CAPÍTULO 10

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Que tipo de roupa você leva em uma fuga? O que é necessário na bagagem de quem está prestes a descobrir o que há entre as estrelas? Talvez um telescópio faria mais sentido do que levar junto um par de tênis imundo, afinal, não dá para correr lá no céu, mas eu ainda tinha uma estrada longa e concreta para percorrer com esses pés que já me levaram para tão longe e nunca parecia chegar perto da verdade. O vidro escancarado, braço apoiado para fora sentido a brisa do vento em alta velocidade, rádio ligado tocando Sons of the east (Hold On) e os cabelos soltos sendo jogados de um lado para o outro em uma coreografia nunca ensaiada. Os pensamentos se dissipavam em uma mistura sem nexo conforme percorríamos pela rodovia um tanto movimentada, divididos entre dois carros como havíamos combinado. O tempo ao nosso redor parecia ficar escuro. Nuvens cinzentas e carregadas se formavam ao longe e isso não parecia nada bom.

A primeira parada foi em um posto de conveniência, cerca de trezentos quilômetros de Amarillo. Saímos de maneira tão sorrateira que mal tivemos tempo de nos alimentar direito, e só aquelas barrinhas de cereais que estavam dentro da mochila não iria sustentar ninguém por tanto tempo.

O posto não parecia muito movimentado pelo lado de fora. Havia apenas cerca de três carros estacionados sendo que um deles já estava se retirando. Ao entrar no lugar nos deparamos com um ambiente rústico e um povo curioso. As paredes eram construídas em alvenaria e o assoalho era feito de taco de madeira muito bem encerado. Haviam quadros antigos e até a cabeça de um alce pendurada bem na entrada. Certamente foi um troféu de uma caçada vitoriosa e de uma lástima para a mãe natureza. Tinha também uma "junkie box" bem no canto da lanchonete que tocava uma coletânea da incrível Nancy Sinatra. Naquele instante éramos recepcionados pela faixa: These Boots Are Made for Walking. Atrás do balcão engordurado ficava um senhor careca com a barba imensa quase ocultando sua face um tanto ranzinza e mal humorada. Seus olhos eram claros e os braços completamente tatuados. Vestia um avental imundo que mais me lembrava um açougueiro do que um garçom simpático que costumávamos encontrar em Seattle. Bem que o meu pai sempre dizia, nada como a casa da gente, e eu sentia tanto a falta da minha. Ele ficava de um lado para o outro com seus braços compridos limpando o resto de comida e outros tipos de sujeira que os viajantes costumavam deixar por lá com pressa de ir embora.

- O que vão querer? – perguntou o careca sem muita simpatia enquanto nos aproximávamos da mesa.

- Um cardápio seria um bom começo. – respondi com um sorriso.

- Vocês estão achando que isso aqui é Nova York? O prato de hoje é ovo com bacon e a segunda opção é um hambúrguer que sobrou de ontem.

- Só uma dúvida senhor. – disse meu irmão mais novo se aproximando – o ovo e o bacon pelo menos são de hoje?

- Vão querer comer ou vão ficar de conversinha comigo bancando a vigilância sanitária? – perguntou ele de maneira nada simpática.

Nos entreolhamos nada contentes com aquele homem. Acho que o excesso de sua simpatia e o cardápio variado explicava o fato daquilo estar tão vazio.

- Quer saber? Perdemos a fome! Mesmo assim obrigado por sua gentileza. De tudo que tem aqui dentro a única coisa que salva é a voz da Nancy Sinatra. Pelo menos um bom gosto musical você tem. Passar bem meu caro senhor. – disse enquanto puxava toda a caravana de volta aos carros sem olhar para trás.

Gerald, Emma e seus filhos entraram no carro. Eu fiquei debruçada na janela do lado de fora discutindo se encontraríamos alguma coisa decente mais à frente, mas como meu próprio sobrinho interveio: qualquer coisa era melhor do que aquilo.

Além do Céu (Volume 2) Projeto DeusWhere stories live. Discover now