Depois da Meia-Noite (Bubblin...

By TersyGabrielle

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Marceline e Bonnibel foram um casal durante o ensino médio. E como todo casal adolescente, estavam certas de... More

Prólogo
Capítulo 1 - Tudo ou Nada
Capítulo 2 - O Baixo e o Sangue
Capítulo 3 - Os Motivos Pelos Quais Eu Deveria Odiar Você
Capítulo 4 - O Céu Nos Olhos Dela
Capítulo 5 - Canela
Capítulo 6 - Espaços Vazios
Capítulo 7 - Deixe Para Lá
Capítulo 8 - Quando Agosto Acabar
Capítulo 9 - Bonnibel, A Sensível
Capítulo 10 - Uma Garota Não Tão Boa
Capítulo 11 - Andrea
Capítulo 12 - O Começo do Fim
Capítulo 13 - O Lugar Que Você Deixou Vazio
Capítulo 14 - Depois Dela, É Minha Vez
Capítulo 15 - O Horizonte Tenta, Mas Não Se Compara
Capítulo 16 - Rosas Pretas e Cor-de-rosa
Capítulo 17 - Um Vislumbre de Nós
Capítulo 18 - Sangue & Lágrimas Azuis
Capítulo 19 - Cartão Postal
Capítulo 20 - Um Passo Atrás
Capítulo 21 - Papai, Cadê Sua Dignidade?
Epílogo
Notas Finais e Agradecimentos.

Capítulo 22 - Chuva a Meia-Noite

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By TersyGabrielle

Sei lá. As vezes, uma partezinha de mim só queria experimentar as coisas que escrevo. As vezes, acho que escrevo fantasias demais.

Olá, meus amores!! Espero que estejam todos bem.

E espero que gostem desse capítulo tanto quanto eu gosto dele sksksksksk

Sem mais delongas, vamos à ele.

Boa leitura!
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Faixa 11 - # % & ? ! 

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Faltavam zero segundos. Ela tinha o álbum nas mãos naquele momento. Naquele disco de vinil, que trazia o ar exato de coisa antiga, nostalgia agradável. Depois de tantos meses, ali estavam todas as coisas que Marceline não sabia dizer.

Com as mãos ainda trêmulas, Bonninel o repousou sobre a mesa e voltou a segurar a carta, abrindo o envelope com cuidado. Já tinha um misto esquisito de lágrimas e riso no rosto ao ler seu conteúdo.

Minha doce Bonnibel,

No momento em que você se sentou, tão desconfortável, na cadeira do meu escritório pela primeira vez, eu me consolei com o fato de que aquele manuscrito estaria pronto antes do lançamento desse álbum, então eu nunca precisaria lidar com sua reação a ele.

Depois que visitamos a mamãe, comecei a perder esse consolo. Por mais que uma parte de mim ainda quisesse se convencer de que te odiava, quisesse acreditar que tudo seria mais fácil uma vez que você fosse embora; uma outra estava começando a aceitar que queria que você ouvisse as coisas que eram sobre você. E queria estar lá para ver, de alguma forma. E eu tive medo de que você fosse embora, e eu ficasse sozinha com minhas palavras sem destinatário. 

Fiquei desesperada, nostálgica e sentimental, e comecei a escrever e gravar músicas que não cabiam no álbum que eu estava criando antes. Blood, Tears & Blue Roses não era sobre você, era sobre mim. Era sobre perda e sobre descaso, era sobre abandono e solidão. Mas a quem eu queria enganar?

Eu já estou pouco me fodendo para o meu pai e eu nunca senti descaso, abandono ou solidão vindos de mamãe. Há a perda, mas não era bem isso que estava doendo.

Essas coisas só doem quando vem de você. 

E então virou Black & Pink Midnights. Um álbum sobre você. Sobre as nossas meias-noites pretas e cor-de-rosa, sobre tudo que acontece depois da meia noite. Bem, ainda tem algumas poucas coisas que não são diretamente para você, mas ainda são sobre você.  

No final, acho que fico menos apavorada não estando no mesmo ambiente quando você reagir a isso pela primeira vez. Na verdade, eu preciso da sua reação para uma em específico, mas ela precisa do contexto. Há um card com todas as letras no envelope. 

Divirta-se, eu acho?

(E, bem, eu jamais faria isso, mas a gravadora vai te processar se alguma coisa vazar, então tome MUITO cuidado.)

Vejo você amanhã. Depois da meia-noite.

Com todo o amor do mundo,

- Marceline 🥀

ps: Segue, no verso da folha, a ordem que eu quero que você escute. As músicas serão lançadas em ordem cronológica, mas quero que você ouça na em falamos dessas coisas enquanto escrevíamos o livro.

Bonnibel tocou a pequena flor que Marceline desenhara na assinatura, marcando o papel. E se sentiu bem por conseguir pegar o sinal, por não precisar da coisa dita explicitamente.

A flor que marcava o albúm Flowers for Vases/Descansos. O álbum surpresa e caseiro sobre o tipo de luto que ambas conheciam tão bem: o luto por tudo aquilo que morre em vida. O luto de quando o som da voz de alguém já não está mais na memória; o luto por arrastar um amor morto como um membro necrosado; de tentar reviver algo em pleno estado de assistolia; o gatilho desesperado toda vez que se ouve falar de amor.

O luto que não é melhor que qualquer outro, que te deixa esperando; que te faz manter alguém exatamente ali, no lugar onde já não cabem mais. O luto por voltar a ser ordinário, o luto de se perguntar como a pessoa deve estar, acima das colinas, onde se esconde de seus olhos. 

