Nós não estávamos mais em meu quarto, agora nos via no quarto da UTI onde Alicy permanecia internada. Bem, não estávamos lá literalmente, pois apenas flutuávamos, conseguindo ver ela e toda a equipe médica que a examinava.
Lily estava abatida, fraca, sua pele morena estava branca, pálida, seus olhos estavam roxos, seu braço e perna engessados. Ela estava horrível, porém sua beleza, a de sua alma, aquela que me encantou, que me fez cair de amores, ainda permanecia ali, intocada.
Assim que coloquei meus olhos nela, uma enorme emoção tomou conta de mim. Ela não podia morrer. Ela não iria morrer.
De repente o tempo parou. Os médicos sumiram. Os aparelhos se silenciaram. Só podíamos ouvir o leve e baixo som da sua respiração. Nós quatro descemos suavemente até estarmos realmente ao lado dela. Eu podia ver o leve subir e descer do seu peito, era quase imperceptível, mas ele estava ali.
Eu acariciei o seu rosto macio, apertei sua mão e beijei levemente seus lábios.
- Agora tudo vai ficar bem, meu amor. Viva, Alicy. Seja feliz. Ame e seja amada. E eu te amarei eternamente. – Minha vida estava acabando ali, mas eu estava estranhamente calmo e... feliz - Estou pronto. Já podem fazer o que tem que ser feito.
- Não é assim tão rápido, querido. – Falou minha mãe acariciando minhas costas. – Antes, precisamos te explicar algumas coisas.
- Tudo bem. – Concordei. Pelo menos assim eu teria mais alguns minutos ao lado do meu amor.
- Quando você conheceu Alicy, você ficou intrigado porque não conseguia ouvir os pensamentos dela, certo? – Começou minha mãe.
- Sim.
- Depois de um tempo, você percebeu que nenhum dos seus poderes funcionava com ela. – Apenas concordei com um gesto de cabeça. – Quando você comentou comigo e seu pai a respeito disso, nós ficamos muito felizes.
- Por quê? – Perguntei curioso.
- Porque descobrimos que vocês dois eram almas destinadas à eternidade.
- O que? Como assim? O que é isso?
- Quando um ultra-humano é concebido, junto com ele nasce todo seu destino. Nós, assim como os humanos, temos o livre arbítrio, sendo assim, temos escolhas, podemos seguir nossa vida conforme queremos, porém cada escolha nos leva a diferentes caminhos, mas, mesmo assim, o destino não é alterado, o que é alterado é apenas o caminho que te leva até ele.
- Quando você nasceu, já estava em seu destino que você se apaixonaria por uma humana, que esse amor seria surreal, fora do normal, que você sofreria, faria muita coisa errada, mas que teria seu "felizes para sempre" com ela. – Agora era meu pai quem falava. – Assim que você nos disse que não conseguia ouvir os pensamentos de Alicy, nós soubemos que ela era a sua humana, a sua alma destinada à eternidade. Porque um ultra-humano tão poderoso quanto você, jamais seria bloqueado por algum humano, a não ser que esse estivesse ligado a sua alma.
- Tipo almas gêmeas? – Perguntei sem entender.
- Mais ou menos isso. – Falou Sam. - Almas gêmeas são seus pais, que são duas pessoas da mesma "espécie", são dois ultra-humanos que foram criados um para o outro, que nasceram para se completarem, para ajudar nossa raça, para crescer e ensinar nosso povo. Sua mãe foi criada especialmente para amar seu pai e seu pai foi criado exclusivamente para amar a sua mãe. Eles, desde o nascimento, nunca se separaram e jamais se separarão.
- E porque eu e Alicy não somos almas gêmeas? – Questionei curioso. Aquela história estava me deixando atordoado.
- Você é ultra-humano, Alicy é humana, são de espécies diferentes, só se relacionam verdadeiramente quando está no destino de um ultra-humano. Se não estiver no destino, o relacionamento será puramente carnal. Pode até existir sentimentos, mas é algo que causará um grande dano no ultra-humano, pois os humanos não são eternos, e a nossa paixão e amor são...
