Tudo Pela Reportagem

由 mariiafada

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PLÁGIO É CRIME - Todos os direitos reservados a Maria Augusta Andrade © Não autorizo qualquer reprodução ou u... 更多

Prólogo.
Primeira parte.
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Segunda Parte.
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!!!!!100 MIL F*CKING VIEWS!!!!! ❤️
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31 (Pra quem não está conseguindo ler!!)
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42. [Final]
Epílogo.
Agradecimentos.
Capítulo Bônus (1)
Booktrailer <3
Se você gostou de TPR, vai gostar de Morde e Assopra também!

Capítulo Bônus da Gabi! Yey!

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由 mariiafada

2. Van Gogh, Amor e Nova York.

Eu podia ouvir as risadas deles da cozinha onde eu estava, e não consegui evitar um sorrisinho bobo de surgir no meu rosto. Eu amava casais apaixonados, de preferência o Homero e a Lizzie.

Suspirei sonhadoramente enquanto preparava a canja de galinha para Scarlett, que estava acamada com uma gripe e super deprimida por não poder sair com Lele e Ray para uma festa no Chelsea.

As vozes de Homero e Lizzie se afastaram das escadas enquanto eles riam de alguma coisa e entravam no quarto. Homero chegou há alguns minutos atrás, carregando-a no colo, já que Lizzie tinha acidentalmente comido brownies de maconha e estava tão "chapada" que mal conseguia andar.

Era incrível como a vida da Elizabeth sempre dava um jeito de surpreender não só a ela, mas todos ao seu redor. Eu poderia apostar que morar com a Lizzie iria ser qualquer coisa menos tedioso. Ela mal parava em casa, para falar a verdade, mesmo quando Joey lhe deu férias, Lizzie ia escondida até o jornal, "só para ver como estavam as coisas por lá", era a sua desculpa de sempre.

Homero desceu correndo pelas escadas e veio até a cozinha, o cabelo todo bagunçado e a blusa amarrotada e desabotoada.

- Aconteceu alguma coisa? - perguntei já preocupada.

Ele se apoiou no balcão e balançou a cabeça.

- Não, está tudo ótimo. Lizzie só está morrendo de fome. Vou levar isso aqui para ela - apontou para a comida chinesa com um sorriso, agarrou uma delas e voltou a correr na direção da escada.

- Eu trouxe yakissoba suficiente para todo mundo, então sinta-se à vontade para comer também, Gabi! - ele gritou sobre o ombro.

- Obrigada! - respondi, vendo-o apressar o passo quando a voz grogue da Lizzie flutuou do andar de cima, resmungando sobre algo que eu não consegui entender.

Homero a alcançou antes que Lizzie chegasse até as escadas e pudesse se machucar. Consegui ouvi-lo dizer dali: Vamos voltar para quarto, amor, vamos...

Eu achava encantador o modo como ele conseguia lidar com as adversidades da vida da Lizzie, da mesma maneira que ela nem titubeou em apoiá-lo quando Homero decidiu voltar para faculdade de arquitetura.

Às vezes eu passava horas observando-os no sofá da sala, discutindo entre si e logo depois abandonando a briga, rindo ou distraídos com a televisão.

Sou uma romântica incurável, não consigo evitar. Ver aqueles dois, que pareciam ser perfeitos um para o outro de uma maneira tão fluida e divertida, me fazia suspirar e desejar algo como aquilo.

O problema de ser uma romântica incurável é a ilusão, a expectativa que você cria para a vida e acaba sempre se decepcionando, vive mais no mundo da lua do que no real.

Eu pensei ter encontrado o que Lizzie e Homero tinham milhares de vezes, mas acabava descobrindo que não era exatamente meu coração que os homens queriam possuir. Pelo menos a maioria deles. Já tinha aceitado que encontrar a minha alma gêmea é difícil, e não precisa existir pressa. Vai acontecer quando tiver de acontecer.

Aprendi da maneira mais dura possível que não é saudável colocar todas as suas energias e tempo na busca do amor. Isso é na verdade bem frustrante.

E daí que eu tinha um álbum customizado com todos os detalhes do meu casamento, com lugar escolhido, flores determinadas e o tipo de tecido que cobriria as mesas dos convidados já separado? Eu sou paciente, não desistente. Tinha certeza absoluta e irrevogável que um dia aconteceria... E seria perfeito.

