Trezentos Laços De Cetim

By gislainegodoy

281 1 1

Trezentos laços de cetim trás a história de Anamabile... Uma menina de dezessete anos anos que mora nos Esta... More

Ainda não é o momento...
O caos...
Diná
A notícia
A partida...
Reencontrando a Vó Nina...
Capitulo 8

Prólogo de Anamabile

96 0 1
By gislainegodoy




Eu nunca imaginei um dia escrever em um diário, foi o que pensei quando ganhei você da tia Molly. Pensei: "Isso não é presente para uma menina que está fazendo quinze anos!".

Na verdade acho que não daria um diário pra ninguém independente da idade. É solitário imaginar alguém com uma caneta relatando fatos que talvez não queira dividir com nenhum humano por mais amigo que esse seja. Imagino que... Isso só aconteceria em uma situação muito difícil, onde as palavras não queiram ouvir respostas ou tenham medo de ouvi-las. As respostas nem sempre são verdadeiras. Ou por causa da hipocrisia ou por causa do amor, você nunca terá a resposta que precisa ouvir naquele momento.

Um diário não é hipócrita, nem ama! E se um dia, num acesso de fúria, eu arremessá-lo contra a parede ou jogá-lo pela sacada, nem mesmo assim, ele não será hipócrita, nem dirá que me ama com os olhos cheios de lágrimas. Ele ficará estático, calado, esperando que eu o recolha e novamente volte a escrever ou que alguém venha e o deposite em uma lixeira ou ainda que um jovem cão cheio de energia o estraçalhe em mil pedacinhos ao vento.

Por falar em cão, eis que entra Tom. Ele é meu cão, presente de aniversário também. Presente do meu pai. Ele é um lindo labrador, seus pelos são brancos e tem um focinho que está sempre molhado, já pulou no meu colo e usou meu rosto como toalha pra se secar, como ele sempre faz, querendo chamar minha atenção. Os olhos estão sempre brilhando, sempre pedindo um afago, um passeio ou um belo quitute que não se pareça com ração.

Eu não tive uma grande festa como as outras meninas do colégio. Não tive baile, nem Buffet. Também não usei um vestido saído dos contos de fadas e nem dancei a valsa com um príncipe (pago), quero dizer, "encantado". Acho que tudo isso não combinaria com minha rebeldia. Além do mais não teríamos dinheiro pra bancar toda essa noite encantada.

Mas foi bem bacana. Na verdade eu trajava meu pijama de soft preto com bolinhas brancas, minha pantufa do Garfield. A touca! Claro! Uma boa touca peruana. Preta decorada com um monte de lanzinhas brancas, que foram se grudando a ela com seus longos anos de uso... Ela era a coroa da princesa que comemorava seus quinze anos em baixo de um frio americano regado a tempestade. Tudo muito simples e casual, mas me sentia plenamente feliz.

Mamãe fez litros de chocolate quente e encomendou croissants e macaroons. Cupcakes de manteiga de amendoim, geleia e chocolate (os meus favoritos), todos muito bem encaixados, em forma de circulo e enfeitado com um grande laço de cetim lilás... E eis  meu bolo de aniversário. O que eu mais poderia querer?!

Tom veio para os meus braços com um laço de cetim amarelo, minha cor preferida, ele pesava menos que a caixa de macaroons, rsrsr.

Meu pai parecia feliz. A tia Molly me entregou você em uma caixa marrom com laço de cetim branco. Cumprimentou papai cordialmente, mas sem sorrir, ela não aceitava o divórcio dos meus pais, mesmo depois de dois anos.

Na maioria das vezes em que estava em casa, sempre ouvia sua voz rouca entre uma baforada e outra da fumaça fedida de seu cigarro, em algum momento da visita dizer:

— Diná, eu tenho certeza de que você ainda ama o Robert! Não marque bobeira, não seja turrona, nem orgulhosa! Vai acabar perdendo o homem que ama para sempre! E ele, é claro que ainda te ama também! Dá pra ver nos olhos dele!

