Além do Céu (Volume 2) Projet...

By ThiagoConti

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A saga continua! ...O homem se tornou uma máquina cheia de defeitos e procriou-se levando em seu código genét... More

NOTA DO AUTOR
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 7.1
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
EPÍLOGO

CAPÍTULO 02

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By ThiagoConti


O céu...tão maravilhoso e sublime, quase um convite instigante de abandonar o mundo terreno e ficar entre as nuvens, entre as coisas que vemos e aquilo que nunca saberemos onde vai dar. A vida é um reflexo do céu, deve ser por isso que somos parte do cosmos, parte de um grande mistério.

Edward parecia não gostar muito daquela vista magnífica que era projetada através da janela do avião, e por isso dormia feito uma criança no banco desconfortável enquanto eu apreciava tudode camarote e deixava um filme extenso de lembranças percorrerem pela minha mente ao se aproximar de Amarillo, no aeroporto internacional "Rick Husband".

Meus pais, meus irmãos, minha infância...toda minha vida, todos os meus medos e segredos estavam a um palmo do solo, sofrendo uma leve turbulência, fazendo com que ele acordasse de supetão daquele sono profundo como se uma mão gigante balançasse o avião. Parecia estar saindo de um pesadelo e caindo em outro com aqueles tremores intensos que foram se amenizando conforme o veículo aterrissava na pista.

Como era bom saber que do outro lado daquela vidraça minha família me esperava, cheios de saudades, abraços apertados e coisas para contar.

Nem me importava em caminhar debaixo da leve garoa que despencava do céu carregando parte das bagagens enquanto Edward vinha bocejando de sono com as malas mais pesadas.

Estranhamente seu celular tocou. Não sei, mas eu tinha uma leve impressão que de uns tempos para cá aquela "onda" de ligações voltavam a me incomodar. Talvez tenha sido uma insegurança, um medo de perder aquele que eu passei a confiar toda minha vida. Ele foi diminuindo os passos e falava respostas curtas do tipo: "sim", "não", "fique tranquilo".

Esperei-o até que caminhasse em minha direção onde o esperava, debaixo da leve garoa na pista de pouso.

- Quem era no telefone? – perguntei curiosa.

- Era o diretor da escola me perguntando sobre alguns eventos.

- Eventos?!

- Sim, um projeto que estamos organizando e ele está completamente perdido. Ei, vai dizer que você está desconfiada de mim?

Olhei-o com o pensamento voando bem longe até retornar para realidade e responder:

- Não, claro que não. Só queria saber quem era. E então, preparado para conhecer a minha família?

- Terei o maior prazer meu amor.

Assim que adentrei no saguão Gerald veio correndo com seus passos largos e me envolveu em teu abraço apertado por um longo tempo enquanto minha sobrinha caçula, Willy, tentava imitar o gesto do pai se entrelaçando com os braços em nossas pernas, parecia achar que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de gente grande chamada saudade. Ela tinha algo que me atraia, um olhar diferente que as vezes me fazia recordar de quando eu era criança. Deve ter puxado os belos cabelos da mãe, longos com um tom de mel que se harmonizavam com a pele branca e serena, mas o coração cheio de ternura e sensibilidade era uma herança da minha família, herdou do pai.

Louis, o meu sobrinho do meio, ainda continuava com aquele mesmo estilo sombrio. Deveria estar com seus dezoito anos, trajando suas roupas esquisitas que horas me fazia pensar que ele era algum tipo de gótico ou um garoto interiorano seguindo uma modinha passageira. Olhos bem marcados com lápis preto, cabelo escorrido no rosto e uma porção de piercing espalhado na orelha, e apesar de todo seu ocultismo ele nunca deixou de me cumprimentar e ser gentil. Já a minha sobrinha mais velha, Claire, estava casada com um empresário de sucesso e havia se mudado para Nova York. A única que parecia não gostar muito da visita era Emma, a esposa de Gerald. Vivia sempre de canto com uma cara de descaso, e suas boas vindas eram quase sempre forçadas. Nunca entendi o motivo de sua cara feia comigo, e por diversas vezes questionei o meu irmão se ela tinha fome ou era naturalmente assim, amarga. Pouco falava com ela, não éramos grandes amigas, esperava que ao menos fosse recepcionada com um sorriso nos finais de ano, ainda que fossem falsos, e por esse motivo acabava sempre dormindo na casa do meu pai para evitar qualquer tipo de transtorno.

