Pétalas de Akayama [BL]

By bethahell

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Um espírito maligno coloca um vilarejo em risco e agora dois rivais terão que se unir para salvar quem amam. ... More

Pétalas de Akayama vai voltar!
[𝗩𝗢𝗟𝗨𝗠𝗘 𝟭]
Capa
Personagens
Epígrafe
Prólogo - Duas vidas
Capítulo 1 - Estou de volta
Capítulo 2 - Yōkais não existem
Capítulo 3 - Kitsunes não protegem humanos
Capítulo 4 - Deixemos que ele morra sozinho
Capítulo 5 - Vocês são todos iguais
Capítulo 6 - Magia de raposa
Capítulo 7 - Você já sabe meu nome (parte 1)
Capítulo 7 - Você já sabe meu nome (parte 2)
Capítulo 8 - Peguem seus sinos (parte 1)
Capítulo 8 - Peguem seus sinos (parte 2)
Capítulo 9 - Banquete para os fortes
Capítulo 10 - Salvando vocês
Capítulo 11 - Espere com paciência, ataque com rapidez
Capítulo 12 - Entre logo, vamos nos divertir (parte 1)
Capítulo 12 - Entre logo, vamos nos divertir (parte 2)
Capítulo 13 - O príncipe de Sakuiya não aceita deslizes
Capítulo 14 - Não me relaciono com humanos
Capítulo 15 - Eu não vou embora
Capítulo 16 - Guardiões do templo
Capítulo 18 - Na primavera haverá flores novamente
Capítulo 19 - Vou servir a vocês
Pétalas de Akayama vai ser publicado por uma editora!
[𝗩𝗢𝗟𝗨𝗠𝗘 𝟮]
Capa
Capítulo 20 - Arcadas excepcionais (parte 1)
Capítulo 20 - Arcadas excepcionais (parte 2)
Capítulo 21 - Elixir do Nascer do Sol
Capítulo 22 - Serviço de mulher
Capítulo 23 - Diga sim para mim
Capítulo 24 - Um feiticeiro humano
Capítulo 25 - Não solte a corda
Capítulo 26 - O último fio de esperança (parte 1)
Capítulo 26 - O último fio de esperança (parte 2)
Capítulo 27 - Insolente
Capítulo 28 - Segredos sujos
Capítulo 29 - Transformar seus três castelos em cinzas
Capítulo 30 - O mais breve toque mata (parte 1)

Capítulo 17 - O amor trouxe vocês até aqui

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By bethahell

Olá, venerável!

Como passaram a semana? Por aqui estamos comemorativos, pois esse é o penúltimo capítulo do livro 1 de Pétalas de Akayama!! É o nosso penúltimo encontro do ano, também... Mas não precisa ficar triste: muitas novidades estão por vir!

Começando com a última ficha de personagem desse volume! Hoje, vocês vão conhecer uma divindade! Voltem ali para o capítulo "personagens", ok? Se não encontrarem, me avisem!

Você se lembra do que aconteceu no capítulo anterior?

Yusuke e Tetsurō acordam com gritos e descobrem que o Desgarrado que pediu ajuda anteriormente recuperou a sua verdadeira forma e está com a Lágrima-Mãe da Deusa Inari. Ele acusa Zen de ser o mandante desse ato vergonhoso. Guardiões da Deusa chegam para recuperar o artefato divino, e qual não é a surpresa quando Zen se coloca como verdadeiro culpado? Ele, Yusuke e Tetsurō são levados para aguardar o julgamento de Inari.

Se estiver gostando da novel, considere indicar para amigos e postar nas redes, miau~

Música para o capítulo: Hotaru, de Maiko Fujita.

"Olhando para o céu e pensando em você

As nuvens formam desenhos no azul"

A melodia saia da garganta de Tetsurō como um pio de uma pega. Uma canção cantarolada para espantar as assombrações empoeiradas nas águas por onde o pequeno barco navegava.

As notícias já tinham se espalhado para além das inúmeras cidades de Makai: um barco solitário partiu do Palácio Impuro, seguindo pelo canal até desaguar em um corpo de água maior, rumo a Casa das Raposas. A embarcação levava o ilustre acusado, dois humanos e os guardiões. Ryo ficou encarregado de remar enquanto Rika se acomodava na proa, manobrando o barco por uma extensa imensidão nublada, espelho do céu. Em pensar que, se não fosse pela tempestade que caiu noite passada, estariam caminhando por entre campos coloridos, colinas e florestas — e Yusuke não estaria a mercê do enjoo. Diante de tudo o que viram, entretanto, uma enchente daquele nível era totalmente crédula.