Minha mãe sempre sorria e baixava os olhos como alguém que não aguentava mais ouvir a mesma ladainha. Ou como alguém que pensava profundamente se aquela tia faladeira do seu ex-marido, desajeitada e de óculos dourado tinha mesmo razão. Eu nunca conseguira decifrar o que os seus olhos pensavam naquelas conversas repetitivas da tia Molly.

Eu também não conseguia entender por que meus pais haviam se separado. Mas resolvi dar uma trégua nas discussões com minha mãe por causa daquele assunto. Pelo menos nos dois últimos dias...

Eles não eram o tipo de casal que brigavam o tempo todo. Quando tudo aconteceu eu tinha treze anos, acabados de completar. Na verdade acho que eles apenas esperaram que eu fizesse aniversário para me dar a noticia.

Sentamo-nos a mesa da cozinha, os três. Eu sabia que algo sério estava para acontecer, mamãe estava tensa e papai não sorria como de costume. A princípio senti muito medo de que minha avó materna tivesse morrido. Desde que saímos do Brasil para morarmos nos Estados Unidos, não nos vimos mais e isso já faziam oito anos. Falávamos por telefone nas datas especiais: dia das mães, natal e no seu aniversário que era bem no inicio da primavera. Eu tinha apenas cinco anos quando partimos, mas ainda me lembro de seu cheiro de rosas e do seu delicioso bolo de laranja com canela!

Com um dom divino que só as mães têm e como se pressentisse meu medo, mamãe disse num sorriso amargurado: Ana, era assim que a maioria das pessoas me chamavam, por que Anamabile é um nome um tanto comprido.

— Minha querida, está tudo bem com a vó Nina viu?! Fique tranquila. A conversa que queremos ter com você é sobre...

Papai carinhosamente olhou para mamãe que baixou os olhos buscando evitar o contato com os olhos dele... Ele então começou a falar com uma voz calma, serena. A sua paz era algo que me encantava.

Raramente eu o vira nervoso. Mamãe também era calma, mas depois que eu descobri o que eram os hormônios femininos, descobri também que qualquer mulher é passível de ser totalmente desequilibrada pelo menos uns quatro dias por mês.

Papai depositou as mãos sobre a mesa, pigarreou um pouco antes de começar a falar:

— Ana, eu e sua mãe estamos enfrentando alguns problemas. - continuou papai.

Estamos tendo algumas diferenças e como você sabe bem, nunca fomos de nos desentender. Você nunca presenciou brigas, situações de desequilíbrio, ofensas... Sempre tentamos ao máximo preservar o ambiente familiar o mais tranquilo possível.

Nesse momento meus pensamentos se confundiam...

Eu sinceramente a princípio não entendia o que aquilo queria dizer, até ver minha mãe chorando. Ela, mesmo com todos os hormônios de mulher raramente chorava. Então quando uma das mãos secava as lágrimas que teimavam rolar por sua face rosada, percebi que a aliança não estava em seu dedo esquerdo. Então a dedução veio rápida, porque metade dos meus amigos tinham pais separados, era uma situação normal.

Mas não era normal pra mim. E nunca será! Assim como a tia Molly, eu também acho que eles se amam. Não entendo o motivo da separação. Nunca entendi... Sei que o amor não acabou, não vejo raiva nos olhos da minha mãe, vejo tristeza.

As vezes temos feridas tão abertas, que o melhor é não tocá-las. Deixamos o tempo agir, deixamos a pele novamente renovar-se em suas fibras mais íntimas. E um dia quando houver apenas uma cicatriz, e a dor der lugar à aceitação, daí então, talvez, possamos entender o que aconteceu...

Mas não aceito! Minha relação mudou muito com a minha mãe depois disso. Eu não entendo por que o silêncio de ambos. Desisti de perguntar o motivo, pois a resposta era sempre a mesma:

" Você não precisa se aborrecer com isso, sempre seremos seu pai e sua mãe, apenas não dividiremos mais a mesma casa".

Como o tempo me cansei e desisti da verdade.

Penso que no momento certo se entenderão, o que não significa que irão voltar a ser marido e mulher. Vejo tristeza nos olhos de minha mãe, mas também vejo amor. Meu pai tem frequentado mais a casa depois que fiquei doente e tenho certeza que seu cheiro de loção pós barba faz mamãe suspirar pelos cantos da casa, apesar de ela não descer enquanto ele não for embora.

