III - Liberdade Para Irrecupe...

By ThallesTerassan

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Da sequencia de Rebelião dos Irrecuperáveis, Pandora Moon, 28 anos, castigada pelo passado agora se vê fazend... More

Comunicado da diretoria
Prólogo
ATO 1
ATO 3
ATO 4
ATO 5
ATO 6
ATO 7
ATO 8
ATO 9
ATO 10
Especial 10k
ATO 11
ATO 12
ATO 13
ATO 14
ATO 15
ATO 16
ATO 17
ATO 18
ATO 19
ATO 20
ATO 21
ATO 22
ATO 23
ATO 24
ATO 25
ATO 26
ATO 27
ATO 28
ATO 29
ATO 30

ATO 2

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By ThallesTerassan

Não culpo ninguém pelos meus fracassos, sinto orgulho deles

     Lembrar das coisas sempre me foi um martírio. Passando de taxi, de volta para casa em uma das avenidas que levavam ao meu bairro, lembrei do dia que mudara a vida como eu a conhecia.

     Se encontrassem uma criança de doze anos no meio de uma estrada, com roupas rasgadas, manchas de sangue e hematomas por todo o corpo, o que faria? Iria parar o carro e socorre-la, ou aceleraria o veiculo para o mais distante possível?

     Tia Betty fez o inevitável. Ela não parou o carro, ela me atropelou e depois derrapou o veiculo para fora da estrada em uma sequencia que quase a matou. Ninguém ali tinha culpa de tal acidente, afinal era uma criança no meio de uma estrada a noite.

     Felizmente tanto eu quanto ela sobrevivemos. Alguns arranhões a mais não iriam piorar minha situação naquela hora. Para Tia Betty, horrorizada ao sair do carro, me vendo jogada, inconsciente na interminável estrada para Londres, me ergueu com seus dois braços fortes e me levou até o carro.

     — Maldição, o que foi que eu fiz? — sussurrava enquanto abria a porta do carro, ajeitando-me na poltrona da frente, puxando o cinto de segurança e me prendendo o mais firme possível. Meus olhos ainda fechados, não impediam-me de saber o que estava acontecendo. Escutei o barulho do motor ligando novamente, partindo estrada adentro.

     Quando os resquícios de luz surgiam no céu escuro, abri os olhos passando a mão na cabeça. Arvores curvas e magras passavam por nós, iluminadas pelo farol que permanecia aceso apesar do crepúsculo. A estrada limpa, mais parecia uma esteira gigante, sem fim nem começo, esticando-se para um horizonte nubloso, onde era visível pequenas formas retangulares cumpridas, que logo reconheci ser os prédios de Londres. O céu tomou tons de azul e lilás, unindo-se na imensidão.

     — Me diz uma coisa, criança, como você veio parar nessa estrada, em uma situação dessas? — a senhora, de expressão curiosa, não obteve uma resposta — Você arruinou a minha viagem! Onde estão seus pais? — novamente o silencio a incomodou. Não consegui responder absolutamente nada. Mau olhava para ela. Minha vista permanecia para frente, meu pescoço, imóvel, não mexia para direção alguma. Por mais que eu quisesse dizer algo, nada saía. Talvez eu só não quisesse ter de contar tudo o que havia acontecido a quilômetros atrás. Minha atitude soava desrespeitosa, mas não me importava.

     — Não vai me responder nada? Tudo bem. Eu vou te levar para a delegacia mais próxima e te deixar lá.

     Foi uma fase complicada. Tia Betty me levou para a delegacia, eles me avaliaram. Além de todos os machucados, encontraram o notável furo que havia em minha nuca. Levaram-me para o hospital da região e fizeram diversos exames enquanto os policiais tentavam descobrir o paradeiro de meus pais. Sem colaborar com as investigações, permaneci em silencio, presenciando a curiosidade das pessoas que estavam comigo. Ninguém conseguiu descobrir nada.

     Depois fui encaminhada para uma cuidadora que ficou com o caso. Ela imprimiu fotos minhas e divulgou em sites de crianças desaparecidas por um mês inteiro. Fiquei morando com essa mulher desde então. Seu nome, Alana, me lembrava o de minha mãe. Alana era uma moça muito reservada, ficava em seu escritório particular por uma boa parcela dos dias. Não tinha muito contato comigo, apesar de seu trabalho exigir isso. Também não tinha filhos, no qual eu deduzia que fazia este tipo de coisa para suprir essa falta.

     Eu imaginava um futuro improvável e incerto para mim, por essas e outras que não valia a pena falar alguma coisa. Meus pais estão mortos, isso é fato. A mulher que arruinou minha vida havia fugido em um helicóptero para algum lugar que eu jamais encontraria, outro fato. As chances dos policiais acreditarem nesta infortunada historia eram minimas, já que o orfanato em si foi pelos ares. Embora eu acreditasse fielmente em meu fracasso, um certo dia isto mudou com um telefonema.

