Spring Awakening

By theharmonysaur

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Certas coisas abalam nossa vida de forma tão estrondosa ao ponto de nunca mais conseguirmos nos recuperar nov... More

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By theharmonysaur

centelha(s.f.): partícula de matéria incandescente, desprendida de algum material em combustão ou do choque ou atrito de certos materiais, como ferro e pederneira, que aparece como um ponto luminoso em deslocamento; brilho momentâneo, ou aquilo que brilha momentaneamente; manifestação repentina e intensa de uma emoção, de um pensamento, de uma intuição, com ou sem consequências notáveis; aquilo que provoca ou desencadeia, de modo brusco, algum processo ou transformação de grande intensidade ou violência.


"Não seria o acaso, aquela centelha a despertar-te para sua própria realidade ofuscada pelo comodismo de ações alheias?" - Ivan Teorilang


Gostar de alguém é um fenômeno que mesmo sendo inesperado, sabemos que em algum momento da nossa vida vai acontecer, bem como um joelho ralado. Às vezes dói pra caramba, outras nem tanto e na maioria das vezes acontece por falta de atenção. Camila era o ser humano mais desatento do universo, já gostou de alguém tantas vezes quanto ralou os joelhos mas nunca foi de se incomodar com isso. Porém, é lógico, sempre tem aquela vez em que rapamos no asfalto e ralamos o joelho até ficar em carne viva. Para Camila, gostar de Lauren era assim.


O beijo mexeu com a garota mais do que deveria, e ela pensava sobre isso quase o tempo todo. Sobre como os lábios de Lauren eram macios, no quão gostosa era sua boca. Era estúpido mas inevitável e ela queria saber o que a missy tinha achado, o que ela tinha sentido, se o coração dela também tinha acelerado. Camila queria saber um monte de coisas e queria ainda mais beijá-la novamente. Porém, infelizmente, era um tanto quanto nítido que Lauren não tinha os mesmos pensamentos.


Dizem que para o bom entendedor, o silêncio vale mais que mil palavras, mas naquele caso, Camila sabia que significava uma só: rejeição. Só não sabia o porquê, mas passara a maior parte do tempo tentando entender sem chegar em conclusão alguma que fizesse sentido. Na verdade, aquela situação não fazia sentido em sua mente. Quando finalmente pensou que tinha conseguido, o caminhão Lauren Jauregui derrubou todos os tijolinhos de esperança que ela empilhou um por um.


Cinco dias desde o beijo. Cinco dias na merda.


Cinco dias sem trocar uma única palavra com Lauren. As duas continuavam se cruzando na mesma frequência de antes, coincidiam de estar no mesmo lugar pelo menos uma vez por dia mas Lauren fazia questão de desviar o olhar e fingir que não via a garota ou que nem a conhecia. No Doucement a missy nem ia mais, mas agora Camila tinha certeza que era por causa dela. Diversas foram as vezes que a garota tentou ir em sua direção mas sua expressão vazia sempre a repelia. Estava nítido que Lauren não queria falar com ela, então ela não forçaria uma situação para gerar ainda mais desagrado, mesmo se sentindo confusa em relação a tudo.


O que acabava piorando tudo mais um pouquinho, era o fato de não ter ninguém com quem desabafar. Todas as pessoas que conhecia e tinha pelo menos um pouco de intimidade além de Keaton, eram seus colegas de trabalho mas a garota não podia contar para nenhum deles. Se contasse para Keaton, estaria morta já que ele deixou bem claro que ela não deve se envolver com Lauren nesse sentido. Para Roxane não podia contar, a preta tinha a língua mais solta do que sapo perto de mosca. Ally e Dinah estavam fora de cogitação, eram as duas melhores amigas de Lauren e sua patroa havia flagrado as duas, com certeza Dinah já sabe e isso a fazia corar todos os dias ao entrar na cozinha e desviar o olhar quando percebia que a Chef ou a patroa estavam olhando em sua direção. Com Thibault e Amery não tinha nem um pingo de intimidade. O único para quem contaria era Finch, mas depois de todo ocorrido com Keaton, não queria olhar na cara do branquelo nem tão cedo, e nem precisava, afinal já faziam alguns dias que o souschef não dava as caras no restaurante. Dinah disse que ele tirou licença para resolver algumas questões pessoais e Keaton estava mais triste do que nunca, não encontrava seu chéri nem mesmo nos lugares em que ele gostava de ficar para se distrair - isso, obviamente, deixava Camila pior ainda, pois não conseguia fazer nada para melhorar o ânimo do melhor amigo que agora depois do trabalho só vivia enfurnado em casa sempre com um pote de sorvetes, agora sempre com duas colheres. Seu único consolo eram os olhos verdes de Amon, que sempre a encaravam como se ele fosse capaz de compreender suas palavras e inteligente o suficiente para compartilhar do bom silêncio. Agora, ela nem mais o considerava tão satânico assim.