A escuridão ficava cada vez mais densa, mas uma parca luz foi acesa na frente do barco, onde Rika dirigia. Tetsurō firmou os pés nas tábuas de madeira quando sentiu presenças imersas nas sombras, sob a água e acima dela. Eram coisas monstruosas, maiores que dragões e palácios. Mas nem Rika, nem Ryo, pareciam preocupados. Quando o Seki olhou melhor, notou o contraste com a escuridão, como se brilhassem...

Eram estátuas de raposas. Fluídas, surgiam da água e emergiam infinitamente para cima. Tetsurō enxergava apenas as partes descobertas: orelhas, olhos, caudas. Nas mais diversas posições, mas todas seguiam na mesma direção que eles: sul.

Tetsurō continuava murmurando a melodia:

"Algum dia vamos nos ver novamente

Algum dia vamos nos reencontrar"

A cantiga antiga trazia algum conforto, frente ao terrível destino selado naquele mundo. Uma promessa. Uma esperança. Tetsurō sentia, no fundo do âmago, onde as intuições mais primitivas moravam, que voltaria para encontrar a irmã novamente e salvá-la. De olhos fechados, lembrava-se de todos os rostos dos enfermos de Ise. As cicatrizes em torno do corpo e a mordida no pescoço ardiam em lembrança. Viu diante de si aqueles que padeceram em seus braços; e os que ainda dependiam de seu retorno. Mas ele não estava de olhos fechados — levou um susto ao perceber que cada um daqueles homens, mulheres e crianças apareciam na superfície da água, como se suas memórias tivessem sido enterradas ali.

Tetsurō se agarrou na borda do barco, a respiração descompassada. As águas brilhavam, como uma tela transmitindo imagens. E sussurravam, vibrando através do ar.

Você fracassou.

Os rostos mudavam. Furiosos. Decepcionados. Tristes.

Com a boca subitamente seca, Tetsurō sussurrou:

— Não. Eu... eu vou salvar vocês.

Nos salvar?

Você foi incapaz de salvar até a pessoa que mais amou.

Foi incapaz de se salvar.

Você é um peso.

Seria melhor se afundasse.

— Não fique tão perto da água — Uma voz diferente soou. A presença havia se sentado devagar ao seu lado, fazendo o barco balançar. — Ela revela as nossas maiores perturbações e arrependimentos. O que não significa que são reais.

Zen tinha o rosto tranquilo de quem aproveitava um passeio no mar, não de um acusado prestes a encarar uma Deusa. Tetsurō aceitou o conselho, largando o barco. As vozes ficaram mais fracas, mas não melhorou a sensação profunda e sombria; era como se murmurassem ao pé do ouvido as verdades não ditas do coração.

Você desistiu de nós.

Por que acreditamos em você?

Suas palavras não valem nada.

— Não vai parar. Você precisa desviar a atenção.

— O senhor... também pode ouvir?

A vergonha subiu até as bochechas ao pensar que o kitsune estivesse ouvindo toda a podridão escancarada sobre si. Mas Zen meneou a cabeça.

— Não — disse com a voz baixa. — O seu, não.

Então ele também ouve algo, constatou Tetsurō, sua língua coçando para perguntar quais seriam seus arrependimentos ou medos. Mas quão intrusivo isso seria?

Se Zen viu a curiosidade estampada no rosto de Tetsurō, ignorou. Ao invés disso, apontou para Yusuke, do outro lado do barco, deitado de olhos fechados e abraçando a barriga. Ryo e Rika também não se incomodaram em deixá-lo ali para lidar com a náusea, mas não gostariam quando vissem Zen rindo casualmente:

— Pelo menos seu amigo está tão distraído com a própria dor que nem pode ouvir a água. Sorte a dele.

Sorte? Se o movimento de uma carroça já o deixava enjoado, o de um barco então deveria fazer Yusuke querer colocar os órgãos para fora. A situação dele era lastimável. Tetsurō suspirou, atingido por uma tristeza. As vozes não eram gentis quando se referiam ao amigo.

— Eu tentei ajudá-lo, mas ele pediu para ficar sozinho — disse em tom preocupado. — Preciso respeitar o espaço dele. E também... não há muito o que eu possa fazer com um estoque tão limitado de ervas. Minha bolsa ficou no Palácio.

A viagem seguiu em silêncio por alguns instantes.

Tentou ajudá-lo?

Como? Deixando-o sozinho?

E espera que ele te perdoe?

Você deveria sumir.

