Como não te Amar

By Carla-Fernandez

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COMO NÃO TE AMAR está disponível nas principais livrarias do Brasil. Samantha Hensell sabe de uma coisa: ja... More

PRÓLOGO
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Epílogo

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By Carla-Fernandez

A casa passava dias fechada, o cheiro de mofo estava impregnado, foi quando voltei da faculdade que fiz o que era preciso, pois no que eu tinha percebido minha mãe só se afundará ainda mais em tristeza e eu estava disposta a fazer tudo por ela. Se eu não fizesse, quem faria?
Meu pai tornou-se um homem amargo e toda noite chegava tarde e nem falava com ela. Talvez tenha arrumado uma amante. Foi o que pensei. Os dois não saíam mais de mãos dadas para aqueles jantares finos que ele costumava levá-la ao menos uma vez na semana. Isso talvez nunca mais aconteça. Era difícil sorrir diante de tanta tristeza que habitava aquele lar que parecia tão estranho. Visualizei toda sujeira e bagunça, joguei algumas peças de roupas fora, queimei revistas e jornais velhos, pus as cobertas no sol e abri as janelas até colarem na parede. Fiz uma limpeza que durou mais de uma semana, minha mãe ajudou no que pode, papai olhava de canto quando chegava tarde e eu ainda estava lá com um pano esfregando a parede, o chão, o azulejo... Por fim coloquei tudo em ordem. Os dias foram passando, os meses também, até que meu pai começou a jantar em casa, a trazer pães frescos para o café da manha. Uma coisa eu não tinha o convencido de tirar, a barba, mesmo lhe dizendo que poderia rejuvenescê-lo alguns anos.

- Samantha. - a voz dele é grossa, parecia bravo. - Onde colocou meus discos?

- Ha, é isso. Os coloquei no escritório papai. Eu sei que o senhor gosta muito deles, então eu os coloquei em uma caixa de veludo, livrando-os do mofo.

- Obrigado, mas preferia-os aqui na sala. - ele não dava trégua.

- Pai, a sala é pequena e a TV que comprei para mamãe ocupou quase todo o espaço do móvel, então seus discos estão bem guardados no seu devido lugar. - digo firme, tentando fazer com que ele me tivesse como uma aliada a ele e não como uma intrusa.

- Tudo bem. Deixe-os lá. Tudo bem. - Tudo b... - ele ficou repetindo.

Foi assim desde que tudo mudou, a minha vida parecia estar de ponta cabeça. Minha mãe vivia dizendo que uma hora eu me encontraria, ela havia melhorado muito com minha presença, estava mesmo fazendo bem para ela e ter que deixá-la não parecia à coisa mais certa.

As meninas da faculdade estavam seguindo cada uma sua carreira, quando eu conseguia ir à cidade eu sabia dos acontecimentos, outras vezes Pati fazia questão de contar, talvez para que eu visse o que estava perdendo. Umas até casaram, cheguei a receber convites, mas não fui a nenhum deles. Não sei por que não fui? Simplesmente eu não ia.

Ao chegar a casa naquela tarde, após caminhar duas horas pelo mercado com minha mãe, troquei de roupa pelo pijama listrado da Shelen, é eu usava sim, peguei um pote de sorvete e me joguei no sofá, era segunda-feira e eu estava de folga.

Quando me dou conta já se passaram dois anos.

Abro a janela e sinto a brisa fria do vento e vem um cheiro de alecrim, ouço um ruído de música, distante, deve estar rolando alguma festa na vizinhança. Algumas vezes quando volto tarde do trabalho, posso ver de onde vem o barulho, é da casa de Levi, e me ocorre um desejo súbito de ir até lá. Esses ápices de desejos, no fim me fazem entender que aquele não era o meu final feliz... quer dizer eu nem acreditava mais em finais felizes.

