Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então.
-Lewis Carroll
Uma semana e quatro dias antes da mensagem.
As ruas estão bem movimentadas quando Lucien e eu saímos da minha casa e caminhamos lado a lado, trocando pequenas palavras sobre eu está nervoso ou em como ele já fizera isso várias vezes. Honestamente, suas palavras não me confortaram nenhum um pouco, porém não digo isso a ele. A noite está densa e tenho quase certeza que vai chover em breve, então Lucien e eu apressamos os passos até entrarmos em uma área afastada do centro e quase não há carros ou motos passando, nem mesmo aqueles vizinhos fofoqueiros que gostam de ficar em suas janelas espiando os passos de todo mundo. Depois de mais ou menos uns quarenta minutos de caminhada intensa, encontro uma casa branca de andar, com grandes janelas transparentes e um muro branco cercando todo o local. Reconheço a casa de Josh.
Eu já tinha vindo aqui uma vez com Sam, foi justamente na primeira vez que eles ficaram. Josh havia decidido dá uma festa em plena quinta-feira, pois seus pais tinham viajado para uma segunda lua de mel. Ele convidou Sam e ela me trouxe junto em uma tentativa medíocre de me fazer enturmar com os colegas de classe. Me lembro que estava furioso por dentro quando — depois de ter pegado umas bebidas na cozinha — encontrei ela sobre o colo de Josh beijando-o. Ela sabia que eu o odiava, mas mesmo assim decidiu trocar saliva com aquela boca nojenta.
Respiro fundo uma última vez e apresso os passos indo em direção aquela estrutura grande e imponente que era a residência de Josh.
"Sem volta" penso.
— Ei, espere! — Lucien pôs a mão sobre o meu peito — Tem uma câmera na entrada.
Olho atentamente e a vejo no canto, perto da porta de entrada. É pequena e cinza, com essa pouca luminosidade da rua, devido alguns portes da rua não estarem funcionado, quase não se dava para ver. Fico impressionado por Lucien tê-la notado.
— Você tem algum plano, pra entrar? — pergunto — Porque eu realmente não tenho nenhum.
Ele mexe em seu sobretudo e retira uma cartela de adesivos com carinhas sorridentes amarelas e sorri para mim, mostrando aquela seus dentes extremamente brancos.
— Ah tá, vamos invadir uma casa com adesivos. Com certeza vai ser nada de mais, né? — disse sarcasticamente.
— Olhe e aprenda meu aprendiz.
— Ha-Ha — reviro os olhos.
Lucien começa a ir em direção ao muro branco da casa de Josh levantando o seu capuz durante o trajeto sem fazer barulho. Fico vigiando todas as casas da vizinhança para ter certeza que não há ninguém vendo o que estamos prestes a fazer. Depois de ter certeza que não avistei um ser humano ali perto, volto minha atenção para Lucien a tempo de vê-lo chegando por trás da câmera de segurança e pondo o adesivo em sua lente.
— Surpreso? — diz ele já se aproximando de mim.
Cruzo os braços.
— Um pouco.
Sua resposta foi apenas um sorriso de canto.
— Você sempre tenta ser sarcástico quando tá nervoso? — aqueles olhos azuis me encaram novamente.
— Talvez.
— Isso com certeza foi um sim — ele sorri e volta a caminhar até a casa. O sigo.
Sim, eu estou nervoso, mais do que nervoso pra dizer a verdade, não consigo respirar sem sentir meu estômago embrulhando como se tivesse um furacão dentro de mim. Nunca achei que sentiria isso na vida.
— Faz um apoio com as mãos para eu subir.— fala Lucien quando já estamos diante o muro.
Obedeço e em poucos segundos ele já está lá em cima. Estico a mão e ele me puxa. Apoio meus pés na parede branca para pegar impulso. Quando consigo me estabilizar no topo, Lucien pula e eu vou em seguida. Por sorte, nossa queda não fez muito barulho, visto que o chão da casa de Josh é coberto por grama sintética.
— Será se os pais deles estão em casa?
— Acho que não — digo me levantando e olhando todos os cantos da casa — O carro não tá na garagem.