Imaginava que ela deveria sorrir mais com todo aquele privilégio, e que eu deveria estar com um tremendo mau humor pelas noites sem dormir e meu destino peculiar escrito nas estrelas de algum outro universo. Ela tinha tudo o que uma mulher gostaria de ter: um lar, um bom marido e filhos que a cercariam pelo resto da vida. Ela teria um homem para envelhecer ao lado, crianças para depositar seus sonhos e transformar em gente grande, em um espelho para continuar uma nova geração, gente que um dia voltaria para o mesmo lar onde tudo começou.

Demorei para entender de onde vinha todo seu descaso, mas sabia que daquele ano não passaria em branco, não voltaria para Seattle sem saber o que a deixava assim, estava disposta a lavar toda roupa suja e ficar com a alma limpa.

Deixamos o aeroporto e adentramos no carro do meu irmão seguindo para o interior Texano. Ficamos um pouco desconfortável no banco de trás, mas ainda assim eu me sentia muito feliz por estar perto da minha família. Willy se mostrava toda prosa contando suas notas excepcionais na escola e a capacidade de resolver problemas além do que era exigido para sua idade. Ela chegava a debochar do irmão mais velho que cursava pela terceira vez o último ano do segundo grau e tinha um sério problema com matemática e física. Eu parecia estar vivendo um "deja vu" pois aquela cena era muito comum para mim. Lembro que quando criança também era excepcional e resolvia coisas que nem meus irmãos conseguiam resolver, principalmente após aquele contato no riacho. Algo floresceu em mim, uma capacidade maior, uma sensibilidade que eu desconhecia. De certa forma Willy me lembrava muito o que eu fui, e isso me causava um certo desconforto.

Gerald e Emma se entreolhavam no banco da frente enquanto a filha se gabava de sua capacidade que era incrivelmente ignorada pelo irmão mais velho com um imenso fone de ouvido, escutando alguma melodia de guitarra parecendo estar apenas em corpo presente, não dando a mínima para ninguém.

Edward ainda estava tímido em conhecer a minha família, mal falou desde que pisamos no aeroporto, mas esboçava uma expressão de espanto diante das coisas que minha sobrinha relatava. Ela era incrivelmente inteligente para seus sete anos de idade e o mais intrigante é que havia algo mais estranho do que sua inteligência, algo que começou a me fazer ligar alguns fatos e que vim a descobrir assim que chegamos na fazenda do meu irmão.

Muita coisa havia mudado por lá, a casa passou por uma bela reforma desde minha última visita. O que não havia mudado era a visão magnífica do sol no horizonte, e bem ao longe eu conseguia ver a fazenda onde eu cresci e que logo estaria por lá visitando o meu pai.

A casa era ampla, tinha uma sala enorme que deixava toda a família confortável nos finais de semana com uma TV digna de cinema embutida na parede. Dessa vez ninguém conseguiria destruí-la. A cozinha havia sido planejada com móveis rústicos e o banheiro era do tamanho de um quarto. Antigamente as crianças tinham que dividir o quarto com beliches, o que era uma lástima para Louis que sempre gostou de ser isolado. Agora havia até um quarto para o bebê prestes a vir ao mundo e um aconchegante quarto de visitas que eu me recusava ficar.

Gerald tentou puxar mais conversa com Edward que se mostrava um tanto recuado e por vezes parecia se esconder atrás de mim feito uma criança procurando sua zona de conforto na figura maternal. Levou um tempo para que ele ganhasse confiança e se distraísse com uma lata de cerveja gelada e assuntos tipicamente masculinos como futebol e outras vertentes que não me agradavam tanto. Louis foi direto para o seu quarto onde se trancou como era de costume. Vivia isolado em sua redoma e falava sempre apenas o essencial. Eu não era a única estranha naquela família, e isso de certa forma me confortava.

Decidi nem tirar as malas do carro uma vez que estava plenamente definido que dormiria na casa do meu pai. Meu irmão bem que insistiu para que ficássemos por lá, sem contar Willy que faltou chorar para que eu dormisse em seu quarto, e não sossegou enquanto eu não adentrei para conhecer seu espaço que ganhou depois da reforma.

O quarto era amplo e muito bem arejado. Tinha um papel de parede rosa adornado de estrelas e uma pequena mesa próximo a janela onde ela costumava passar horas desenhando. A cama era coberta por diversos bichos de pelúcia, tudo havia sido planejado nos mínimos detalhes: as cortinas de seda, o tapete colorido, a penteadeira antiga em que ela gostava de se sentir uma princesa brincando com a maquiagem da mãe.