Enquanto caminho pelo quarteirão nebuloso os pingos fracos da chuva que caíra mais cedo, sujava meu sapato bege. As pessoas pareciam ter sido sucumbidas de uma hora para outra. Passava um pouco das sete horas quando entrei no bar, no balcão estava Júlio, servindo os drinques com aquela cara feia de sempre, o cumprimento ao atravessar o salão e entro no banheiro que já cheirava mal, fecho meu nariz com a ponta dos dedos e troco de roupa ligeiro. Antes dou uma sacudida no uniforme, visto a mini saia preta e a camiseta verde que de tão justa amassa meus seios, contra minha vontade. Não queria que me achassem exigente, por isso eu nunca havia reclamado do quanto era curto e indiscreto, era o tipo de roupa que eu não usaria nem mesmo em casa, entretanto, eu precisava daquele emprego, no que parecia ninguém estava disposto a dar emprego a uma pessoa que nunca tinha trabalhado na vida, então, eu não podia reclamar.

- Olá, Sam. – Pati me cumprimenta e vai largando sua bolsa pesada sobre o balcão.

- Olá, Pati.

- Demorou hoje? – questiona ela.

- Vim de ônibus, meu carro não está nada bem.

- Você e aquela sua lata velha.

A mulher atrás dela me encara, esperando que Pati saísse da frente para que ela pudesse sentar-se.

- Perdão. – diz ela chegando para o lado, eu atendo a mulher e ela continua tagarelando.

- Você nunca pensou em trocar de carro? Ah, sei lá. Comprar um carro popular. Que horas acaba seu expediente? – eu tinha acabado de chegar e ela já estava perguntando a que horas eu sairia. Aquela era a minha amiga sem noção nenhuma, mas ela era a minha melhor amiga.

A senhora pega o copo de bebida e sai, antes lança um olhar pragmático para Pati, eu abro um sorriso profissional e volto a encarar Pati que ainda fala sem parar.

- Pati... Estou tentando trabalhar. – murmurei, mas não me movi.

Ela olhou para mim e depois para Júlio.

- Tudo bem. Agora você só quer trabalhar. Acabei de chegar aqui e já me da às costas. – disse ela num tom melancólico.

O senhor de camisa listrada sentado na ponta esquerda do balcão me olhou e resmungou alguma coisa.

- É que pensei que as pessoas trabalhassem no seu local de trabalho. – ironizo, virei de lado e comecei a organizar os copos.

- Eu sei disso. Mas Júlio dá conta de tudo. E ele faz isso muito bem.

- Você devia estar em casa estudando. Não devia?

- Já estudei. Aliás, já sei tudo. Essa avaliação será moleza. – ela repetia isso todas as noites.

- Penso que deveria dedicar-se mais. O jornal está te dando uma chance de ouro.

No fundo eu sabia que ela não estava dando a mínima para essa oportunidade. O importante era garantir o seu salário e suas roupas de grifes. Ela trabalha no jornal a mais de cinco anos e agora terá a chance de virar repórter. Logo ela que é tão especuladora. Nos últimos anos ela tem me ajudado muito ao escutar todas minhas lamúrias. Confesso que eu não conseguiria fazer o mesmo por ela.

Pati troca um olhar suspeito com Júlio, eu ignorei de vez. Fecha a cara, e depois, olha culpada para o lado da mesa aonde está a pasta com os livros que nunca lê.

A noite estava tão cinzenta como a maioria das noites de inverno, todo mundo parece detestar noites assim, mas eu gosto. Precisava de algo para esquentar meu corpo, então fui até a pequena cozinha e enchi meu copo de vinho, olhei por cima do ombro e vi que ninguém podia ver o que eu estava fazendo, então virei o copo e voltei. Júlio retirava os copos vazios das mesas e eu fui fazer o mesmo. Ele não gostava de fazer este tipo de serviço, eu lhe dizia que podia deixar que eu faria, mas quando eu demorava a recolher ele mesmo fazia.

