Freen Narrando
Uma tarde quente de verão. O sol brilhava forte e alto, refletindo na água cristalizada do mar. A água está convidativa, sento-me na pedra e mergulho os meus pés na mesma, suspiro de prazer, está morninha. Fico um tempo aqui, sem pensar em nada, apenas saboreando o momento quando a água fica extremamente gelada adquirindo um azulado escuro, fazendo-me estremecer. Algo na água me chama atenção e a vejo, o seu corpo pálido sem vida boiando, as ondas a trazendo para mim. Agito-me e tento alcança-la com o braço estendido e a mão batendo na água, querendo a trazer para mim. O desespero e a angustia me invade pela demora quando o que eu mais quero é tirá-la de dentro da água tão fria até que os meus dedos tocam a sua pele gélida e sem vida, grito a chamando, tentando fazê-la se acordar, porém, isso não acontecia... As ondas a traziam e a levavam para longe de mim em um vai e vem agonizante.
Quero tirá-la da água! Ela precisa se aquecer!
As lágrimas escorrem dos meus olhos e pisco várias vezes tentando limpá-las, perco-a de vista. Levanto-me rapidamente e olho em volta, gritando o seu nome, até que a vejo novamente... O seu corpo de repente em decomposição sendo devorado por vários peixes.
- Não! - grito. - Soltem-na! Não faça isso com ela!
Eles não param, os seus dentes afiados mordem mais o corpo dela, deixando-me nauseada com a imagem horrível que sou obrigada a presenciar. Continuo a gritar, ordenando em vão... Mas, algo acontece... Os lábios dela se curvam em um sorriso malvado, enquanto, os seus olhos castanhos opacos se abrem e me encaram com tanto deboche que me deixa sufocada.
- A culpa é sua! - Rebecca acusa com a voz impiedosa.
Caio de joelhos, aos prantos.
- Não! Não é a minha culpa. Por favor, livre-me desse peso. Eu não aguento mais. - imploro com dor.
- Contemple a minha morte, Freen... Por que a culpa é sua... Apenas sua...
- Não! - grito muito alto, sentando-me desesperadamente na cama. O meu corpo está banhado de suor e minha cabeça dói muito. Sinto os meus músculos tensos e os batimentos cardíacos elevados, enquanto, a angustia me faz derramar algumas lágrimas.
Mais um pesadelo.
Não consigo me livrar deles, e muito menos do peso no meu peito que comprime o meu coração. A culpa e o remorso me abatem. Doze anos no mesmo pesadelo que me consome e me faz relembrar a morte de Rebecca. Morte que ela faz questão de me visitar todas as noites enquanto durmo para me condenar, como se eu não me martirizasse o suficiente quando estou acordada.
Deus. Eu não consigo ter nenhuma paz em minha vida. Desde que Rebecca se foi, tudo perdeu o sentido, a vida se transformou em um borrão em preto e branco que mesmo que eu tentasse mascarar com muito álcool, drogas e mulheres, nada era capaz de me proporcionar prazer ou felicidade. Sensações momentâneas chegavam rápidos. Mas da mesma maneira que chegavam, partiam, deixando-me no alento, nesse frio que corrompe os meus ossos e a minha alma.
Não tem um dia em que não me arrependa por ter causado tanta dor e o fim de Rebecca. Durante os dozes anos, todos os dias, ao abrir os olhos desejava que Rebecca estivesse viva. Necessitava ver o seu sorriso e sentir o seu doce perfume de morangos... E eu quis que a vida fosse como um conto de fada ou de magia que a qualquer momento pudesse encontrar uma lâmpada mágica ou uma máquina do tempo para voltar atrás e fazer tudo diferente, deixaria a Rebecca bem longe de minha maldade.
Se eu não tivesse surgido em seu caminho, ela estaria viva, provavelmente formada por Harvard e casada com alguém que a valorizasse e a amasse da forma que ela era. Se eu não tivesse cruzado o caminho de Rebecca, ela teria tido a oportunidade de viver. Ela teria tido a oportunidade de ser feliz.
Mas não, eu a destruir e esse peso na consciência sempre vou carregar até o último dia da minha vida.
O corpo de Rebecca nunca fora encontrado. Depois que ela pulara da colina, voltei correndo para a sua casa a procura de um telefone e fiz a ligação para emergência. Não me identifiquei, até nisso fui covarde. A polícia, a marinha e os bombeiros a procuraram... O seu suicídio ficara estampada em todos os jornais e nos noticiários. A cidade se sensibilizou, com exceção de Alison que não parava de rir com a desgraça de Rebecca. Mesmo indo embora de Seattle para Nova York, busquei por vários dias notícias de Rebecca, porém, o inevitável aconteceu quando encerram as buscas.
Rebecca nunca tivera um enterro. O seu corpo nunca descansou em paz. E a culpa era minha. E isso não tem perdão. Nada que eu fiz tem... Sou indigna de me manter viva e ter a vida que tenho.
Cada vez que respiro sinto-me mais culpada por ter roubado a vitalidade de Rebecca. Não existia fim para essa angustia que sinto... Não existe nenhum remédio que passe a dor constante de cabeça que sinto pela culpa... Não a nada nem ninguém que me proporcione bem-estar, porque estou morta por dentro, vazia, oca...
Sou um monstro.
- Finalmente acordou. - uma voz fina disse, fazendo-me a olhar. - Estava me perguntando quando faria isso. Já passam das vintes horas.