Confesso que senti falta da minha infância, foi como tomar uma pílula de nostalgia ao entrar lá, uma pílula que eu engolia a seco, com o gosto amargo do meu passado. Ao caminhar até a mesa que era iluminada pela janela escancarada eu tive uma grande surpresa. Encontrei diversos desenhos do que parecia ser alguns planetas e estrelas feitos por Willy. Algumas ilustrações me lembrava o sistema solar, outras eram estranhas, pareciam retratar um outro universo. Mas isso não era nada perto dos que eu encontrei depois, debaixo de outras folhas rabiscadas, rascunhos que provavelmente deveriam estar no lixo. Fiquei gelada e sem reação quando vi o desenho retratando o rosto daquele homem, o mesmo homem dos meus sonhos que agora aparecia entre linhas sinuosas lado de uma garotinha. Centenas de perguntas brotaram na minha cabeça e eu sabia que havia alguma peça que estava faltando naquela história, alguma coisa que eu ainda não sabia. Cautelosamente ela se aproximou da mesa e disse:

- Esta sou eu tia, acompanhada dele que mora lá no céu... – indagou apontando para o desenho um pouco assustada. – eu tenho medo dele, tenho muito medo...

Peguei a folha na mão assustada e agachei de forma a ficar na sua altura e olhar diretamente para os seus olhos perguntando:

- E quem é ele Willy?

Ela ficou um pouco contraída, desviou o seu olhar do meu e demorou para começar a responder:

- Ele...

Quando ia concluir sua fala escutei alguns passos aproximando do quarto. Emma interveio com uma expressão nada amigável e interrompeu nossa conversa dizendo:

- Saia do quarto da minha filha agora! Fique longe dela, você já causou problema suficiente para essa família. Não sei como tem coragem de voltar para cá depois de tudo...

Eu engoli a seco as palavras de Emma, estava louca para acertar sua cara com um tapa, só não o fiz pela garota estar ali presente e por ela estar carregando uma outra criança dentro de si. Afinal, quem era ela para falar sobre a minha família?

Com lágrimas nos olhos Willy disse:

- Mãe, pare de falar assim com a tia Cate, eu gosto muito dela quero que ela fique aqui...

- Willy a mamãe está te protegendo, a mamãe só quer o seu bem...

- Não!! Você não gosta de mim, vive me deixando de castigo só porque eu falo com ele, me chamando de louca quando está com o papai trancada no quarto. Eu escuto tudo!!!...você não gosta de mim!!

Ela saiu aos prantos e foi se refugiar em uma pequena cabana onde ficavam algumas ferramentas guardadas no quintal da casa.

Senti pela menina que não tinha nenhuma culpa, queria abraça-la, acolhe-la, mas creio que ir atrás de Willy só iria piorar as coisas. Engoli minha raiva e sai da casa às pressas me esbarrando pelos móveis dispostos no corredor.

Passei por entre os dois na sala feito um furacão que bebiam e tagarelavam feito amigos de longa datas e disse enquanto saía:

- Gerald, nos leve embora agora!

Ambos se entre olharam e foram atrás de mim.

- Mas Cate, você mal pisou em casa e já quer ir embora? – indagou meu irmão com uma lata de cerveja na mão querendo compreender minha ansiedade.

- Desculpe, mas eu não sei como você consegue suportar essa mulher, apenas nos leve embora. – disse enquanto abria a porta do carro.

Edward me olhou sem entender o que acontecia e se aproximou preocupado dizendo:

- Por que está assim Cate? O que ela fez para você?

- Nada...apenas vamos embora Edward, entre no carro, por favor, depois eu te explico! – falei tentando manter minha serenidade.

Emma apareceu na porta de forma sorrateira e ironicamente gritou:

- Mas já vai querida? Nem deu tempo de servir um café...

Meu irmão percebeu o quanto ela estava sendo irônica em sua maneira de falar. Mesmo não entendo o que havia acontecido ele foi até o carro onde eu o aguardava e ficou fitando-a por um bom momento de maneira séria, e gritou:

- Quando voltar eu quero ter uma séria conversa com você Emma!

- Ótimo, e já deixe o carro ligado assim que chegar, vou arrumar as coisas dos meus filhos para partirmos desse inferno, não aguento mais a maldição da sua família! – disse ela entrando e batendo a porta desaparecendo no silêncio aterrorizante daquele casarão.

Ao escutar aquilo fiquei com a sensação nostálgica de quando era criança e a mídia local usou dos acontecimentos estranhos para me tratar como uma santa, e depois para me julgar como uma bruxa, filha de algum tipo de herege. Foi só o tempo de um pensamento e uma vontade desenfreada de voltar para Seattle. Talvez o melhor seria ficar distante de todos, talvez Emma tivesse razão ainda que me custasse acreditar, mas eu era uma pedra no sapato de toda minha família, e mais uma vez estava destruindo uma época que deveria ser de intensa paz e união.

