Alice quase arregalou os olhos mediante a frase estupidamente revelada. Não seria boa o suficiente para nenhum daqueles homens, nem mesmo para Oldenberg, já que agora estava na cadeira de rodas. Charles conseguiu deixá-la corada e Phillip não gostou nada do que viu. Seu irmão era um sem vergonha que se passava por poeta e adorava iludir boas moças.
Não queria dizer que Phillip era santo, pelo contrário, já aprontara poucas e boas. A seguir pelo exemplo da última prostituta com quem se deitara. No entanto, Alice lhe transmitira uma sensação diferente.
Olhou para Charles e teve a certeza de que ele só queria passar um "tempo" com a menina. Depois do café, sem dúvidas, o chamaria para uma conversa séria.
O café da manhã seguiu tranquilamente. Phillip contou a Alice sobre a história daquele palácio gigantesco e também como seus antepassados o construíram, naquele condado. Evelyn contou sobre os bailes e os saraus que sua mãe gostava de organizar.
― Sinto muito em ter que deixá-los, mas o dever me chama – Charles disse, levantando-se e fazendo uma reverência. Aproximou-se de Alice, levantou sua mão direita e deixou um beijo nos nós de seus dedos.
Phillip se levantou no mesmo instante. Esse era o momento ideal para colocar seu irmão no devido lugar.
― Também preciso resolver algumas coisas. – Phillip disse ao fitar Alice. ― Espero que minha querida irmã possa entretê-la esta tarde.
Alice sorriu timidamente e assentiu. ― Agradeço pela atenção de Vossa Graça, mas nesse caso sou eu quem devo entreter a vossa irmã.
Phillip balançou a cabeça afirmativamente e pediu licença para as mulheres, seguindo Charles. Eles atravessaram o jardim em silêncio e quando o mesmo entrou no vestíbulo, Phillip o puxou pelo colarinho e o prensou na parede, não medindo suas forças.
― Que demônios acha que está fazendo? – perguntou bruscamente.
Charles arregalou os olhos e tentou se livrar do aperto de seu irmão, porém, apesar de ser um vampiro, não era tão forte quanto o mais velho.
― Phillip, acalme-se eu... O que eu fiz?
O Duque encarou seu cinismo e com um olhar ameaçador lhe deu um único aviso:
― Fique longe da senhorita Kaufmann. – disse com a voz áspera. ― Não deixarei que ela caia nas lábias de um lobo à espreita, como sei que fazes, Charles.
― Está louco, Phillip? – Charles perguntou, tentando se soltar, mas era em vão, seu irmão era mais forte.
― Louco? – perguntou arqueando a sobrancelha. ― É um único aviso, Charles. Se você fizer algum mau à senhorita Kaufmann, eu mesmo acabarei com a sua raça.
Dizendo tais palavras soltou seu irmão, que escorregou pela parede e caiu sentado. Estava claramente assustado com a intervenção de Phillip, visto que apesar de ter a fama de sedutor, jamais faria algum mal à Alice. Ela, sem dúvidas, era uma moça direita, além de bonita e dócil.
Sem falar que Charles realmente procurava por um casamento. Estava cansado de viver a vida solitária, dormindo com alguma ou outra mulher, apenas para distraí-lo. Sinceramente achava que a hora de colocar um anel em seu dedo, estava bem próxima.
Depois de algumas centenas de anos, a chance de se estabelecer com alguém, lhe parecia bem atraente.
― Você sequer me conhece, cretino! – Charles se levantou e bateu as mãos na roupa, retirando o excesso de poeira. ― Você é quem deveria ficar longe da senhorita Kaufmann, visto que Louise está chegando para firmarem o compromisso.
Phillip apoiou uma das mãos no corrimão da escada. Charles estava certo... que diabos lhe acontecera para que agisse assim? Sequer conhecia Alice.
― Foi só um aviso. – tentou se recompor. ― Não quero mais nenhuma morte nessa propriedade.
Charles passou por ele ao subir as escadas. ― Deveria se preocupar com outra coisa, meu caro.
~
Evelyn levou a jovem para conhecer o restante da propriedade, que era enorme e lhes tomaram mais de duas horas. Passaram pelo campo em que gostavam de jogar arco e flecha, pelo roseiral e Alice se viu encantada por elas em suas variadas cores.
― Está um pouco abandonado desde que Anne morreu. – Evelyn comentou enquanto pegava uma rosa vermelha. ― Ela adorava este lugar.
― Anne? Quem era? – Alice perguntou, curiosa.
― Era a esposa de Phillip. – respondeu ao analisar a rosa em sua mão e se lembrar do acontecido. ― Já fazem alguns anos e desde então ele vive em luto eterno.
Alice suspirou pesadamente. ― Sinto muito... ela deve ter sido... especial.