O luto de quem é só mais um amante, esperando ser reencontrado ali, onde pertence, ao lado de uma cruz na encruzilhada, marcando o túmulo de mais um amor mal enterrado. Mais um túmulo que alguém insiste em revirar. Porque não adianta, quando você simplesmente ama.

Em um desenho tão pequeno, Marceline conseguiu explicar o que Bonnibel iria fazer agora.

Hora de abrir o túmulo de uma vez.

Bonnibel andou até a pequena estante de sua sala e pegou o toca discos que guardava junto a sua coleção de vinis. Tirou o disco lentamente, admirando seu tom preto, manchado de rosa. Colocou-o lentamente em seu lugar, ligou o aparelho.

Pegou a agulha e, com um cuidado excessivo, a colocou sobre o disco.

A primeira faixa era Red Bass, Red Blood. Uma pequena introdução ao que estava por vir. Marceline havia se tornado a melhor sozinha, escrevendo em sangue a carreira que se estendia atrás dela. Mas tudo que viam era audácia de seu baixo vermelho.

A segunda a atingiu bem na boca do estômago. Sky In Her Eyes mexia com uma memória muito preciosa para ela, e a fazia perceber o quanto Marceline guardava o que ela dizia. Ela ainda lembrava de ser chamada de "a porra de um gênio", claro que lembrava.

E, naquele trecho final, sobre como ela havia levado o céu embora consigo, deixando Marceline apenas com um pedaço assustador do próprio escuro... Doeu, mas de um jeito diferente. 

Bem, ela estava ali para trazer o céu de volta.

A música seguinte era Empty Spaces. Aquela era mais para Ash, quase um pedido de desculpas por todos os anos perdidos enquanto ela procurava nele todas as coisas que ele não podia entregar.

Porque elas estavam em Bonnibel. Sempre e unicamente em Bonnibel.

When August Ends era do tipo que deixa um retrogosto amargo na boca. Ouvir Marceline cantar sobre a inocência daquelas primeiras três semanas, para terminar com um quase monólogo sobre o enterro de Andrea e a sua partida para Nova York, com aquela voz quebrada, o lamento que implorava para nunca mais ter de viver o mês de agosto. Era quase torturante.

Good Little Girl foi uma pausa de alívio. Havia sido mais incômodo a primeira vista, meses antes. Agora, conseguia se deleitar com a forma como Marceline incorporava o seu ego de forma quase debochada, com tamanha audácia que fazia com que a palma de sua mão coçasse um tantinho.

O alívio pouco durou, porque a música seguinte era Andrea. Uma carta aberta, sem refrão, um longa lista de confissões e um doloroso pedido de desculpas por todas as coisas que Marceline havia se recusado a viver depois que ela se foi. Os versos finais obrigaram Bonnibel a parar por um momento antes de prosseguir.

But, if that's any of good news
Mas, se é que isso são boas notícias
I think I have her back here
Acho que ela está de volta
You once said I had my future on my finger tips
Uma vez, você disse que eu tinha meu futuro na ponta dos meus dedos
I hope you got it right, mom, I hope you did
Eu espero que você tenha acertado, mãe, eu espero que sim

The Begining of The End era de uma tristeza muito singular. A doçura na voz dela ao falar sobre a noite de maio, sobre as galáxias nos olhos de Bonnie. E a forma que ia ficando melancólica ao compará-la outra vez com Vênus, até aceitar a natureza daquele primeiro beijo. Era ali que começava o trágico final.

After Her, My Turn não tinha menor intenção de ser engraçada, e ainda assim arrancou alguns risinhos de Bonnibel. Ela simplesmente não era capaz de compreender como Marceline poderia ter sequer considerado que Emilly poderia ter tomado seu lugar.

Ou qualquer outra mulher, para começo de conversa.

Roses Crown era outro soco. Usava as rosas de seu pedido duplo de namoro como metáfora. Mas não em buquês, e sim na forma de uma coroa de flores, com os espinhos fincados na cabeça de Marceline, o lembrete doloroso de que nada se compararia ao que ela teve naquele momento, o constante lembrete de tudo que ela quis tanto esquecer.

Blood, Tears, Blue fez Bonnibel revisitar aquele resquício de culpa que ainda guardava toda vez que lembrava do dia em que havia ido embora para Nova York. Deveria ter ido buscar Marceline mesmo que ela não atendesse o telefone, deveria ter invadido seu quarto pela janela e se recusado a sair até que Marceline tivesse lhe dado ao menos seu beijo de despedida. Talvez, as coisas tivessem sido diferentes.

Ou talvez elas já tivessem acontecido exatamente como deveriam acontecer.

Alguma coisa se acendeu dentro dela com One Step Back. O convite quase tímido para algo novo. O orgulho guardado no bolso, um passo em retrocesso antes de trilhar o que vinha adiante.

Recomeço.

Antes da letra da próxima musica, o card tinha um aviso em letras vermelhas e garrafais.

PARE O TOCA DISCOS. NÃO DEIXE TOCAR A ÚLTIMA FAIXA.

Levemente assustada, Bonnibel desligou o aparelho e levantou a agulha pouco antes dos últimos acordes do instrumental final de One Step Back. Foi só então que ela percebeu: a faixa final estava completamente riscada, inutilizada. Se não fosse o cuidado daquele aviso, provavelmente teria deixado a agulha se danificar naquelas ranhuras. Voltou a ler o card:

Faixa 11 - # % & ? !