Não é difícil de imaginar como os dias no Doucement se tornaram arrastados e maçantes para a garota. Desde o incidente com Finch, todos - exceto Dinah e Ally - passaram a ser um tanto quanto hesitantes com ela e estavam aos poucos retomando a rotina normal, a antiga intimidade e as brincadeiras, mas bem aos poucos mesmo e isso não a deixava mais à vontade naquele ambiente, só voltaria a ficar quando as coisas voltassem ao normal. Então, todos os dias, anda até o final da Trois Cailloux para comer numa lanchonete convencional e só no tempo de ir, comer, descansar um pouquinho e voltar, já se passaram seus quarenta e cinco minutos de pausa.


-Ravena! -Camila exclamou num sorriso surpreso ao ver a loira sentada próxima ao balcão com um copo de vitamina e imersa em um livro aberto em cima da mesa.


A professora levantou os olhos em sua direção e revirou os olhos de uma forma brincalhona.


-Nem vem porque não tem. -Sorriu de forma seca e a garota franziu o cenho ao se sentar na cadeira à sua frente.


-O que?


-Você é muito cara de pau, não é mesmo? Meu Deus... -Ela negou com a cabeça e a garota franziu ainda mais o cenho.- Você tentou me beijar no primeiro encontro, não me ligou para um segundo e quando saímos de novo você simplesmente sumiu no meio da noite e ficou por isso mesmo sem nunca mais dar um sinal de vida.


A culpa a atingiu feito um tijolo. Em todo aquele tempo, Camila não tinha parado sequer um minuto para pensar sobre Ravena, nem mesmo no dia do foodstruck quando ela simplesmente deixou a garota no meio encontro - se é que aquilo era um encontro - e não apareceu mais. Que filha da putagem, hein. Sua mente estava tão fixa na missy que ela esqueceu completamente que havia outra pessoa nessa situação, uma pessoa incrivelmente legal. A garota suspirou consigo mesma. Keaton tinha razão, ela só fazia merda.


-Eu juro que ia te ligar mas...


-Perdeu o celular de novo? -A professora a interrompeu num tom sarcástico e fechou o exemplar que lia de forma dramaticamente teatral. 300 Dias de Inverno. Só pode ser perseguição, não existe nenhuma outra explicação plausível.- É sério, Camila, era só ter dito que não estava interessada ao invés de me deixar plantada sozinha no meio dos teus amigos.


-Eu juro que não foi a minha intenção fazer isso e que eu realmente queria ter te ligado, mas sabe quando uma coisa foge da mente? Eu sei que isso não é desculpa mas eu tive uma semana tão cheia, intensa, sei lá como explicar em palavras, e eu estou meio perdida até agora.


-Você podia ao menos admitir que está saindo com outra pessoa... -Ravena disse rolando os olhos e brincando com o canudo da vitamina em um tom entediado, como se estivesse acostumada com aquele tipo de situação. A culpa de Camila triplicou, Ravena era uma garota incrível.


-Eu não estou saindo com outra pessoa.


-Camila, eu te vi junto daquela branquela dos olhos verdes no jardim da prefeitura há uns dias atrás e no foodstruck vocês sumiram juntas. Será que você tem pelo menos um pouquinho de noção do micão que eu paguei? Eu saí com uma garota que me largou no meio do encontro pra sair com outra.


-Não estamos saindo! É extremamente complicado mas não estamos saindo. -A loira a fitou com um ar de tédio e Camila se apressou em explicar.- A minha mente está cheia demais e Lauren é uma preocupação a mais, mas não estamos saindo, nós não... Ela não... Ela é complicada demais, sabe? Ela não faz isso, ela não sai com as pessoas.


-Por que você saiu comigo se você é afim dela?