― Ela foi. – confirmou Evelyn. ― Não para mim, mas para Phillip... era tarde demais e ele não conseguiu salvá-la.
― Não deve ser fácil lidar com isso. – disse simplesmente.
E não era fácil, pensou. Tentou imaginar a dor da perda que talvez se aproximasse com a que sentira quando Lucius e Penélope a traíram. Não, talvez fosse pior, mas felizmente Phillip estava ali vivo e com todo o vigor que um homem poderia ter. Mulheres ele encontraria aos montes e prontas para lhe dar herdeiros, mas e ela? O que havia lhe restado? Nada... ninguém se interessaria por ela naquela situação. Como sua mãe dizia, não passava de um vegetal.
Fechou os olhos e aspirou todo aquele ar puro. Estava um pouco frio, mas isso não a incomodou. Há tempos não sentia aquilo e por um lado estava feliz de estar ali. Estava sendo bem tratada e ao contrário de sua família, eles pareciam se importar com ela, mesmo sendo uma inválida.
― Deve estar cansada, querida. – Evelyn disse. ― Irei levá-la para casa.
― Estou um pouco, confesso. – sorriu. ― Mas se quiser, podemos continuar. Estou aqui para agradá-la.
― Também estou cansada. – mentiu. ― Acho que podemos encerrar nossa jornada por hoje.
Alice assentiu, estava exausta, mas satisfeita por Evelyn tê-la levado para passear, sentia-se honrada. Qual senhorita da alta sociedade se disporia a empurrar a cadeira de sua dama de companhia?
― Quando será o próximo baile? – perguntou por curiosidade.
― Não tenho certeza, vamos esperar Louise voltar de Paris. – Evelyn respondeu enquanto empurrava a cadeira de rodas. ― Espero que ela seja uma boa esposa, Phillip anda muito insuportável.
― Que não seja desmiolada. – Alice comentou, abrindo um leve sorriso.
Evelyn riu e assentiu enquanto atravessavam o jardim. Rapidamente já estavam entrando no vestíbulo.
― Vou pedir para um criado ajudar a levá-la para o aposento...
Afinal, é claro que não poderia pegar a moça no colo. Mostrar suas forças estava fora de questão. Já não bastava ter empurrado a cadeira por mais de duas horas sem se cansar?
Enquanto Evelyn se distanciava para procurar um criado, Phillip saía de seu escritório. Seu olhar foi de encontro à Alice e abriu um leve sorriso.
― Evelyn lhe deixou sozinha?
― Foi procurar algum criado para me ajudar a subir...
― Irei levá-la agora mesmo.
Phillip colocou uma mão por baixo dos joelhos de Alice e a outra em suas costas. A jovem sentiu o rubor em sua face atingi-la em cheio e com certa timidez passou o braço pelo pescoço do homem.
Enquanto Phillip a levava escadaria acima, não pôde deixar de notar o cabelo sedoso, seus olhos azuis como o mar. Seu nariz fino e reto. Ele era um homem bonito e forte, sortuda seria Louise Blanchard.
Entrando no aposento, com gentileza ele a deixou sobre a cama. Ela parecia estar exausta e alguns fios de cabelo estavam em sua face. Gentilmente os afastou e observou-a por alguns instantes.
Mais uma vez, pôde constatar o quanto Alice era formosa. Sobrancelhas marcantes, nariz pequeno e seus lábios carnudos. Phillip viu uma coisa que há tempos não via: VIDA.
Vida corria nas veias daquela linda jovem e isso despertou algo dentro de si, que por um lado o assustava, por outro, parecia ser normal. Um homem não podia sentir-se atraído por uma bela jovem?
Esse pensamento deixou-o desnorteado. Por Deus! Alice passava por seus próprios problemas e ele pensando em coisas que não deveria. Fitou-a mais uma vez e viu como o corpete do vestido acentuava suas curvas e levantava seus seios.
Phillip repreendeu-se mentalmente quando ouviu a voz de Evelyn se aproximando.
― Vossa graça não precisava se importunar, mesmo assim, muito obrigada. – Alice disse, sentindo o rubor em suas bochechas.
― Não precisa me agradecer.
― Mas que coisa, quem é que a trouxe sem... – Evelyn se calou quando entrou no aposento e viu Phillip sentado junto à Alice.
― Eu que a trouxe, irmã. – disse sem rodeios.
Alice entrou no aposento, um pouco confusa.
― Ah... bom... – olhou para seu irmão e depois para Alice. ― Querida, irei deixá-la descansar, foi um ótimo dia e obrigada por sua companhia.
Alice sorriu. ― Só fiz meu trabalho, Milady.
Evelyn também sorriu e fez menção de se retirar quando viu que Phillip não pretendia sair dali. Lhe lançou um olhar de: "Não demore", e deixou-o a sós com a jovem debilitada.