Tudo bem, eu claramente ainda estava trabalhando no negócio das expectativas altas e tudo o mais. É difícil controlar a minha natureza de Felizes Para Sempre da Disney. Muito difícil.

Mamãe vivia dizendo que a minha imaginação fértil um dia iria me causar problemas, e praga de mãe nunca falha, essa é uma verdade universal e inegável.

A minha imaginação - ou eu deveria dizer ingenuidade? - me levou a acreditar que os homens que trabalhavam para Slender realmente me levariam em segurança para os Estados Unidos. E eu vivi esse sonho, me imaginando recomeçar a vida na Califórnia, talvez como uma garçonete ou babá de crianças, conseguir juntar dinheiro e tentar mandar algo para a minha família. Sabia que uma renda extra os ajudaria por demais.

Meu sonho americano foi lindo, mas durou pouco. Em um momento eu estava fugindo de casa, logo depois da minha formatura do ensino médio, e num piscar de olhos todo o futuro que imaginei foi destruído. Eu fui drogada e jogada em um contêiner gigante no meio do deserto mexicano com mais milhares de garotas, em situações semelhantes ou até mesmo piores que a minha.

Foi como ter recebido um balde de água fria de realidade, me mostrando que os contos de fadas só existiam na minha cabeça, a vida real era bem mais cruel.

Eu perdi a fé por uns meses, perdi toda a crença nos milagres. Acreditava que Deus estava me castigando por fugir de casa, e que meu destino não seria grandioso como eu imaginava, e sim desastroso.

Até que o meu milagre finalmente chegou. Surpreendentemente, ele veio em uma garota americana desmaiada, que foi trazida pelos homens de Slender e jogada numa cama qualquer do nosso contêiner. Quando ela acordou, eu vi a perspicácia em seus olhos verdes e soube que aquela garota, cheia de ideias e corajosa, de alguma maneira nos ajudaria. Elizabeth acabou fazendo mais que isso, ela nos salvou.

Elizabeth podia ser desastrada e impulsiva, no entanto ela fazia mais bem do que mal. Lizzie tinha se tornado como uma irmã para mim.

- Gabi!

Deixei a colher cair na panela com o susto e voltei a mim, quase queimando o dedo. Viu? Estou sempre no mundo da lua, sempre devaneando.

- Já vou, Scarlett!

Rapidinho, coloquei um pouco da canja em um prato fundo de porcelana e levei até o quarto de Scarlett, passando pela deslumbrante sala de estar, de onde tínhamos uma incrível visão de Nova York.

Parei de andar e deixei mais um suspiro apaixonado escapar. Era difícil largar a ideia dos contos de fadas quando se passava pelo o que eu passei e acabava em uma cobertura no Upper Est Side.

Nem eu tinha chegado a imaginar um futuro tão bom assim pra mim.

- Oi, Seth. Aproveitando sua casa nova? - perguntei ao cachorro da Lizzie, que agora tinha uma super casinha com a vista da cidade e uma cama nova e luxuosa.

Suas rodinhas também eram novas, e agora o vira-lata não se desequilibrava mais e tombava para o lado como antes... Só às vezes, quando a Lizzie chegava em casa depois de passar o dia todo fora e ele ficava super feliz em vê-la.

Não posso mentir, o costume da Lizzie de conversar com Seth meio que afetou todo mundo da casa, especialmente a mim. Seth era um ótimo ouvinte, até mesmo quando eu começava a falar em espanhol. Conversar com ele era quase que terapêutico.

Sai do meu transe e voltei a andar, passando ao lado das escadas e seguindo para os quartos do térreo, virando no corredor à esquerda. A porta do quarto cor de creme da Scarlett se encontrava aberta.

Ela estava largada na cama com o notebook no colo e uma cara péssima. Lencinhos usados se espalhavam pelo chão enquanto Scarlett falava com o namorado pelo Skype. O namorado, também conhecido como Sr. Scott, ou O Pai Da Lizzie, como eu gostava de chamá-lo em minha cabeça, assim mesmo, com letras maiúsculas e tudo.

Não vou mentir, o Sr. Scott me assustava um pouquinho, apesar de sempre estar com o melhor dos humores quando falava ou estava perto da Scarlett. Ela tinha certa magia sobre ele, era fofo de se presenciar, e até mesmo a diferença de idade entre eles não me surpreendia mais.