Pedimos perdão pelo imprevisto! Não conseguiremos reproduzir essa música no momento. Para que possamos nos redimir, pedimos encarecidamente que nos agracie com sua presença na madrugada do dia 25/02/2023 para o lançamento oficial do single # % & ? !, na festa de lançamento do álbum Black & Pink Midnights. Teremos um espaço especial para você na melhor fileira!

ps: O primeiro esboço dessa música foi escrito antes mesmo que tivéssemos nos visto de novo naquela sala de reuniões. Não queria de forma alguma que o publico ouvisse, muito menos você. Mas agora eu quero.

Bonnibel se colocou a rir das pequenas bobagens de Marceline. Então era por isso que ela havia escolhido a estranha estratégia de anunciar o lançamento do single sem um nome, com apenas uma prévia de cinco segundos que não tinha letra e todo o mistério do mundo: essa era a música que ela precisava que Bonnibel escutasse, mais que todas as outras.

•~•~♪~•~•

Naquela noite, nada parecia fazer com que as palmas das mãos de Marceline parassem de suar.

Sua equipe de maquiagem e figurino andava a sua volta, em polvorosa. Sua maquiadora fez uma piadinha sobre não saber se haveria uma base matte resistente o suficiente para segurar a oleosidade que Marceline estava tendo na testa de tanto suar frio, mas ela mal conseguiu esboçar uma risada sem começar a tossir, engasgada no próprio nervosismo.

- Como está a grande estrela da noite? - perguntou Ash, entrando de fininho no camarim dela.

- Uma pilha de nervos - respondeu Angie, a figurinista, ajustando um último ponto da roupa ao corpo dela.

- Socorro - sussurou Marceline, em meio a um sorriso propositalmente forçado, fazendo Ash rir.

- Não sei por que está tão desesperada, essa operação foi toda ideia sua - disse Keila, entrando no ambiente um pouco atrás de Ash.

- Estou começando a achar que isso foi uma ideia um pouco idiota - respondeu ela, com uma risadinha nervosa, tentando se ajustar em meio as camadas e mais camadas de tecido.

A alguns tantos metros dali, Bonnibel, Phoebe, Íris, Jake e Finn se ajeitavam em uma das primeiras fileiras da plateia, em uma distancia boa o suficiente para que pudessem ver todo o palco com conforto e em posição privilegiada.

- E aí, o que você acha que a música diz? - sussurrou Finn ao ouvido de Bonnibel, animado.

- A parte ruim é justamente eu não fazer a menor ideia - ela sussurrou de volta, secando as mãos na saia do vestido.

- Um pedido de desculpas? - disse Phoebe, com um dar de ombros.

- Um pedido de casamento? - disse Íris, deixando a expressão se iluminar em animação.

- Um pedido de desculpas seguido de pedido de casamento!? - soltou Jake, um pouco alto demais.

- Será que dá pra vocês calarem a merda da boca!? - exclamou Bonnibel, exasperada. Não era exatamente raiva na voz dela.

Era algo mais como desespero.

Em meio as risadas dos amigos e os resmungos contrariados de Bonnibel, Simon se aproximou, sentando-se mais a ponta do grupo, não sem antes cumprimentar a todos.

- Ash e Keila vão estar na banda de apoio hoje? - perguntou Bonnibel, aliviada por poder falar de outra coisa.

- Sim. Nós iríamos usar a versão de estúdio no instrumental, mas sabe como Marceline é perfeccionista. Fez todo mundo ensaiar à exaustão para ser tudo feito ao vivo e do exato jeito que soava na cabeça dela.

Bonnibel soltou uma risada, porque sabia muito bem o que ele queria dizer.

Pouco depois, as luzes de todo o salão começaram a baixar. Um relógio digital se acendeu no telão principal.

23h58min.

Uma onda de dançarinas se puseram no palco. As luzes eram acessas aos poucos, começando pelas bordas do palco e se aproximando do centro. A transmissão ao vivo já havia sido iniciada, acumulando logo centenas, e então milhares de views simultâneas. 

00h00.

Todos posicionados no palco. Agora, o único ponto escurecido era o exato centro do palco. Tudo que se podia ver era o volume de um vestido rodado e gigantesco. E a silhueta do tronco de Marceline.

Da plateia, Bonnibel prendeu a respiração e agarrou a saia do vestido, em busca de apoio.

Do palco, Marceline inspirou fundo e soltou o ar devagar quando ouviu a contagem regressiva em seu ponto eletrônico.

Três, dois... um.

00h01min.

Rain
Chuva
She wanted it comfortable, I wanted that pain
Ela queria o conforto, eu queria aquela dor
She wanted a bride, I was making my own name
Ela queria uma noiva, eu estava fazendo meu nome
Chasing that fame, she stayed the same
Perseguindo a fama, ela continua a mesma
All of me changed like midnight
Tudo em mim mudou como a meia-noite

A voz de Marceline soou com uma suavidade quase culpada por todo o salão, assim que a última luz do palco se acendeu.

No centro do palco, em meio ao movimento sincronizado das dançarinas, Marceline se encontrava apenas em pé em frente ao microfone, vestida de preto da cabeça aos pés.

Em um enorme vestido de noiva.

Ela tirou o longo véu preto da frente do rosto ao terminar a primeira repetição do refrão, dando de cara com o céu úmido e azulado de Bonnibel, praticamente no centro da plateia, com uma expressão boquiaberta. 

Houve algum custo para manter a afinação e o tom, mas ela conseguiu.