-Eu não sou afim... -Antes que pudesse completar sua frase, seus olhos recaíram na cara de Ravena. É, ela não tinha muito que pudesse esconder.- Tá, eu sou afim dela. Muito afim dela. Talvez mais do que só afim. -Abaixou os ombros com um olhar derrotado mas a professora esboçou um sorrisinho que ela não esperava.- Quando Keaton armou o nosso encontro, eu já era afim dela há um tempo mas ela tinha me dado um fora então eu estava naquela de seguir em frente e você é... Uau, sabe? Você é muita areia pra qualquer caminhão. Eu tinha ótimos planos de continuar saindo com você mas então eu voltei a falar com a Lauren e tudo ficou confuso na minha mente, eu...


-Você é fofa demais. -Ravena se derreteu em um sorriso e Camila franziu o cenho sem esperar aquela atitude.- Eu queria sentir pelo menos um rancorzinho de você pelo nosso segundo encontro, mas eu não consigo. Até porque eu já estive no seu lugar, eu já passei por uma situação bem parecida.


-Aposto que não era alguém tão confuso quanto Lauren. -Camila revirou os olhos para descontrair.


-A confusão pra mim nada mais é do que a falha no diálogo. Você disse que ela não sai com as pessoas, mas naquele dia que eu te vi no jardim com ela, por exemplo, vocês estavam saindo, ué. Se ela está confusa, traga-a para si com os interesses dela mesma sem que ela perceba que está, na verdade, fazendo o que você quer.


-Você acabou de me dar um conselho pra eu usar com outra garota?


-Você é afim dela, o que quer que eu faça? Não é como se tivesse sentimentos fortes e loucamente amorosos por você ou se eu fosse sair com você sabendo que pensa em outra pessoa. Eu gosto de ajudar nessas situações, eu sempre fui o cupido das minhas amigas.


-E dava certo?


-Nunca deu errado. Você precisa fazer com que ela te queira, achando que na verdade é você quem a quer, ou seja, você precisa conversar com ela, agir da maneira dela para conquistá-la, para ter uma chance de falar e ser ouvida...


[...]


As palavras de Ravena ficaram ecoando em sua mente durante todo o dia. Tiveram uma conversa estranhamente profunda e inesperadamente produtiva, que fez a garota perceber que a professora era ainda mais admirável do que ela pensava. Por que não gostava dela ao invés de Lauren? As coisas seriam deveras mais fáceis. Porém, nem tão bonitas. A professora lhe deu inúmeros conselhos e dessa vez Camila realmente iria ligar pra ela, nem que fosse apenas para manter uma boa amizade.


Fechou as portas do Doucement e se pôs a caminhar na animada Trois Cailloux noturna, repleta de conversas e risadas com seus bares e botequins cheios de gente. Camila não reparou muito nos rostos estranhos ou em seus bebedeiras, sua cabeça só faltava sair fumaça com tantos pensamentos e depois de caminhar quase toda a avenida em direção à sua casa, resolveu virar os calcanhares e fazer o caminho oposto que a levaria para a ruazinha de trás.


Ravena estava certa, ela não podia deixar as coisas como estão. Tudo bem que ela não deveria ficar correndo atrás, mas qual seria a outra solução? Todos os malditos dias ela encontrava com a maldita Lauren lendo seu maldito livro em qualquer maldito lugar da cidade, e tudo que a missy fazia era virar a cara ou deixar o ambiente, por vezes ignorava e fingia que a garota não existia e isso tirava toda a coragem que Camila tinha de bater de frente e encará-la, iniciar uma conversa nem que fosse forçada. Mas ela precisava fazer isso e o faria agora, antes que a coragem se esvaísse de seus pulmões. Se Lauren não queria agir como uma adulta, ela mesma iria fazer isso por ambas.


Subiu os pequenos três degraus que separavam a porta do flat da calçada e tocou a campainha três seguidas vezes até escutar um grito de "Já vai!" que com certeza era de Lauren, seguido por passos corridos indicando que alguém descia as escadas.


-Dinah, se você estiver bêbada de novo, eu não vou te deixar entrar em ca... -A missy se interrompeu e o sorriso brincalhão em seu rosto morreu ao abrir a porta e dar de cara com uma Camila de ombros caídos. Os olhos verdes se arregalaram numa expressão estática.- O que você está fazendo aqui?


-Eu vim conversar contigo. -A garota abaixou os olhos e Lauren soltou o ar pesadamente.


-Não acho que essa seja uma boa ideia.


Lauren já ia fechando a porta mas Camila colocou o pé na fresta, atraindo o olhar impaciente da missy.


