada a discutir, então. – Disse ele por fim, convidando-a em seguida para o almoço.

~ * ~

Charlie não demorou a aprender que estava ali mesmo mais para as situações de emergências do que para o dia a dia, para evitar que o ator tivesse que correr desesperado atrás de alguém, já que o ator ficava em casa boa parte dos dias e só saia para reuniões e eventos caso realmente não tivesse outra escolha. Os dias seguintes ao da volta do ator e da filha, ela pode ver como era a dinâmica entre eles e aos poucos Jeremy foi encaixando a mulher, deixando para ela a função de entreter a filha e alimentá-la enquanto ele lidava com as negociações para futuras viagens e aparições públicas em evento. O humor de Ava mudava drasticamente durante o dia, no café da manhã, enquanto Jeremy ainda estava com elas, a menina ria e participava das brincadeiras que o pai fazia com ela, depois que o ator entrava no escritório e deixava a filha com Charlie, Ava se transformava. Na maior parte dos dias, Charlie apenas ficava olhando enquanto a menina brincava sozinha, se recusando a deixar a mulher a fazer parte. Depois, na hora do almoço, quando Jeremy dava a si mesmo uma pausa, Ava voltava a mudar, e ia nessa gangorra de emoções até o fim do dia, quando o ator finalmente saia de vez do escritório e ficava com a filha até a hora de dormir dela.

Às terças e quintas eram os únicos dias que Charlie não precisava se preocupar em agradar uma criança de três anos, já que ela e Jeremy haviam estipulado que seriam os dias de folga dela por conta da faculdade, mas caso o ator precisasse, Charlie havia explicado que conseguiria assistir as aulas em outros dias para ajudá-lo. Mais rápido do que eles haviam imaginado, a rotina entre os três se encaixou perfeitamente, com Charlie não demorando a pegar o ritmo do ator e de sua filha – logo descobrindo que os remédios que havia descoberto antes pertenciam à Ava, mas como ainda se considerava recém-chegada e não julgava que fosse algo que Jeremy gostaria de falar sobre, caso contrário já teria feito, Charlie preferiu não perguntar, apesar de em uma noite ter deixado a curiosidade vencer e pesquisado na internet para que serviam alguns remédios. O problema era que a maioria servia para diversos tipos de doenças, e a mulher só ficou ainda mais confusa, desistindo logo da ideia.

O primeiro grande teste, e breve momento de pânico para Charlie chegou quando Jeremy a chamou para conversar no escritório, aproveitando que Ava havia dormido enquanto assistia a um desenho, e mostrou à babá a sua agenda de compromissos. Ele estava com um filme novo, então precisava comparecer em alguns eventos. Além disso, em breve começariam as gravações do novo filme da Marvel, e esses eram os momentos mais delicados para Jeremy, já que Ava não podia acompanha-lo sempre. O primeiro evento do ano fora o Golden Globe, no qual a menina passou o fim de semana com a mãe. O próximo seria no fim de semana, quando Jeremy teria que se ausentar para comparecer ao Sundance Film Festival.

- Eu já conversei com a Sonni, ela vai ficar com a Ava por esses dias. – Explicou ele ao ver Charlie arregalando os olhos por notar quantos dias Jeremy ficaria ausente. – Pelo menos espero que fique.

- Ela não gosta muito de ficar com a Ava? – Perguntou Charlie, ocupando a cadeira vaga ao lado do ator, a que seria dela caso ela usasse o escritório.

- Digamos que ela não irá receber o prêmio de mãe do ano. – Foi o que Jeremy respondeu e Charlie não insistiu, já sabendo como o homem era reservado em relação à sua vida pessoal. – Mas ela se comportou bem durante o Golden Globe, acredito que não haverá problemas agora.

- Então estou de folga neste fim de semana? – Perguntou Charlie, puxando a agenda do ator para analisar as próximas datas.

- Sim, tem grandes planos?

- Se por grandes planos você quer dizer grandes textos e trabalhos, então sim. – Respondeu ela, suspirando cansada, já pensando na pilha de coisas que havia para finalizar. – Não sei onde estava com a cabeça quando decidi fazer um mestrado.

- Seu futuro profissional? – Sugeriu Jeremy, recostando-se na cadeira e olhando a mulher, que revirou os olhos.

- Nunca serei uma Louise. – Resmungou ela, fazendo o ator rir ao entender a referência que ela fazia.