- Odeio ficar gripada -Scarlett declarou em um tom rabugento, depois espirrou.

- Cidades grandes são um antro para os germes e vírus - pontuou O Pai Da Lizzie, que era conhecido por detestar Metrópoles e tudo relacionado a elas. - Eu deixei diversos potinhos de álcool em gel pra vocês, não estão usando?

Scarlett pegou sua bolsa, tirou de lá o potinho de álcool gel que ela carregava para todo o lado e balançou em frente a Web Cam com um sorrisinho orgulhoso.

- Claro que eu carrego! Álcool em gel perfumado é maravilhoso!

- Pelo menos você gosta das minhas sugestões, Scarll - ele suspirou apaixonado, mas depois pigarreou - Por falar em pessoas que não me escutam... Onde está a minha filha?

- Trouxe a canja! - eu anunciei ao entrar no quarto.

- O cheiro está maravilhoso, Gabi. Obrigada, de verdade - Scarlett abriu um grande sorriso para mim, que apenas dei os ombros. Não me incomodava nem um pouquinho em cuidar dela. - Quanto a Lizzie... Eu não sei. Eu acho que ouvi a voz do Homero, eles já chegaram, Gabi?

Eu tossi e soltei uma risadinha nervosa. Balancei a cabeça fazendo uma careta para Scarlett, indicando que não era uma boa hora para falar disso. O Pai Da Lizzie não gostaria de saber o estado dela naquele exato momento.

- Homero não tem uma casa? Precisa dormir aí sempre? - Sr. Scott retrucou.

- Rob, não comece - Scarlett pediu, assoando o nariz em um lencinho. - Provavelmente foi só impressão minha e eles não estão aqui.

Coloquei a canja sobre o colo dela com cuidado, tendo um vislumbre do Sr. Scott na tela do notebook de Scarlett, sentado em seu escritório, uma grande estante de livros atrás de si. Ele era realmente um homem muito charmoso, até mesmo os cabelos grisalhos lhe caiam perfeitamente bem, seu sorriso era bonito e seus olhos azuis suaves. Scarlett dizia que o namorado se parecia com um galã dos filmes da Julia Roberts, e eu não poderia deixar de concordar.

- Acho que eu vou dar um pouco de privacidade ao casal - decidi, acenando um tchauzinho para o Sr. Scott, ajeitando o travesseiro de Scarlett e me afastando. - Grite se precisar de alguma coisa - eu avisei antes de fechar a porta.

- Obrigada, Gabi! Você é um anjo! - foi a resposta dela.

Voltei para cozinha e fiquei lá por um tempo, pensando no que fazer. Decidi continuar procurando por empregos nas pilhas de jornais que eu tinha comprado mais cedo. Como ainda não possuía o Green Card, precisava analisar com cuidado os empregos que aceitavam estrangeiros. Pelo menos eu tinha um documento o qual comprova que eu não era uma imigrante ilegal, estava ali como testemunha no caso contra Slender, e iria depor contra ele assim que a Promotoria me convocasse. Até lá, eu tinha permissão de ficar em solo americano, com proteção policial e visitas semanais da agente do FBI, Cecilie Cellik. Ela me prometeu que o agente Rivers em pessoa estava organizando a papelada e entrevistas para conseguir o Green Card.

Sentei-me no banco da cozinha, abri o jornal na página dos classificados de emprego e marquei com caneta vermelha todos os empregos que me interessavam, desde a passear com cachorros a acompanhantes de idosos. Não era grande coisa ou significavam o começo de uma grande carreira, mas eram um trabalho.

Bocejei de sono entre o vigésimo anúncio de emprego e o vigésimo primeiro. Resolvi que ficaria mais confortável terminando os classificados na cama... E comendo, para espantar o sono.

Eu estava pegando uma das sacolas com yakissoba e levando para o meu quarto quando ouvi três batidas na porta da cozinha. Levantei a cabeça e franzi o cenho: Quem seria?!

Reforcei o meu rabo de cavalo, tirei o avental que usei para cozinhar e abri a porta.

- Ah, não - Lamentei.

O vizinho irritante do elevador sorriu para mim, recostado no batente em uma pose ensaiada de galã de novela mexicana. Pra falar a verdade, o charme dele não chegava nem perto do charme de Steban García, o irmão gêmeo do bem da telenovela Desejo de Amar.

