Saint Luna, 17 de agosto de 2021
Terça-feira - 06:17 P.M.
Vejo Dener e Kaylee se aproximarem do estacionamento, onde Vincent, Maya, Lexie e eu esperávamos.
Já estava escuro e a maioria dos alunos e professores já haviam deixado a escola. Lexie mexe incansavelmente no celular enquanto Dener e Kaylee chegam à nós.
— O que aconteceu? — Kaylee pergunta preocupada.
— Um padeiro chamado Alfred, desapareceu há quase dois dias. Achamos que pode ser o homem da visão do Dener. — Respondo, encostada no fusca, é claro.
— Como podem achar ser ele? Não há outras pessoas que desapareçam em Saint Luna? — Ela retruca.
— Na verdade, é bem difícil alguém aqui desaparecer. Os casos são baixíssimos, normalmente são adolescentes chateados que fogem de casa, ou idosos que se perdem à caminho do supermercado, mas não... no meio do expediente de trabalho. — Lexie responde, fazendo Kaylee olhá-la com pouco gosto.
— Certo. Vincent, achou algum hospital abandonado?
— Sim. O Hospital Central de Saint Luna, que foi demolido há trinta anos. Era o principal hospital da cidade antes de abrirem um maior perto da praia. Abrigou diversos casos, inclusive, minha tia avó Beth trabalhou lá. — Vincent explica, virando a tela no computador que estava apoiado em cima do fusca, para Kaylee.
Me aproximo e vejo imagens antigas do hospital, manchetes de notícias sobre o fechamento de ofertas, entrevistas com o prefeito da época, e outros casos. Também vejo uma foto recente, do hospital às ruínas, com manchas escuras por todo o corpo branco com a tinta soltando. Janelas e portas de entrada estavam quebradas, e ao redor cresciam muitas plantas e arbustos.
— Então, vocês querem ir lá? — Kaylee pergunta apreensiva, e o silêncio de todos lhe dá a resposta. — Isso é loucura.
— Pense, Kaylee. Se chegarmos à tempo podemos impedir outra morte. Podemos impedir que o segundo ciclo do heptagrama se cumpra. — Falo, mas Kaylee continua negando.
— Não é lá como se Alfred fosse fazer muita diferença. Já ouvi boatos de que Alfred aliciava crianças, mas nunca soube de nenhum caso de abuso. — Dener se põe a falar, causando certo choque em todos nós.
— O quê? Não! — Vincent defende. — Lembro que Alfred era bastante gentil. Nos dava donuts de graça na saída da escola no ensino fundamental.
— Ele era gentil com os meninos, Vincent. Com as meninas ele era gentil demais. Eu sei, eu já trabalhei com ele por uns meses no ano passado. — Lexie solta, mas prefiro não expressar muita opinião. Não conhecia Alfred.
— Um nazista e um pedófilo. Ambos conhecidos da Lexie, que estranho. — Maya diz com certo deboche e solta uma risada nervosa. — Temos um padrão.
— Está insinuando que eu tenho algo a ver com as mortes? — Lexie se defende revoltada. — Eu não tenho culpa de conhecê-los, eu nem sequer sei sobre magia e poderes. Meu pai é o delegado, como eu mataria duas pessoas sem ele saber?
— A não ser que ele esteja te encobrindo... — Kaylee comenta, e Lexie fica furiosa. — Quem desconfiaria da filha do delegado sem poderes, mas que usa um colar de proteção à magia?
— Quem me deu esse colar foi o meu pai! E qual o problema se vocês também usam?
— Somos filhos de bruxas. — Respondo como se fosse óbvio, me obrigando a tomar o partido de um dos lados. — Não estamos dizendo que foi você, Lexie, mas aparentemente os dois casos tem ligação com você.
— Eu não era tão próxima do Jeremy, ele era meu colega de banda e eu só fui saber do vídeo há algumas semanas. Alfred nunca foi desrespeitoso comigo, mas isso não significa que não tenha sido com outras crianças. Que justificativa eu teria para matá-los? — Lexie olha a cada um de nós esperando uma resposta. — Vocês pediram a minha ajuda. Eu estou tentando ajudar vocês!
— Tudo bem. — Vincent diz olhando para Lexie. — Maya, Dener, Claire e Kaylee vão ao hospital procurar Alfred, o corpo, o altar ou seja lá o que for. Você fica aqui comigo monitorando e guiando-os através do drone que vou enviar junto.
