Os dois se encararam por um breve momento e depois voltaram seus olhares confusos para mim ao mesmo tempo como se esperasse algo, mas pela tensão do momento esqueci o que eu deveria falar ou fazer. Mirei Bernardo e ele estava com a cara mais debochada do mundo, com certeza achando aquilo tudo engraçado. Eles continuaram me olhando então consegui enxergar uma luz.
— Esse é o Bernardo, meu amigo – Quebrei o silêncio, gesticulei com a mão apontando meu amigo que se jogou no sofá comendo uma maçã.
— Correção: melhor amigo. – Bernardo fez questão de ressaltar.
— Ah... – Vincent pareceu um pouco menos tenso. — Meu nome é...
— Vincent – Bernardo interrompeu ele.
— É, e isso – Seu olhar continuou imerso em confusão, mas preferi não prolongar o assunto. — Vamos?
— Por favor. – Não escondi a pressa de sair daquela situação. Fui guiada pelo braço até seu carro que estava cheirando a loção masculina por sinal.
Quando meu acompanhante deu partida, senti grande alivio. Acho que Bernardo estava prestes a rir sem parar da minha cara, eu nunca soube lidar com situações assim. Apesar de ainda sentir uma ponta de hesitação quanto a Vincent, não posso negar que ele tem mexido comigo.
Apoiei minha cabeça na janela e fiquei o olhando de soslaio, percebi que ele não estava com uma expressão de felicidade. Ele percebeu que eu estava olhando e deixou escapar uma risada me fazendo rir junto com ele. Aquele clima pesado já estava desfeito agora, graças aos céus.
Voltei meu olhar para o lado de fora do carro e percebi algumas luzes no céu, como se fosse um show ou festa. Depois percebi vários carros estacionados e várias pessoas por perto, a rua estava iluminada e movimentada por vários tipos de pessoas, eu podia sentir a animação deles de dentro do carro.
Pensei em falar para Vincent dar a volta, mas ele parecia saber o que fazer então resolvi continuar calada como na viajem toda, não demorou muito e ele estacionou, fiquei confusa, mas não ia questionar. Ele abriu a porta gentilmente para mim e eu sorri agradecida.
— Onde estamos? – Questionei, não gostando muito do lugar.
— Logo vai saber, vamos. – Ele estendeu a mão para mim. Apesar de não querer continuar nesse lugar lotado de pessoas muito felizes, eu peguei sua mão e me deixei levar.
Estávamos nos aproximando ainda mais do som elevado e de mais pessoas que urravam de felicidade, o que estava me incomodando internamente, mas eu não ia falar nada. Foi quando vi a entrada daquele lugar e um grande cartaz escrito "Show beneficente. Jesus mandou ajudar!"
Foi quando parei por alguns segundos e fixei meus olhos naquele letreiro ridículo. Eu senti seus olhos em cima de mim e senti sua mão me puxando, mas tirei ela de junto dele e me afastei.
Eu não sabia se era raiva ou decepção, porém eu sei que queria socar a cara bonita dele.
— Porque me trouxe aqui? – Eu mesma consegui senti meu tom de voz irado.
— É um bom lugar, é agradável.
— Agradável para quem? Eu não sou crente, Vincent e eu detesto todas essas pessoas.
—Vai ser bom Angelina, vem comigo – Ele estendeu mais uma vez sua mão, mas dessa vez eu recusei.
— Não vou não. Eu não sou obrigada.
— Porque odeia tanto eles?
— Porque você não odeia? Essas pessoas... Estão aqui para ver as pessoas no palco e não para ajudar. São falsos moralistas e hipócritas. Enquanto tem uma pessoa sem teto na esquina vocês estão com sorrisos no rosto glorificando a Deus. Falsos. – Ele pegou meu braço e eu puxei novamente.
— Angelina, não tô entendendo toda essa sua raiva, é um show, afinal. Mesmo que você não goste da ideia de ser cristão, ainda é música e eu ainda estou aqui. Não é possível que você tenha a mente tão fechada, eu pensei que tínhamos uma ligação.
— Ligação? Eu sou celular agora? – Soltei.
— Tem razão não temos mesmo, agora eu percebo. Se quiser ir, fica a vontade, eu vou ficar. – Virou-se.
— Você é patético. – Rosnei.
— Era para ser nosso primeiro encontro. – Ele parecia desapontado, mas eu não liguei.
— Pois é. Parabéns por estragar tudo. – Dei duas palmas para ele e sai.
Ele não veio atrás de mim.
Eu senti a raiva subindo e tomando conta de mim, atropelei cada pessoa que via na frente e chutei qualquer coisa que via na frente. Porque as pessoas não sabem separar as coisas? Porque? Que mania de querer empurrar o Deus deles nas pessoas, será que é porque se acham melhores que nós que não temos uma vida na igreja. Pois eu acho que não adianta nada eu ia na igreja e continuar a mesma coisa, eu me recuso.