Quando você nasceu, já sabíamos que estava em seu destino uma humana, porém nós não selecionamos, não escolhemos essa humana, quem escolhe essa pessoa é você mesmo, seu amor, sua alma. E quando a alma reconhece, escolhe a sua companheira, é uma escolha para a vida toda, para a eternidade, por isso que chamamos de almas destinadas a eternidade, porque ela está em seu destino, mas é você quem a escolhe, e não almas gêmeas, porque as gêmeas são criadas ao mesmo tempo uma para a outra, são os deuses que a escolhem.
- Entendi. Mas uma coisa ficou confusa. – Todos me olharam para que eu continuasse. – Se nosso destino é viver juntos eternamente, como isso vai acontecer se eu estou prestes a dar a minha vida por ela?
Os três se olharam e sorriram, mas ao mesmo tempo em que era um sorriso de alegria, era um sorriso de tristeza.
- Aí começa outro ponto da sua história. – Falou minha mãe.
- Mais um? – Eu estava muito mais confuso.
- Você é um ultra-humano, Iron. Você é um ser eterno, nunca irá morrer. – Falou Sam, se aproximando de mim.
- Mas vocês concordaram que eu poderia dar a minha vida a ela para salvá-la. Por favor, não voltem atrás. – Eu estava desesperado. – Ela precisa viver. Por favor!
- Calma, filho, nós vamos salvá-la. Você vai salvá-la, mas isso não quer dizer que você vai morrer.
- Não? – Questionei, com uma esperança e alegria me invadindo.
- Não exatamente. – Falou meu pai.
- Não estou entendendo mais nada.
- Mas vai entender agora. – Sam começou a me explicar calmamente. – Nossa raça tem o poder de ajudar, curar, salvar qualquer ser humano, menos aquele que é a nossa alma destinada à eternidade, por isso que seus poderes não funcionam com ela, porque tudo o que acontece ou virá a acontecer, é do destino de vocês dois, você não pode interferir, porque se fizer, sempre será a seu favor. Quando alguma coisa grave acontece com um humano e sua alma ultra-humano interfere, uma grande consequência se instala na vida do casal. Isso aconteceu no passado, quando Alicy sofreu o acidente e você convenceu Timot a interferir. – Eu escutava atentamente e me lembrava do que Tim havia me falado naquele dia. – Antes de uma humana saber da existência de um ultra-humano, mesmo quando são almas destinadas, essa humana tem que ser testada, seu amor tem que ser testado, assim como você e seu amor. Esse era o teste Iron, e se vocês dois tivessem ido até o final, desde aquela época vocês saberiam que estariam juntos para sempre.
- Mas como? Ainda não estou entendendo.
- Quando você pediu Alicy em casamento e ela não aceitou, por pura insegurança, e você fez tudo o que fez, ocasionando todo o acidente, isso tinha que acontecer para ela entender que, por mais que você sempre fizesse a coisa errada até o último extremo, mesmo assim, ela jamais deixaria de te amar, ela sempre te perdoaria e viveria com você, até que juntos, conseguissem amadurecer e, enfim, você se tornar um homem confiante, pois a partir do momento em que você soubesse que ela era sua outra metade, jamais agiria como antes. – Sam falava sem parar. – E quanto a você, tudo aconteceu para que percebesse que ela realmente era a mulher da sua vida, que você tinha que se tocar e deixar de ser tão imaturo e possessivo. Você tinha que lutar por ela, por seu amor até o último minuto.
- Quase deu certo. – Falou meu pai. – Se você não tivesse ido embora, quando ela acordasse, vocês conversariam e finalmente nós estaríamos lá para contar tudo o que estamos contando agora.
- Como sabem disso? Viram no meu destino?
- Sabemos por que você foi a primeira pessoa que ela procurou quando acordou. Porque ela chorou dias sem acreditar que você tinha a abandonado. Porque nós víamos nos olhos dela o quanto ela te amava e ouvíamos em seus pensamentos que, mesmo depois do acontecido, tudo que ela mais queria era que você estivesse lá.
- Não... – Chorei. – E porque vocês não me impediram?
- Porque não podíamos, Iron. Livre arbítrio, lembra?
- E é por isso que está acontecendo tudo novamente?