My town was a wasteland
A minha cidade era uma terra inútil
Full of cages, full of fences
Cheia de gaiolas, cheia de cercas
Pageant queens and big pretenders
Rainhas de concursos de beleza e grandes falsos
But for some, it was paradise
Mas, para alguns, isso era o paraíso

My girl was a montage
Minha garota era uma montagem
A slow-motion, love potion
Uma câmera lenta, uma poção de amor
Jumping off things in the ocean
Pulando de coisas diferentes em direção ao oceano
I broke her heart 'cause she was nice
Eu quebrei o coração dela porque ela era boa

Bonnibel levou uma mão aos lábios, a luta inútil contra os próprios soluços. Alguns olhos iam se virando em sua direção, mas ela não poderia prestar atenção, mesmo que quisesse.

Havia algo de hipnótico no luto matrimonial de Marceline em cima daquele palco, se permitindo finalmente querer todas as coisas que havia julgado inapropriadas para si mesma: a rotina, a casa de família com cercas vivas, o dia-a-dia corriqueiro.

A única mulher no mundo com quem ela algum dia quis aquilo.

She was sunshine, I was midnight rain
Ela era um raio de Sol, eu era chuva a meia-noite
She wanted it comfortable, I wanted that pain
Ela queria o conforto, eu queria aquela dor
She wanted a bride, I was making my own name
Ela queria uma noiva, eu estava fazendo o meu nome
Chasing that fame, she stayed the same
Perseguindo a fama, ela continua a mesma
All of me changed like midnight
Tudo em mim mudou como a meia-noite

As luzes cor-de-rosa brincando com as sombras esporádicas, dançando pelo palco, o contraste muito forte e estranhamente harmônico.

O movimento incessante ao redor dela, mas que nunca vinha dela. Quase como se a vida e o mundo acontecessem ao redor de Marceline, não com ela ou para ela.

Como se estivesse parada entre o espaço e o tempo, em outro pedaço daquela linha temporal, no ponto onde a decisão dela quebrava o futuro em duas linhas separadas e ela percebia que não gostava tanto assim da linha que havia escolhido seguir.

It came like a postcard
Veio como um cartão-postal
Picture perfect shiny family
Uma foto de uma família perfeita
Holiday peppermint candy
Uma bala de hortelã natalina
But for her, it's every day
Mas, para ela, isso é todo dia

So I peered through a window
Então, eu espiei pela janela
A deep portal, time travel
Um portal profundo, uma viagem no tempo
All the love we unravel
Todo o amor que desvendamos
And the life I gave away
E toda a vida da qual eu abri mão

Aquele cartão postal e, agora, a viagem para passar o natal em Ohio, eram coisas que abriam para Marceline uma janela, um buraco de minhoca entre o universo em que estava e o vizinho, onde ela escolhia outra coisa. Talvez ir para Nova York com ela, ou pelo menos não se convencer de que ela era a vilã por ir.

O universo em que ela se juntava à eles naquela ceia todo ano, em que acordar com o cheiro do shampoo dela na fronha era rotina velha, e não algo que ela ainda era incapaz de aceitar que estava acontecendo de novo.

A linha do tempo em que ela queria estar.

'Cause she was sunshine, I was midnight rain
Porque ela era um raio de Sol, eu era chuva a meia-noite
She wanted it comfortable, I wanted that pain
Ela queria o conforto, eu queria aquela dor
She wanted a bride, I was making my own name
Ela queria uma noiva, eu estava fazendo o meu nome
Chasing that fame, she stayed the same
Perseguindo a fama, ela continua a mesma
All of me changed like midnight
Tudo em mim mudou como a meia-noite

(Rain)
(Chuvosa)
(She wanted it comfortable, I wanted that pain)
(Ela queria o conforto, eu queria aquela dor)
(She wanted a bride, I was making my own name)
(Ela queria uma noiva, eu estava fazendo o meu nome)
(Chasing that fame, she stayed the same)
(Perseguindo a fama, ela continua a mesma)
(All of me changed like midnight)
(Tudo em mim mudou como a meia-noite)

As mãos de Bonnibel pareciam incapazes de parar de tampar sua boca, em uma pose surpresa. Tudo que Marceline conseguia ver, mesmo com a considerável distância, era o brilho inconfundível dos olhos dela.

Não pode evitar de cantar aquela última repetição do refrão com os olhos presos nos dela. Da mesma forma, Bonnibel era hipnótica, aquele ponto cor-de-rosa no meio de um sem número de pessoas em trajes de festa, talvez tentando fazer sua pequena aparição na lista de melhores looks de tapete vermelho daquele evento.

Mas não havia chance de algum nome ser mais comentado do que o de Bonnibel Andrews na manhã seguinte.

Com o mundo desmanchando a sua volta, Marceline deixou a cabeça pender um pouco para o lado e um sorriso triste se esboçar no rosto, ainda com o olhar fixo nela.

Os olhares se voltaram para a garota de cabelos rosa e vestido em um tom pastel da mesma cor, e toda e qualquer dúvida sobre o destinatário daquela letra caiu por terra.

Mas ela estava perdida demais em Marceline para perceber.

I guess sometimes we all get
Acho que, às vezes, todos nós recebemos
Just what we wanted, just what we wanted
Exatamente o que queríamos, exatamente o que queríamos
And she never thinks of me
E ela nunca pensa em mim
Except for when I'm on TV
Exceto quando me vê na TV

I guess sometimes we all get
Acho que, às vezes, todos nós recebemos
Some kind of haunted, some kind of haunted
Algo que nos assombra, algo que nos assombra
And I never think of her
E eu nunca penso nela
Except on midnights like this (midnights like this, midnights like this)
Exceto nas meias-noites como essa
(Meias-noites como essa, meias-noites como essa)

Aquele era o trecho escrito antes do reencontro. Era a parte que Marceline não queria, anteriormente, que viesse a tona.