Já acomodados no carro partindo para a fazenda do meu pai eu interroguei meu irmão:

- Porque você não me contou sobre Willy?

Gerald tomou um gole maior de cerveja que carregava em uma mão enquanto a outra manuseava o volante e respondeu:

- Acho que podemos conversar sobre isso depois – disse olhando pelo retrovisor a cara de Edward como quem tem um certo medo de expor a verdade diante de um estranho.

- Edward sabe mais das coisas do que você possa imaginar! Vamos, me responda!

Surpreendentemente ele freou o carro no meio do caminho, próximo a fazenda do meu pai, fazendo levantar uma intensa nuvem de poeira.

Permaneceu alguns segundos calado olhando para o horizonte até poder voltar a falar:

- Olha...eu pensei em te contar, só havia planejado contar de uma outra forma.

Houve um silêncio breve até que ele pudesse continuar a falar:

- Willy sempre me lembrou você, não sei se pelo jeito introvertido, pela inteligência excepcional, ou pelos sonhos...na verdade isso nem sempre foi assim.

- Desde quando ela vem sonhando com ele? – perguntei curiosa.

- Faz um ou dois anos, não me recordo com exatidão. A única coisa que lembro é dela saindo para brincar próximo daqui, na antiga fazenda onde a família de Peter morava. Depois que o fazendeiro resolveu pôr à venda suas terras, os pais do nosso amigo foram obrigados a se mudar, a conseguir um novo emprego de caseiros em outra fazenda, pelo menos é isso que dizem por aí. As terras, como você pode ver, nunca foram vendidas. –exaltou ele apontando para a placa de venda um pouco à frente de onde estávamos.

Tomou outro gole de cerveja e prosseguiu:

- Virou um espaço para as crianças invadirem no final de semana e brincarem no grande balanço pendurado na árvore e inventarem lendas urbanas sobre o desaparecimento do menino. Ele ficou conhecido em toda região rural, pelos antigos e pelos mais novos, penso que até por isso que os pais deles resolveram se mudar, precisavam de um pouco de paz...

- E qual a relação de Willy com tudo isso?

- Bem, era um dia de semana, uma tarde de quarta-feira se não me falha a memória. Ela adorava sair pela região e conhecer as coisas, sempre teve um espirito especulativo, alma de aventureira. Eu nunca a proibi de nada, exceto de visitar o maldito bosque, tinha razões suficiente para isso, e você sabe melhor do que eu. No meio da semana a fazenda abandonada não era o ponto de encontro das crianças, ficava quase sempre vazia, com um silêncio adormecido que chegava a me dar calafrios quando passava na frente dela. A casa que sempre foi tão linda e bem cuidada agora estava praticamente coberta pela vegetação local. Dizem que o balanço que havia ficado na grande árvore na área externa fora construído pelo pai de Peter antes que acontecesse o seu desaparecimento. Willy gostava de visitar a fazenda com seu caderno de desenho exatamente nos dias de semana, ela dizia gostar do silêncio e da solidão que havia lá e ficava por horas rabiscando o seu caderno e admirando o céu sentada no balanço. Nesse dia ela não esperava que seria mais uma tarde calma como sempre foi...enquanto permanecia no balanço rabiscando alguns de seus desenhos. Ela descreveu sentir um frio emanando das árvores e vegetações. O frio veio acompanhado de um barulho estranho que parecia muito o ranger de um portão que vinha do céu, algo que disparou um gatilho de lembranças em minha memória. Assustada ela pegou suas coisas e começou a fazer o caminho de volta para casa, e quando estava prestes a atravessar a cerca viu uma enorme esfera que surgiu no alto. Quando pedi para descrever como era o objeto que ela viu, dizia ser uma luz tão forte que a impedia de enxergar com exatidão o que guardava dentro ou o que de fato era aquilo, obrigando-a apenas a correr. Chegou em casa sem fôlego e gritava para que eu pudesse ir ver o céu. Cate, era a mesma coisa que nós admiramos...eu tive a sensação de reviver a nossa história, a mesma história que vivemos no bosque.

- E desde então ela passou a ter sonhos estranhos com esse homem?!

- Sim, desde esse dia ela mudou muito. Ela tem uma audição e visão mais apurada que a nossa, tem uma inteligência fora do comum para uma garotinha, consegue resolver os deveres de casa do irmão mais velho, bem como você era...ela é um retrato seu...