Eu tenho sentido muitas dores no corpo e uma fraqueza terrível, mas acho que é normal por causa da infecção de urina que tive. Daí vieram os remédios, antibióticos e analgésicos. Essa semana nem fui para escola. Não quero nem ver o amontoado de exercícios que o professor Níc vai me reservar. Ele não perdoa ninguém! Sua matemática é implacável. Estou com saudade das meninas. Elas me ligam, me colocam a par dos acontecimentos e rimos muito juntas. Amanhã vamos à médica, espero ser liberada, até porque ficar doente em Washington é muito caro. Escrever nesse diário me faz parecer mais madura. De certa forma pra mim foi uma terapia desabafar minhas inquietudes em folhas de papel que jamais ninguém poderá ler, a não ser que eu permita ou que um dia vire um Best Seller e vá para lista do New York Times!

— Não é mesmo Tom? Já pensou? Sua dona, uma famosa escritora. Com certeza o titulo seria: O diário... Mais qualquer outra coisa que qualifica ou que de vida ao pequeno caderno secreto. Um pouco clichê esse título, não acha Tom?

Vou parar um pouco, sinto a cabeça pesada. Os escritores de verdade devem sofrer! Acho melhor ser só Anamabile, a adolescente rebelde.

Mais tontura...Deve ser fome. Mas tudo que penso em comer só me causa náusea. Amanhã volto a escrever novamente... Achei divertido, não deveria ter adiado por dois anos olhar para você Sr. Diário. Folheio algumas iniciais e vejo corações desenhados. Eu era apaixonada por Eduard! Que era namorado de Alice, minha melhor amiga. Ela nunca percebeu. Muito menos ele e eu odiava ter que às vezes aceitar o convite para ir ao cinema com eles. Não que eles quisessem minha companhia. Eu era apenas uma lanterna que a mãe de Alice usava para ter certeza de que nada aconteceria além do permitido para nossa idade.

Eu me sentava na poltrona mais distante possível e engolia um saco de pipocas observando Eduard acariciar o rosto de Alice e beijá-la durante o filme inteiro. Eu não sentia raiva. Sentia tristeza. Talvez a mesma tristeza que vejo nos olhos de mamãe. Por fim quando Alice e Eduard terminaram, descobri que na verdade eu não era apaixonada por ele. Eu era apaixonada pelo jeito carinhoso, pela atenção que ele dedicava a Alice. Pelos mimos que ele lhe fazia o tempo todo. Acho que na verdade eu sentia falta de uma figura masculina, da figura do meu pai. Eu projetava em Eduard a ausência do meu pai. Sei lá, é um negócio complicado de explicar. Mas de uma coisa eu tive certeza, eu não era apaixonada por Eduard e isso me aliviou a alma. Afinal eu não era uma traidora, uma má amiga ou invejosa.

Esses coraçõezinhos nas últimas páginas do diário não queriam dizer nada, apenas uma falta, uma ausência de algo que eu não sabia o que era.


Anamabile de Vasconscelos

Continue Reading

You'll Also Like

18.8M 1.1M 158
Foi no morro aonde tudo começou, aonde eu descobrir o amor e a dor, que eu descobrir que as pessoas que amamos podem nos dar o mundo, pra depois dest...
820K 41.8K 116
"Não deixe que as pessoas te façam desistir daquilo que você mais quer na vida. Acredite. Lute. Conquiste. E acima de tudo, seja feliz!" PLÁGIO É CRI...
61.7K 9.2K 41
⋆ ִֶָ ࣪ . ִ ֗ˑ ִ ۫ ִֶָ⋆。・:🗡*:・゚。・:*:・☼︎⋆ ִֶָ ࣪ . ִ ֗ˑ ִ ۫⚡️ ִֶָ⋆。・:*:・゚。・ Amélia Stilchz, uma jovem de 14 anos que sofre frequentes agressões e abus...
10.3M 795K 89
Por um lado temos uma mulher que sofreu de todas as formas, e a cada dia perde a fé em tudo, do outro, temos algum cabeça dura, fechado, e totalmente...