A parte em que ela havia imaginado que todo aquele arrependimento e dor eram únicos dela. A parte em que ela havia se convencido de que Bonnibel sequer relembrava sua existência, a não ser que ela estivesse na TV.

Enquanto Marceline voltava para aquela vida abandonada apenas nas meias-noites de insônia e nostalgia barata.

Mas a questão é que quase todas as meias-noites eram assim.

E assim acabou a primeira apresentação ao vivo de Midnight Rain: aquele verso final cantado quase na beirada do palco, com ela sentada no chão, as camadas e mais camadas do seu vestido se estendendo ao seu redor. As dançarinas haviam feito sua movimentação graciosa para fora do palco, de forma que a apresentação acabasse assim: a melancolia de Marceline sozinha ali em cima, a sós com o sucesso que não lhe preenchia, cercada de todos os responsáveis por ele e vestida no luto pela única coisa que ela sentia que importava.

Sozinha no palco, Marceline não era uma noiva abandonada no altar. Era uma noiva fugitiva, que havia corrido pelo corredor da igreja com sua saia se estendendo atrás dela, só para descobrir, um pouco tarde demais, que a felicidade estava escondida nos votos que ela nunca teve a possibilidade de fazer.

Mas, ao mesmo tempo, era um convite silencioso.

Se, por qualquer acaso, alguém em específico ainda estivesse interessado na noiva que fugiu atrás da fama...

Bem, ela estava ali. Havia voltado.

E, dessa vez, ela não iria a lugar nenhum.

•~•~♪~•~•


Aquele dia específico, daquele último mês de agosto. Em tantos meses, nenhuma delas teve a coragem tocar no assunto. Mas ele caminhava livremente em ambas as mentes, lutando de volta com todos os esforços delas em não pensar naquilo. Nisso, elas concordavam.

Não era um assunto apropriado para relembrar, não ainda.

Lima não era conhecida por ser um lugar com grande variedade de atividades recreativas. Então, em um sábado preguiçoso de agosto, em plenas férias, a melhor e talvez única pedida era o shopping. 

Um lanche barato de fast food, uma casquinha de sorvete e andar de mãos dadas na frente das lojas. As vezes, um ou outro olhar atravessado. Mas Marceline já era intimidadora o suficiente naquela época para evitar maiores problemas.

Uma e outra parada na frente de lojas de roupas, analisando manequins em peças hora cheias de estilo, hora duvidosas. Até Bonnibel soltar a mão de Marceline e correr em direção a uma vitrine mais a frente. Marceline arqueou uma sobrancelha e foi atrás dela, agora curiosa pelo motivo da comoção repentina. Se aproximou, engoliu em seco e encarou a vitrine sem demonstrar muita reação.

Era uma loja de vestidos de noivas.

Com toda a delicadeza que ela sabia que não tinha, Bonnibel puxou Marceline mais para o lado, de forma que seu reflexo estivesse mais ou menos encaixado com a forma do vestido de saia rodada exposto na vitrine. Bonnibel deu um sorriso de sobrancelhas arqueadas para ela, e Marceline respondeu com um nariz franzido em desagrado.

Bonnibel olhou melhor para o vestido e franziu as sobrancelhas. É, não tinha muito a ver com Marceline. Muito delicado, muito princesa. Marceline combinava com algo mais dramático.

Ela pegou a mão da garota e arrastou loja adentro, procurando algo que tivesse a ver com ela. Entre os muitos vestidos espalhados pela loja, havia um com pequenas mangas caídas sobre os braços do manequim, um decote delicado, uma longa fenda na perna esquerda, um longo tule em transparência enquanto a saia do tecido mais grosso mal chegava ao meio das coxas.

Marceline estendeu o lábio inferior, balançando a cabeça levemente de um lado ao outro. É, aquele tinha mais a ver com ela. Um pouco inquieta e desesperada por tirar a atenção de sobre si mesma, ela apontou para outro vestido mais ao fundo.

Um tom rosado claríssimo, praticamente branco se não estivesse sob a iluminação certa, com um tule bordado com flores delicadas em tons de rosa e azul. Bonnibel abriu um sorriso e ficou olhando para ele por um bom tempo, e Marceline sabia que estava se imaginando nele.

Um par de vendedoras bem jovens ficou do fundo da loja apenas as observando, as vezes trocando olhares maldosos, enquanto as olhavam de cima a baixo. Conheciam as duas garotas, apenas por nome, e por todas as fofocas sobre seu relacionamento. Hora ou outra riam entre si ao analisar o que consideravam um pequeno momento de ilusão compartilhada. Afinal, naquele momento, elas estavam a quase um ano de distância da legalização do casamento homoafetivo em todos os cinquenta estados do país.

Mas Bonnibel não percebia, porque estava concentrada demais no cenário que estava criando na própria cabeça. E Marceline não percebia, porque estava desesperada demais ao perceber o que Bonnibel estava criando.

Bonnibel puxou a garota pela mão por mais alguns corredores antes dar de cara com o vestido que consideraria o perfeito.

Mangas compridas e transparentes, com um bordado delicado. Um longo decote em V até o início da cintura, toda a parte de cima trabalhada com aquela transparência, o mesmo tecido bordado descendo por toda a saia, que descia solta e delicada com mais algumas camadas de tecido abaixo do tule, em um caimento leve, sem armação. Tudo em um tom fechado de vermelho.

Bonnibel levantou o olhar para dar de cara com uma Marceline sorridente, olhando o vestido de cima a baixo, em todos os seus detalhes.

- Esse parece algo que eu usaria.