O bar não é nada moderno, as paredes são cobertas de pedra lascada, a decoração é de gosto duvidoso, fotos de pessoas desde a época sessenta estampavam a parede, até uma foto dos Beatles repousa sobre o mural. Gosto da harmonia que esse lugar me traz, tem cheiro de madeira e flores, mas também cheiro de umidade. Talvez seja o lugar mais procurado pelos turistas. Não que isso importasse. Toca todo tipo de música e algumas delas me trazem lembranças das quais ainda luto para esquecer, de certo modo meus pensamentos sempre acabam nele. Até que meus olhos ficam embargados. Estou prestes a derrubar uma lágrima quando Júlio chega mais perto.

- Está tudo bem Samantha?

- Está sim! - enrijeço meus músculos.

- Escuta. Se quiser ir embora mais cedo, pode ir.

Tento me recompor.

- Ouviu o que eu disse? Vai para casa. Não posso deixar que trabalhe assim, triste.

- Júlio – olha para ele, mas não o encaro - eu agradeço. Mas estou bem. Estou mesmo bem.

Ele era um bom homem, solteiro, deve ter um metro e oitenta de altura, tronco alto, olhos castanho, vive sozinho numa casa perto do lago. Olho para o caixa e vejo que Júlio meche sem parar nas comandas, contava e recontava, aquela cena se repetia a cada cinco minutos, ele não se sentava nunca, tinha que estar sempre fazendo alguma coisa. Ele é elétrico, tem um sorriso leve. É um cara interessante, quase não fala muito. Mas ele não era o tipo de cara que eu queria. Não que ele não fosse meu tipo, talvez eu não fosse o tipo de ninguém. Ele fica me observando, me olhando de canto de olho, esperando que eu corresponda aquele olhar tão profundo. E eu sinto certa angustia por não correspondê-lo.

Está quase na hora do meu intervalo. Quarta feira não tinha muito movimento, avisei a Júlio e fui lá fora fumar um cigarro, vicio que eu detesto e juro que um dia irei parar. Edu o irmão de Pati veio me cumprimentar. Segurou minha mão com um jeito sedutor que me fez estremecer dos pés a cabeça. Mas sei como ele é cafajeste recolho meu sorriso demonstrando indiferença sem paciência alguma para suas investidas repetitivas, encosto na parede me afastando dele.

- Você está ainda mais encantadora. – diz ele me cortejando, tentando parecer um homem interessante. Na verdade ele era interessante. Esse era o perigo.

Eu sorri agradecendo o lisonjeiro elogio, mesmo não gostando do jeito com que ele me olhava, pois me despertava certos pensamentos, até insanos. Puxo minha saia e ajeito o decote v da camiseta. Ele era o tipo de homem que toda mulher devia manter uma distância consideravelmente segura. Ou ela correrá o risco de acabar em sua cama. Claro que Pati jamais quis que eu fosse uma delas, então me alertou desde o início.

O vento forte chacoalhava meu cabelo e minhas bochechas queimavam, devia estar vermelha eu podia sentir. Edu me olhava de soslaio.

- Você vai sair que horas?

- Edu, por favor, não me perturbe. Não vê que não vai rolar.

- Ei. Tudo bem. Já entendi

- Que bom.

- Certo. Vou indo então.

- Faça isso. – uso um tom firme.

Ele ergue a sobrancelhas. E tento lembrar que mesmo lindo é o tipo cafajeste.