Você precisa conversar com ela, agir da maneira dela para conquistá-la, para ter uma chance de falar e ser ouvida.


-Eu vim me desculpar, Lauren. -Camila uniu as sobrancelhas como um filhote perdido e Lauren franziu o cenho cruzando os braços.- Vim me desculpar por ter sido imprudente e impulsiva. Não era a minha intenção te desrespeitar ou ultrapassar nenhum limite. Eu juro que pensei que aquilo não ia acabar com o que a gente tinha, na verdade, eu não pensei e me arrependo se fiz algo que não tenha gostado mas eu realmente não acho justo receber todo esse silêncio. Somos mulheres crescidas e não duas adolescentes de colegial, acho que podemos resolver isso numa conversa e deixar tudo bem claro invés de simplesmente parar de falar uma com a outra por conta de um simples beijo.


-Camila...


-Eu fui além do que deveria e...


-Camila...


-Eu entendi, eu ultrapassei uma barreira sensível mas, eu realmente entendi e estou disposta a te mostrar isso. Se você quer somente a minha amizade, eu posso ser uma boa amiga, posso respeitar os seus limit...


Camila arregalou os olhos e prendeu o ar nos pulmões de súbito quando foi rudemente interrompida pelos lábios de Lauren nos seus. A missy agarrava-lhe o colarinho da mesma forma agressiva que pressionava os lábios

entreabertos nos dela, a garota sentia-se como se fosse derreter.


Foi ainda mais intenso do que da primeira vez. Camila agarrou-a pela cintura, correspondendo o beijo da mesma forma voraz, chupando-lhe os lábios, a língua, para depois unir as bocas novamente que pareciam não querer se separar de jeito algum. Lauren puxou a garota ainda mais para si, que acabou por soltar um grunhido prazeroso com o ato e as línguas se uniram de forma a acalmar o beijo, tornando-o calmo e doce, cada vez mais profundo até que o ar se fez necessário.


Camila sentiu a missy largar seu colarinho e apoiar as mãos pouco acima dos seus seios, selou-lhe os lábios mais uma última vez antes de abrir os olhos e quando o fez, sorriu ao se deparar com os olhos verdes tórpidos e serenos.

A garota soltou todo o ar que tinha nos pulmões.


-Lauren, eu...


-Camila, vai embora. -Lauren pediu numa voz doída, fechando os olhos com força e a garota franziu o cenho e arregalou os olhos, o coração batendo rápido em desespero.


-Você não pode estar falando sério! -Afastou-se da missy, totalmente transtornada.- Isso é algum tipo de brincadeira, Lauren? É algum joguinho pra você? Se for, você me explica, porque eu não tenho experiência alguma em brincar com os sentimentos de alguém. -Cuspiu as palavras com o semblante duro feito pedra e a missy umedeceu os lábios, fechando os olhos ainda com mais força.


-Vai embora, Camila. Por favor, só vai embora...


-Lauren... -Camila quase bateu o pé em frustração e Lauren inflou as narinas ao abrir os olhos, fitando diretamente os castanhos agoniados da garota.


-Vai. Embora. Agora. -Ela ordenou com a voz firme e o semblante duro, mas os olhos... Os olhos a denunciavam, sempre tão gelados agora pareciam derretidos.


A troca de olhares entre elas nunca havia sido tão intensa. Parecia que o castanho no verde causava combustão. Quanto mais firme Lauren aparentava, mais derretidos eram seus olhos, envolvidos na fragilidade que a garota, diferentemente dela, não tinha vergonha de expor. Os olhos de Camila pareciam berrar em desespero enquanto os verdes da missy agonizavam em silêncio, cada uma jorrando pensamentos que não tinham coragem pra falar, até que o castanho intenso se tornou pesado demais para os ombros de Lauren que abaixou a cabeça num suspiro derrotado.


A missy recuou seus passos até estar dentro de casa novamente, ignorando todos os protestos da garota e batendo a porta sem nem pensar duas vezes, antes que não conseguisse mais fazer isso, antes que acabasse por se render.


[...]


Depois de tantas poesias lidas e namoros arruinados, Camila tinha jurado para si que nunca mais investiria em qualquer sentimento que não lhe fosse correspondido, mas se tem uma coisa que nessa vida não nos ensinam é que mesmo depois ralar os joelhos inúmeras vezes, não vamos perder a vontade de continuar correndo.