- Talvez isso explique o ódio da sua esposa por mim...

- E com você Gerald, acontece alguma coisa fora do comum? – perguntou Edward curioso.

- Não, tirando as visões que eu tive desse objeto eu nunca senti nada de anormal comigo, tão pouco tive sonhos com esse tal homem...

- Estranho, existe alguma coisa nessa história que não se encaixa... – indagou Edward. – e com sua esposa, ela tem alguma sensação ou experiência fora do normal?

- Não, Emma é muito cética, nunca acreditou nessas coisas, acha que minha filha herdou algum gene defeituoso da minha família e que todos nós somos loucos, esquizofrênicos... ela acredita que Willy tenha herdado e aflorado isso mais cedo.

-Nada se encaixa nessa história Edward. Porque esses seres, seja lá o que for, abduziram um garoto e aparentemente só mantém contato através dos sonhos com mulheres? E porque isso acontece comigo e não com Emma? Porque acontece com Willy e não com outra criança? O que temos de diferente? Será que a esposa do meu irmão tem razão quando diz que a família tem o gene da loucura?

- Não sou nenhum médico mas tenho certeza que a loucura não é hereditária Cate. Quer dizer então que todas as outras mulheres espalhadas no mundo que vivem o mesmo drama nascem de uma linhagem... psicótica? Não, isso faz sentido isso... – argumentou Edward com as mãos apoiadas no banco da frente.

- Esse papo está me deixando literalmente louco - respondeu meu irmão amassando a lata de cerveja com uma expressão confusa.

- Preciso passar mais tempo com ela, talvez ela saiba de coisas que eu ainda não vi...que eu ainda não sonhei...Gerald, volte para sua casa e não deixe que Emma saia de lá carregando seus filhos...

- Relaxe Cate, não é a primeira vez que ela faz esse tipo de ameaça, ela não tem para onde ir...

- Uma mulher quando está determinada a fazer alguma coisa ela faz, não tenha tanta confiança assim... – indaguei enquanto o fitava de maneira séria - pode nos deixar aqui mesmo, Edward vai me ajudar a carregar as malas para casa.

- Tudo bem, avise ao pai que a noite passarei por aqui para falar com ele e ver como vocês estão.

DEIXAMOS O carro e tiramos as malas do veículo. Caminhamos por alguns minutos em direção a fazenda em que eu cresci. No caminho tudo parecia muito igual, pouca coisa havia mudado na região. Ainda estavam as mesmas árvores frutíferas em volta das cercas de arame e em seu tronco havia os sinais do meu nome e dos meus irmãos que deixamos quando criança. O canto dos pássaros, o sopro do vento batendo em nosso rosto vagando por entre a calmaria que reinava naquele paraíso simplório. A porteira estava escancarada como era de costume deixar. Fechava somente quando o sol estava se escondendo. Ao atravessarmos a entrada eu pude ver ao longe um senhor em sua cadeira de balanço exposta na varanda lendo alguma notícia com a face oculta atrás do jornal. A notícia deveria ser algo bastante interessante por ele não desviar sua atenção em nenhum minuto enquanto Edward e eu tagarelávamos e riamos de algumas besteiras que eu contava sobre minha infância e caminhava rumo a casa.

Foi só quando cheguei na soleira da porta que ele abaixou o jornal e me olhou surpreso, como quem não esperava pela visita antes do natal.

O jornal foi bruscamente deixado de lado e nós dois nos encontramos em um intenso e fraterno abraço como há muito tempo não sentia.

Não tive como não chorar, reencontrar meu pai era reencontrar uma metade minha que eu levaria eternamente comigo por onde quer que eu fosse. Na falta da minha mãe ele foi a figura materna, foi o pai, foi o herói e escudeiro de todos os meus medos e pesadelos. Ainda que quase sempre ficava em uma postura rígida e de cara fechada, era em seu abraço que eu me encontrava e me sentia mais segura.

Enxuguei as lágrimas de emoção e apresentei o meu fiel escudeiro:

- Pai, este é Edward...meu...

- Namorado! – interveio ele estendo a mão para cumprimenta-lo – Prazer Senhor....?

- Philip – respondeu meu pai com um sorriso simpático estendendo a mão em resposta ao gesto. - vamos entrar, eu acabei de preparar um café agora mesmo, e por sorte tem um bolo que comprei na padaria quando fui à cidade.

- Não precisa se incomodar conosco papai, mas não dispensarei o seu café.