- Com esse pensamento, não mesmo. – Observou ele, cruzando os braços e analisando a expressão dela. Ele já havia notado como ela era dedicada e amava o que estudava, mas não conseguia entender como as vezes parecia que ela gostaria de estar fazendo qualquer outra coisa. – Você é estranha. – Jeremy soltou, chamando a atenção da mulher, que desviou a atenção da agenda para olhar para ele.

- Como é?

- Desculpe, não quis ofender. – Ele disse, percebendo que a mulher parecia mais confusa e intrigada do que ofendida. – Mas quando você fala do curso, ou quando passa horas compenetrada nesses textos e trabalhos todo, eu tenho a certeza que você ama o que faz. E então quando pensa num futuro, e nos sacrifícios que faz, você muda completamente. Como se transformasse em outra pessoa que não acredita que fazer cursos como Linguística façam alguma diferença.

- Quando você compara a um engenheiro, talvez não faça mesmo. – Charlie deu de ombros. Seus olhos encontraram os de Jeremy e ela viu que ele esperava por uma explicação melhor que aquela. – Meu irmão faz engenharia na Alemanha. – Explicou ela. – E meus pais não são os mais entusiasmados quando dizem que eu me formei em Linguística, apesar de eles gostarem de contar que recebi a proposta do mestrado pessoalmente de um dos melhores professores da área.

- Ah... Agora faz sentido. – Disse Jeremy. – Se quer saber a minha opinião, que é bem honesta, acho o seu curso tão importante quanto o do seu irmão. – Revelou ele, e Charlie não duvidou de sua honestidade. – Você disse que assistiu Arrival, então você sabe como pode ter um papel mais importante que qualquer outra pessoa em determinadas situações. Em muitas situações. E eu aposto que seu irmão não recebeu alguma proposta de alguém muito conhecido e renomado da área para trabalhar em algum projeto importante. – Completou Jeremy, fazendo Charlie arregalar levemente os olhos, surpresa com a determinação do ator em tentar defender o curso dela.

- Mas pelo menos ele está trabalhando na área dele. – Rebateu Charlie, sabendo que não precisaria se desculpar para que Jeremy entendesse o que ela queria dizer com aquilo.

- Você acha que Louise começou a trabalhar logo na carreira dela? – Perguntou Jeremy, sorrindo divertido, fazendo Charlie rir levemente. – Aposto que ela foi uma garçonete também por um longo tempo. – A mulher abriu a boca para tentar responder algo, mas foram interrompidos pelo choro infantil que veio do quarto ao lado, seguido de um chamado pelo ator. – Pesadelo. – Foi tudo o que Jeremy disse antes de pedir licença e se retirar do quarto. Charlie suspirou, agradecida por não precisarem continuar aquela conversa. Ela sabia onde Jeremy queria chegar, e o agradecia por isso, mas ela estava cansada, e o ano mal havia começado.

Na quinta-feira pela manhã, Jeremy levou Ava para a casa da mãe. Foi a primeira vez desde que haviam se conhecido que a menina perguntou ao pai se ela não podia ficar em casa com Charlie ou ir com ele, recebendo as duas negativas já que o ator e a mãe da criança já haviam combinado aquilo com dias de antecedência e ele não queria dar motivos para Sonni iniciar alguma briga. Charlie aproveitou a oportunidade para aceitar a carona que Jeremy havia lhe oferecido para deixa-la na faculdade. Observando pelo retrovisor uma Ava descontente sentada atrás dela, sem ânimo até mesmo para brincar com o bicho de pelúcia que havia escolhido para acompanha-la naqueles dias. Era um comportamento tão estranho da criança que Charlie ficou tentada a sugerir que elas pudessem ficar juntas, mesmo sabendo que Jeremy negaria.

À noite, quando ela chegou em casa, anormalmente silenciosa devido à ausência de Ava, Jeremy já se preparava para ir ao aeroporto. Sua presença estava confirmada só para o sábado, mas ele gostava de chegar mais cedo, apesar de perder um dia com a filha. Charlie se ofereceu para leva-lo ao aeroporto, mas ele viu quando ela tentou disfarçar o enorme bocejo enquanto esperava por uma resposta do ator, e resolveu negar. Ele sabia que a mulher havia passado boa parte da noite acordada para finalizar um trabalho que precisava entregar naquele dia, e que já havia aguentado muito tempo acordada, não exigiria mais dela. Charlie aguentou tempo suficiente até o carro de Jeremy chegar, então ela trancou toda a casa e se jogou na cama após o banho, sem nem se importar em secar o cabelo.

