"Você tem certeza, Valentina? Você pode desistir, a gente não vai brigar com você não." - Môni fazia carinho nos meus cabelos e falava comigo como se eu fosse uma criança. Eu amo isso nela, essa inocência, esse romantismo sem medidas, esse jeitinho de menina mulher que encanta todo mundo. Minha princesinha é mesmo uma Lady.
"Fale isso por você, Môni. Porque eu vou ficar puta se a Valentina desistir agora." - Lili já é uma porta. A educação dela é impressionante.
Reviro meus olhos e encaro a Lili, ainda não tinha perdoado ela cem por cento. Mas, não tem como ficar chateada com a Lili, não mesmo.
Depois da ligação da Megan a dois dias atrás, eu tinha ido direto falar com a Lili.
Gritei com ela, briguei e esperniei, mas se Lili tem uma coisa, é a persuasão.
Com sua conversa sem fim, ela me fez entender - ou só fingir entender - que ela estava com a razão e eu não.
Ou seja, ela se passa pela minha agente, me inscreve num site maluco, marca viagens em meu nome, corta minhas férias pela metade e eu que sou a errada.
Se você pudesse me ver agora, vería meus olhos revirando com isso. Pela enésima vez hoje.
"Ainda não esqueci do que você fez, Lília."
"Que bom, assim você me agradece por muito tempo." - a arrogância dessa menina não conhece limites. Mas fazer o que se ela é minha melhor amiga.
"Bebê, curti bastante LA tá. Tira bastante fotos e posta pra gente ver." - Kay tira Môni de perto de mim e me abraça apertado
"Sim, vê se começa a usar o insta de novo. Para com essa vergonha e esse medo dos seus irmãos." - Lili cruza os braços na altura dos seus seios e começa a bater o pé.
Ela está nervosa, esse é um tique que ela tem desde nova.
Me separo da Kay e olho com atenção para a Lili. Ela está me escondendo alguma coisa, tenho certeza.
"O que você fez, Lili?"
"Do que cê tá falando?" - ela olha pra mim mas não nos meus olhos
"O que você está escondendo?"
"Não sei do que cê tá falando." - seus ombros estão tensos, seus corpo tá em alerta e eu sei que ela está pronta pra correr se eu continuar perguntando. Ela faz isso quando está nervosa demais, corre mais que o Bolt.
Como eu estou preste a passar mais de dez semanas sem vê-la, prefiro não me despedir assim. Descruzo meus braços e caminho até a Lili, ela dá um passo pra trás.
"Me abraça que daqui a pouco eu vou embora." - digo abrindo meus braços, ela me olha ainda desconfiada mas me abraça.
"Vou sentir sua falta, bebê." - ela assopra nos meus cabelos, não que ela consiga chegar tão alto, mas eu me abaixei para abraça-la melhor.
"Eu também, pouca-sombra." - ela ri ainda me abraçando.
Meu vôo é anunciado e eu quase desisto, mais uma vez, de ir nessa viagem.
"Vai logo, Vale. Faz tudo que a gente faria e o que não faríamos também." - Kay após me abraçar mais uma vez.
"Se cuida, não vai se meter em confusão em outro país Valentina. Você pode ser presa e perder o visto." - Môni diz no meio do abraço mais longo que a gente já teve. - "Toma cuidado com esses caras, mas não tem problema se você se apaixonar por um deles." - rio dela e ela me mostra a língua.
"Amiga, aproveita essa viagem. Curti o mundo do jeito que você sempre quis. Abre os olhos para as coisas pequenas e não deixa ninguém te passar pra trás." - Lili diz séria, como eu nunca a vi na minha vida. Ela beija meu rosto e reforça - "Toma cuidado. Eu te amo."
"Eu amo vocês, muito. Vou morrer de saudades. Aproveita a casa do tio Nando por mim."
"Te amo" - as três falam quando estou passando pelo portão de embarque. Repito a frase e vou para o avião.
Nunca viajei sozinha, sempre tive alguém ao meu lado no avião. Nunca fui para uma aventura assim. Eu só espero que dê tudo certo.
Algumas horas depois o avião chega a LAX, o aeroporto de Los Angeles. Minhas pernas tremem e eu não sei o que esperar dessa viagem.
Quando saio do portão de desembarque, uma mulher, de cabelos e olhos escuros, está segurando uma placa com meu nome.
Caminho até ela imaginando quem ela seja.
"Megan Carson?" - pergunto meio indecisa
"Valentina Morais." - ela fala e me encara de cima a baixo. Acompanho seu olhar e vejo o que estou vestindo: um vestido midi verde, tênis Adidas branco, um óculos escuros e minha bolsa preta.