É a única forma de se redimir.

— Mas e o senhor? — Tetsurō voltou-se para Zen, o tom sensível. Desviar a atenção. Precisava fazer isso. — Não está nervoso em ter que encarar um julgamento de frente com uma Deusa? E... talvez ser condenado?

Zen o olhou de soslaio e levantou os ombros.

— Nem um pouco nervoso.

— Porque não foi o senhor.

— Não, fui eu — confessou Zen com facilidade. — Sei que você tem boas intenções, mas pare de me defender. Não estou sequer arrependido do que fiz.

Tetsurō balançou a cabeça. Além das vozes cruéis, algo dentro do seu coração não aceitava a ideia de Zen ser preso.

— Eu não entendo, senhor. Por que uma criatura poderosa como o senhor roubaria aquele... aquela...

— Lágrima-Mãe. É como a essência primordial dos Deuses, uma materialização de sua posição divina — respondeu ele, rindo com dureza. Tetsurō abriu a boca, soltando um arquejo. Se ele realmente roubou algo tão importante, como teria saído ileso até então? — Eu nunca disse que fiz por poder. Na época, eu era apenas um jovem entediado. Poderia ter feito por rebeldia, apenas para irritar meus pais. Poderia ter feito por capricho, para acabar com a vida de uma daquelas raposas. Porque queria deixar Inari possessa de raiva. Porque queria mandar uma mensagem para as divindades. Talvez todas essas coisas. Ou nenhuma delas.

Tetsurō se calou, ponderando tantas informações. No fim, não conseguiu ter algo relevante para dizer. Zen havia afirmado não estar nervoso; será que pretendia fugir? Armar mais uma vez contra Inari-sama? Não tinha ideia do que esperar, mergulhado em tantos mistérios que não saberia contar. Se Zen estava nessa situação e mesmo assim não temia, poderia usá-lo como exemplo.

Se o caminho até o templo da Deusa seria a perdição de Zen, para Tetsurō e Yusuke, era a possibilidade de um futuro.

Inari vai ignorar seu pedido.

Assim como fez com os milhares de outros.

Porque ninguém se importa com você.

Com seus medos.

Com seus sonhos.

Com a sua vida.

De repente, um fio leve pesou sobre sua orelha. Até assimilar o que havia acabado de acontecer, as bochechas de Tetsurō já tinham adquirido um leve rubor. Ele levantou a cabeça e se deparou com Zen o observando, retirando devagar a mão que usou para depositar as duas delicadas flores roxas entre o cabelo castanho.

Tetsurō estremeceu. Um frio arrepiante levantou todos os pelos do braço. Ao tocar as pétalas aveludadas com a ponta dos dedos, sentiu-as úmidas; tinham acabado de ser apanhadas da água. Com delicadeza, tirou uma delas do cabelo e a admirou com curiosidade. Lembrava uma lótus, porém mais vibrante e com menos pétalas. Nunca tinha visto aquela espécie na vida.

Cheirou o centro da flor índigo, sentido um aroma parecido com o de flores de cerejeira. Seu olhar doce acompanhava um sorriso caloroso quando falou, sem perceber:

— Tem o seu cheiro.

Tetsurō não viu a expressão que Zen fez, mas sentiu-se contemplado por longos segundos. Quando foi remediar o que acabara de dizer, encontrou o rosto de Zen virado e o corpo tremendo num riso silencioso, depois de um sonoro "pfft!"

— O senhor achou engraçado o que eu falei?

— Eu tenho uma regra — começou Zen, fisgando o olhar cor de mel do curandeiro. — Todos que citam o meu cheiro depois de sentir o aroma do Coração da Dama do Mar têm o direito de me chamar pelo nome. Zen. Apenas Zen.

— Ver-verdade?

— Não. — Zen terminou de rir e o encarou profundamente. — Mas estou te cedendo o direito. Não me chame mais de senhor. Só Zen.

Os olhos humanos se arregalaram, penetrantes no yōkai à sua frente, e um brilho em meio aquele ambiente sombrio apareceu. Seus dedos apertaram o caule da flor enquanto uma brisa com gosto petricor esvoaçou seu cabelo e o de Zen.

— Dê uma delas ao Yuu-chan e a náusea dele vai melhorar. Várias vezes essa flor me ajudou quando era mais novo. — Deu uma piscadela, levantando-se. — Só não diga a ele que fui eu.

— E a outra?

— Ela ficou bem no seu cabelo.

