A Nova Secretária
Ocean decidiu logo aumentar o salário de Vera Pistachio, assim que soube que esta decidira se aposentar. A senhora trabalhara com seu avô, seu pai e depois com ele, há catorze anos atrás, quando ainda era um rapaz saído da universidade aos vinte e um anos. Três gerações, e conhecia Sky melhor do que alguma vez alguém conseguiria, era como uma mãe para si, a única mulher no mundo capaz de o repreender só com um olhar. Contudo nem a oferta milionária a fizeram desistir de aos cinquenta e cinco anos, abraçar a afamada aposentadoria.
A Ausência da secretária causava grave desconforto e os dias na grande sede da GaSky amanheciam e terminavam cinzentos. Enquanto eram feitas as apurações de candidatos e milhares de entrevistas pelo departamento de recrutamento, e supervisionadas diretamente por Vera, a mão de ferro - como era conhecida, por sua vez o CEO continuava de mau humor, nada lhe parecia bom e andava sempre de cenho unido. Não que Ocean tivesse uma boa fama pelos corredores da GaSky, isso não era verdade, mas costumava ser menos desagradável quando tinha tudo feito da forma que mais gostava.
Houve um alvoroço quando a última candidata foi selecionada, a ansiedade dos demais em terminar os dias pardacentos como ficaram conhecidos, estava patente em todos andares e corredores da empresa.
Os trabalhadores tinham feito apostas chorudas, nenhuma tão exorbitante como o especulado salário oferecido a velha-mãe para não se aposentar. Uma remuneração absurda, era o que murmuravam pelos refeitórios, palestras e formações, mas todos igualmente sabiam que não era nada que Vera já não tivesse amealhado nos quase quarenta anos de dedicação como o carrasco dos Sky. Por isso não haveria fortuna no mundo que pagasse a sua alforria para estar livre e junto da sua negligenciada família.
A sala de reunião tinha sido devidamente preparada, e Ocean Sky chegara cinco minutos mais cedo na certeza da ex secretária entrar para conversar antes de apresentar a nova candidata e assim poder persuadi-la mais uma vez a mudar de ideia. Não deixou de avaliar cada detalhe a sua frente, a forma como as garrafas de água estavam dispostas e os blocos e canetas arrumados em posições corretas. Não acreditava nas palavras de Vera que lhe dizia que tudo ficaria bem na sua ausência. Não poderia ficar.
Sentou na cadeira principal que possuía um encosto mais alto em relação as restantes, e desceu as persianas automaticamente através do controlo remoto. Não se dera ao trabalho de averiguar o currículo da sua futura nova funcionara, pois confiava em Vera como confiaria sua própria vida e sabia que jamais tinha deixado a desejar quando o assunto era realizar uma questão de extrema importância.
O alarme apitou, e a porta foi destrancada logo a seguir. A segurança era de extrema importância na GaSky, todos trabalhavam à base de digitais e cartões biométricos para entrar e sair de onde quer que fosse.
Coçou as têmporas num gesto impaciente, ouvindo o barulho de saltos contra o chão de corredor e depois a velha-mãe entrou. Sempre com o mesmo aspeto, um conjunto creme e discreto, sapatos rasos, o cabelo apanhado e os óculos na ponta do nariz. Contudo, a figura que a seguiu, chamou a atenção primitiva de Ocean, sem acreditar no que via. Por alguns segundos, duvidou.
- Senhor Sky, por favor, permita-me apresentar, Amelie Jones. Sua nova Secretária Executiva. - Não soube se foi impressão sua, ou se havia um sorriso jocoso nos lábios sem batom de Vera.
- Boa tarde, senhor Sky. É uma honra. - Amelie foi educada, mas o medo da entrevista final varria seu corpo com um vento em ruas desertas.
- Não disponho de paciência, Pistachio, não me faça perder tempo pois sabe que...
- Tempo é dinheiro, senhor. - Completou Vera de sobrancelhas erguidas. - Não me lembro a única vez em que lhe fiz algo igual.
Ocean olhou atentamente para Amelie, e cerrou os dentes com força. Não devia ter mais de trinta anos, se chegasse lá, e tinha a pele escura, o cabelo crespo penteado para cima, naquilo que chamavam de BlackPower e que ele chamaria de falta de pente, e uns grandes óculos de vista a esconderem os bonitos olhos pequenos e escuros. Ainda assim, isso não era o mais esquisito, e sim as roupas vibrantes, de meias com bolinhas e um vestido amarelo vivo. E sapatos altos, ou nem tanto, mas que faziam barulho contra o chão de mármore.
- Tem certeza que não é a primeira vez? - Abriu o portátil girando o ecrã de um modo que ficou contra ele e de frente para às duas. - Cem mil candidaturas recebidas.