Não pretendia, mas quando voltei vi que Pati estava na pista abraçada a José, cochichando em seu ouvido. Devia estar se insinuando para ele, com certeza. Assim que me vê ela sorri gentilmente, sem dúvida se divertindo enquanto estou atrás deste balcão. Dou uma olhada no relógio marca meia noite. Enquanto isso eles rodopiam na pequena pista, como dois dançarinos, a barriga dela fica a mostra conforme ele a gira. Pergunto-me como ela consegue ser assim? Há dois dias chorava por Alceu e agora se joga nos braços de José. – Não que isso me incomode, de maneira alguma. Só não consigo entender como ela faz isso. Sou tão burra, há tanto tempo espero por Henry. Por quê? Se ele nunca se importou comigo. Eu só queria ter essa coragem dela. Ela é divertida, não ta nem ai para o que os outros pensam. E eu admiro, mas eu não era assim. Recolho os copos e os clientes vão saindo. Estava um pouco escuro, mas eu já tinha percebido aquele homem de terno cinza de pé perto do banheiro, mexendo sem parar no telefone, Júlio que tinha o atendido.

Um tempo depois Pati veio em minha direção com um copo na mão andando toda torta. Como é de costume exagerou na bebida. Ela veste um corpete azul que deixa a mostra um pedaço da sua barriga sarada, uma calça branca que desenha bem o seu corpo e vive passando a mão naquele cabelo loiro e liso. Bem, ela podia vestir uma burca e continuaria linda. Corpo violão: cintura fina e perna grossa. Ela me estende a mão meio que implorando que eu a segure e eu claro não desdenho tal pedido.

- Sam... Minha amiga. – ela fala com a voz trêmula, apertando tão forte meus dedos que me contorço. – Estou apaixonada.

- Pati, chega de beber.

- Eu estou bem ta legal. – murmura com a boca tora. Eu sabia que no fundo ela não estava nada bem.

- Por que não vai para casa? - ela faz uma careta e debruça-se na mesa.

- Falei com José!

- E o que falou com ele? – continuo desinteressada.

- Como o que falei? – me olha perplexa. - Falei que o acho um cara legal – faz uma pausa –Ah! Disse que eu o acho lindo... gostoso. - diz ela deslizando a ponta da língua entre os lábioscarnudos.

Ui, achei tão nojento. - Você teve essa coragem?

- Bem, não tive tanta coragem assim. Queria ter dito que adoraria dormir com ele, queria mesmo é que ele me levasse para sua casa. Nossa... Ele tem um bumbum durinho.

- Pati, por favor, pare com isso. – digo, e ela cruza os braços.

- Credo você é muito careta. Só disse que ele tem uma bunda linda. E sim, se ele fosse esperto faria sexo comigo.

- Vou chamar seu irmão. – por fim digo.

- Não... não o chame, por favor. – implora com desespero.

- Parece ter recuperado os sentidos. – digo.

Quando acabo de recolher os copos, ela não está mais ali e nem mesmo Jeni. Talvez tenham ido até o banheiro. Vou atrás delas. Mas elas também não estavam lá. Volto e dou de frente com o homem do terno cinza. De repente me sinto estranha, e meu coração acelera. Há dois casais sentados na mesa do lado, ele parece pousar seu olhar em mim, olho para trás, talvez ele olhasse para eles, mas não, era mesmo para mim. Como cena de um filme, as luzes se apagaram e voltam há ascender alguns segundos depois. Por impulso me joguei para cima dele.

Antes que eu pudesse dar o primeiro passo a voz dele entra em minha mente lentamente, como palavras sendo sussurradas. Ele era tão lindo, pele bronzeada e sorriso branco. Que homem é esse? Estou nervosa é visível. Por pouco o copo que trouxe do banheiro não cai da minha mão. Como ele é lindo. – voa meu pensamento.

- Oi. – aquela voz me deixa gélida.

- Oiii... – respondo com a voz meiga quase que me desmanchando. Sentindo-me ridícula.

Oferece-me um copo de cerveja e eu agradeço, mas recuso mostrando meu uniforme. Dentro de mim algo fica diferente.

- Muito prazer Srta. Jhon! - ele estica a mão direita me cumprimentando com um sorriso enaltecedor. Quando nossos dedos se tocam, um arrepio percorre por todo meu corpo, sinto meu rosto corar, retiro a mão rapidamente e ele percebe minha insegurança.