Do céu, uma pega piou uma canção. Ela agitou as asas num mergulho no ar, voando rasante para cobrir a distância até o barco. Tetsurō observou o pequeno ponto vermelho cantando — a mesma melodia que cantarolou por todo caminho até ali.

"Algum dia vamos nos ver?

Algum dia vamos nos reencontrar?"

Um dia atrás, Yusuke debochava sobre a própria Deusa vir para prender Zen; há cinco dias, discutia com uma garotinha para alegar que yōkais não existiam. Ele não podia deixar de amaldiçoar a própria língua. Permaneceu quieto por todo o caminho após ancorarem em uma ilhota no meio das águas, onde as estátuas gigantes de raposas se concentravam. Era ali, no monte de terra para onde todas estavam direcionadas, que Inari vivia.

Duas daquelas estátuas, feitas de jade imaculado e brilhante, contornavam um portão vermelho maior do que palácios imperiais, visto a quilômetros de distância enquanto navegavam. Eles se sentiram menores que formigas perto da imponência das construções. Aquele era realmente o domínio de uma Deusa!

Assim que desembarcaram, Ryo e Rika apontaram para um reservatório de pedra com conchas de madeira, onde eles deveriam fazer o ritual Temizu. Os humanos olharam para Zen, esperando que o yōkai se juntasse a eles, ao que a raposa respondeu com um olhar sarcástico, dando um passo para trás.

— Faz séculos que humanos não vem aqui — disse Ryo, como um pedido de desculpas pelo acúmulo de teias de aranha e limo no tanque. — Mas a água é a mais pura dos reinos de espíritos, não precisam se preocupar.

— O Zen também deve ir — alfinetou Rika, mirando o kitsune. — Ele é o que mais precisa ser purificado antes de entrar.

— Você pode tentar me forçar — respondeu Zen —, mas irá se arrepender disso, assim como seus irmãozinhos quinhentos anos atrás. Não se lembra do que aconteceu com eles, Rika-chan?

Os olhos dela ficaram injetados de pavor e raiva.

— Você... seu doente! Até onde seu desequilíbrio pode te levar? Como pode ter orgulho dessas atitudes condenáveis?

Zen deu sorriso sereno e respondeu:

— Não tem ideia do quanto.

Rika recuou, mas Ryo mostrou a mão que manteve colada às costas até então. A corda prateada brilhou com o auge da luz do sol, e Zen franziu o cenho, elevando o queixo. Ryo tomava toda cautela à medida que se aproximava, fazendo o príncipe dar uma gargalhada seca.

— Se você quer me prender com isso, faça de uma vez.

— Isso é realmente necessário? — Tetsurō interferiu, chamando atenção para si. Ele segurava a flor que antes estava em seu cabelo, a rodando nos dedos. — Zen veio pacificamente até aqui, e não criou problemas...

— Ele é o problema.

Yusuke e Rika disseram juntos, com a mesma indignação na voz. O samurai ainda sentia os reflexos de ter andado de barco, repousando a mão no estômago digerindo a pasta macerada roxa que Tetsurō preparou. Se não fosse por isso, daria voz à repulsa ao ver o Seki ainda defender Zen. Aliás, desde quando Tetsurō tomou liberdade de chamá-lo apenas pelo nome?

— Esse humano entende as coisas muito mais rápido! — Rika elogiou Yusuke, depois se virando para o curandeiro: — Já você, garoto, antes pensei que estivesse sendo controlado por esse maníaco, mas agora vejo que é apenas ingênuo. Ou... burro.

Bom, Rika havia falado por Yusuke.

Tetsurō se recolheu, girando a flor outra vez. Cansado, o príncipe mostrou os punhos, para onde a corda prateada foi lançada. Contornou os membros tal qual uma serpente marinha, imobilizando suas mãos e tronco por cima das vestes. Uma arfada escapou de seus lábios quando a corda terminou de amarrá-lo, apertando ao ponto de afastar a expressão arredia de Zen para deixá-lo constrangido.

— Isso não está justo demais, Ryo-san? — Seu tom era sugestivo. O laço já deixava marcas vermelhas no seu torso. — Um pouco indecente, devo dizer?

— Cale a boca — rosnou Rika, sem paciência.

Diante do que Yusuke já havia testemunhado, tinha dúvidas se uma cordinha iria realmente deter o poder do kitsune. Mais do que isso, aquela imagem era realmente indecente. Ele virou o pescoço, mas Tetsurō ainda pôde ver um leve e incontrolável rubor em seu rosto.

Lendo a expressão de Yusuke de forma errada, Ryo disse amigavelmente:

— Não se preocupe. Com o inquebrável Laço de Repressão Divina, a energia dos yōkais é incapaz de fluir. Nesse estado, todo o poder dele está retido e é impossível se soltar sozinho.