ENTRAMOS CHEIOS de prosas e coisas para contar. Cada pedacinho alí dentro fazia com que eu lembrasse de mim, de um eu não tão distante que vagava pela memória, pela saudade de tudo que me feriu e tudo que me fortaleceu.

Vaguei por cada cômodo, tocando cada móvel intacto pelo tempo sofrendo de uma gostosa nostalgia. Deixei por último o meu quarto. Abri a porta com cuidado, como uma mãe com mania de ver se o seu filho está dormindo. A porta rangia da mesma forma, e tudo estava lá: minha cama, bonecas, meu guarda-roupa e a janela que eu fugia durante a noite para ver o céu no bosque.

Sentei na beira do colchão e vaguei meus olhos por tudo enquanto minhas mãos arfavam o lençol estampado de flores coloridas. Edward me observava com um sorriso encostado na porta, e logo atrás veio meu pai esboçando uma felicidade maior em me ver novamente ali, em sua redoma de segurança.

- Parece que foi ontem Cate...parece que foi ontem que eu te vi aqui nessa cama sem conseguir dormir, sendo atormentada por pesadelos, por aquelas pessoas que invadiram nossa fazenda querendo qualquer informação sobre quem você era... – disse ele adentrando e sentando ao meu lado.

Esbocei um sorriso e toquei em sua mão dizendo:

- Engraçado, até hoje eu busquei uma resposta sobre quem eu sou, quem "eles" são...e não descobri absolutamente nada...

- Talvez isso seja a graça da vida, procurar por respostas e se dar conta que nem tudo está sobre o domínio humano, tão pouco sobre o poder das religiões, das sociedades querendo dominar a mente do homem como um escravo robotizado... a resposta está além de tudo que acreditamos e sabemos, está além do céu, das estrelas e todos os universos possíveis e improváveis...

Edward me olhou um tanto pensativo com tudo que meu pai falava. Confesso que fiquei admirada e arrepiada com suas palavras. Ele nunca foi de se expressar tão profundamente, falava sempre o necessário, estava mais para um poço de segredos, daquelas pessoas que levariam algumas coisas consigo para debaixo da terra, e agora parecia um sábio ou um "pseudo" filósofo que sabia mais do que eu poderia imaginar.

- Pai, o senhor é uma caixinha de surpresas... – respondi sorridente.

Ele respondeu ao meu gesto com outro sorriso e disse:

- Tenho coisas que há anos venho guardando comigo, mas acho que está na hora de ser repassado à vocês.

- Vocês? – perguntei curiosa.

- Sim, você e seus irmãos. Neste natal celebraremos uma verdade...uma verdade que mudará a vida de todos vocês...

"Verdade?!", pensei comigo, que outra verdade poderia haver por trás de toda a nossa história cheia incógnitas?

- Pai, estou ficando um pouco assustada com todo esse mistério. Ainda tem muitos dias para o natal...

- Tudo tem seu tempo Cate...tudo...

- Mas você não pode adiantar nada?

- Prefiro falar na presença dos seus irmãos, é um assunto que interessa a todos...

Eu bem que tentei o convencer para soltar uma palavra que fosse, mas ele ainda era o mesmo, um homem irredutível, que não voltava atrás das suas decisões, pelo menos da maioria delas, e não deixava se ludibriar por nenhum olhar brilhante de curiosidade, e o que restava era apenas esperar.

Antes que eu arrastasse as malas para o quarto resolvi dar uma geral. Deixei a janela aberta para o ambiente ficar mais arejado e passei uma vassoura para tirar a poeira debaixo da cama, seguido de um pano úmido que esfreguei por todo o cômodo com um produto que cheirava flores do campo. Por mais que o Sr. Philip tomasse conta da casa, as mulheres sempre eram mais detalhistas no quesito de organização e limpeza, ao menos a maioria era.

Estávamos tão cansados da viagem que mal deu tempo de levar Edward para conhecer os arredores da fazenda, o bonitão se estirou em minha cama e caiu em um belo sono profundo que eu invejava amargamente. Retirei um livro da minha bolsa e sentei na poltrona que tinha uma incrível vista para a janela que servia de moldura para a paisagem lá fora.

Enquanto eu me deliciava com o romance conseguia ouvir o canto harmonioso dos pássaros, e entre uma página e outra eu admirava o céu que se mesclava com a estrada de terra e algumas árvores ao longe do bosque sombrio. Era uma história pacata, daqueles amores melancólicos e exacerbados em que sempre acontece uma tragédia, algo impactante que muda todo o destino da personagem principal. Não que eu fosse fã do gênero, mas precisava fugir um pouco da física quântica e astronomia me propondo a cada artigo uma possibilidade de vida fora da Terra.