Será que ele realmente achava que eu iria comprar aquele sorriso de lado de praxe e o olhar de inocência fingida? Pensando bem, ele estava mais para Juan Gabriel, o irmão gêmeo do mal, que enganava Maristela e a levava para cama fingindo ser Steban, por quem Mari era apaixonada.

E sim, eu sentia falta da minha telenovela, como ficou óbvio.

- O que você quer? - Exigi, trocando o peso do corpo de perna.

- Dez minutos de sua noite, isso é tudo - ele jurou. Tirou de trás do corpo um grosso conjunto de folhas 4x4 e me olhou com expectativa. - Bem, primeiro, vamos começar com Pablo Picasso... - Jacob pegou uma das folhas e me mostrou uma pintura de Picasso. Era uma das mulheres dele, talvez a minha preferida entre as amantes que o pintor tivera. - Não sei se você sabe, mas nessa pintura a Marie-Thérèse está se tocando... Estou sendo eufemístico, mas na verdade quero dizer que ela está se mast...

- Com licença, o que você está fazendo? - eu o interrompi.

Jacob abaixou a pintura e olhou para mim.

- Nós nunca tivemos uma oportunidade de terminar a nossa discussão no elevador.

- E o que faz você pensar de eu quero continuar aquela discussão?

- Hum... A oportunidade de ter o prazer da minha inestimável companhia?

Eu gargalhei.

- Essa foi boa. Tenha uma boa noite, Jacob.

Comecei a fechar a porta, ansiosa para voltar para o meu yakissoba.

- Espera, Gabriela! Só dez minutos, por favor.

Continuei bloqueando a entrada do apartamento, mas parei de tentar fechá-la.

- Eu não gosto de você, sabe? Não sou sua amiga, não quero passar tempo nenhum com você.

- Ai - ele fez uma careta, meio decepcionado com a minha sinceridade - Pensei que aquilo no elevador fosse só um flerte saudável.

- Fle-flerte? -repeti, tropeçando nas palavras. - Pensou que eu estava... Flertando? Não, não estava flertando! Se eu estivesse dando em cima de você, estaria sendo uma pessoa agradável.

- Certo, entendi. Mas posso saber o porquê não gosta de mim, pelo menos?

Quase guinchei.

- Díos mío... O porquê?! Você foi rude e mal educado comigo, não se lembra? Na galeria... Você foi mal. E eu não sou ingênua como a Maristela, se você quer saber.

- O quê?! Maristela? Quem é essa?

- Você entendeu! Quis dizer que ainda não o perdoei pelo modo como me tratou na galeria.

Eu estava tentando controlar o tom com qual falava, mas sabia que a minha voz tremulava enquanto mexia as mãos, nervosa.

- Ah! - ele bateu na própria testa. - Foi isso. Gabriela, eu sinto muito. Eu estava bêbado e chateado naquele dia, sentia raiva de mim mesmo e fui um cretino, descontei em você. E tinha razão sobre os detalhes que pontuou, eles eram exatamente o que me incomodavam, eu estava torcendo para ninguém perceber.

- Ah, é? - Abaixei a guarda um pouquinho. Sua explicação me parecia sincera. - Por que não contratou um bom arquiteto, então?

- Eu contratei - Jacob coçou a cabeça, meio incerto. - A arquiteta era ótima, mas tivemos um pequeno desentendimento e ela se vingou sabotando a minha galeria.

Eu até senti pena e acreditei nele por meio segundo, mas a verdade logo me ocorreu. Desde que me mudei, eu trombava com garotas no elevador, e a maioria delas vinham do andar que Jacob morava, e mais da maioria saia de lá amaldiçoando o meu vizinho, umas furiosas, outras chorosas... Ele era uma clássico galinha, eu os conhecia só pelo cheiro e os queria bem longe de mim e do meu sonho americano, que finalmente estava completo.

- Você dormiu com a arquiteta, não dormiu?

Jacob abriu a boca para dar uma resposta, mas desistiu e apenas encolheu os ombros.

- Eu juro, pensei que Callie e eu estivéssemos em acordo sobre o "estamos apenas nos divertindo"!

Balancei a cabeça, farta daquele diálogo.

- Tchau, Jacob.

Tentei fechar a porta novamente.

- Gabi, espera! Por favor!

- Escuta, isso não vai funcionar. Então vamos poupar o nosso tempo... E a minha paciência.