- A senhora Jones se destacou em relação aos demais, tendo o perfil certo para estar em meu lugar. - Sentou-se em toda a sua elegância e pediu a jovem que fizesse o mesmo, esta que olhava de um para outro sem ter a oportunidade de falar. - Tenho certeza de ter negligenciado o currículo que o enviei.
- Por favor, senhorita Jones poderia aguardar um pouco lá fora? - Pediu o contratante, irritado demais para voltar a olhar duas vezes para a figura.
- Tudo bem. - Levantou-se a tentar se manter calma, pois tinha acabado de sentar, e agora se sentia mal ao participar daquele momento tenso.
- Acho melhor ficar. - Vera contrariou a ordem do seu ex patrão, e deixou uma Amelie sem saber o que fazer, se saía ou se ficava. - A senhora Jones foi por mim contratada como me foi incumbido, por um período probatório de seis meses e tem capacidades indiscutíveis, para além de ter acabado uma Licenciatura em Direito Summa Cum Laude. Trabalhou oito anos com a sua concorrente OilGas, e possui uma moral excelente e competências por mim testadas e analisadas. Se irá contrapor a minha decisão, despeço-me de imediato de minhas funções. Não precisarei cumprir o aviso prévio visto que tem a solução para o que lhe interessa.
Ocean não parecia satisfeito, mas não era de debater diante de funcionários simples, ainda mais uma desconhecida como Amelie. Teria Vera noção do que lhe estava a propor? Uma secretária era a segunda cabeça de seu chefe, e apesar de tudo custava a crer que podia confiar assim naquela novata.
- Coloque um período probatório de três meses. - Concordou e voltou a girar a tela do computador portátil para si, buscando os Emails e vasculhando com atenção a descrição da jovem a sua frente.
Estudara numa escola pública, mas ainda assim, a melhor. Frequentara cursos e formações capacitativas, falava mais duas línguas e não tinha nenhum antecedente ou histórico criminal. Inclusive a OilGas fizera uma oferta para que se mantivesse com eles.
- O que a fez sair da sua empresa de trabalho? - Quis saber, embora dirigisse o olhar para Vera, a pergunta era para a jovem em pé que rápido voltou a sentar-se.
- É um processo sigiloso. - Amelie não podia expor seu antigo patronato de tal forma.
- Fraude. A Senhorita Jones descobriu um grave esquema de roubo por parte de uns superiores e os denunciou ao presidente da empresa. Como disse, uma pessoa de confiança. - Vera respondeu.
- Ainda não percebi por quê saiu?
- Um deles foi ilibado, e continua na empresa. Tem sofrido ameaças constantes e teme pela segurança de seu filho. - Continuou, a velha-mãe parecia inclusive levemente irritada, mesmo a tentar disfarçar, uma vez que tinha resumido tudo em texto e enviado para Ocean ler.
- Filho? - Levantou as sobrancelhas e coçou a barba bem aparada. - Isso não irá atrapalhar? Sabe que nesse cargo não tem fim de semana e nem vida própria?
- Eu tenho netos, bisnetos, filhos e sobrinhos. E sempre consegui-me virar muito bem. - Vera continuava a responder tudo, como se já estivesse preparada para tudo aquilo.
Sky não parecia satisfeito ainda, seus olhos eram azuis esverdeados, da cor do oceano, e seu cabelo castanho-escuro a fugir para o doirado, igual sua barba rala que lhe conferia aquele ar taciturno e autoritário. Não tinha gostado da nova empregada, mesmo tendo todo um perfil profissional necessário, ainda tinha algo nela que não gostava, e atribuiu a culpa às suas roupas coloridas.
Suspirou por fim. Contrariar a sua mão de ferro não era algo ideal para um início, iria arranjar algo nos próximos dias para poder substituir Amelie. Só não sabia ainda o que seria.
- Deverá ler as regras e condições da empresa. Levar os documentos pessoais aos recursos humanos e fazer todos testes de saúde. O horário de entrada é as seis da manhã, eu chego trinta minutos depois. - O presidente enumerava o que tinha de ser feito.
- E qual é a hora de saída? - Pela primeira vez, ao perceber que os dois tinham parado de negociar a sua permanência na GaSky, se dignou a falar.
- Nenhuma exata. Sairá quando eu a dispensar - respondeu Ocean, pelo menos a voz era bem colocada e a dicção perfeita.
- Ou se for uma urgência - Acrescentou Vera com um olhar amável. - Não se preocupe que eu lhe explicarei o resto durante as duas semanas em que lhe conduzirei nas suas tarefas.
- Obrigada. - Estava um pouco tensa, e tinha as mãos suadas, mas isso não foi de importância pois Sky sequer se levantou da mesa para apertar a sua mão quando se despediram.
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