Tô bonita, não tô?
"Você cortou seu cabelo?" - ela diz antes mesmo de me apertar minha mão
"Cortei, tem algum problema?" - não sei se fui ignorante, mas se fosse em português teria mandado ela ir à merda.
"Não, problema nenhum, pelo contrário, você está linda." - ah, entendi. Me sinto uma burra agora, mas tudo bem.
"Obrigada, Megan."
"De nada, senhorita Morais."
"Me chama de Tina, é mais fácil."
"Claro." - ela sorri e me estende a mão, após o aperto ela aponta para um café - "Vamos até ali tomar um café."
"Tudo bem."
Acompanho Megan até o café, sentamos numa mesa no canto direto e pedimos dois capuccinos.
"Bom, aqui está o contrato." - ela estende um envelope pardo, quando nossos pedidos são entregues. Abro e encontro tres folhas num inglês tradicional, com palavras difíceis de entender. Se eu não tivesse estudado inglês britânico, não entenderia a maioria do que está escrito.
"Esse contrato é padrão. Nele está escrito as regras do nosso site..."
"Regras? Lili não me falou de nenhuma regra."
"Bom, nós temos regras." - ela respira fundo - "Não vou te dizer todas, elas estão todas escritas aí. Mas as mais importantes são: você não pode transar com nenhum dos candidatos. Nenhum tipo de sexo. Seja oral, anal ou vaginal."
Ela para de falar esperando algum comentário meu. Bom, eu não tenho o que comentar. Não vou transar com nenhum dos "candidatos", nem transaria se não fosse uma regra.
Sou virgem e tenho plena consciência que, para a maioria das pessoas, eu sou careta. Para mim, eu sou só uma pessoa com prioridades. E, claro, amigas.
Sim, amigas. Nós quatro fizemos uma promessa de só perder nossa virgindade com alguém que temos plena confiança.
Isso aconteceu depois de um momento trágico e cómico para a Lili. Mas isso é assunto dela e prometi nunca contar a ninguém.
"Não vou transar com ninguém, fica tranquila." - eu disse só para enfatizar minha opinião, já que Megan não lê pensamentos.
"Bom. A segunda mais importante é que, você tem que comprimento o contrato. Depois de assiná-lo, você não pode voltar atrás e desistir. Se não você paga uma multa relatada na página dois." - tudo bem, eu consigo fazer isso. Aceno com a cabeça entendendo o que ela está falando. - "E a terceira é a confidencialidade dos participantes. Você não pode dizer para ninguém sobre quem você está encontrando. Nem para sua agente, para absolutamente ninguém. Caso você queira postar fotos com a pessoa, não fale que estão namorando, se conhecendo ou afins. E só poderá postar as fotos com o consentimento da pessoa."
Ok, regras fáceis de cumprir.
"Tudo bem, por mim tudo certo até agora." - Megan sorri e pega outro envelope
"Esse é o seu contrato. Tudo que eu disse está escrito aqui com detalhes. Esse que você está segurando é o da empresa. Assine ambos e estamos terminadas aqui."
"Certo, antes eu tenho algumas dúvidas."
"Pode falar"
"Quanto tempo eu vou passar em cada país?"
"De sete a nove dias com cada candidato."
"Aonde eu vou ficar nesse tempo?"
"Na casa dos candidatos."
"Certo, e as passagens. Vocês que disponibilizam ou eu que compro?"
"As passagens vão automaticamente para seu email ao final de cada semana. Você só precisará arcar com suas despesas pessoais, compras e afins. O restante a empresa paga."
"Entendi." - minha cabeça está dando nós. O que esse site ganha com isso? Ela paga tudo pra gente. Que loucura. - "A última pergunta: quando eu vou encontrar o primeiro?"
"Após você assinar o contrato, eu ligo para a agente do candidato e marcamos. Mas é bem provável que hoje mesmo."
Afirmo com a cabeça e pego a caneta que Megan tinha colocado encima da mesa.
Assino ou não assino?
Merda, merda, merda!
Nunca tremi tanto para escrever meu nome. Nem no ENEM eu tinha tremido tanto. Mas consegui assinar na linha.
Ao levantar minha cabeça, encontro uma Megan extremamente sorridente com o celular no ouvido.