Diversas vezes senti vontade de abandonar aquelas páginas de uma história morna e dar um passeio nas redondezas que fizeram parte do meu passado, mesmo assim me contive, tentei evitar o desejo de ir até o bosque.

Arrumei um canto com muita dificuldade na cama de solteiro e me acomodei nos braços de Edward que roncava profundamente feito um trator no meio do campo.

Foi mais uma tentativa errônea em dormir como alguém normal, e logo eu estava sendo atormentada por ele, que causava a estranha paralisia do sono, terror noturno...ou seria uma abdução?

Relato do Sonho 06: Eu gritei o seu nome na relva e corri para onde você me guiava. Foi por um impulso, por um momento, mas eu sabia que deveria segui-lo, ainda que custasse toda minha vida, todas as minhas lembranças. Era um campo vasto de árvores e uma casa abandonada. O céu estava incrivelmente lindo, cravejado de estrelas que poderia desenhar todas as constelações possíveis e improváveis. Olhando lá de baixo conseguia desenha-las com a ponta dos meus dedos, como um jogo fútil de ligar os pontos e encontrar uma figura no espaço que pudesse preencher a dúvida de mentes inquietantes como a minha. De qual constelação você veio? Seria Andrômeda? De Sirrah, Mirach ou Almak? Do quadro perfeito de Pégaso? E por que deixava tão saliente as estrelas do cinturão de Órion em meu campo de visão? Estaria mostrando sua casa em Mintaka, Alnilam ou Alnitak? Seria você um amante de Artemis, colocado no céu pela culpa de arrancar sua vida com uma flecha? Você é Orion? Ei, você é Deus???

Gritei novamente pelo seu nome, tentei achar uma resposta naquele mapa estelar, e percebi que eu era uma pobre humana perdida na via –láctea. Caminhei por entre as árvores sempre na espreita, observando por qual porta ele entraria, e se alguma estrela brilharia mais forte no universo. Tentei bisbilhotar pela janela antes de pisar no lugar, mas era tudo muito escuro, iluminado por uma lamparina fraca que ficava sobre a mesa do que me parecia ser uma cozinha completamente suja, abandonada ao vento. Alguém já morou nessa casa, mas por algum motivo a deixou. Eu conhecia esse lugar, mas de onde? Tomei coragem e apressei meus passos para perto da residência mórbida. Por um instante escutei o barulho de uma porta se batendo e o vulto de alguém saindo às pressas, fazendo com que a lamparina despencasse da mesa e deixasse tudo em chamas. O fogo se alastrou rapidamente, queimou os móveis velhos e os livros empoeirados que ficavam ao fundo da sala, que eu quase não via pela vidraça imunda. Foi em um piscar de olhos e tudo estava sendo consumido pelas ferozes labaredas. A casa desmoronou-se em minha frente, e por trás das chamas gigantes eu só conseguia ver a imensidão do universo. Lembro que olhei para o céu, e a escuridão se dissipou com o sopro de um vento forte, tão forte que varreu as estrelas como se fossem grãos de areia, e a noite repentinamente virou dia. Surgiu então o sol...mas era mais que um sol...eram dois sóis, que incendiavam o azul do céu, como outrora eu havia visto...

Despertei daquela paralisia com as mãos de Edward apoiadas em meu ombro e sua voz suave que me chamava ao longe.

- Cate! Cate...acorde!!

Precisei respirar profundamente para voltar em minha perfeita consciência.

- E quem disse que eu durmo? – perguntei de maneira irônica me levantando da cama sentindo uma forte dor no pescoço e também com um peso grande na cabeça, provavelmente por ter ficado de mal jeito na cama tão estreita ou devido as minhas experiências de contato.

- Olha, seja lá o que você tenha visto ou onde tenha ido visitar eu espero que você tenha uma explicação para o que está acontecendo lá fora. – disse Edward estagnado ao lado da cama.

Lá fora? Pensei comigo em voz alta. Não faz nem duas horas que eu repousei meu corpo e já havia problemas? Pulei desesperada da cama e o enchi de perguntas em total desespero:

- O que está acontecendo lá fora? Aconteceu alguma coisa com meu pai? Com Gerald?

- Não, acalme-se! Não é nada com eles – respondeu o rastreador segurando fortemente em meus braços - venha até a janela, e veja com os seus próprios olhos...

Fitei-o com um olhar de desconfiança misturado ao medo. O que será que estava do outro lado da parede que o deixava tão aflito?