— É... mesmo?

Yusuke ainda não estava convencido, mas não iria admitir que sua dúvida não era exatamente aquela enquanto olhava Zen amarrado.

Depois de toda aquela cena, os dois foram fazer o ritual de purificação. Lavaram as mãos com a água e enxaguaram a boca, sem bebê-la. Repetiram o processo até estarem purificados, prontos para seguir adiante.

A caminhada floresta adentro os levou até centenas de outros portões gigantes enfileirados, criando um túnel vermelho por onde atravessaram por baixo. Tetsurō olhava ao redor encantado, passando a mão entre os ideogramas de proteção entalhados na madeira vermelha.

Uma hora depois, as pontas dos dedos estavam sujas de poeira e seus pés inchados pelo esforço interminável. Prestes a pedir para descansarem, uma escadaria indicou o fim do túnel vermelho. Tetsurō sorriu aliviado, ignorando a dor para se focar em chegar ao topo.

Quando pisou no último degrau, respirou fundo, se apoiando nos joelhos para retomar a respiração — até perdê-la completamente.

A entrada do templo era decorada com papéis quadriculados e uma fileira de tessel dançando contra o vento frio. Duas luzes dentro de casinhas de pedras nas laterais serviam no breu da noite. Se a jornada até ali foi coberta por nuvens cinzas e névoa obscura, ali eles experimentaram o único ferimento do céu que dava brecha ao astro luminoso. O sol coloria a relva verde, abria flores e estimulava animais a cantarem.

Era o cenário de um sonho.

— Vejam, ali está Ela — Ryo apontou.

O coração de Tetsurō saltou com um sentimento estranho quando a viu pela primeira vez. Assim como as raposas, seu cabelo era longo e platinado, discretamente amarrado. Também tinha as orelhas de raposa; baixas na lateral da cabeça, ao invés de pontudas. As vestes sem muitos requintes, mas com várias camadas de tecidos, lembravam a roupa tradicional de sacerdotisas. Os detalhes se concentravam nas marcas do rosto e no lábio, assim como o acessório em formato de corda na orelha.

Aquela era...

Inari-sama, uma voz soprou em seus ouvidos.

Antigamente, costumava haver estátuas de sua imagem em Ise, ou sacerdotes a representando com roupas e trejeitos — mas ali era Ela de verdade. Composta de lua, estrelas e a poeira da energia primordial comumente chamada de voz da natureza.

Inari não os olhava diretamente, mas sim um quadro dos pedidos no meio do caminho até o templo. Lia duas plaquinhas de madeira em formato de raposa, que segurava em cada mão. Os fios prateados invadiam a testa e deixavam seus olhos cor de melancia escuros de concentração.

Seki Tetsurō amava Inari desde que se lembrava; rezava por ela desde que era novo demais para entender o que eram promessas e pedidos. Com os joelhos doendo após horas curvado, a esperança se revitalizava. Não importava se às vezes os desejos não eram cumpridos, o Seki não a culpava. Agora Ela estava diante de si, sem tirar o sorriso do rosto ao olhar as plaquinhas.

— Inari-sama — Ryo e Rika se curvaram no grau mais alto de respeito, seguidos dos humanos.

Inari se virou. Ela passou os olhos em Tetsurō e Yusuke e parou em Zen.

O sorriso tremeu no mesmo segundo.

— Parece que minhas raposas não foram nada gentis com você.

— Do que está falando? É sempre bom experimentar todo o desprezo que sentem por mim — respondeu Zen, recebendo grunhidos das raposas brancas. — Quanto à gentileza... seria pedir que fossem falsas. E você não as ensinou a mentir.

— Elas não mentem porque já entregaram corpo, alma e coração a alguém. Quem sabe algum dia não chegue a sua vez?

Zen riu com crueldade.

— Pare de jogar maldições em mim.

— Não é uma maldição, estou falando de votos de amor! — O humor voltou ao rosto de Inari.

— E o amor não é a pior das maldições?

Rika fez um movimento com a mão e a corda reagiu, se estendendo pelo pescoço e atando os lábios de Zen. Aquele pedaço serviu como uma mordaça, impedindo-o de falar. Sem se debater nem se incomodar, o kitsune revirou tanto os olhos que eles chegaram a ficar brancos.