"Olá, eu sou Megan Carson, falo pelo site Sweet Worldwide Dreams e quero confirmar seu encontro com a senhorita Morais." - ela escuta o outro lado da linha e sorri ainda mais - "Sim, perfeito. Amanhã as nove da manhã a senhorita Morais estará disponível para o encontro." - mais uma vez ela escuta e afirma com sua cabeça - "Isso, informo o hotel que ela ficará hospedada por sms. Obrigada, tenha um bom dia."
Ela desliga ainda mais sorridente, ela assina o meu contrato e me dá e eu assino.
"Amanhã o primeiro candidato vai te pegar nesse hotel aqui." - ela escreve o nome do hotel em um papel e me passa - "Ele te encontrará as nove da manhã, sem atrasos."
"Tudo bem. Mas, hãn, qual é o nome dele?" - falo sem graça por ter assinado o contrato sem, ao menos, saber o nome da caras que vou encontrar.
"Isso fica em sigilo até você o encontrá-lo. Código da empresa." - ela dá de ombros - "A despesa do hotel já está paga, é só ir na recepção do hotel e informar seu nome."
"Tá bom." - ela retira duas notas e deixa encima da mesa, se levanta e pega sua bolsa
"Foi um prazer conhecê-la Tina. Que essa experiência mude sua vida." - diz toda sorridente
"Obrigada."
Com outro sorriso ela se vira e vai embora e eu fico sentada no mesmo lugar, por pelo menos meia hora. Só então pego minhas malas e vou em direção à saída.
Táxi é a coisa mais fácil de se achar aqui, então pego o primeiro que me aparece e informo o hotel que vou ficar.
"Em vinte minutos chegamos, senhorita." - o taxista diz e eu o agradeço.
Vinte minutos exatos depois, eu estava na frente de um grande hotel.
Grande não, imenso.
Na porta do hotel, um simpático carregador de malas me ajuda com minhas malas e me encaminha para a recepcionista.
Com um grande sorriso, a recepcionista - que o crachá diz se chamar Jenna - me atende muito educada.
Pesquisa meu nome e logo seu sorriso fica maior, se isso é possível. Me entrega a chave e chama, outra vez, o carregador.
No caminho para o elevador, sinto alguns olhares para mim. Tento, com todas as minhas forças, não ficar incomodada, mas me sinto exposta demais com esses olhares.
No elevador o corregedor, super sorridente, aperta o botão "39". Na subida fico contando andares.
Sim, tenho essa mania.
Ao chegar ao 39° andar, saio acompanhada do corregedor. Olho na chave do quarto e o número do quarto é 3909, o último do andar.
O carregador me ajuda com as malas, já no quarto. Dou alguns dólares de gorjeta a ele e fecho a porta.
Esgotada mentalmente, pego minhas coisas e vou para o banheiro tomar um banho. Após o banho, muito relaxantes aliás, deito na cama gigante de roupão mesmo.
Pego meu celular e ligo para as meninas por vídeo. Demora só alguns segundos para elas me atenderem e, quando me atendem, é aos gritos.
"Tinaaaaa" - os gritos só não são tão altos quanto a música no fundo.
"Onde vocês estão?"
"Numa boate incrível! Tô mexendo a raba que nem louca!" - Lili grita e acena com o copo de alguma bebida.
"Vale, tô muito feliz!" - Môni diz rindo e eu sabia que ela tinha bebido.
"Ela bebeu, né?"
"Pra caramba, tentei fazer ela parar, mas ela não me escuta e a Lili não ajuda." - Kay diz exasperada
"Eu só liguei pra dizer que cheguei bem."
"Tô com saudade já. Queria você aqui, mas tô feliz que você está se aventurando." - Lili diz rindo e eu mando um beijo pra ela.
"Ficam bem, depois a gente se fala direito. Amo vocês. Cuidem da ruivinha hein."
Elas se despedem de mim, mas não desligam o celular. Quando eu vou desligar escuto Lili ao fundo.
"Ela vai me matar quando souber a verdade."
"Do que cê tá falando, Lili?" - Kay pergunta mais alto, provavelmente está perto do celular
"Nada, tô pensando alto. Esqueci isso ela vamos atrás da ruiva, olha lá onde ela tá."
Não escutei nada durante alguns segundos, além da batida da música.
Estranho, bem estranho.
Meu celular começa a tocar e me dá um susto enorme. Atendo no automático.
"Alô." - minha respiração está escassa, parece que estive correndo uma maratona.
"Alô, é a Valentina Morais?" - isso de novo? Outra mulher querendo falar comigo, deve ser do site de novo
"É ela. Quem é?"
"Lauren Parker, agente do senhor James."
"Senhor James?"
"Sim, o seu primeiro candidato."