Eram involuntários os sentimentos, assim como as batidas do coração que lhe mantém vivo sem o seu controle. Eram involuntárias as lágrimas, mesmo que praguejadas por fazê-la parecer uma estúpida adolescente apaixonada pelo garoto mais popular da escola que nunca lhe voltaria os olhos. Era involuntária a sensação avassaladora que um sentimento julgado como tão frívolo podia causar quando exposto à alguém que não está disposto a corresponder, ou simplesmente não quer fazê-lo.


Mas se ela não queria lhe corresponder, por que diabos havia a beijado?


Camila nem sabia mais por onde andava, nunca havia estado naquele ponto da cidade antes, mas sua cabeça estava atônita demais para reparar em seus arredores. Seguia sem rumo pelas ruas escuras e fedentinas, arrastando os pés no chão enquanto sua mente trabalhava sem parar em cenários e mais cenários onde Lauren lhe sorria e a enchia de beijos, onde ela correspondia todos os sentimentos que agora lhe atormentam o peito. Porém, as hipóteses sobre a missy também não lhe deixava sossegar os pensamentos. Por que Lauren é tão fechada? Por que ela é tão retraída? Por que a beijou para depois lhe mandar embora? O que ela sente afinal? Se é que sente alguma coisa... Eram perguntas e mais perguntas que chegavam a fazer doer a cabeça.


Saiu de seu estado de devaneios ao se deparar com uma fachada em luz neon cor-de-rosa que mostrava a palavra L'amour e terminava em um coração. A garota riu sem humor algum, parecia que o universo queria pregar-lhe mais uma piadinha filha da puta, então notou as partes da palavra em que a iluminação falhava, sem contar no coração que nem acendia mais. Nem no letreiro de uma casa noturna o amor se propagava por inteiro. Não tinha janelas, apenas uma porta de madeira assim como os muros, e um rapaz na frente que sorriu de forma suja para Camila quando a garota parou de frente a entrada.


Por que não entrar? Já estava na merda mesmo.


O estabelecimento era tão promíscuo quanto a fachada sugeria, um bar de strip. Lâmpadas vermelhas por toda a parte, assim como cadeiras e mesas repletas de homens e algumas mulheres aqui e ali, todos risonhos e embasbacados com as jovens circulando de um lado para o outro em suas roupas para lá de provocativas, algumas até com fantasias sexuais. No fundo, um grande palco com três postes e vários homens gritando ansiosos à beira dele.


Uma jovem morena passou sorrindo de forma provocante para a garota.


É, até que a noite poderia tomar um rumo interessante.


Porém não tomou.


Os ombros caídos e os cotovelos apoiados na bancada do bar, sentada num banco e a perna esquerda esticada em outros três. O verdadeiro semblante da derrota. O show de pole dance já havia até terminado e tudo que Camila fez foi revirar os olhos em desinteresse. Foi bebida atrás de bebida e ela nem sabia mais o que estava tomando, apenas estendia o copo toda vez que a bartender passava com uma garrafa e empurrava o líquido goela abaixo pra ver se conseguia expulsar os gélidos olhos verdes de sua mente.


-Tá tudo bem contigo, cara? -A bartender se apoiou de frente pra ela com as sobrancelhas franzidas.


-Estou com cara de quem está bem? Pareço feliz pra você? Pareço contente e satisfeita com a vida por acaso? -A garota perguntou com a voz arrastada, gesticulando com o copo quase deixando tudo derramar em sua própria roupa. A bartender riu e tomou o copo da mão da garota, colocando-o na bancada.


-Coração partido? -A garota assentiu, tomando mais um gole azedo do que presumia ser vodka.- Por incrível que pareça, é o que mais tem por aqui, escuto umas sete histórias por dia. -A negra falou com descaso e Camila a fitou com desdém, estava vendo tudo turvo.- E o que ele fez? Te trocou por outra?


-Ele é uma mulher. -Camila disse sem expressão nenhuma e a bartender riu animadamente, colocando mais vodka no copo da garota.


-Eu adoro lésbica, melhor raça que existe nesse mundo! -A negra só faltou bater palmas. Tinha um sorriso lindo.


A bartender era um baita de um mulherão. Negra e tinha os cabelos curtos e cacheados com as pontas pintadas de azul. Camila podia jurar que a conhecia de algum lugar...


-Eu conheço você! -Camila arregalou os olhos.


-Se isso for uma tentativa de me cantar, eu queria esclarecer que adoro lésbicas mas não jogo no mesmo time, ok?