- Poderíamos ser pelo menos amigos - ele propôs.

Precisei de muito controle para não bater a minha cabeça na parede repetida vezes.

- Jacob, posso ser sincera?

- Insisto para que seja, eu adoro honestidade - ele respondeu ajeitando a postura, como se preparasse seu psicológico para lidar com as minhas palavras.

- Você é a definição de tudo que eu mais desprezo nas pessoas. Você usa mulheres e não tem o menor respeito por elas. Isso é triste, de certa maneira... E revoltante.

- Ei, eu não forço elas a fazer nada que não queiram! - Jacob se defendeu, ofendido.

- Isso não muda nada. Também não muda o fato de que eu, modéstia a parte, sou uma garota boazinha. E você... Você é gêmeo mau, um cara sem princípios. Está vendo a diferença, como somos incompatíveis? - de uma maneira muito lenda e didática, coloquei a mão sobre o meu peito. - Eu: garota boazinha - depois apontei para Jacob, sem me importar em estar exagerando. Só queria que ele fosse embora. - Você: cara mau e sem princípios que não se importa com o sentimento das garotas. Isso nunca daria certo.

Primeiro, Jacob me encarou ainda ofendido, mas sua expressão se desmanchou em um sorriso quando terminei de falar.

- Ah, Gabriella, você não assiste muito a filmes americanos, não é? Garotas certinhas e bad boys são, tipo, a melhor combinação do mundo.

Revirei os olhos e dei aquela discussão por encerrada.

- Sinto muito, mas você está atrapalhando o meu sonho americano, e ele não inclui bad boys, se é assim que você se intitula. Agradeço a oferta de amizade, mas já tenho bons amigos aqui - abri um sorriso para ele e acenei. - Tchauzinho, e lembre-se de tratar as garotas bem!

Antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, fechei a porta da cozinha e a tranquei.

- Eu só queria continuar a nossa discussão - ele disse do outro lado da porta. - Eu gosto de arte, você gosta também... Viu? Somos compatíveis, Gabi!

- Se você não for embora, vou chamar os seguranças para te tirarem daqui.

- Em primeiro lugar, nós não temos seguranças, e em segundo, eu moro aqui, não podem me expulsar do prédio.

- Tá, que seja. Se você não vai embora, eu vou! Vou para o meu quarto, no caso.

- Gabriela! Espera, por favor... - Jacob choramingou pela fresta da porta.

- Isso que você está fazendo é errado em tantos níveis - andei de um lado para o outro da cozinha. - É praticamente uma perseguição. Posso denunciar você, sabia? O FBI vai vir em dois segundos se eu ligar.

Ele riu.

- Está brincando.

- Quer me testar?

Jacob ficou em silêncio, assim como eu. Depois de alguns minutos, ele voltou a falar, sua voz saindo abafada pela porta que nos dividia:

- Gabi?

Eu o ignorei e andei na ponta do pé até a geladeira. Uma hora ele teria de ir embora.

- Eu iria te provar que sexo e arte estão intimamente relacionados - Jacob continuou, sem se importar em saber se eu estava ali ou não. - Imprimi um copilado de obras de arte para você... Quando eu disse que só queria conversar, eu juro que pela primeira vez em toda a minha vida falei isso para uma garota sem segundas intenções - ele fez uma pausa. - Espero que não se sinta ofendida, não é que eu não pense em você daquele jeito, ah, eu definitivamente penso... Espera. É melhor eu calar a boca.

Segurei a risada e peguei a jarra de suco de laranja da geladeira.

- Tem certeza que não está nem um pouco curiosa? - ele me provocou. Maldito seja, meu segundo nome era "curiosa". - Além de Picasso, eu escolhei Goya, Manet, Salvador Dalí...

Fiz um arquejo mudo. Droga, eu adorava Dalí!

- Cézanne, Kimt...

Não! Eu amo Klimt!

Sem conseguir me conter um minuto a mais se quer, eu fui até porta e me sentei ali com o yakissoba e suco ao lado.

- Tudo bem, me passe as fotos por debaixo da porta - eu pedi a Jacob, que ainda estava listando os artistas escolhidos.

- Você está aí! Eu sabia! - o meu vizinho comemorou do outro lado. - Okay, vamos começar. A primeira imagem é a pintura de Picasso, a Marie-Thérèse.

