Além do Poder - DEGUSTAÇÃO

Cinco

Eu estava de volta e ainda não tinha me acostumado com a vida louca de um morador de São Paulo. Muita correria, trânsito, estresse, e só uma coisa me relaxaria e me deixaria zen: usar meus poderes.

Acordei bem cedo, como de costume, trabalhei a manhã inteira, e a tarde já estava prestes a explodir. Decidi sair para relaxar um pouco. Avisei meus pais que não voltaria para o trabalho, peguei minha moto e saí sem rumo.

Andei uns bons quarenta minutos pelas ruas muito movimentadas, e acabei me deparando com o Parque do Ibirapuera. Eu adorava aquele lugar e o frequentei muito no ano em que cheguei a São Paulo. Sempre foi um dos meus lugares preferidos no mundo, pois todo aquele verde, árvores, lagos, me faziam encontrar uma paz que em poucos lugares do mundo era possível encontrar.

Entrei no parque, estacionei minha moto e comecei a andar por meio de tantas pessoas diferentes. Eu adorava passear por lá, pois eu podia ouvir os mais loucos e lindos pensamentos. Era muito interessante ouvir as pessoas, seus sonhos, seus planos, seus problemas. Muitas vezes eu sentia vontade de aborda-las e ter uma conversa bacana, pois algumas precisavam apenas disso para seu dia ficar melhor: um ombro amigo, um ouvido para escutar seus lamentos, suas dores ou suas alegrias. E vamos ser realistas, ninguém precisa de superpoderes para fazer bem a uma pessoa.

Eu amava o poder de saber o que se passava dentro de cada ser. Ás vezes eu era ousado ao ponto de simplesmente puxar assunto e tentar fazer algo de bom para alguém. Haviam pessoas que precisavam apenas de um momento de desabafo, um sorriso, um abraço, uma atenção sincera sem outras intenções que não fossem as de simplesmente compartilhar momentos. Mas, o que existia dentro de algumas era tão feio, tão assustador, que eu passava longe.

Foi por conta dessas pessoas que fomos criados. O mundo não foi feito para o mal, mas, infelizmente, nem sempre se pode ter o controle de tudo. As pessoas transformaram o mundo em um lugar "feio", e por isso estamos na Terra: para ajudar Deus, o criador de tudo e todas as coisas, a acabar com a maldade do ser humano e mostrar que o mundo pode ser maravilhoso.

Andando no meio da multidão, passei por vários ultra-humanos. Nós sempre nos reconhecíamos e nos cumprimentávamos apenas com um aceno de cabeça. Haviam muitos ali em missão. Era lindo de se ver. E eu me sentia orgulhoso de fazer parte daquela raça.

Aluguei uma bicicleta e andei o parque inteiro, completamente perdido em meus pensamentos em busca de uma solução para meu maior problema.

Parei numa parte menos movimentada, deixei a bicicleta e me deitei na grama verdinha e úmida. Fechei meus olhos e deixei que o sol do fim de tarde aquecesse meu corpo e meu coração. Fiquei ali por bastante tempo e quando resolvi ir embora, a noite já tinha chegado. Voltei para o estacionamento, peguei minha moto e saí rumo a minha casa. Quando estava na avenida principal, ouvi um estrondo muito alto e vi um acidente terrível.

Um carro tinha sido atingido por uma moto e os passageiros estavam gravemente feridos. Me teletransportei para o local do acidente e, ficando invisível, me aproximei. A cena era cruel: duas pessoas dentro do carro, desmaiadas, estavam presas nas ferragens. A garota que pilotava a moto havia sido jogada a metros de distância, e também não estava nada bem. Era difícil de acreditar que uma moto pôde causar tamanho estrago.

Sem que ninguém percebesse, facilitei o trabalho dos bombeiros afrouxando as ferragens e colocando os ossos quebrados dos passageiros do carro no lugar.

Fui até a garota estirada no chão, coberta por sangue e com vários cortes pelo corpo e, discretamente, curei alguns de seus cortes mais graves, coloquei alguns ossos no lugar e fiz seu coração, que estava prestes a parar de bater, voltar ao seu ritmo normal.

Eu não podia cura-los por inteiro, pois quando os socorristas chegassem, achariam muito estranho os acidentados não terem nenhum arranhão. Mas os deixei fora de perigo, e eles não corriam mais risco de morte.