— Você será responsabilizado pelos seus atos de acordo com suas palavras — rugiu Rika, com mais um movimento. Dessa vez, a corda brilhou e arrastou Zen para trás. Responder diretamente à Inari era condenável por si só; não podiam mais assistir sem fazer nada. Desafiar a Deusa de inúmeras maneiras, sem um pingo de decência. Ela mesma, entretanto, parecia não se irritar com o despeito.

Com os olhos fechados pelo sorriso esticado, ela perguntou:

— Então, ao que devo a honra da visita?

— Inari-sama, hoje colocamos fim em um mistério de quinhentos anos — Ryo disse, curvando-se em respeito mais uma vez. — Aquilofoi encontrado. Nosso irmão... Roku-san... era inocente, no fim das contas.

A Deusa franziu a tez. Ela não estava magoada, mas pensativa. Tamborilava a unha grande nos lábios.

— O que está tentando me dizer, Ryo?

— No meio da noite, nós sentimos um chamado. Uma atração que nos levou até o Palácio Impuro, onde nos deparamos com a Lágrima-Mãe na posse desse kitsune — explicou, ocultando vários detalhes para concluir, no fim: — Zen admitiu a culpa. Está aqui para ser julgado, Inari-sama.

— Oh — Inari arfou, mirando Zen — é por isso que você está aqui nesse estado. Estou tão desapontada, Zen. Eu esperava que viesse até mim de outra forma...

Enquanto a conversa discorria, Rika vasculhava as vestes e bolsos de Zen, que se divertia com a expressão cada vez mais aterrorizada ao não encontrar nada.

— O-onde... onde está... Isso é impossível!

Amordaçado, Zen não disse nada — mas seus músculos estavam tensos. Uma pequena faísca negra, do tamanho de uma maçã, surgiu diante de todos, carregando um cristal molhado pelo ar. O brilho da Lágrima-Mãe era ofuscado pela aura maligna que a prendia. Inari arregalou os olhos, Ryo e Rika olharam para Zen com raiva e fascínio. Não era para ele conseguir usar seus poderes. Mesmo que aquela fosse uma demonstração insignificante das chamas, era impossível lutar contra uma maré de retenção. Para aquele kitsune, porém, nem a maior onda do mundo parecia capaz de deter sua obstinação.

A Lágrima-Mãe flutuava devagar até Inari, mas parou bruscamente no meio do caminho. O fogo evaporou. Zen assistiu o cristal despencar.

No segundo seguinte, Yusuke estava jogado no chão, segurando a pequena Lágrima-Mãe no alto.

Se havia um sorriso pendurado no rosto de Zen, ele foi desfeito no mesmo instante. Um silêncio desconfortável se fez, até que Inari voltou a sua tradicional expressão sorridente.

— Que reflexo incrível.

Yusuke perdeu o ar. A grande Deusa Inari-sama havia falado com ele. Havia o elogiado! Nem mesmo em mil anos pensaria em obter tamanha dádiva.

— Yuu! — Tetsurō se ajoelhou ao seu lado, verificando a extensão do corpo do samurai. — Você se machucou?

— Não... — Yusuke desviou o resto, incomodado com o excesso de atenção. Uma queda como aquela não era nada. — Estou bem.

Tetsurō abriu a boca para responder, mas sua fala se perdeu no ar quando viu Inari descer as escadas com graciosidade, vindo na direção dos dois. Pensou que iria desmaiar, mas no meio de tanto nervosismo, conseguiu se curvar para mostrar toda sua devoção.

— Tetsurō — Inari chamou. Quando o curandeiro ergueu o rosto, viu-a curvada diante de si. Ajoelhada. — Eu devo lhe agradecer pelos cuidados que teve com meu templo durante todos esses anos. Você não me esqueceu, e eu também não esqueci de você, pequena criança da primavera.

Inari tinha o rosto jovem decorado com um sorriso calmo e os olhos rosados empáticos. Sorrindo. Sempre sorrindo.

Sem saber como reagir, Tetsurō gaguejou:

— A-a senhora viu?

— É claro. Como não perceber tanto cuidado com o meu templo? — Tocou no rosto dele delicadamente, fazendo carinho nos fios da franja. Ele sentiu uma paz absolutamente grande, um arrepio sobrenatural. — Tudo isso vindo de um garoto que nem ao menos é meu sacerdote... Enquanto aqueles que fizeram votos para serem minha voz em Ningenkai, deixaram meu templo abandonado.