     — Você terá visita, mocinha — disse para mim, sorrindo e voltando para seu escritório, segurando um cigarro comprido, onde a fumaça a seguia, formando um caminho que pairava no ar. No momento em que Alana se distanciou, a porta da sala fez um barulho de leves batidas. Ao abri-la, uma senhora familiar estava parada, olhando para seu relógio enorme no pulso direito, impaciente.

     — E aí, garota? Já aprendeu a falar?

     Apertei minha vista, expressando raiva, mas foi uma atitude falha, pois as visitas da tia Betty eram sempre divertidas devido ao seu mau humor. Desde que disse me largar em uma delegacia e ir embora, nunca mais parou de me visitar na casa de Alana. Ela estava sempre atualizada a respeito do meu caso. Trazia bolinhos de baunilhas nos fins de semana e as vezes ficava para uma sessão de filme. Para uma senhora rabugenta, desinteressada, tia Betty se provou uma grande amiga.

     — Esta é a ultima semana que você ficara aqui. Será encaminhada para um abrigo. Não acharam nada a seu respeito, garota. Se você ao menos falasse alguma coisa, poderíamos ajuda-la melhor... — sem resposta, tia Betty olhou para mim por de trás de seus óculos escuros. Suas rugas ficaram mais evidentes ao me encarar com seriedade — eu sei que você não tem nenhum problema vocal, só não quer falar nada, não é?

     E então, a senhora, já cansada pela idade, sentou no sofá da sala, repousando sua bolsa ao lado e continuou a me encarar.

     — Moro em cima de um bar. Tive que seduzir o dono de lá para não pagar o aluguel que por sinal era um roubo. O problema é que eu acabei gostando desse rapaz. Não tinha mais a ver com dinheiro, era só uma paixão esquisita de uma pobre velha esquisita. Seu nome é Ted Robson. Ele é gentil comigo e muito acolhedor. O ponto negativo de fato é o bar e seus malditos bêbados maltrapidos. Mas não deixa de ser acolhedor. Se você achar que um abrigo possa ser melhor do que morar em cima de um lugar inapropriado para crianças, tudo bem, eu vou entender. Mas se não vê problemas nisso, então pode vir morar comigo, se quiser — tia Betty desviava sua vista para os quadros de paisagens que ficavam presos nas paredes cor creme. Parecia bem despretensiosa para o momento.

     "Gosto de você, guria. Gosto mesmo. Não quero ser sua mãe ou algo do tipo. Talvez eu possa ser uma tia, não prometo muitos mimos, sou velha demais, afinal"

     — Meu nome é Pandora. Pandora Moon — disse me aproximando dela. Tia Betty tirou seus óculos, surpresa e olhou para mim novamente. A porta do escritório de Alana se abriu. A mulher saiu do local para prestar atenção no ocorrido. Me ver falar depois de longos dois meses foi um choque até mesmo para mim. Ambas ficaram em um profundo silencio.

     — Nunca vi problemas em bares e nem em bêbados — respondi com um sorriso de lado.

     Naquele mesmo dia, tia Betty conversou com Alana e ambas chegaram a um acordo amigável. Fui adotada por ela e admito que foram os anos mais diferentes que já havia vivido. Para uma criança de doze anos, eu até que vivi e aprendi mais do que deveria. Não vi mais Alana após isso, o caso se deu por encerrado quando revelei para os investigadores que meus pais haviam falecido em um acidente de avião e o orfanato que eu morava havia pegado fogo acidentalmente também. Eles me viam como uma criança condenada ao azar, no qual não era mentira. A adoção foi permitida por lei e a partir daí, tia Betty virou minha tutora oficial.

     — A esquerda, por favor — disse ao motorista, quando o mesmo tentava uma curva para a direção oposta, quebrando minha linha de pensamentos e trazendo-me de volta para o presente. Ao chegarmos próximos ao local onde o bar do Ted ficava, uma luz vermelha piscava nas paredes das casas, iluminando o bairro de uma forma incômoda. Ao fundo, exatamente na frente de minha moradia, uma ambulância estacionada erroneamente entre a calçada e a rua estava com as portas de trás abertas. Dentro, um paciente acamado e alguns enfermeiros ao lado. Pessoas curiosas rondavam o local, esticando seus pescoços para ver quem era o condenado.

    Quando o táxi parou, desci imediatamente, segurando firme minha bolsa para não deixar minhas coisas caírem e corri em direção ao bar. Ted estava a vista, vindo ao meu encontro logo em seguida.

     — Graças aos céus você apareceu! Tia Betty teve uma parada cardíaca, Pan. Não sei se ela vai se safar desta vez — disse ofegante, pondo as mãos no joelho e olhando para mim, cansado.

    Parecia que o futuro incerto que eu imaginava, havia chegado.

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