A voz dele é tão gostosa de ouvir que entra derrubando tudo pelo caminho.

Minha voz parece não sair, mas logo a ouço.

- Prazer. – respondo alcançando sua mão.

- E qual é seu nome?

Ele ainda esta olhando para mim, meu olhar fica perdido, eu não queria encará-lo assim.

- Samantha. – eu estava babando, nem sei se estava, mas pareço.

- Gostaria de uma dança?

Hã... Arregalo meus olhos. E me recomponho.

- Ah. Eu... É. Não posso. Estou trabalhando. – respondo firme, apontando para o bordado na minha camiseta a vácuo. Ele só pode ser um príncipe ou está me testando. Quem hoje em dia convida uma mulher para dançar? Fico tão desnorteada.

- Apenas uma música. – pediu descontraído.

- É que eu não posso. – falo alto mostrando-lhe minha camiseta.

- Então. Vou esperar que termine seu trabalho. – diz atrevido. Ele era simplesmente o homem mais lindo do mundo, parecido com esses agentes de polícia.

Resisti à vontade que me passou de sentir o toque da mão dele de novo.

- Olha... – meu queixo quase vai até o chão. – É que saio só quando o bar fecha. Então, já vai ter acabado a música. - dou de ombros.

- Bem. Se permitir, eu a levo para casa.

Engulo em seco. – Eu adoraria ter a sua companhia. – digo desprevenida. – Mas... É que minha noite será longa. Tenho muito trabalho. – eu não iria para casa com ele. Ele podia ser lindo só que isso não mudava o fato de ele ser um desconhecido.

Ele abriu um sorriso e disse: - Eu ajudo você a terminar. – sorriu.

Meu sorriso se abriu prontamente.

- Não precisa. Mesmo! – afirmo. – Agradeço. – estou totalmente sem graça.

- Se não acha seguro ir sozinha, chame sua amiga. Cadê aquela sua amiga?

Meus olhos se perdem e procuram desesperadamente, Pati. Aquilo tudo parecia fugir do meu controle, ele ali na minha frente, meu coração palpitando como se quisesse pular fora de mim. Ele estava o tempo todo me observando. Como ele sabia de Pati?

- O lugar é bacana. – diz ele com sutileza.

- É. Eu gosto.

- E o que costuma fazer quando não está trabalhando? – ele parecia bem à vontade.

- Samantha... – Júlio chama num tom agressivo, praticamente gritando.

Faço sinal com a mão avisando a ele que já vou.

- Não muita coisa. Dá-me alguns minutos? Preciso voltar ao trabalho.

- Claro. – ele abre o caminho para que eu passe. – Hei. Posso te esperar? – puxei o ar do pulmão e mexi a cabeça concordando. Ele não conseguia disfarçar seus olhos me furtavam. Eu ainda sabia quando o homem tinha atração por uma mulher, e a mulher era eu.

As pessoas foram todas embora. E ele permaneceu ali. Júlio o encarava de vez em quando. Cochichou em meu ouvido: – Aquele homem não vai embora?

- Ele ta me esperando. – respondo não querendo ter que dizer aquilo. Foi como se eu enfiasse uma faca de serra no coração de Júlio.

- Hum... Vai embora com ele? – pergunta apático.

- Júlio, isso não é do seu interesse.

- Tudo bem. Não sabia que o conhecia. Desculpe. – levanta a mão e sai para levar os sacos de lixo.

Ele ficou esperando eu terminar de lavar todos os copos, de vez em quando eu olhava para ele sem entender nada do que estava acontecendo, mas o fato era que ter ele ali me esperando me trazia uma sensação boa.

Júlio fecha a porta atrás de nós dois e não se despede.

- Onde você mora?

- Uns trinta minutos daqui.

- Parece um bom emprego.

- É... Não é o que eu queria, mas sim, é sim um bom emprego.