Ele assenti e voltamos nossos olhos para a casa enorme de Josh. Ela tinha o estilo das residências modernas, com paredes de vidros que iam do teto ao chão - que nesse momento estavam fechadas com uma cortina fosca - grama sintética e uma piscina na parte de trás.
— Você sabe aonde é o quarto dele?
— Temos que dá a volta pelo quintal. — respondo.
Vou na frente guiando Lucien.
Andamos agachados e em silêncio olhando pela janela de vez ou outra para saber se víamos alguém. Sinto meus dedos tremerem de ansiedade e os aperto tentando me acalmar. A sensação de vomitar aumenta.
— Charlie, você tem que relaxar. — sussurra Lucien.
Viro-me para ele e encaro seus olhos.
— Você diz isso como se fosse a coisa mais fácil nesse momento. É a primeira vez que estou fazendo isso, será se não percebeu?
— Na verdade é bem perceptível — pude ver seu sorriso por meio à escuridão. — Mas você precisa relaxar, se não vai acabar com tudo.
— Ah tá — reviro os olhos. — Como se eu não tivesse pensado nisso.
— Eu já te disse que odeio quando você faz esse tom sarcástico?
— Na verdade não.
— Você fica insuportável quando está nervoso.
Eu não consigo evitar, quando estou nervoso ser sarcástico se torna minha válvula de escape, não dá pra parar agora.
— Olha pra mim e repita o que eu dizer — continua Lucien. — Respire fundo e depois prenda a respiração.
Respirei e prendi.
— Agora solte o ar pela boca.
O obedeci.
— Repita isso três vezes.
Faço de novo, de novo e de novo, até sentir meus músculos relaxarem de acordo que eu soltava o ar. Noto que meus dedos já não tremiam tanto.
— Assim está melhor. — diz ele.
Abro a boca para brigar com ele, mas sou interrompido pelo seu dedo indicador apertando levemente meus lábios. Consigo sentir o gosto salgado da sua pele.
— Por favor, não seja um comentário sarcástico.
Fecho a boca como resposta e vejo um sorriso vitorioso surgir nos lábios dele, o que faz eu ficar levemente irritado, mas o ignoro e seguimos o plano.
Continuamos caminhando e chegamos na parte de trás da casa onde as luzes da piscina iluminam o ambiente onde o quarto de Josh está. Eu e Lucien ficamos abaixados, perto da janela e aos poucos começamos a ouvir gemidos de mulheres vindos lá de dentro.
"Será se Josh está traindo Sam?"
"Se for, ele vai me pagar mais caro ainda."
Por sorte a cortina do quarto dele está aberta, então levanto um pouco a cabeça apenas na altura dos olhos e simplesmente não acredito no que vejo. Me abaixo de volta e sorrio com a mão na boca para diminuir o barulho.
— O que você viu? — pergunta Lucien.
Respiro fundo tentando parar de sorrir.
— Olhe você mesmo.
Lucien faz isso. Reparo nos seus olhos esbugalhando surpresos e depois uma gargalhada baixa surgir.
— Você está com o celular né?
— Estou! — pego o aparelho do bolso.
Ponho a cabeça novamente na janela e gravo tudo.
Josh está nu, segurando o membro do seu amigo enquanto outro acariciava sua bunda. Todos estão em cima da cama de casal do quarto dele. Alguns outros caras estão pelo chão aos beijos e um filme pornô está rodando na televisão de plasma gigante.
Simplesmente não acreditava que eles estavam fazendo uma orgia.
"E no fim das contas, o verdadeiro gay aqui era o Josh."
Não consigo parar de sorrir vendo aquela cena.
"Agora entendo por que os "Unknown" adoram gravar alguma coisa relacionada a sexo, é sempre mais interessante."
— Ei tem alguém ali na janela. — A voz veio do rapaz Loiro, o mesmo cara que Josh segurava seu membro.
Meu sangue evapora do corpo.
No desespero, seguro Lucien pela mão e nós dois começamos a correr desesperados até o muro da frente. Pulamos fazendo a mesma técnica que usamos para entrar sem nem sentir o impacto dos nossos pés na calçada de cimento.