Charlie dormiu tão pesado que sequer acordou com a ligação de Ted, querendo saber sobre seus últimos dias. Ela só recobrou a consciência quando seu despertador tocou, já programado para aqueles dias. Como o usual de quem dorme por muito tempo, Charlie acordou perdida, sem ter noção de que horas eram e que dia da semana estava. Encarou o celular por um longo tempo até conseguir se concentrar, se assustando ao se lembrar de que horas eram quando se deitou para dormir. Haviam duas ligações perdidas do seu irmão, algumas mensagens não lidas e mais algumas ligações perdidas do Jeremy, o que deixou Charlie confusa. Mas antes que ela pudesse retornar a ligação do ator, a campainha alta da casa começou a tocar, fazendo-a se assustar. Charlie se desenrolou dos lençóis e se levantou, caminhando até a ponta do corredor onde ficava o interfone.

- Que diabos...? – Ela franziu o cenho ao olhar pela telinha e reconhecer Ava no colo de uma mulher que ela suspeitou ser Sonni. Havia visto somente algumas fotos da mulher quando pesquisara sobre a relação entre ela e Jeremy durante o período de férias, mas não havia prestado muita atenção em seu rosto.

A mulher pegou a chave pendurada no suporte, além de um casaco para jogar em cima do pijama, e saiu de casa, esquecendo-se dos sapatos, mas resolvendo não voltar atrás. Apertou o botão que abriria o portão e se aproximou do mesmo, conseguindo reconhecer Sonni com mais facilidade agora que estavam cara a cara. Ava tinha o rosto vermelho e úmido, os olhos brilhavam e algumas lágrimas ainda caiam. Ela estava mal agasalhada para o vento frio que soprava aquela manhã. Charlie retirou o casaco que usava e o colocou em volta da criança quando Sonni a passou para seu colo.

- Que bom que está em casa. – Disse a mulher, sem nem responder ao bom dia que Charlie lhe dera. Ava se enrolou no colo da babá, enterrando o rosto no pescoço da mais velha e fungando, Charlie sentiu as lágrimas da criança em sua pele. – Eu liguei para o Jeremy, ele disse que ia te ligar... Não posso ficar com ela, surgiu um imprevisto. – Charlie mal conseguia prestar atenção no que Sonni dizia, dividida entre encarar a mulher sem acreditar no que ouvia e prestar atenção em Ava que fungava e chorava baixinho em seu colo. – Aqui estão as coisas dela. Obrigada. Tchau. – Sonni ia se afastando, mas voltou e encostou a mão nas costas de Ava, que se contorceu no colo de Charlie para fugir do toque da mãe, que pareceu não notar a atitude da menor. – Tchau, querida, até a próxima.

Charlie estava consciente do frio que fazia e de como aquilo não era saudável para ela ou Ava, mas ela ainda demorou a recobrar os sentidos e deixar de acompanhar Sonni se afastando para entrar no carro que a esperava do outro lado da rua. Charlie riu quando o carro arrancou, uma risada sem humor, de quem não conseguia acreditar no que havia acabado de acontecer. Por fim, fechou o portão, arrumou Ava melhor em seu colo, sentindo a menina se encolher ainda mais em seus braços, e voltou para dentro de casa. Considerando dar um banho quente na menor, que ainda estava de pijama, e depois preparar um chocolate quente. No meio tempo, ligaria para Jeremy, que provavelmente estaria tão puto quanto Charlie imaginava que estaria. Ela própria não estava no melhor humor em relação a Sonni.

Ava não protestou em nenhum momento enquanto Charlie a ajudava a tirar o pijama e depois a colocava sob a água quentinha, suas mãos segurando um brinquedinho enquanto a babá lhe auxiliava no banho. Depois, enquanto Charlie preparava o chocolate quente, Ava se enrolou em um cobertor, agarrou-se ao elefante de pelúcia favorito e ficou deitava no sofá assistindo a um desenho que a babá havia colocado para ela – um de seus filmes favoritos. Na cozinha, Charlie enfim desbloqueou o celular e retornou a ligação de Jeremy, tendo que tentar umas três vezes até o ator finalmente a atender.

- Charlie, finalmente! – Disse Jeremy quando ela estava prestes a desistir. – Eu te acordei?

- Não... – Disse a babá. – Mas sei o que queria falar... Ava já está aqui.