-Não, eu realmente conheço você... Do supermercado! A garota dos salgadinhos... -Camila abriu a boca incrédula com a própria descoberta.- Você é a Nor... Norm... No... Sua filha da mãe! Isso é tudo sua culpa!


-Normani. -A negra completou tirando o copo do alcance da garota e guardando a garrafa de vodka.- E chega de bebida alcoólica pra você.


-Você não é minha mã... Keaton pra ficar me regulando! Eu estou pagando e quero outro copo!


-Se você me convencer de que não está alucinando, quem sabe eu não te dou outro copo.


-O seu trabalho é servir bebidas para quem te paga e não se meter na vida dos clientes. -As palavras escorregara, da boca de Camila sem que nem ela mesma regulasse mas tudo que a negra fez foi rir com desdém.


-Escuto isso todos os dias de homens enormes e quase ameaçadores, meu amor. E se eu não paro de me meter na vida deles, imagina na sua, que não parece ter forças nem pra levantar desse banco.


Camila emburrou a cara como uma criança de nove anos e Normani revirou os olhos, indo servir um senhor que se aproximou da bancada. Quando voltou, a garota pediu por mais vodka e ela cruzou os braços pra ela, arqueando as sobrancelhas. Camila suspirou e revirou os olhos.


-Uns dias atrás eu estava no supermercado e não sabia qual salgadinho comprar daí você deu o ar da sua graça e disse, nossa compra o de tempero especial, o de tempero especial é muito mais gostoso. -A garota afinou a voz para imitar Normani que se segurou pra não cair na risada. Era essa a vantagem de trabalhar com gente bêbada.- Só que eles eram um euro mais caro e eu comprei cinco! Eu não tinha dinheiro pra pagar daí Lauren apareceu e pagou pra mim daí fomos comer no jardim e eu levei froot loops então voltamos a nos falar, nos aproximamos mais ainda. Se eu não tivesse comprado os salgadinhos, nada disso teria acontecido, eu não teria voltado a falar com ela!


-Uau. -Normani riu da carranca da garota.- Essa foi a melhor história que eu já escutei! Quer dizer que eu sou a responsável pela sua dor de corno? Incrível! Eu nem lembrava da sua cara...


-Não é dor de corno coisa nenhuma! Ela não me traiu. A gente nem tem nada pra ela poder me trair.


-Oras, então se vocês não tem nada, por que tanta aporrinhação, meu Deus?


Quem nunca desabafou num bar, não é mesmo? Camila soltou um suspiro pesado antes de tomar fôlego para contar toda a história para Normani, desde o seu primeiro dia em Amiens. A negra se apoiou no balcão e ouviu atentamente, interrompendo vez ou outra causando algumas risadas, mas fora isso, prestava atenção como uma verdadeira amiga faria. No fim das contas, Camila tinha os ombros ainda mais baixos e a bartender ria em incredulidade, empurrando a garrafa de vodka para a garota que nem se importou de beber no gargalo mesmo.


-Você está me dizendo que veio pra um bar afundar as suas mágoas e beber até botar o fígado pra fora sendo que nem chegou a ir pra cama com ela? -Camila assentiu, limpando a bebida que lhe escorria pelo queixo com a manga do suéter. Normani começou a rir.- Você está nesse estado deplorável por causa de um beijo?


-Dois. -A garota corrigiu, pontuando com os dedos.- Sendo que da primeira vez, ela passou a semana inteira sem olhar na minha cara e hoje que eu fui tirar satisfação, ela me beijou e depois me mandou ir embora para logo em seguida bater a porta na minha cara, tá bom pra você?


-Você é virgem?


-Não, eu não sou virgem. -Normani cerrou os lábios para logo em seguida começar a rir novamente.- E para de rir! -A garota reclamou num gemido.- Eu realmente não sou virgem, não tem nada de engraçado aqui!


Camila tirou o atraso por todas as vezes que queria contar tudo pra alguém e se via sem opção. A garota contou tudo mesmo, falou até do seu passado, e a negra não se importou de ouvir, muito pelo contrário, estava achando muita graça de algumas coisas e até dando conselhos sobre outras, falando também um pouco sobre si mesma. Conversa vai, conversa vem, o lugar começou a esvaziar e deu a hora do bar fechar, já era mais de quatro da manhã. Mas elas não foram embora, sentaram-se no meio-fio da rua e continuaram a conversar. Agora Camila contava sobre os mistérios de Lauren, as coisas que todos pareciam saber menos ela e a negra ouvia assentindo, com um cigarro entre os dedos.