"Acho que a adrenalina faz isso com as pessoa."
Corremos mais alguns quarteirões - nos afastando o máximo da casa de Josh - enquanto ainda seguro a mão fria e suada de Lucien. Só paramos quando minhas pernas imploraram por isso. Encosto-me na parede de algum prédio qualquer com a lateral pichada com algum símbolo de gangue e começo a sorrir de forma descontrolada até sentir minha barriga doer. Mesmo a noite estando extremamente fria, sinto o suor escorrer por debaixo da roupa e meu rosto ficar quente devido a corrida. A rua que estamos é pouco iluminada e está vazia, provavelmente ninguém nos veria e nos ouviria aqui.
"Eu esperava tudo de Josh, menos no que eu acabei de ver."
Lucien também começa a sorrir alto e em poucos segundos ficamos vermelhos e lágrimas de felicidade saem dos meus olhos.
"Não acredito que eu invadi uma casa e que peguei no flagra o Josh fazendo sexo com outros caras."
— Isso foi...muito...divertido. — digo entre os sorrisos.
Lucien me encara sorrindo, abre os braços e depois inclina seu rosto para os céus ainda com seu belo sorriso nos lábios, é como se ele estivesse sendo banhado pelo brilho das estrelas.
— Bem vindo ao país das maravilhas. — diz ele enquanto volta a me encarar.
Seu sorriso foi direcionado a mim e sou contagiado pelo brilho intenso de seus olhos. Agora não me sinto tão nervoso estando perto de Lucien.
Minhas mãos voltam a tremer e a sensação de vomitar também, porém eu sabia que era só por causa da adrenalina repentina.
Vejo Lucien mexer em seu casaco, tirar um cigarro junto com o isqueiro, acender e levá-lo até a boca. Seus olhos não desviam um segundo dos meus. Ele vem até mim em passos lentos, inclina a cabeça em minha direção e a sensação que tenho é que Lucien irá me beijar e, consequentemente, estremeço. Encaro seus lábios e observo-o tirar o cigarro da boca. Ele se aproxima um pouco mais e para. Fico nervoso e com o coração batendo alto.
"O que ele vai fazer?" penso sentindo meus nervos derretendo.
Ele assopra a fumaça perto de meu rosto e sorri em seguida.
Solto a respiração aliviado e, lá no fundo, decepcionado.
Mesmo odiando o cheiro de cigarro, eu havia sentindo uma sensação estranha e excitante quando ele se aproximou. Balanço as mãos para a fumaça sair do meu rosto.
— Você deveria fumar. — ele traga mais uma vez, só que agora assopra para os céus — Ajuda a diminuir a tremedeira.
— Não gosto muito de cigarro.
— Apenas testa. Confie em mim. Realmente ajuda e agora que você faz parte, você vai precisar de um desses.
Sua mão esquerda segura meu ombro enquanto a outra retira o cigarro dos seus próprios lábios e o direciona a mim. Seu toque era firme e caloroso por cima do meu moletom.
"Porque não?" Penso. "Está na hora de arriscar um pouco mais."
Pego o cigarro da sua mão e ponho em minha boca por impulso. Entretanto, minha mente não para de gritar dizendo que os lábios de Lucien tocaram essa ponta em que meus lábios também estão tocando agora. Toda essa cena parecia ser íntima demais. A fumaça em minha boca causa cócegas e aquele cheiro forte e amargo está por todo lugar do meu corpo. É como se estivesse entrando nas minhas entranhas. Minha garganta começa a coçar e como consequência fico tossindo feito um idiota. Sinto meu rosto enrubescer de vergonha.
Entrego o cigarro de volta para Lucien e noto que ele está sorrindo descaradamente da minha cara.
— Acho melhor eu ir. — digo depois que finalmente recupero o fôlego.
— Ah não fique com raiva. — ele não para de sorrir.
— Não é sobre isso, está meio tarde. — pego meu celular e olho as horas.
— Se quiser, acompanho você até em casa.