- Charlie, eu sinto muito por isso. – Disse Jeremy, ela podia ouvir a raiva e frustração em sua voz.

- Não precisa se desculpar. – Charlie se apressou em dizer. – Mas, Jeremy, o que aconteceu? Achei que vocês tivessem um acordo.

- Eu também achei, mas hoje mais cedo ela me ligou e disse que não poderia ficar com a Ava porque havia surgido algo mais importante. O que há de mais importante do que sua filha é uma ótima pergunta, mas eu não posso discutir isso com ela por telefone. – Charlie ficou em silêncio, ouvindo a respiração acelerada do ator do outro lado da linha. – Eu sabia que não deveria ter viajado ontem para cá. Poderia ter esperado mais um pouco. – Ele suspirou, Charlie podia vê-lo andando de um lado para o outro. – Vou conversar com alguém aqui para ver se posso ir embora mais cedo e não aparecer amanhã.

- Jeremy, não! – Charlie se apressou em dizer, correndo para apagar o fogo ao ver o leite fervendo. – Não precisa disso. Ava e eu podemos sobreviver até o domingo.

- Não queria que ela ficasse sem os pais. – Disse Jeremy. – Como ela está, aliás?

- Pelo menos parou de chorar. – Foi a primeira coisa que Charlie pensou. – Dei um banho quente nela, porque nem isso Sonni se prestou a fazer. Esfriou bastante de ontem para hoje e ela usando só um pijama fino. – Explicou Charlie, sentindo raiva só de lembrar como Sonni havia deixado a menina. – Agora estou fazendo um chocolate quente. Ava se enrolou num cobertor e está deitada na sala assistindo um filme. Quer falar com ela?

- Por favor. – Pediu Jeremy. Charlie pediu para que ele esperasse e foi até onde a menina estava. Um dedo estava na boca e a outra mão livre abraçava com força o elefante de pelúcia, sua atenção voltou-se para Charlie quando esta passou em sua frente e lhe estendeu o celular, avisando que era seu pai. O rosto de Ava se iluminou e ela puxou o aparelho para si. – Está no viva-voz, pode falar.

- Oi, papai. – Disse a menina, a voz manhosa.

- Oi, princesa. – Respondeu Jeremy, Charlie percebia em sua voz como ele se sentia culpado por estar tão longe de sua filha quando ela mais precisava.

- Você vai voltar pra casa?

- Ainda não, querida. – Disse ele. – Tudo bem você ficar hoje e amanhã com a Charlie? – A mulher olhou para Ava, que olhou para a babá também. Ava podia fazer birra e pedir a presença do pai, mas Charlie viu que ela ainda estava agradecida pelo que a babá havia feito mais cedo, e a pouparia de um show agora. – Vou tentar voltar amanhã à noite.

- Tudo bem, papai. – Disse Ava, suspirando e passando a mão no rosto, uma forma de fugir do pequeno carinho que Charlie havia tentado fazer, a mulher se limitou a rir, sabendo que aquele comportamento bonzinho não duraria muito. – Tô com saudades.

- Também estou, meu amor. – Respondeu Jeremy, e Charlie imaginava como deveria ser difícil para ele. – Amanhã eu volto, então se comporte. – Pediu o ator, logo depois se despedindo e voltando a falar com Charlie. – Por hoje e amanhã eu deixo você colocá-la de castigo se for necessário, mas acredito que ela vai se comportar.

- Espero que sim. – Respondeu Charlie, voltando à cozinha para servir o chocolate quente a Ava. – Pretende voltar amanhã?

- Vou conferir as passagens agora e ver se encontro algo. Saio do evento e vou para o aeroporto se for preciso. – Jeremy voltou a suspirar, Charlie já havia perdido as contas de quantos haviam sido. – Desculpe atrapalhar seus grandes planos. – Brincou o ator.

- Tudo bem. – Disse Charlie, rindo em seguida. – Acho que mereço essa pausa.

- Te dou uns dias de folga depois.

- Não precisa se preocupar. – Garantiu ela. – Me avise quando conseguir comprar a passagem – pediu Charlie, logo depois pensando como aquilo parecia errado – para eu poder avisar a Ava. – Emendou ela, sentindo que se fosse ela no lugar de Jeremy, sabia que não acreditaria muito naquela desculpa.

- Aviso, e qualquer coisa que precisar me liga e eu vou embora daqui o mais rápido possível. – Garantiu o ator, os dois se despedindo logo em seguida.