Lexie olha pensativa para Vincent por um segundo. Kaylee e eu nos olhamos como quem dissesse "bela desculpa para ficar à sós com ela sem ela tentar xingá-lo". Maya, por outro lado, cruza os braços, fecha a cara e se afasta. Dener tentava pegar um vagalume que nos rodeava.
Vincent coloca uma espécie de comunicador na nossa roupa, e ao parar para colocar na de Maya, ela pega o comunicador da sua mão e coloca por contra própria.
— Acho melhor você tirar o salto e colocar algo que fique mais confortável caso precise correr. — Vincent diz olhando-a, mas Maya o olha como se fosse matá-lo.
— Você não tem que achar nada. Sei muito bem andar, correr e nadar de salto alto. — Ela responde, com certa dificuldade para prender o comunicador na própria roupa.
— Se você diz. — Vincent segura a mão de Maya, toma o comunicador de volta e prende na roupa da garota com facilidade. Maya o olha agradecida, mas sem dizer verbalmente.
— Não vamos levar nenhuma arma, nada? — Kaylee pergunta preocupada. — Maya não sabe usar a telecinese direito, Dener só tem visão e vai ficar chorando, Claire e eu não temos nada. Não é um time muito confiante.
— Eu tenho um canivete, um spray de pimenta, um aparelho de choque para defesa... — Lexie checa a própria mochila, colocando as armas em cima do fusca.
— Se encontrarmos uma bruxa, feiticeira, ou bruxo lá... a gente vai virar churrasquinho! — Dener diz, se aproximando de nós. — Vincent, sua mãe não tem um depósito de armas?
— Sim. — Vincent responde, só então se dando conta e abrindo um largo sorriso. — Acho que ela não vai ligar se pegarmos algumas coisas emprestadas.
Sem mais debates, Vincent, Lexie e Dener vão no fusca e Maya, Kaylee e eu fomos no Porsche. Chegamos na casa de Vincent, e ao descermos as escadas, damos de cara não com o porão, mas com uma sala trancada. Vincent puxa uma chave do bolso e logo o arsenal é aberto, revelando várias armas de fogo e armas brancas, munição, flechas e outros. O espanto era presente no rosto de todos nós, que nos aproximamos das paredes iluminadas apenas por uma fraca luz amarela.
Kaylee observa atentamente as armas longas e afiadas, como espadas e katanas. Eu, particularmente, não sou muito a fim de usar armas, mas por pura precaução, pego uma faca karambit dourada e guardo nas minhas coisas. Observo alguns objetos mágicos que se transformavam em armas, assim como o bracelete de Adrian se transformava em um bastão. Além da faca, apanho três esferas pequenas que pareciam cerejas, mas na verdade eram explosivos de alta potência.
— Eu vou levar a espada, três adagas, nove explosivos, uma katanas, um arco com flecha, uma besta.... — Maya vai falando, pegando item por item, mas Vincent tira cada um da sua mão.
— Calma lá, vamos com calma! — Ele avisa, colocando tudo no lugar.
— Ai minha Deusa! — Maya faz uma expressão de chocada e logo abre um sorriso. — Perfume tóxico! Brincos que viram foices! Um cinto que se transforma em chicote igual da Izzy do Shadowhunters! Um batom que vira adaga! Eu quero tudo!
— Acho que não vou me dar bem com nenhuma arma. Não sei atirar, minha mira é péssima, nem a bola eu consigo acertar na rede no lacrosse! — Denis diz desanimado e Vincent se aproxima dele, segurando um baú com alguns detalhes em dourado e o símbolo da lua tríplice no topo.
— Lentes de detecção. Você vai detectar magia em um raio de trinta metros, vai saber a natureza da magia, de onde veio, e também vai ter imunidade contra ilusões óticas. — Vincent tira um óculos do baú e entrega a Dener, que sorri e coloca o objeto no rosto. — Pense que isso vai ser igual ao RPG de mesa que jogávamos. Investigação, luta, você é o ranger, o patrulheiro da natureza e caçador de monstros. Guie as meninas e as projeta bravamente!
Dener levanta seu olhar em um gesto de orgulho. Quase pude notar uma lágrima escorrendo nos seus olhos, mas acho que foi só impressão.
— Eu quero um arco e flecha.
Vincent rapidamente pega o arco mais simples de madeira, uma bolsa de flechas e entrega à Dener, que coloca o arco nas costas.
— Preciso de tinta também.