- Sim! Sensual e poderoso. É como se fosse desenhado pra você - respondeu Bonnibel, animada. Começou a olhar em volta, girando a cabeça. - Será que elas deixam você provar?

Marceline soltou uma risada um pouco alta, fazendo Bonnibel franzir o cenho.

- Qual é, Bon. Eu não me vejo usando um desses de verdade.

- Por que não!? Esse nem é um daqueles vestidos clássicos de saia rodada. É confortável. É exatamente o vestido de noiva para Marceline Abadeer!

- Eu não me vejo em vestido de noiva algum, Bonnibel - soltou ela, baixinho. Odiava dizer certas coisas em voz alta, mas sabia que meias palavras não bastavam para Bonnie. - Não me vejo num altar.

- Ah... ah.

Marceline não ousou olhar para o lado, porque sabia que Bonnibel havia murchado toda, até parecer muito pequena e vulnerável, e ela odiava ver aquilo quando sabia que era a culpada.

- Por que não?

- Não sei. Vestidos, altares e votos de amor eterno me lembram a mamãe. Sabe, papai fez isso com ela, uma vez. Levou ela pra provar uns vestidos por diversão, eles eram um pouco mais novos que a gente. Ela se casou com a minha idade e nunca mais foi dona de si mesma outra vez. Casamento me lembra a mamãe e o papai, e eu não quero acabar como mamãe e papai.

Marceline sabia que a comparação ofenderia. Ousou olhar para o lado só para constatar o que já sabia.

Bonnibel estava bem ofendida.

- Vamos ao fliperama.

Bonnibel apenas virou as costas e saiu. No restante daquela tarde, não procurou a mão de Marceline para entrelaçar à sua outra vez.

Tempos depois, quando o mundo acabou e caiu sobre suas cabeças, Marceline se convenceu de que era melhor assim. Ela e Bonnibel eram pessoas muito diferentes. Talvez, depois da faculdade, Bonnibel voltasse para Lima e vivesse uma pacata vida de casada, numa casinha de cerca branca e gramado grande para um cachorro, com a rotina bem regrada que ela sempre havia precisado. Ela não podia caber ali, não mesmo. Seu lugar era na estrada, um show diferente a cada noite, turnês longas o bastante para ela sempre sentir um pouquinho de saudades da própria casa.

Oito anos depois, andando pelas ruas de Nova York sozinha em pleno 31 de dezembro, enquanto Bonnibel dormia para ter energias para a virada, Marceline passaria em frente a uma loja e veria, ao fundo, quase longe demais para ser percebido, um vestido vermelho muito parecido com o que ela havia se recusado a experimentar naquela tarde.

Oito anos depois, Marceline ficaria parada na calçada, enquanto passavam reto por ela, imaginando como teria sido a vida se ela não tivesse se recusado a experimentar o vestido. Se não tivesse insinuado para Bonnie que, independente de elas continuarem juntas ou não, não tinha a pretensão de se casar com ela.

Oito anos depois, ela realmente estava morrendo de saudades de seu lar.

Mas seu lar não era um lugar. Era alguém.

•~•~♪~•~•

A festa de lançamento começou pouco depois da apresentação de Marceline. E, como esperado, Bonnibel ainda estava em estado catatônico. Das reações que ela poderia esperar, Íris estava de alguma forma aliviada de que ela "apenas" havia entrado em estado não-verbal.

Ash se aproximou do lugar um pouco mais afastado onde Bonnibel estava com seus amigos, acenando para chamar a atenção dela para si.

- Ela está lá em cima esperando você, no telhado do prédio - disse ele, apontando para cima.

Bonnibel respirou fundo e acenou positivamente com a cabeça.

- Tudo bem contigo?

Outro aceno.

- Ela não vai falar por agora - disse Íris, lentamente afastando uma mecha de cabelo do rosto dela. - Vai logo, Andrews. Antes que eu roube sua garota.

- Eu tô literalmente aqui - retrucou Jake, dando um peteleco na cabeça de Íris, mas sem perder seu sorriso amigável.

Bonnibel revirou os olhos para ela com um sorriso e se pôs a seguir Ash até o local onde Marceline aguardava por ela.

- Ela tá uma pilha de nervos desde hoje cedo, então releva se ela não disser coisa com coisa.

Bonnibel fez que sim com a cabeça e abriu seu melhor sorriso agradecido, antes de sair pela porta de emergência do telhado. Olhou em volta e encontrou Marceline parada próxima a uma das extremidades do telhado, apoiada a mureta, um cigarro nas mão.

Boa parte das muitas camadas de seu vestido já não estavam lá, e agora Bonnibel podia reconhecer aquele modelo. Com exceção da cor, aquela era uma exata réplica daquele vestido que Marceline nunca vestiu.

Marceline se virou e viu Bonnibel ali, com o vento jogando seus cabelos e seu vestido para o lado, os braços cruzados e um olhar com um quê de receio. Mas tudo bem. Marceline estava completamente apavorada àquela altura.

Bonnibel deu os passos finais até ela e, sem dizer palavra, tirou o cigarro de suas mãos e deu um longo trago.

- Acho que alguém não está muito no clima de falar agora - disse Marceline, a voz suave. Bonnibel fez que não com a cabeça.

Bonnibel pegou o celular em sua bolsa lateral e o sacudiu na mão, com um olhar indagador. Marceline acenou com a cabeça, tirando o próprio aparelho de um bolso escondido entre as camadas de tecido de seu vestido.

Bonnibel se pôs a digitar alguma coisa, e logo Marceline recebeu uma notificação.

Bonnie 👑

O vermelho era mais bonito.