Charlie suspirou enquanto colocava o celular no balcão, não estava em seus planos ser babá naquele fim de semana, mas não iria deixar Ava e Jeremy na mão. Era a oportunidade perfeita para ela e a criança tentarem construir alguma ligação, ela não podia perder a oportunidade. Serviu um pouco do chocolate quente que havia preparado e o levou até Ava, que sorriu levemente como agradecimento enquanto pegava o copo que a babá estendia. Serviu uma xícara para si e depois ocupou o espaço no sofá ao lado de Ava, assistindo ao filme junto com ela. Pelo canto de olho, Charlie observava a criança e como ela estava tão fora de seu comportamento usual. Apesar de não estar feliz no dia anterior por ter que ir ficar com a mãe, Jeremy havia lhe explicado que ela costumava ficar bem animada quando chegava na outra casa. Além disso, a infelicidade do dia anterior não era nada comparada ao daquele momento, antes era a tristeza por estar longe do pai, agora era a mais pura decepção. Charlie sentiu o coração apertar ao perceber isso.

O dia passou sem muitos problemas, Ava voltava bem aos poucos ao seu humor padrão. Ela brincou um pouco e até mesmo desenhou com Charlie durante a tarde, após o almoço. Conversando sobre alguns filmes e desenhos que gostava de assistir enquanto tentavam decidir o que ver naquela noite antes da menor ter que ir dormir. Vez ou outra ela perguntava sobre o pai, e Charlie a tranquilizava dizendo que no dia seguinte ele estaria ali. Normalmente não incentivaria tão ilusão, mas ela sabia que Jeremy viria dirigindo a noite inteira se fosse necessário estar ali o mais rápido possível para sua filha. Ao fim do dia, Charlie concluiu que a menor havia voltado ao menor quando começaram a ter problemas para convencê-la a ir tomar banho para dormir. Com Ava se recusando a obedecer a babá, que resolveu não abusar da autoridade concedida por Jeremy. Ela sabia que aquela rebeldia não era totalmente por culpa dela, e sim por Sonni e pelo que a mulher havia feito. Isso ainda somado à saudade que Ava deveria sentir do pai. A solução encontrada foi simples, com Charlie ligando para Jeremy assim que Ava saiu do banheiro, e fazendo pai e filha conversarem até a menor cair no sono. Pouco antes de desligar, Jeremy a avisou que já havia comprado a passagem de volta e que chegaria em casa duas horas antes da meia-noite, permitindo que Ava ficasse acordada até ele chegar.

Por saber que Jeremy voltaria no fim do dia, Charlie imaginou que as horas passariam rapidamente, mas bastou Ava acordar e já dar sinais de ter voltado completamente ao normal, para a mulher concluir que aquele seria o dia mais longo de sua vida. Charlie havia planejado não contar que o pai da menina voltaria no fim do dia, para lhe fazer uma surpresa, mas resolveu acabar com essa ideia ao perceber que Ava já estava preparada para vestir a sua personalidade rebelde. Era uma tentativa desesperada de tentar controlar a menina, mas que falhou miseravelmente. Os problemas começaram no café da manhã, quando Ava se recusou a comer os cereais que comia todos os dias, dizendo que por ser sábado queria algo diferente, mas recusou todas as ideias oferecidas por Charlie.

- O que você quer, Ava? – Perguntou a mulher, ficando sem mais ideias.

- Se papai estivesse aqui, ele saberia. – A menina deu de ombros.

- Mas ele não está e eu não sei, então me ajude. – Pediu Charlie, revirando os olhos quando Ava voltou a dar de ombros. – Cereal será, então.

- Eu não quero cereal. – Disse a menina, batendo a mão na superfície da ilha da cozinha.

- Se não me disser o que quer, vai ser o que você vai comer. – Disse Charlie, já tirando a tigela do armário e pegando os demais itens. – Última chance. – Avisou a mulher, já abrindo a garrafa com leite e virando-a sobre a tigela para encher a mesma.

- Não! – Gritou Ava, estendendo a mão para tentar impedir a mulher. Charlie apoiou a garrafa na superfície e olhou para a menina. – Podemos fazer panquecas?

- Viu, não foi difícil. – Disse Charlie, guardando a tigela e o cereal e pegando os demais ingredientes.