- Sim. – Afirmou Sam. – Esse acontecimento está em seu destino, Iron, no dela também. Você apenas tomou outro caminho, mas um caminho que te levou para o mesmo lugar. A consequência a ser paga por uma coisa que você não podia fazer é o sofrimento, a tristeza. Os deuses estão lhe dando uma segunda chance, assim como todos os seres vivos desse mundo têm, mas essa segunda chance não será como a primeira.
- Como assim?
- Você tem a opção de deixar Alicy morrer e viver eternamente sozinho, ou tem a opção de salvá-la e assim, mais uma vez, viver com as consequências.
- E quais serão as consequências?
- Essa é a grande questão. Ninguém sabe quais serão.
- Não sabem? Como não sabem?
- Quando você opta por dar a sua vida a sua humana, você não está dando a sua vida literalmente e sim dando os seus poderes.
- Então eu ficarei sem meus poderes, mas viverei eternamente?
- Exato.
- E o que há de errado nisso? Se eu tivesse ficado no passado, ela teria se recuperado, nós saberíamos que éramos almas destinadas à eternidade, ela continuaria sendo humana e eu ultra-humano, e porque não pode ser desse mesmo jeito agora?
- Porque você optou por não ser assim.
- Ahhhh, é muita coisa pra eu entender. Dá pra resumir. – Eu não estava aguentando mais. Eu queria salvar minha Lily, era a única coisa que importava.
- Resumindo. – Sam voltou a falar. – Você dará seus poderes a ela. Alicy se transformará em ultra-humana, você continuará sendo eterno, mas não terá mais poderes, só que a partir daí muita coisa pode acontecer. Você pode perder a memória para sempre e viver a eternidade sem se lembrar de Alicy. Você pode até recuperar seus poderes, mas é Alicy que não se lembrará de você, mesmo ela sendo uma ultra-humana. E muitas outras coisas.
- Não acredito...
- E tem mais. – Falou minha mãe. – Para nós os poderes são como parte de nosso corpo e perde-los pode trazer muitos problemas, principalmente para nossa saúde. Para um ultra-humano, a perda dos poderes é como uma doença. Nós costumamos a dizer que é como se fosse um câncer. Você pode perdê-los e viver muito bem sem eles, mas também pode adoecer muito, ficando cada dia pior, podendo passar a eternidade doente, numa cama, nunca mais andar, ou falar, ou enxergar...
- Ok. Já deu para entender. – Era muita coisa ruim para ouvir. Mas nada me faria mudar de ideia. – O que temos que fazer agora?
- Mesmo depois de tudo o que ouviu você ainda quer continuar? – Meu pai questionou.
- Eu vou continuar. Tudo o que aconteceu foi minha culpa. Eu preciso fazer isso. Eu preciso que Alicy viva, que seja feliz, que tenha tudo o que não teve comigo. E mesmo se meu cérebro não se lembrar dela, eu tenho certeza que minha alma lembrará, afinal, foi ela quem escolheu Alicy.
Minha mãe chorava, enquanto meu pai e Sam sorriam.
- Muito bem, Iron. Que seja feita a sua vontade.
- Eu vou me esquecer de tudo, de todos? – Perguntei sentindo uma enorme tristeza.
- Não, meu bem. Você esquecerá apenas de Alicy. Saberá que é um ultra-humano e que perdeu seus poderes por conta de um acidente.
- Ela vai viver com a gente?
- Não sabemos, Iron. Essa é uma decisão que só caberá a ela. – Respondeu minha mãe.
- Mas ela vai se lembrar de mim, do nosso amor?
- Vai.
- Ela ainda vai me amar?
- Sim. Ela vai te amar para sempre.
Sorri contente. Eu salvaria a mulher da minha vida, eu não lembraria mais dela, nem do nosso amor, mas ela se lembraria de mim, ela me amaria como sempre amou, e isso me deu uma leve esperança. Alicy era tinhosa, ela lutaria por mim, por nosso amor, a eternidade era pouco para ela, pois ela viveria cada dia para me trazer de volta, e mesmo ouvindo de todos que eu poderia jamais me recordar, eu sabia que nosso amor era muito grande para ser esquecido.
Sorri para ela que ainda estava dormindo tranquilamente. Segurei firme sua mão, beijei sua boca fria e sussurrei em seu ouvido:
- Não se preocupe meu amor, eu voltarei para você. E nunca se esqueça: Eu e você eternamente!