Caminhei vagarosamente até o peitoril da janela e me deparei com uma manifestação que eu nunca havia visto em toda minha vida, pelo menos em minha dimensão real.

- Então, você pode explicar onde estava enquanto supostamente "sonhava"? Eu lembro que você mencionou alguma coisa sobre isso... – perguntou Edward aproximando-se ao meu lado enquanto eu estava em total absorto com a paisagem que se emergia lá fora.

- Meu Deus, isto é...incrível...- respondi hipnotizada pelos astros no céu.

Haviam dois sóis que se camuflavam entre as poucas nuvens. Um era a nossa estrela, que brilhava irradiante. O outro ficava meio opaco, mesmo assim, era facilmente visível.

- Isso não pode estar acontecendo...a profecia...ela está se cumprindo... – disse com os olhos vidrados nos dois astros, sendo que um dos sóis parecia mais distante, e por isso tinha um brilho menor.

- Profecia? – perguntou Edward. – do que você está falando Cate?

Desviei minha atenção para seu semblante cheio de dúvidas e respondi:

- A profecia de Nêmesis, a estrela da morte...ela não é só uma teoria astrofísica, e eles sabem dela, inclusive me revelaram nos meus sonhos...

- Nêmesis? Estrela da Morte? Eles? O que tudo isso tem a ver com seus contatos Cate?

- Ainda é cedo para dizer qualquer coisa, mas "eles" ou "ele" seja lá quem ou quantos forem, querem me avisar sobre isso, e devem ter alguma ligação com a chegada do segundo sol.

- Espere, aquele astro que vejo no céu realmente é um segundo sol? Não pode ser uma miragem, um fenômeno atmosférico?

- Sim, pode. Na verdade esse é o tipo de pensamento ideal, o que o governo e todas suas extensões de poder querem que você acredite, você e mais de sete bilhões de pessoas. Eles querem que você olhe para o céu e enxergue dois astros reis, mas vão encontrar alguma forma de provar que os seus olhos estão lhe enganando, criando uma auto sabotagem. Vão vincular qualquer explicação de cunho científico para aquilo ficar esquecido. Miragem, eventos atmosféricos raros...qualquer coisa. Eles não querem dar ao homem a capacidade de questionar, de pensar e descobrir a verdade. A engenharia capitalista não pode parar, o homem é apenas um parafuso nessa engenhoca mortífera, uma engrenagem pequena, e tanto os parafusos como as engrenagens não pensam, apenas funcionam. As pessoas devem se preocupar com o trabalho, com a produção desenfreada, com as doenças que atingem seus filhos e entes queridos, onde estarão nos finais de semana, em planejar o futuro dos filhos e morrer. Eles querem exatamente isso...uma vida limitada. Se o homem começar a pensar e questionar as coisas que cercam o mundo e os seus mistérios destruirá a imensa engenhosidade moderna, que ironicamente o moderno é não pensar, não questionar, é apenas seguir...aceitar, sem saber ao certo o que. E essa máquina não pode parar...

Edward me olhou um pouco assustado e voltou a admirar o céu com desconfiança. Eu aproximei-me e toquei meus dedos em sua cabeça dizendo:

- Isso que você tem aqui dentro foi feito para pensar, questionar e rever o mundo, mas o mundo usa apenas para obedecer, e é isso que acontece. Todos nós somos partes de uma engenhosidade humana, eu diria até que perfeita. Não sabemos de fato quem e como nos criou, tão pouco o objetivo de existirmos, mas para nossa sociedade somos descartáveis, usados e jogados fora quando não tiver mais utilidade. Ninguém se dá conta que o maior poder do homem não está apenas na sua força física, mas escondido bem aqui dentro, na capacidade de pensar e questionar o universo. – indaguei apontando para a cabeça.

- Bem, faz sentido, da mesma forma que eles tratam os casos de abdução e contatos como algo irônico, devem fazer isso com mais coisas... mas será que você poderia me explicar sobre essa tal profecia? Eu estou bastante confuso.

- Explicarei, mas antes preciso registrar esse fenômeno, mesmo sabendo que outras pessoas ao redor do planeta passarão por experiências como essa com mais frequência, o mundo será uma prova viva do que está por vir.

Procurei meu celular dentro da bolsa e acionei a câmera. Eu estava diante de um marco na história da humanidade, um evento milenar que estava prestes a acontecer novamente. As coisas começavam a fazer mais sentido agora. Os sonhos, a abdução de Peter, os dois astros...aos poucos as peças do meu quebra-cabeça começavam a se formar, mas eu sabia que haviam outras peças perdidas, e que precisavam serem encontradas.

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