Preparar as panquecas até foi divertido, com Ava pedindo para ajudar no preparo e vez ou outra ameaçando jogar farinha na babá, que sorriu ao ouvir a menina rindo quando Charlie passou um pouco da massa na ponta do nariz da menor. Enquanto ajudava Ava a mexer a massa na tigela, Charlie se perguntou por que não podia ser daquele jeito sempre, por que Ava tinha que ser tão relutante em aceita-la. Ela não admitiria em voz alta para a criança ou Jeremy, mas a rebeldia da menina com ela a machucava em determinados momentos, e talvez aquele comportamento fosse um dos motivos da constante exaustão de Charlie. Não era fácil se desdobrar tanto para cair nas graças de uma criança.

Enquanto fritava as panquecas, Ava ficou fazendo desenhos, vez ou outra pedindo a ajuda de Charlie. Elas comeram na sala, apesar de ser praticamente contra as regras da casa, mas Ava pediu e Charlie concluiu que não faria mal permitir aquilo um dia só. Depois se resolveria com Jeremy caso o homem reclamasse. Mas ele não o fez quando ligou no meio do café da manhã e a menor disse entre risadas o que elas faziam. Charlie concluiu que até ele concordava com ela que não fazia mal quebrar a regra naquele dia. Jeremy e Ava ainda conversavam quando Charlie recolheu os pratos para ir lavar a louça e limpar a bagunça na cozinha, não haviam sujado muita coisa, mas era impossível deixar a cozinha impecável enquanto se preparava alguma comida. Quando voltou à sala, Ava estava deitada de barriga para baixo no tapete da sala e brincava com algumas bonecas. Charlie aproveitou a deixa para pegar alguns textos da faculdade, aproveitando a demora de Ava para reclamar de estar com fome para o almoço.

Parecia um dia normal como qualquer outro, como se Jeremy estivesse no escritório e babá e criança conviviam na quase perfeita harmonia. Charlie largou os textos quando a menina reclamou de fome, e foi preparar algo rápido para ambas almoçarem. Com Ava logo em seguida pedindo para assistir a um filme, mas demorando para se decidir, tentando imitar o que havia acontecido no café da manhã, mas não insistindo ao ver que Charlie não lhe daria tanta liberdade para repetir o feito. A mulher achou que aquilo seria o final, principalmente por olhar no relógio e ver que estava cada vez mais próxima a volta de Jeremy à casa, mas Ava tinha outros planos. O filme estava na metade quando ela se aproximou de Charlie e ficou parada ao seu lado até a babá lhe dar atenção.

- O que foi, Ava? – Perguntou Charlie, abaixando o livro teórico que lia.

- Eu quero sorvete. – Pediu a menina.

- Não tem sorvete. – Respondeu Charlie, após tentar se lembrar se havia algum pote perdido na geladeira.

- Você está mentindo. – Acusou Ava, provavelmente desconfiando da demora da babá em lhe dar uma resposta.

- Não, não estou. – Disse Charlie, tentando conter o suspiro que ameaçou soltar.

- Eu quero sorvete. – Repetiu Ava, batendo o pé.

- Ava, não tem sorvete! – Charlie suspirou, largando o livro e dando total atenção para a menina.

- Não acredito em você. – Respondeu a menor, cruzando os braços e fazendo um bico.

- Vem aqui. – Charlie se levantou, e foi até a cozinha, abrindo a porta da geladeira. Ava a seguiu um pouco incerta – Vê? Sem sorvete.

- Eu não consigo ver tudo, pode estar lá no alto. – A menina apontou para as prateleiras mais altas. Charlie suspirou e a pegou no colo, fazendo ela ver toda a geladeira.

- Não tem sorvete. – Disse a babá, colocando Ava de volta no chão. A menina olhou a geladeira e então para Charlie.

- Então eu quero bolo. – Disse ela, como se fosse a troca mais óbvia.

- Ava, não tem bolo também. – Charlie passou a mão no cabelo. Estavam indo tão bem, por que ela havia resolvido acabar com a harmonia justo agora?

- Você pode fazer. – Disse a menina.

- Não, não posso. – Respondeu Charlie.

- Por que não?

- Regras do seu pai.

- Ele não precisa saber.

- Ele vai saber. – Garantiu Charlie, sabendo que não precisaria explicar à menor que elas não acabariam com o bolo até a volta do ator.

- Eu quero bolo. – A menina voltou a bater o pé, Charlie voltou a suspirar, olhando de relance para o relógio para tentar calcular quanto tempo faltava para Jeremy chegar em casa, imaginando que ele deveria estar saindo do evento naquele horário e indo direto para o aeroporto, como disse que faria. Diante da falta de resposta da babá, Ava bateu o pé novamente. – Eu vou gritar.