-Ela pode ser prostituta. -Normani disse com naturalidade ao tragar o cigarro e Camila quase engasgou com a própria saliva.


-Você tá maluca? Uma prostituta?! Não cara, não mesmo. Tipo, a Lauren... Não...


-Ué, isso explicaria muita coisa.


-Explicaria o quê, Normani?


-Vamos aos fatos. -A negra flexionou os joelhos e Camila assentiu para que ela prosseguisse, com o cenho franzido em tamanha confusão.- Ela sempre cansada pela manhã, você disse que tem dias que ela parece exausta, parece que passou a noite em claro. Ela também não trabalha, passa o dia inteiro lendo ou em casa, fazendo qualquer coisa menos trabalhando, ela não gosta de se aproximar de pessoas novas, parece ter pavor de relacionamentos mas beijou você, então alguma coisinha ali ela sente mas algo a impede e se ela for prostituta, isso faria todo sentido porque, cara, acho que seria meio constrangedor falar pra pessoa que você está afim que você é garota de programa. Eu não gosto de falar que sou bartender em um bar de strip, imagina se eu fosse prostituta. -Ela levantou os ombros numa careta e Camila a fitou com os olhos apreensivos.


-Ela não é prostituta.


-Você tem certeza?


-Não sei!


-Todo mundo fala pra você se afastar, alguma coisa tem aí. -A negra socou a própria perna.- Já pensou se ela for transexual?


-Normani!


-É uma possibilidade! Ela na verdade é ele, então ela tem um pinto e... Wow! Cara, isso realmente seria motivo pra ela não ser a garota certa pra você porque na verdade ela não é uma garota.


-Se ela fosse trans, por que ela teria sido casada com uma mulher? Faria sentido se ela fosse hétero.


-Ainda acho que ela pode ser prostituta. -Normani se levantou e ajudou a garota a fazer o mesmo.


-Ela não prostituta, ok?


Normani tirou um cigarro do bolso e ofereceu para Camila que prontamente recusou.


-Tá vendo? -Normani disse com o cigarro na boca enquanto o acendia.- É exatamente por isso que ela não te conta, tem medo de você não aceitar o que ela faz.


-Para, ela não é uma prostituta! -Normani arqueou as sobrancelhas como quem tem razão e a garota fez cara feia.- Enfim, já está bem tarde, você... Quer companhia até em casa?


-Você está falando sério? -Normani quase riu.


-Estou, ué. Você teria ido embora há muito tempo se não fosse por minha causa, então nada mais justo que eu te leve até em casa.


-Seria mais fácil eu te acompanhar até em casa. -A negra soltou a fumaça do cigarro pela boca e deu um sorriso. Camila franziu o cenho.- Eu sou cria da noite, apprenti, sempre vou pela sombra. Se preocupa comigo não, é de dia que eu não me localizo.


-Na Trois Cailloux você sabe chegar, não sabe?


-Pode deixar, vou passar lá pra dar uma olhada na cara da sua prostituta. -Ela ia começar a rir mas uma forte tosse a interrompeu, Camila deu leves batidas em suas costas.


-Você devia parar de fumar. -Camila disse de forma preocupada, mas com um sorriso fraco no rosto.- Não faz bem pros pulmões, pode piorar essa tosse. -Normani sorriu de forma debochada e revirou os olhos dando mais uma tragada no cigarro, fazendo a garota soltar um risinho pelo nariz.- É sério!


-Você não é a primeira pessoa a me falar isso, então vou responder como respondo para todos: Os pulmões são meus e eu faço o que eu quiser com eles.


-Só te dei uma dica para preservá-los, se quiser, é claro. -Deu ombros como se falasse da coisa mais banal do mundo e a negra assentiu.- Te vejo por aí, se cuida, coruja.


-Coruja?


-Você e seus hábitos noturnos... -Normani sorriu e soltou a fumaça do cigarro mais uma vez, fitando a menina com seus olhos ariscos, bem como um animal da noite.


-Se eu sou a coruja por viver da noite, você é o gato enxerido e curioso, tentado pelos mistérios alheios. Mas vá com calma, bichano, Amiens é a cidade dos segredos.


E com um sorriso de lado, Normani seguiu pelo caminho oposto ao da garota.

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