― Vejo que o dia foi bastante produtivo com minha irmã. – Phillip comentou. ― Ela é adorável.
― Sim, ela é. – Alice concordou pousando as mãos em seu colo. ― Conheci praticamente a propriedade inteira. O roseiral é lindo.
Phillip ficou tenso ao ouvir sobre o roseiral. Fazia tempos que não o visitava perto do lago, lugar que lhe traziam muitas memórias de sua falecida esposa.
― Oh me perdoe por citar o roseiral, soube que era de sua falecida esposa. – Alice se desculpou, mas Phillip tocou seu rosto com os dedos.
― A vida é assim, feita de conquistas e perdas.
Alice ficou em silêncio, se lembrando das coisas que já passara em sua vida. E agora estava ali, com um desconhecido fitando-a intensamente.
― Deixarei que descanse. – Phillip se levantou rapidamente, como se tocá-la tivesse sido um exagero. ― Nos veremos no jantar e dessa vez não mandarei que lhe tragam a comida no aposento.
― Mas... – Alice quis protestar, entretanto, se calou ao lembrar que o Duque não gostava de ser contrariado.
― Se não descer, eu mesmo venho aqui e a levo em meus braços.
A jovem arregalou os olhos e suas bochechas coraram mediante a ameaça velada. Aquele homem tinha o poder de deixá-la sem graça e confusa.
Phillip saiu do aposento apressado após ver as bochechas da jovem corando. Seguiu o caminho para seu escritório, o único lugar onde conseguia colocar seus pensamentos em ordem. Ainda mais quando a fome dava sinais em seu corpo.
Estava nervoso e confuso. Poucas vezes perdeu o controle sobre suas emoções à ponto de colocar a vida das pessoas que queria bem em perigo, mas desta vez fora diferente.
Alice era tão... viva! Apesar de sua condição, seu sangue jovial deixava-o louco. Nunca uma mulher conseguira descontrolá-lo daquela maneira. Sempre soube controlar seus impulsos para manter a sua existência e de sua família a salvo.
Se não saísse de lá rápido, teria a atacado quando suas bochechas acumularam sangue.
Batidas na porta de seu escritório o tiraram de seu devaneio.
― Vossa Graça deseja algo? Vi que parecia nervoso – a criada perguntou temerosa.
― Entre e tranque a porta. – Phillip ordenou, com sua voz tempestuosa.
A criada temerosa, fez o que o homem disse e parou a poucos passos de distância.
Phillip estava em pé, de costas para a porta, porém cada passo que ela deu, seus instintos puderam farejar o receio.
― Aproxime-se. – ordenou mais uma vez.
A criada se aproximou lentamente, temendo que tivesse sido uma péssima ideia ir atrás do Duque.
― Vossa Graça está se sentindo bem? posso ajudá-lo?
Phillip riu diabolicamente. Claro que ela poderia ajudá-lo e seria de grande valia. Virou-se de repente e a encontrou. Deveria ter cerca de seus vinte anos.
― Tens família? - perguntou seriamente.
― Não... – a menina respondeu, timidamente. ― Mas o que há com os olhos de Vossa Graça?
Phillip ignorou a inocente pergunta e se aproximou dela como uma serpente rondando sua presa. Ele já sabia como seus olhos ficavam quando estava prestes à fazer aquilo.
― Espero que tenha sido uma boa vida, criada. – puxou-a pelo braço e deixou seu pescoço à mostra ― Sinto muito...
Dizendo tais palavras, Phillip cravou suas presas no pescoço da jovem. A menina não gritou, pois antes que ele a mordesse, hipnotizou-a com seu olhar. E, apesar da dor dilacerante não conseguiu esboçar uma reação sequer.
O homem rasgou a veia com suas presas e sugou todo o liquido viscoso que havia em seu corpo, jogando-o de lado quando terminou.
Phillip carregava aquela maldição há séculos. Com o passar dos anos conseguira controlar seus impulsos e viver no meio de cidadãos e se comportar como eles. Mas havia situações que simplesmente não conseguia controlar o animal que havia dentro de si. Odiava quando tinha que fazer tais coisas, mas se não o fizesse corria o sério risco de atacar Alice e não se perdoaria se algo acontecesse à ela.
Limpou o canto dos lábios com um lenço e sentiu-se saciado, forte. Talvez nunca pudesse deixar de lado quem verdadeiramente era e isso colocava a todos em risco. Tantos anos escondendo suas verdadeiras origens, tentando viver como um ser humano normal e agora uma jovenzinha o fazia perder o controle dessa maneira.
A pergunta que corria em sua mente era: Por que aquela jovem despertara tais sentimentos?
Talvez a resposta só viria com o tempo e enquanto isso teria que controlar-se ou Alice correria um sério risco de vida.
~~~~~~
Gostou? Comenta, Vota e Compartilha com seus amigos <3