Vincent procura uma gaveta e encontra graxa, mas Dener apenas dá de ombros e faz uma linha diagonal no rosto, como um guerreiro, um soldado.
— Todos prontos? — Questiono, vendo Maya colocar os equipamentos mágicos de beleza na sua bolsinha da Prada.
— Vou ficar só com a pistola mesmo e uma adaga. A munição é tanto humana quanto contra seres sobrenaturais. — Kaylee coloca a pistola na cintura. — Vamos.
No Porsche de Kaylee, nós quatro seguimos estrada anoite. Vejo pelo retrovisor Vincent e Lexie nos olhando até sumirmos na névoa escura. Espero que esses dois não se matem e nem que Lexie o trate mal no meio de uma missão.
Cerca de quarenta minutos depois, estávamos em uma área um pouco isolada na cidade, pouco a frente à floresta Sweet. Kaylee desce do carro e nós descemos logo depois.
— Lanternas. — Kaylee pede, e logo cada um de nós acendemos uma lanterna que trouxemos do arsenal.
A estrutura estava bastante escura e abandonada, e eu jurava poder ver as árvores se mexerem bem mais do que o normal. Engulo o seco e os sigo, sendo bastante atenta aos detalhes. A porta principal de entrada estava fechada e parecia bastante enferrujada. Dener tenta abrir, mas não consegue, e se afasta. Kaylee dá um chute bem forte que faz poeira voar para todo o canto, mas mesmo assim a estrutura residente de madeira nem se mexe.
— Por acaso ninguém aqui trouxe um machado né? — Dener pergunta, já sabendo a resposta.
— E se a gente explodisse? — Maya sugere, mas todos negamos imediatamente.
— Nem pensar, faria muito barulho! — Respondo. — Vamos entrar pela porta de emergência.
Os três concordam e logo seguimos para a porta de emergência, que ficava na lateral do hospital. Como ela estava mais fácil de abrir, apenas um empurrão e já estávamos lá dentro. Tento ignorar aquele cheiro úmido e de mofo, e Denis começa a espirrar.
— Está vendo alguma coisa? — Pergunto, e Dener olha ao redor.
— Aqui não. Mas acho que tem alguma coisa no terraço, não consigo identificar. São muitas paredes até lá em cima, acho que está dando interferência de ondas eletromagnéticas. — Dener diz olhando para o alto.
— O bunker, lugar historicamente carregado de energias negativas. Um hospital abandonado, onde já ocorreu todo tipo de emergência possível, pessoas chegando acidentadas, assassinadas, doentes. Outro lugar carregado do mal... — Kaylee começa a falar sozinha, encarando o chão. — Tudo perfeitamente conectado.
— Vamos lá para cima, acabar de vez com isso e resgatar Alfred com vida. — Concluo, começando a seguir até a escada.
— Por mim ele morria. Ninguém sente falta de pedófilo. — Maya diz fazendo cara de nojo ao passar por uma lama de lodo, formada por uma goteira que caía do teto.
— Daora, esse lugar parece o cenário de The Last of Us! — Dener diz empolgado, começando a subir a escada também.
— Por mim ele morreria também, mas não em um sacrifício de sangue. — Kaylee concorda, sendo a última a nos seguir.
Um som alto nos assusta, e logo o chão começa a tremer como se algo MUITO pesado estivesse andando sobre ele. Uma criatura de três metros, formada de sombras negras e com os olhos repletos de escuridão, ruge para nós com dentes extremamente aliados.
— É uma distração! Sabem que estamos aqui e não querem nos deixar chegar ao terraço! — Concluo, pois era o óbvio. Era uma armadilha que caímos direitinho.
— Santa Deusa, é o Bilau! — Maya grita, então todos nós fazemos o que dá por impulso: corremos.
Kaylee pega a pistola e atira no monstro, que grita de dor e avança sobre ela. Minha faquinha não ia adiantar muito, então apanho uma das bombas, destravo e jogo na direção da criatura. Em dez segundos, a bomba explode e a névoa ao nosso redor começa a ficar mais densa.
— Droga, quem é Bilau? Não importa, essa é a mãe! Tem mais dezenas de menores vindo! São muitos! — Dener diz gritando, olhando ao redor e vendo provavelmente o que ainda não conseguimos enxergar.
— Corram! — Grito, e acabo vendo que cometemos um erro típico em filme de terror adolescente.
Corremos para direções diferentes.
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E no fim, todos podem acabar mortos da forma mais tosca possível.