A Deusa olhou para o lado e fitou as íris escuras de Yusuke. O samurai engoliu em seco. Não havia nada de bom sobre ele para ser falado. Enquanto Tetsurō fazia curas milagrosas e ajudava pessoas sem cobrar nada por isso, Yusuke era um assassino de guerra. Matava pessoas por motivos torpes, como disputa de terras entre senhores feudais. O Seki era calmo, paciente e altruísta; o Kou era rancoroso, vingativo e estourado. O Seki cuidava do templo de Inari por vontade própria; o Kou até mesmo o evitava, graças ao tormento das lembranças do passado.

Não tinha nada de bom. Nenhuma qualidade para ser elogiada por uma Deusa. Esperava críticas e julgamentos. A exposição de que ele jamais seria tão bom quanto Tetsurō. Talvez Inari até o expulsasse do templo.

— Inari-sama...

— Você, Yusuke — A voz da Deusa não mudou o tom doce e compreensivo. Inari apanhou a Lágrima-Mãe de Yusuke, sorrindo mais ainda, e a levou até o coração, onde ficou flutuando. O brilho se intensificou enquanto ela fechava os olhos e inspirava fundo. O fim de uma longa espera; Yusuke sabia reconhecer. — Apesar de tudo o que aconteceu, diante de todos os horrores que presenciou nas guerras, eu jamais deixei de ouvir as suas orações. Você nunca me esqueceu, corajoso filho, e eu jamais deixei de te abençoar o tanto quanto eu podia.

Com a outra mão, tocou no rosto do samurai, ficando assim no meio dos dois humanos, acolhendo-os como uma mãe consolando os filhos.

Ela soltou uma risada baixa repentinamente.

— Aqueles antigos sacerdotes não faziam ideia que diziam! Eu adorava observá-los brincar no meu templo. Ouvir suas risadas, as tentativas de performar a dança sagrada. Gostava quando subiam nas estátuas e conversavam comigo no templo... — A Deusa soava nostálgica e, conforme falava, os humanos ficavam vermelhos. Boquiabertos por terem sido notados até nos detalhes do passado. — O que vocês faziam era muito mais sincero do que muitas orações que eu recebia de devotos que só iam lá por obrigação. E vocês... traziam alegria de verdade ao meu templo. Ver meus filhos tão felizes na minha casa me confortava, diante da vida tão complicada que foram obrigados a levar.

Eles assentiram. Nem por um segundo duvidavam que suas vidas foram pesadas demais para seus pequenos ombros infantis carregarem.

Inari se levantou, trazendo suas duas crianças consigo. Nos braços dela, sentiam-se acolhidos e amados como não experimentavam há muito tempo. A vontade era de ficar naquele estado para sempre. Então a Deusa levou a mão às costas e mostrou aquelas duas placas de raposa para ambos. Estavam envelhecidas, com a tinta preta ressecada.

O brilho dos olhos sumiu com o reconhecimento.

Suas caligrafias estavam longe de serem perfeitas como nos dias atuais, mas não havia como se esquecer dos pedidos e do dia que os forjaram — feitos com muita fé, veemência e orações repetidas — e imploraram para que a Deusa Inari escutasse ao que tanto imploravam.

Os pedidos nunca foram atendidos.

Mas Ela não havia os esquecido.

— O tempo é uma concepção humana, meus filhos. Ele não existe no mundo dos espíritos e nas ações dos Deuses. — Os olhos rosados os fitavam com intensidade, sem perder a essência amável. — Eu ouço todas as orações que meus seguidores me fazem. Todas, sem exceção. O que, nesses tempos de guerra, são muitas. — Suspirou. — Alguns desejos são impossíveis em qualquer tempo ou espaço, mas outros... São impossíveis somente naquele período linear em que vivem. Esses eu guardo, para poder realizá-los no momento certo, onde as circunstâncias serão favoráveis e tudo fluirá como tem que ser.

Embora ambas as placas estivessem à vista, Yusuke só conseguia ler a sua própria; e o mesmo acontecia com Tetsurō. Melhor assim, pois não queriam ter seus desejos mais profundos revelados tão levianamente.

O quão constrangedor seria se vissem seus nomes na placa um do outro?

— Isso significa que... — Yusuke balbuciou, fazendo o sorriso no rosto de Inari se alargar.

— Cuidado com o que vocês pedem aos Deuses, porque nós escutamos e procuramos as melhores circunstâncias para atender aos desejos que nos fazem.

— Então tudo isso que está acontecendo foi porque eu... Foi porque nós... — Tetsurō corrigiu, apontando para ele e Yusuke. — Desejamos isso de alguma forma? O Yuu e eu?

— Não digo que foi por conta disso. O amor trouxe vocês até aqui.