Não acredito que me deixei levar por eles. Não acredito que confiei nesses malditos. Todos são iguais me forçando engolir essa fé mesquinha.
Anna, porque não está aqui? Nada disso estaria acontecendo. Eu queria minha irmã para abraçar.
Senti as lágrimas começarem a cair e fui secando conforte colocava um pé atrás do outro para mais longe dali.
Como pode eu ter estado feliz a poucos minutos atrás e tudo ter desabado? Eu sei, tenho o poder de acabar com tudo ao meu redor, isso não é novidade. Por isso eu afasto as pessoas, porque quando elas se aproximam, são destruídas.
As palavras dele ainda ecoavam na minha cabeça, como martelo no prego:
"Angelina, não tô entendendo toda essa sua raiva, é um show, afinal. Mesmo que você não goste da ideia de ser cristão, ainda é música e eu ainda estou aqui. Não é possível que você tenha a mente tão fechada, eu pensei que tínhamos uma ligação."
Varias e varias vezes. Parei na esquina e olhei para o lado onde vi aquele homem deitado da outra vez, peguei meu dinheiro e fui na lanchonete em frente, comprei o melhor lanche e dei para ele.
— Obrigado moça! – Ele comeu desesperado.
Eu apenas sorri e sai de perto.
— Oi gente, eu sou o Vincent. – O pessoal aplaudiu.
Como o microfone estava alto eu podia ouvir de longe.
— Era para ser um dueto, mas... Acho que ela não gostou muito da ideia. Espero que gostem e que o Pai fale com vocês.
Quando mais eu ouvia, mas eu queria quebrar algo neles. Eu ouvi a voz da Amanda e Vitória no suporte de voz dele. Não sabia que cantavam e tocavam também, tenho certeza que eram elas nos instrumentos.
Respirei fundo, peguei toda minha agonia e tristeza e engoli. Os últimos centavos que eu tinha na bolsa fui ao ponto de ônibus, esperei ele e peguei para casa.
O ruim de chegar em casa é ter alguém lá, ter que dar explicações. Eu nem devia estar aqui tão cedo.
Abri a porta devagar, mas foi inútil. Bernardo surgiu da cozinha com um copo de água e olhou diretamente para mim. Olhei para ele, quieta. Ele não me fez nenhuma pergunta.
Subi para o meu quarto, tranquei a porta e me joguei na cama enterrando meu rosto no travesseiro, fiquei bons minutos ali pensando em absolutamente nada, eu já estava caindo no sono então ouvi batidas na porta.
— Ruiva? Você tá bem? – Bernardo perguntou atrás da porta.
— Não. Eu nunca estou bem.
— Quer falar?
Abri a porta para ele e mais uma lágrima caiu. Eu sabia que podia desabar com ele por perto, ele é única pessoa que vê o quão frágil eu sou.
— Eu sinto falta dela. – Sentei na cama, contendo o mar de lágrimas que estava por vir.
— Eu sei. Eu também. – Sentou do meu lado e segurou minha mão carinhosamente. Pousei minha cabeça no ombro dele.
— O que aconteceu lá? Você estava brilhando quando saiu daqui. – Perguntou.
— Ele é um idiota, só isso.
— Quer que eu bata nele? – Questionou e eu ri.
— Vai ter que bater em mim também. Eu sou mais idiota que ele. – Dei de ombros.
Ele ficou quieto, apenas passou sua mão no meu cabelo e me deixou ficar no seu ombro. Fechei meus olhos e tentei com todas as forças dormir, mas não consegui. Pelo menos ele pensou que sim e me deitou na cama e me cobriu, saindo do quarto em seguida. Foi aí que abri meus olhos e refleti sobre aquele dia pavoroso.
Flash back on
— Porque me trouxe aqui? – Eu mesma consegui senti meu tom de voz irado.
— É um bom lugar, é agradável.
— Agradável para quem? Eu não sou crente, Vincent e eu detesto todas essas pessoas.
—Vai ser bom Angelina, vem comigo – Ele estendeu mais uma vez sua mão, mas dessa vez eu recusei.
— Não vou não. Eu não sou obrigada.
Flash back off.
Eu queria poder gritar, mas teria que reprimir à vontade até o amanhecer. Eu tinha que ser forte, de novo, não posso perder as estribeiras.
Como eu pude ser burra e perder o foco? Minha irmã deve estar decepcionada comigo.
E foi assim que eu adormeci naquela noite, extremamente acabada e decepcionada comigo mesma.
Continua...
"Sujeite-se a Deus,
fique em paz com ele,
e a prosperidade virá a você." Jó 22:21
Hey fofos, espero que tenham gostado da surpresa ♥ mais um personagem, Bernardo♥♥♥ Espero que tenham gostado!!! Até a próxima♥