Alison resmungava escovando os seus cabelos longos que paravam nos quadris. Estavam mais claros que antigamente, mas sempre sedosos e extremamente lisos. Ela tinha mudado, o seu corpo tinha reforçado através de cirurgias plásticas. Era adepta ao silicone, os seus seios fartos, sua bun*da empinada e as panturrilhas definidas era por conta das próteses. Ela também fazia muita lipoaspiração, usava botox no rosto e preenchimento labial. Apesar de sua aparência plastificada, continuava bonita. As plásticas ainda estavam a favorecendo, apesar de ser exagerado para uma mulher de trinta anos.
- Vai querer controlar até o horário que acordo? - pergunto mal humorada, afasto as cobertas e me levanto.
Ela se vira para mim, me olhando, os seus olhos tem um tom entristecido. Não éramos felizes. Nunca seremos felizes. O nosso relacionamento é apenas aparência. Nunca me apaixonei por ela nesses anos, e é algo que nunca vai acontecer, o meu coração pertencia a Rebecca que mesmo morta o tinha por inteiro. Alison sabia disso, mas ela se contentava com as poucas migalhas.
Era isso que ela queria desde o primeiro momento, não?
- Como se eu pudesse a controlar. - ela responde aborrecida. - Você sempre faz o que bem quer. Sai a hora que quer, chega a hora que quer, dorme até a hora que quer... Gasta o quanto quer. -pega uma torre de papéis em cima da penteadeira e joga nos meus pés. - Você tem noção de quanto gastou esse mês?
Olho para a pilha de papéis que esparram em meus pés, cutuco alguns com a ponta do pé. O valor dos gastos é completamente ignorado por mim. Sei que tenho gastado mais do que o habitual em cassinos, mas é algo que realmente gosto.
- Não e não me interessa. - caminho até a mesinha e me sirvo de uma dose de conhaque, viro de vez, o meu estômago recebe o liquido quente de mau grado e sinto o choque de ter algo pesado dentro de mim, mesmo em jejum.
- Claro que você não se interessa, não é você que tem que pagar nada! - ela se levanta, irritada, vestia-se com esmero, roupas exclusivas, como sempre. Seu rosto estava bem maquiado. - As únicas coisas que você preza nessa vida é gastar dinheiro e encher a cara!
- Que eu me lembre, você também não paga nada. - retruco, devolvendo o copo sujo para a mesinha. - Gasto o dinheiro que é meu por direito. Você não me comprou para isso? Você me prometeu uma vida regada de tudo que eu quisesse, pois bem, é isso que eu quero... Torrar dinheiro e beber á vontade sem ter você ou ninguém no meu pé. Se você acha que não pode mais me bancar, avise-me que procuro outra que possa fazer! - termino ríspida, sem me importar em magoá-la ou não.
Alison empalideceu. Ela tentou por muitos anos fazer com que eu me apaixonasse por ela. Levou-me para conhecer o mundo, presenteou-me com os melhores carros e motos, com roupas e joias, porém, quanto mais ela me pagava para compartilhar uma vida com ela, mais eu a odiava e a odeio. O meu ódio por ela é palpável. Eu tenho culpa da morte de Rebecca, mas a Alison também tem a sua parcela de culpa e eu nunca vou perdoá-la por ter contribuído para o fim tão abrupto de Rebecca.
- Desculpe-me. - ela disse ao se aproximar, tentou me tocar, mas eu me desvencilhei. Ela desistiu de me tocar. - Mas as coisas estão tão esquisitas aqui em casa... Papai está estranho demais, está exigente e indiferente, não quer mais custear os nossos gastos.
Desde que voltamos para Seattle que o Klaus estava estranho. Parecia cada vez mais desapontado com a Serena, a Alison e consequentemente comigo. Só que ele não dizia nada a mim, ao contrário do que dizia para a Serena e sua filha. A família Dilaurentis era uma farsa e eu, faço parte do teatro.
Eu poderia muito bem trabalhar. Formei-me com uma das melhores notas da sala, minha residência foi muito boa, fiz especialização em Nefrologia. Tive boas recomendações dos médicos, o próprio Klaus me ofereceu para trabalhar em um dos hospitais da família, porém, porque eu iria suar as mangas se posso ter tudo sem fazer nada?
- Se o seu pai não quer mais nos bancar, use a sua conta pessoal. - comento friamente. - Eu não quero e não vou me privar, Alison. Você comprou a mercadoria, agora mova o céu e a terra para ela se manter ao seu lado.
O rosto de Alison se contrai e o seu rosto fica avermelhado de raiva. Apesar disso, enxergo também a mágoa. Ela merece isso e muito pior.
- Por favor, arrume-se. E venha jantar conosco... - ela me pede com a voz baixa.
Passo por ela até o banheiro, retiro a minha camisola olhando o meu reflexo no espelho... Quem me olhasse, diria que o tempo foi bom comigo... O meu corpo tinha evoluído mais, saído da adolescência para maturidade. Os meus cabelos não eram mais avermelhados, e sim, castanhos claros, o meu rosto se mantinha jovial... O que me entrega são os meus olhos... Dolorosos, como se a minha alma carregasse o peso do mundo.
E ela realmente carrega.
Encho a banheira e adentro-me na mesma, com a água fria para terminar de me despertar.
Eu só queria voltar no tempo...
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Voltar no tempo ngm pode Freen!!!