Ao fim da frase, havia cheiro de algo queimando. Yusuke olhou para Tetsurō procurando confirmação e o viu inalar o ar com o rosto confuso.

Ryo gritou. A ponta de uma de suas nove caudas estava pegando fogo. Fogo negro. E as tentativas de apagar eram em vão.

Após um momento de compreensão, Rika se moveu. A primeira coisa que pensou era que precisava apagar as chamas, e foi água que buscou para isso. Conjurou um balde de madeira enorme sobre a cabeça do irmão, que o inundou da cabeça aos pés. Suas nove caudas ficaram ensopadas, pingando. A amarração do cabelo se desfez, fazendo os fios longos escorrerem e a orelha murchar. Ele parecia uma raposa molhada.

O laço recuou. No momento que sua boca ficou livre, o fogo se apagou completamente.

Zen passou os dedos nos lábios, massageando uma vez.

— Eu disse que estava apertado demais.

Ryo rangeu os dentes, mas a imagem da ira em seu rosto era patética aos olhos alheios. Inari disfarçou uma risada tímida, cobrindo a boca com a manga do kimono.

Os humanos ficaram estáticos, observando.

Inari e seu humor peculiar...

O clima não pesou graças à risada dela — mas Inari logo se recompôs, afagando a cabeça de Ryo e Rika e pedindo para se recolherem e evitarem brigas desnecessárias. Anos haviam se passado, mas a Deusa agia como se Zen ainda fosse uma criança apenas indisciplinada, achando graça de suas "brincadeiras". Os guardiões hesitaram, mas a ordem de levar a Lágrima-Mãe de volta para o pavilhão dedicado a ela predominou sobre o ódio que sentiam de Zen. Eles voltariam para ver sua condenação de perto, e então seria sua vez de rir.

Zen ainda deixou o canto do lábio arquear ao ver Ryo quase tropeçar nas vestes molhadas.

— Diga, Zen — Inari atraiu a atenção para ela. — O que é tão importante que não te deixou esperar sua vez?

— Inari-sama, isso tudo foi muito lindo de ouvir, mas me deixou com uma questão em mente. Talvez a mais importante de todas — Zen cruzou os braços. — Quando você me condenar, irá me deixar com meus humanos? Preciso de algo para me divertir na prisão. Eles não estão aqui à toa.

Yusuke proferiu um xingamento inaudível, o rosto crispado de raiva.

— Nós não somos seus brinquedos! — esbravejou para Zen, dando um passo até Inari. Ele se ajoelhou, sem vergonha: — Inari-sama, nós viemos implorar para que nos leve de volta para casa. Nossa família é mortal, nosso vilarejo está morrendo. Não nos deixe ficar com esse monstro!

A Deusa sustentou o sorriso, enfiando as plaquinhas de desejos na manga do kimono.

— Esse é o desejo de vocês?

— O nosso desejo é salvar as pessoas preciosas para nós — Tetsurō foi claro, dando um passo acanhado adiante. Não conseguia ser tão enfático como Yusuke, pois lágrimas brotaram espontaneamente de seus olhos. — Nada além disso importa.

A Deusa piscou.

Seus olhos brilharam tanto quanto pedras preciosas. Ela nem piscou quando estalou os dedos. Quando deram por si, Tetsurō e Yusuke tinham duas placas de madeira e um pincel mergulhado em nankin à disposição.

— Formalizem os desejos — Inari pediu, virando-se de costas para seguir caminho até seu templo. — Quando terminarem, irei chamá-los para conversar sobre o que vocês estão dispostos a pagar por esse pedido.

— Pagamento? — Yusuke ficou com a garganta seca. O choque quase travou seus lábios. — Nós não temos... não temos nada a oferecer.

— Tudo tem um preço e sempre há algo a oferecer. E Zen-san... — virou-se para a raposa. Sua expressão fez jus ao título de Deusa das Raposas. E o sorriso, sempre ali, se alargou — também irei decidir o seu castigo.

Continua...

No próximo capítulo...

Qual será o pagamento que os meninos terão que fazer? E o castigo de Zen? Inari realmente vai ser capaz de tirá-los de Makai? E o que vai acontecer com Ise?

O grande final que dará início a tudo o que virá nos próximos volumes! Novamente farei segredo, mas calma! Vai tudo valer a pena 🐱 depois do capítulo 18, ainda teremos um epílogo especial.

Se gostou do capítulo de hoje, purrr favor, deixe um comentário e uma estrelinha!

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Até dia 20 de outubro, com o último capítulo! Nem dá pra acreditar que acabou, né? :')

Beijos felinos,

Mork

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