- Não sou um cara que acredita na sorte. Mas parece que hoje eu tive a sorte de conhecer você. – pousou seu olhar no meu. - E isso não é uma cantada. – diz em sua defesa. Mas ele estava sendo galanteador.

Sustento o seu olhar. Ele ergue a sobrancelha e posso ver que os olhos são azuis. Tão azul que me trouxe lembranças do mar.

- Será mesmo que foi sorte? – completa ele dando ênfase.

- Quem sabe. - as palavras saem da minha boca com tanta rapidez que não pude impedi-las. E meu sorriso fica tímido. A conversa fluía enquanto caminhávamos para o carro dele estacionado a uns 50 metros do bar, do outro lado da calçada.

Senti que por um curto tempo que o mundo inteiro parou a nossa volta. Ele parecia aquele tipo conquistador, e mesmo assim eu queria que ele continuasse dizendo tudo aquilo. Era bom demais ouvir. Paramos na frente do carro dele, ficamos estáticos, pensei no que fazer e fui logo abrindo a porta, ele me impediu e abriu. Sentei nervosa batendo as pernas, minhas bochechas ficam quentes, estico as costas para parecer um pouco mais alta, pois ele é bem mais alto do que eu.

- Em qual direção? – pergunta me fitando com seus lindos olhos.

- À direita.

Seguimos até o primeiro semáforo. Fui falando a direção a cada rua que passava, a direita, agora à esquerda, entra depois da segunda saída. E assim subsequente até pegar a rodovia. Fico confusa e sinto que pisco diversas vezes.

- Você é de onde? – perguntei notando que ele tinha um jeito muito diferente de falar.

- Eu sou Francês.

- Sério? Mas você fala tão bem o português.

- É que vivo entre o Brasil e França, há quinze anos. Moro em São Paulo e Paris.

Levo a mão na boca. - Ah, entendi. – Como um homem daquele nível tinha ido parar no bar?

- E você?

- Eu...?Moro aqui a vida toda.

- É um encanto essa cidade. É apaixonante.

- Eu também acho. – solto o ar imaginando Paris e suas ruas lindas. – O que lhe trouxe a cidade?

- Trabalho.

- Hã...

- E a sua amiga? – perguntou de repente.

- Minha amiga? – pensei que talvez ele tivesse interessado nela. - Ah... Ela deve ter ido embora mais cedo. – voltei meu pensamento por instante em Pati, no estado de embriaguez que se encontrava e talvez ela estivesse agora com José, na cama dele como queria.

De repente ele pega minha mão dando um beijo suave que me estremece inteira, mas recolho a mão ligeiramente.

- Samantha... É lindo seu nome. – diz ele enquanto dirige. - Parece loucura. Mas você mexeu tanto comigo. – faz uma pequena pausa. – Eu quero conhecê-la. Quando te vi, fiquei relutando para não ser tão atrevido, mas quando vi uma oportunidade, não sei o que me deu; algo disse que eu devia ir até lá e falar com você. – ele fala enquanto seus olhos desviam da estrada, vindo em minha direção. - Perdoe-me se te assusto. Eu sei que nós homens às vezes nos tornamos criaturas ruins na vida de mulheres como você. – ele sacode a cabeça. – É louco isso, mas você é diferente.

Não estava entendendo o que ele queria dizer com aquilo tudo, mas minha vontade era de dizer a ele que não, que ele não seria nada de ruim na minha vida. Mas me contive. Ele era apenas um estranho me levando para casa. E pensar que eu não tinha pensado nos riscos que corria. Quem era ele? Será que era mesmo acaso? Por que ele me transmitia segurança? Milhares de pontos de interrogações pairam no ar.

- Mas prometo que não vou arruinar sua vida. – continuou abrindo um sorriso pleno.