Marceline revirou os olhos, com uma risada.

- Mas não serviria dentro do conceito de luto, serviria?

Bonnibel deu de ombros e voltou a digitar.

É, você tem um bom ponto.

- Você ouviu? - perguntou Marceline, baixinho, inconscientemente levando a mão a boca, mordiscando o cantinho do dedo. Bonnibel recomeçou sua digitação.

Ouvi
Umas cinco vezes, na verdade
Ouvi o dia inteiro
E quase estraguei meu toca-discos umas três vezes porque esquecia que não podia deixar tocar a última música
Então assim, pau no seu cu

Marceline começou a rir alto, a voz se projetando telhado afora. O celular vibrou outra vez.

Foi mal
Você tava com uma cara de medo angustiante
Meio que precisava fazer você rir
Eu amei.

O ponto final naquela frase. Ela falava sério.

— Fico feliz que tenha gostado - disse ela, a voz branda, baixinha, tão diferente do comum. Levantou o olhar para Bonnibel, que deu um sorriso suave e inclinou a cabeça devagar.

Só pelo jeito que ela encarava, pela covinha visível no sorriso e aquele ar quase irônico ao redor dela, Marceline sabia o que ela queria dizer.

Não é como se Bonnie tivesse cogitado a possibilidade de não adorar aquele álbum.

Marceline baixou o olhar, constrangida, ficando em silêncio por alguns momentos. Até sentir o celular vibrar outra vez.

Ela teria adorado também.

- Acha mesmo?

Bonnibel acenou um 'sim'.

Marceline abriu um sorriso sincero, olhando para Los Angeles abaixo delas. Depois, mordeu o lábio e olhou para Bonnibel.

Ela tinha sido a menina mais linda do mundo. Havia se tornado a mulher mais estonteante do universo.

Vinte e seis anos. Já não eram nem mesmo "vinte e poucos", Marceline já havia chegado nos "vinte e tantos" anos. Não estava ficando mais jovem.

Não tinha mais o tempo inteiro do mundo. Pelo menos, sentia que não.

E, se ainda havia alguma dúvida, tinha morrido ali, na beleza paralisante de Bonnibel encarando o céu em silêncio, as sardas do nariz por baixo da armação de seus óculos, o desenho perfeito de seus lábios e o azul inconfundível de seus olhos.

Marceline sabia onde queria gastar seu tempo escasso.

— Eu vou parar.

Bonnibel voltou olhar para ela, com uma expressão confusa.

— Depois dessa turnê. Eu vou parar.

Bonnibel deixou seu rosto cair lentamente em um espanto horrorizado, os olhos se arregalando quase em câmera lenta. Os lábios abertos em "O", como se tivesse ouvido o maior absurdo de toda a sua vida. Se virou novamente para Marceline, agora parecendo irritada. Um gesto com a mão, próximo a cabeça.

Você é maluca!?

Marceline apenas riu com a cabeça baixa. Seu celular vibrou novamente.

Se você não fosse a mulher da minha vida, eu jogaria você daqui de cima.

Que porra é essa, Marceline??

Qual é a porra do seu problema??

— Eu preciso de um tempo, Bonnie. - respondeu ela, voltando a olhar para a vista abaixo. - Sabe quantas vezes eu parei por mais que uns cinco ou seis meses esse tempo todo? Nenhuma. Eu... eu tô exausta.

Bonnibel colocou as duas mãos sobre o rosto, respirando fundo. Quando voltou a encarar Marceline, estava claro que ainda a considerava maluca.

— Não estou falando em fim de carreira, Bonnibel - Marceline disse, em meio a um riso suave. - Tipo, o Paramore. Quanto tempo tem entre o Self-Titled e o After Laughter? E entre esse e o This Is Why? Mais de cinco anos de um álbum pra outro, cara. E ainda assim eles tiveram, tipo, depressão profunda. E, caso não tenha ficado claro pra você, eu já sou uma alcoólatra e estou a uns dois passos de virar uma drogada.

O olhar de Bonnibel se suavizou consideravelmente, mas ainda traziam um quê de dúvida.

- E eu não tenho mais o que cantar, Bonnibel. Não sobrou mais nada. Eu não vivi por oito anos e acabou todo o repertório reciclado de quando eu ainda vivia algo pra contar - disse ela, baixinho. Deu alguns passos a frente, quase extinguindo qualquer espaço entre elas. - Eu preciso... de alguma coisa sobre o que cantar.

Ela fechou os olhos antes de puxar Bonnibel para perto, fechando os braços ao seu redor com força, como se tivesse medo que era fosse embora.

— Me dê algo sobre o que cantar, Bonnibel.

Sentiu o corpo da outra mulher vibrar com sua respiração pesada. Bonnibel a apertou de voltar por um longo momento. Depois, se afastou um pouco. Só o bastante para poder olhar para os olhos dela.

Bonnie tinha uma infinidade de peculiaridades. Grandes e pequenas coisas com as quais Marceline havia ensinado a si mesma a conviver. Mas algumas ainda a deixavam um tantinho maluca.

Uma delas era como as vezes Bonnibel simplesmente não respondia uma pergunta na hora, só para responder muitas horas depois, quando Marceline já nem lembrava ao certo o que queria saber. Ou pior: quando havia outra coisa totalmente diferente a se responder. As vezes, tinha a sensação de que sempre havia um assunto inacabado entre elas.

Mas, daquela vez, teve que dar o braço a torcer. Bonnibel havia trazido o assunto não comentado na hora exata.