- Grite. – Charlie deu de ombros, fechando a porta da geladeira e voltando para a sala. Ava começou a gritar no exato momento em que ela se sentou no sofá, o som fino e agudo espalhando-se pela casa. Charlie olhou ao redor, procurando o fone de ouvido e o colocou, não tocava nenhuma música e não apagava completamente o grito da menina, mas abafava o suficiente para ela conseguir se concentrar no livro que lia antes.

Ava continuou a gritar por um longo tempo, até sentir que sua garganta doía e a boca estava seca, e percebendo que aquilo não adiantaria em nada. Ela cutucou Charlie quando parou, pedindo um pouco de água, sendo prontamente atendida. Tentou pedir por bolo novamente, mas a babá se recusou, resolvendo agora trazer à tona a autoridade que Jeremy havia lhe dado, e apontando que se não fosse a birra da menor, ela poderia até ter cedido e feito o bolo. Ava, em um último ato de rebeldia, ameaçou fazer greve de silêncio. Ficando ainda mais determinada quando Charlie cruzou os braços e arqueou uma das sobrancelhas.

- É mesmo? – Perguntou a babá, mordendo o interior da bochecha para segurar a risada. Era uma imagem engraçada aquele tamanho de gente querendo mandar tanto.

- É, não vou falar mais nada com ninguém, nem com o papai e a culpa é sua. – Disse a menina.

- Fique à vontade. – Disse Charlie, guardando o copo que ela havia lhe devolvido e voltando para a sala, ouvindo a menina a seguindo.

- Papai vai te mandar embora. – Ameaçou a menina. Charlie resolveu ignorar, logo em seguida vendo a menina passar o dedo na boca, como se fechasse um zíper invisível. Charlie olhou o relógio para marcar as horas e ver quanto tempo aquilo duraria.

Durou mais do que ela imaginava. Normalmente, Ava já não falava muito com ela, só o suficiente para pedir algo. Mas naquele dia, mesmo quando precisava de algo que a babá sabia que Ava queria, a menor se recusava e dava um jeito de conseguir por conta própria. Não fosse o som da televisão passando um desenho qualquer, o fim do dia teria sido todo no mais completo em silêncio. Em determinado momento, Charlie até mesmo interrompeu sua leitura para ficar observando Ava, que se revezava entre assistir ao desenho e olhar a babá, esperando que a mulher cedesse. Mas Charlie estava tão determinada quanto a criança para ver até onde aquilo iria. A mulher suspeitou que assim que ouvisse o pai chegar, Ava interromperia sua greve de silêncio. Mas agradeceu por não ter feito nenhuma aposta.

Ava já estava quase dormindo quando a porta da casa se abriu e Jeremy entrou. Ava ficou em pé no sofá, o sorriso rasgando o rosto de orelha a orelha, mas a menor não emitiu qualquer som. Nem mesmo quando Jeremy lhe fez uma pergunta direta. Ava se contentou em abraça-lo e lhe dar um beijo no rosto, permanecendo em seu colo enquanto o pai a acariciava e tentava extrair qualquer som da criança. Cansado, e percebendo que aquilo não lhe daria resultados, Jeremy recorreu à mulher sentada no sofá, que observava com atenção a cena e sorria divertida.

- O que aconteceu? – Perguntou Jeremy, apontando para Ava mesmo que Charlie já soubesse o que ele queria dizer.

- Ela está fazendo greve de silêncio. – Explicou Charlie.

- Essa é novidade. – Disse Jeremy, olhando a filha, que permaneceu com o rosto enterrado na curva do pescoço. – Qual é o motivo?

- Você quer contar, Ava? – Perguntou Charlie, vendo a menina negar com um aceno da cabeça. – Bem, ela queria sorvete, mas obviamente não temos sorvete. – Contou Charlie. – Então ela pediu bolo, mas não tinha bolo e eu não ia fazer porque você me disse que não era para fazer. – Continuou ela. – Então ela resolveu gritar.

- Gritar? Ava! – Ralhou Jeremy, vendo a menina se encolher em seu colo.

- Ela gritou até cansar. – Charlie continuou, vendo Jeremy arregalar os olhos surpresos por descobrir que a babá não tentara parar a filha. – Então ela tentou de novo conseguir o bolo, mas eu resolvi usar da autoridade que você me deu e não fiz por causa da sessão de gritos. E então ela disse que faria greve de silêncio. – Concluiu Charlie, suspirando. – Diz ela que por isso, pela greve, você vai me demitir.