Para ser sincera, eu não queria que ele parasse de falar aquilo. Queria mesmo que ele arruinasse a minha vida, se é que isso ainda era possível. Ele freia bruscamente. Sinto meu coração se aperta em minúsculos pedacinhos. Pensei pronto é agora que serei estuprada e amarrada, depois ele irá me jogar numa vala. Eu estava assistindo muitos filmes de terror. Só podia.

- É loucura... – ele vira-se para mim, fico assustada demais. – Faz só duas horas que a conheço, e dentro de mim sinto uma vontade tão grande de beijá-la. – me encolho. - É que você parece ser diferente. Tem alguma coisa em você que me faz querer ficar perto - droga, ele ta sendo galanteador de novo. – Nunca alguém mexeu comigo assim. – completa com uma voz roca. Fico paralisada com as palavras. Aquela garota que Henry havia deixado para trás, me olhava com uma expressão que eu desconhecia. – E não precisa ficar com medo. – ele ergue a sobrancelha. – Não vou raptar você. – ele abre o sorriso.

Havia anos, que eu não me sentia daquele jeito.

- Eu não estou com medo! – digo. Espera "tenho medo sim, mas não é por você", volto a encará-lo – Acho melhor a gente ir.

- Claro. Desculpa-me. – disse sem graça e prosseguiu.

Por alguns minutos ele não disse nada.

- Sinto muito se te assustei.

- Não me assustou. – digo resoluta.

- Não... Quer ver o pôr do sol comigo? – o olhar dele é intimidador. Enrugo ainda mais a testa.

- Hoje?

- É.

- Impossível. – soou um tanto sagaz. – É. É que eu não posso! Está muito tarde.

Senti a mão dele apertando a minha.

- Eu só quero te conhecer –interrompe-me – conversar. - ele olha para baixo parecendo buscar algo e volta a me olhar com seus lindos olhos azuis, azul como o mar. E eu me sinto uma completa idiota. - Pode ser que ache meio patético o que vou dizer. Por que eu acharia. Mas é destino. Só pode ser. Eu não vim atrás de mulher. Nem mesmo pensei em conhecer alguém tão linda quanto você. Nem eu consigo entender por que a senhorita me despertou tanta admiração. – diz confundindo minha cabeça. – Prometo que não irá se arrepender de passar algumas horas comigo.

- Desculpe-me... – digo arqueando a sobrancelha. – Mas, prefiro que me leve para casa. Se não se importa.

Ele calou-se.

Ao parar o carro ele ascendeu à lâmpada e uma luz amarela iluminou o seu rosto, ele usava a barba escanhoada, os lábios vermelhos, era um convite a ser tocado.

- Viu como não sou tão ruim quanto pareço – disse ele – lhe trouxe segura, como disse que faria.

Pensei que fosse dizer mais alguma coisa, pedir novamente para me conhecer melhor. Mas ele não o fez.

- Obrigado. –respondi.

O olhar que ele me dirigiu foi penetrável. Nossas bocas estavam tão perto que eu pude sentir sua respiração, de repente o sorriso dele se abriu, expressando brandura. Ele me fez lembrar de que eu ainda era capaz de sentimentos ter sentimentos por um homem. Quando ameacei descer do carro, ele segurou meu rosto com sua mão suave e deu um beijo gelado, um beijo... que me congelou.

- Tchau. - ele me olhou fixo, sustentei seu olhar por alguns longos segundos.

- Tchau Jhon. – meu mundo parou.

Fiquei olhando o carro se afastar lentamente, por alguns segundos consegui acompanhar os movimentos de sua mão arrumando o retrovisor, parecia que ele estava me olhando conforme se afastava;

Quando entro em casa tudo estava escuro e silencioso. Tento não pensar no peso da mão dele sobre minha perna, do quanto aquele acaso tinha mexido comigo. Depois visto meu pijama e deito, e o sono não vem. Antes mesmo que eu pudesse pegar no sono chego a fantasiar o por do sol.

Não esqueçam de deixar sua estrelinha.

Me contem o que acharam do capítulo!

Beijokas

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