Olho ao redor, não há uma alma sequer na rua e sinto um leve temor. Não quero ser assaltado ou algo do tipo. Então aceito.
— Tudo bem. — respondo.
Iniciamos o trajeto lado a lado, ambos calados e aparentemente tímidos. Ver Lucien sem falar era algo novo. Enquanto andamos decidimos cortar caminho pelo jardim do parque em que crianças brincam direto durante o dia. Agora a noite ele parecia macabro, com aqueles balançadores rangendo enferrujados e — sem o barulho de crianças brincando nas árvores grandes, na quadra de areia e nos brinquedos do parquinho — isso aqui parecia um lugar amaldiçoado, como se alguém ou alguma coisa pudesse está escondida por entre aqueles pinheiros que cobriam o parque. Me aproximo um pouco de Lucien e nossos ombros se tocam de leve.
— Você fez um bom trabalho. — diz Lucien quebrando o silêncio.
— Obrigado, mas eu quase fui pego. — digo olhando para o chão cheio de pedrinhas, ainda constrangido.
— Dos novatos, você foi o que se saiu melhor, estou falando sério. — viro em direção ao seu rosto e encontro seus olhos motivadores — Você até agora não vomitou.
— Não conte isso como vantagem — sorrio — Estou segurando o máximo para não vomitar nesse momento.
Eu e ele sorrimos e sem nem perceber eu já estava perto de casa. Paramos e reparo que Lucien procura algo no bolso da calça. Ele pega um papel amassado e me entrega.
— Aí está a senha do site.
Desamasso o papel e vejo - em uma letra cursiva incrivelmente bem desenhada - as palavras Wonderland.
— A propósito, eu que escolhi essa senha. — ele sorria como se estivesse se gabando, porém de um jeito levemente infantil.
— Gostei dela. — retribuo o sorriso — Qual site que eu entro?
— Atrás tem um link do nosso chat. Já avisei a todos sobre você, então não se acanhe — ele pôs as mãos no bolso da calça. — Então... Tchau Charlie.
— Até mais Lucien.
— Nos vemos por aí.
Ele acena para mim com a cabeça uma última vez e começa a descer a rua, com as mãos no bolso do casaco escuro e seu jeito de andar inusitado, como se fosse o dono de tudo.
Mas talvez fosse. Ele é dono de si mesmo e isso já basta para Lucien.
Vou até meu quarto silenciosamente para não acordar minha mãe que já deve está dormindo em seu quarto uma hora dessas e pego meu notebook na minha mesinha de estudos. Sento em cima da cama, cruzando as pernas e colocando o computador sobre. Depois de ligar o aparelho, digito o link que Lucien me passou. Rapidamente minha tela é preenchida por uma cor preta que ganha forma de uma caveira enquanto o restante da tela se revela branca. A caveira queima em chamas e o nome digite sua senha apareceu.
— Wonderland — sussurro enquanto aperto cada tecla.
Se passam alguns segundos e várias conversas começaram a aparecer. Subo a página e vejo imagens revelando segredos chocantes. Minha mente ia explodir. Havia muitos segredos que eles não revelavam e estava tudo ali, em meu notebook, simplesmente não acredito.
"Eu faço parte dos "Unknown"
Pego meu celular e começo a passar as imagens para computador. Depois de alguns minutos todo o vídeo foi passado. Respiro fundo.
"Primeiro pensamento é o melhor pensamento." Reflito alto.
Aperto a tecla de enviar e aos poucos surgiram comentários sobre o assunto.
Pessoas com nicknames falsos falavam sobre como ficaram surpreendidos, ou como adoraram os vídeos e sempre colocando carinhas de risos no final de cada frase. Adorei ver aquilo. Aos poucos passo amar ainda mais cada um deles.
Ainda não sei ao certo quando divulgarei esse vídeo, mas com certeza será breve. Pois não vejo a hora de todos daqui da cidade se deliciarem com essa obra prima e verem o que a de trás da fachada de mulherengo.
"Aproveite seus últimos dias de calmaria, Josh." Pensei enquanto olhava mais uma vez o vídeo.