- Não vou te demitir. – Tranquilizou-a Jeremy. Ele colocou a filha no sofá, apesar da menina ter agarrado com força o pescoço do pai. – E você, mocinha, vai ficar sem bolo por mais uma semana... Duas se não parar com essa greve de silêncio agora. – Charlie viu o queixo de Ava tremendo quando as lágrimas surgiram. – Eu falei que era para se comportar. Na próxima vez eu ia te levar comigo, mas agora não sei mais se você merece.

- Papai, não... – A menina começou a chorar, estendendo o braço para pedir colo ao ator. Charlie sentiu o coração apertar.

- Pede desculpas para a Charlie. – Pediu o ator, a mulher tentou protestar dizendo que não era necessário, mas sabia que não era certo contrariar sua ordem. Ava balançou a cabeça, as lágrimas escorrendo pelo rosto. – Ava, pede desculpas.

- Desculpa. – Ela falou tão baixo, que Charlie e Jeremy mal ouviram, e o ator pediu que ela falasse mais alto. Ava olhou para o pai, os olhos brilhando com as lágrimas. – Desculpa.

- Não para mim, para a Charlie. – Ele apontou para a babá, que ainda estava sentada no sofá. Ava olhou para ela e repetiu o pedido, vendo a mulher assentir. – Agora vai dormir que já passou da sua hora.

- E a historinha?

- Sem história hoje. – Jeremy apontou para o corredor. Ava desceu do sofá e seguiu para o quarto. – Já volto. – Disse o ator, acompanhando a filha. Charlie respirou fundo e passou a mão no cabelo, não imaginava que veria tal reação do ator. Ela se levantou do sofá e juntou a bagunça de textos que havia feito, deixando-os em cima da mesinha de centro. Não demorou muito para Jeremy se juntar a ela. – Fiquei só até ela dormir.

- Não precisava ter sido tão severo. – Disse Charlie, enquanto o acompanhava até a cozinha, onde ele se serviu do que restava da janta que ela havia feito mais cedo.

- Precisava sim. – Disse Jeremy. – Era para você estar de folga e você cuidou dela. Não é certo ela reagir assim. Ava sabe que os atos dela têm consequências, sempre foi assim. Ela pediu desculpas de novo, queria muito que eu lesse algo para ela.

- Deveria ter lido. – Disse Charlie. – Ela se comportou bem ontem, e hoje não foi tão ruim assim.

- Charlie... – Começou Jeremy, mas a mulher levantou as mãos para interrompê-lo.

- Eu sei, eu sei. Desculpe. – Pediu a moça, era a filha dele, ela não deveria dar palpites. Jeremy ficou em silêncio, ignorando o prato de comida que havia servido para ele próprio. Aproximou-se da mulher, que guardava os pratos que ela e Ava haviam usado mais cedo, e a parou. Os olhos de Charlie focaram nele, a dúvida quanto aos atos dele estampada em sua expressão.

- Obrigado. – Foi tudo o que Jeremy disse, e ela sabia o que aquilo significava. Charlie sorriu e assentiu, sorrindo um pouco mais quando o ator também sorriu, se afastando da mulher para poder comer.

Ela se afastou para guardar seu material e poder tomar um banho. Agradecendo a distância para que pudesse acalmar as batidas de seu coração, que havia acelerado com a repentina aproximação do ator. Ela sabia que era bobeira e que aquela fora uma reação causada devido ao susto tomado por ver o ator tão próximo, sem ela sequer ouvir sua aproximação. Não podia ser outra coisa. Charlie parou no meio do caminho para conferir Ava, sorrindo ao encontra-la adormecida abraçada ao elefante favorito.

- Você quer ler uma história para ela, não quer? – Ouviu a voz de Jeremy dizer, assustando-se por não ter escutado a aproximação do ator. Charlie desviou o olhar para focar nele.

- Tenho o coração mole. – Charlie deu de ombros.

- Amanhã eu leio. – Tranquilizou-a o ator, fazendo Charlie assentir.

- É contra as regras comer no quarto. – Ela apontou para o prato que ele carregava.

- Hoje é o dia das exceções. – Disse Jeremy, fazendo a mulher rir.

- Boa noite, Jeremy.

- Boa noite, Charlie.

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