— Eu nunca fiz questão da noiva, Marceline - disse ela, a voz soando rouca pelo tempo demasiado sem uso. - Eu nunca fiz questão do altar, da cerquinha branca ou qualquer que seja o ritual. Eu só fazia questão que fosse você.

Marceline a encarou de volta, sem coragem de soltar sua cintura para secar a maldita lágrima enxerida que lhe descia pela bochecha direita.

— Eu não... eu só não queria correr atrás de você sem nada pra chamar de meu porque... Porra, Marceline. Você é um gênio. A porra de um gênio. Eu não conseguiria conviver comigo mesma sendo só... a namorada nos bastidores. Eu preciso ser alguma coisa por mim mesma, eu preciso sentir que não sou menos do que uma mulher como a que você merece. Eu só precisava da merda do diploma. E então eu teria aceitado qualquer coisa que você pedisse. Eu teria escrito livros dentro de ônibus de turnê e feito reuniões por chamada de vídeo dentro de quartos de hotel, eu teria corrido o risco de um milhão de crises sensoriais em shows lotados e em entrada de eventos cheias de fãs enlouquecidos. Eu teria inventado uma rotina no meio do seu caos. Eu teria aberto mão de todas as minha manhãs programadas nos mínimos detalhes, se você me desse em troca todas as suas meias-noites.

Bonnibel respirou fundo, espirou devagar e agarrou o que conseguiu do tecido do vestido de Marceline antes de completar:

— Eu odeio a desordem e os imprevistos. Menos quando você é a desordem e o imprevisto. Então que se foda o conforto, os vestidos de noiva e os raios de sol. Nada disso faria sentido se não fosse por você, e qualquer coisa pode fazer sentido se for com você.

Marceline a encarou bem no fundo dos olhos por um momento um pouco longo demais. Longo o suficiente para deixar Bonnibel inquieta, ansiosa.

— Todo o meu esforço e ações exageradas, e você ainda só precisa de um punhado de palavras pra ser tão mais grandiosa nas duas declarações do que eu, Bonnibel. E ainda tem a humildade de achar que o gênio sou eu.

Bonnibel revirou os olhos, a tentativa inútil de disfarçar o próprio constrangimento.

- Por quanto tempo vai parar?

- Ainda não sei. Quanto tempo fiquei longe de você, mesmo?

- Sem brincadeirinhas, Abadeer.

- Ou se não o quê, Andrews?

- Marceline.

- Tá, ok. - Um suspirar profundo, o relaxar de ombros. - Quanto tempo for preciso pra voltar pros palcos com outro sobrenome, Bonnibel.

Bonnie arregalou os olhos. Marceline odiava o quanto amava cada resquício de ingenuidade que as vezes escapava dela.

- Isso não é um pedido, tá? Não ainda, pelo menos. Um passo de cada vez. Fazer as coisas de forma racional, não é o que você sempre diz? Então, vamos começar com o que está no meu alcance no momento, que é não fazer essa turnê solteira. O que acha?

Bonnibel mordeu o lábio, segurando o sorriso. Depois, com sua melhor calma forjada, deu de ombros.

— É um plano bastante consistente. Definitivamente ajuda nas vendas, pro álbum e pro livro. Parece razoável.

— Vai se foder, Bonnibel. Na moral, vai se foder.

A risada dela. Ressoando até os ossos de Marceline, ativando cada terminação nervosa. Uma coisa tão pequena e tão gigante ao mesmo tempo.

Que se fodam as músicas para as massas. Marceline poderia viver o resto de seus dias só bolando um jeito de ouvir aquela risada de novo, de novo e de novo.

Bonnibel passou os braços pelos ombros dela, ficando quase na ponta dos pés. Mas, antes que pudesse colocar seus lábios sobre os dela, Marceline colocou o indicador sobre eles.

— Espera, tenho uma coisa pra você - disse ela, empolgada. Ia levando a mão ao bolso, até Bonnibel a interromper, com uma expressão de incredulidade no rosto.

Eu tenho uma coisa pra você - disse ela, pegando a bolsa que trazia no ombro, balançando de leve.

As duas trocaram um olhar.

— Não é possível - disse Marceline, baixinho.

— Claro que é. Com a gente, é totalmente possível.

— No três?

Bonnibel riu e fez que sim com a cabeça, abrindo o zíper da bolsa.

Elas contaram, juntas. E, ainda juntas, levantaram suas mãos.

E é claro que cada uma havia trazido uma única rosa solitária. Uma rosa negra, uma rosa cor-de-rosa.

Dessa vez, quando Bonnibel praticamente se jogou em seus lábios, Marceline não ousou interromper.

E, enquanto os lábios de Bonnibel a levavam para fora do próprio corpo, para qualquer outro universo onde a única coisa que ela conhecia era a sensação de ser a criatura mais feliz já existente, Marceline deixou um último pensamento se fixar por alguns segundos, antes de perder até mesmo a capacidade de pensar.

De todas as madrugadas, de todas as reviravoltas que só aconteciam depois da meia-noite, aquela era, de longe, a melhor de todas elas.

•~•~•~•~•~•~•~•~•~•♪•~•~•~•~•~•~•~•~•~•

Lágrimas. Lágrimas, muitas lágrimas.

Tão lindinhas as minhas meninas. Ai.

Bem, como de praxe, deixem seus surtos nos comentários para que eu possa me divertir docemente com o estrago que eu faço em seus pobres corações. E um voto de se tiverem gostado!

(Incrível como artistas de um modo geral tem carta branca pra acabar com o emocional alheio. Muito me agrada, inclusive.)

Bem, vejo vocês todos em breve!

(Não, não terminei ainda).

Até logo,

- Tersy 🥀

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