Jacob passou a folha por baixo da porta e eu peguei nas mãos com um suspiro deleitoso. Eu amava a Marie-Thérèse e sua história, o final trágico que ela teve depois de passar a vida inteira apaixonada por Pablo Picasso.

- Tudo bem, eu sei que nessa pintura a Marie está "se tocando", mas não é nada explícito. Picasso brinca com as formas de uma maneira brilhante. É uma imagem sensual, mas não é como aquele quadro que você carregava no elevador.

- "Explícito", você diz - Jacob murmurou. - Hum... E o que me diz de Klimt?

Por baixo da porta chegou outra folha, a qual continha um desenho de Gustav Klimt. Era impossível negar que era um desenho sincero e cru, sem inibições. A mulher retratada estava de pernas abertas, fazendo a mesma coisa que a Marie de Picasso: se tocando.

Eu queria muito poder achar um argumento para contrariar Jacob, mas sabia que ele estava, mesmo que em parte, certo.

- E eu ainda não acabei - ele avisou, me mandando A Maja Nua, de Goya.

Eu ri comigo mesma. Aquela obra de arte era belíssima.

- Sabia que essa pintura ficou escondida durante toda a vida de Goya? - eu falei. - A Igreja tinha proibido o nu nas obras de arte. E em A Maja Nua, além de pintar uma mulher como veio ao mundo, Goya a retratou com pelos pubianos, o que era considerado uma coisa profana.

- E por isso ele fez a versão vestida da Maja Nua... - Jacob emendou.

- A Maja Urbana - dizemos juntos, rindo do nosso timming perfeito.

Não falamos nada por um tempo, até Jacob se pronunciar:

- Gabi, se você acertar qual pintura eu trouxe de Dalí, te pago uma pizza.

- Eu sei qual é! - afirmei, animando-me, mais pelo prazer de acertar do que pela ideia de ganhar uma pizza, que por si só já me deixaria muito inspirada a ganhar. - Definitivamente eu sei qual é!

- Você tem que dizer o nome, Gabriela.

Eu encostei a testa na porta e gemi, frustrada.

- Mas é um nome... Ousado. É forte demais para se dizer em voz alta - e esseera o meu lado de criação católica fervorosa falando.

- Meu deus, você é tão puritana - Jacob caçoou. - Ou pior, você não sabe! Sua poser.Você é uma poser das artes.

Sentindo-me desafiada e ofendida, abri a porta da cozinha e Jacob, que estava encostado nela,caiu para trás.

- O nome do quadro é O Grande Masturbador, Salvador Dalí, 1929. Feliz?

Ainda caído no chão, Jacob sorriu.

- Muito.

Ergui a sobrancelha, mas não disse nada. Jacob se levantou e cruzou as pernasno chão.

- Acho que eu estava certo sobre duas coisas hoje, Gabi.

- Ah, é?

- Sim. Eu disse que éramos compatíveis como amigos, e acertei. Também mostrei avocê que sexo e arte são inseparáveis. E quando digo isso, quero dizer que aarte é o produto do homem, é seu modo de se expressar de infinitas maneiras diferentes. O nu e o sexo na artenão é pejorativo. O homem o qual observa a arte que é. Entende?

- Sim, entendo, você estava certo. Eu só não admiti isso no elevador porque nãoqueria concordar com você.

- Então - foi a sua vez de erguer a sobrancelha. Ele estendeu a mão para mim, queestava sentada no chão logo a sua frente. - Amigos?

Estreitei os olhos, fazendo uma pergunta silenciosa. Jacob pareceu compreender,mesmo sem eu dizer uma palavra.

- Desculpe, mas não posso prometer nãodar em cima de você. É da minha natureza, não consigo evitar, em alguma hora euvou precisar dizer que o seu sorriso me deixa tonto, porque ele é lindo demais.Pronto, falei!

Encolhi os ombros, um pouquinho constrangida, mas gostei do elogio.

- Acho que posso viver com isso... Pelo menos você é sincero.

- Não espere nada de mim além da sinceridade - prometeu Jacob. - Amigos?

- É... Amigos.

Finalmente, ergui a minha mão e apertei a dele. Como eu já disse, a minhaingenuidade pode me levar a acreditar nas pessoas muito rápido, então ignorei tudo em Jacob que eu desprezava e decidi ter fé nele, no cara que gostava de arte e parecia ser uma boa pessoa.

Afinal, ele não podia sertão ruim, não é?

***

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