Pétalas de Akayama [BL]

Af bethahell

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Um espírito maligno coloca um vilarejo em risco e agora dois rivais terão que se unir para salvar quem amam. ... Mere

Pétalas de Akayama vai voltar!
[𝗩𝗢𝗟𝗨𝗠𝗘 𝟭]
Capa
Personagens
Epígrafe
Prólogo - Duas vidas
Capítulo 1 - Estou de volta
Capítulo 2 - Yōkais não existem
Capítulo 3 - Kitsunes não protegem humanos
Capítulo 4 - Deixemos que ele morra sozinho
Capítulo 5 - Vocês são todos iguais
Capítulo 6 - Magia de raposa
Capítulo 7 - Você já sabe meu nome (parte 1)
Capítulo 7 - Você já sabe meu nome (parte 2)
Capítulo 8 - Peguem seus sinos (parte 1)
Capítulo 8 - Peguem seus sinos (parte 2)
Capítulo 9 - Banquete para os fortes
Capítulo 10 - Salvando vocês
Capítulo 12 - Entre logo, vamos nos divertir (parte 1)
Capítulo 12 - Entre logo, vamos nos divertir (parte 2)
Capítulo 13 - O príncipe de Sakuiya não aceita deslizes
Capítulo 14 - Não me relaciono com humanos
Capítulo 15 - Eu não vou embora
Capítulo 16 - Guardiões do templo
Capítulo 17 - O amor trouxe vocês até aqui
Capítulo 18 - Na primavera haverá flores novamente
Capítulo 19 - Vou servir a vocês
Pétalas de Akayama vai ser publicado por uma editora!
[𝗩𝗢𝗟𝗨𝗠𝗘 𝟮]
Capa
Capítulo 20 - Arcadas excepcionais (parte 1)
Capítulo 20 - Arcadas excepcionais (parte 2)
Capítulo 21 - Elixir do Nascer do Sol
Capítulo 22 - Serviço de mulher
Capítulo 23 - Diga sim para mim
Capítulo 24 - Um feiticeiro humano
Capítulo 25 - Não solte a corda
Capítulo 26 - O último fio de esperança (parte 1)
Capítulo 26 - O último fio de esperança (parte 2)
Capítulo 27 - Insolente
Capítulo 28 - Segredos sujos
Capítulo 29 - Transformar seus três castelos em cinzas
Capítulo 30 - O mais breve toque mata (parte 1)

Capítulo 11 - Espere com paciência, ataque com rapidez

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Af bethahell

Olá, venerável!

Aqui é o Mork, em mais uma quinta-feira juntos. Espero que o capítulo passado tenha compensando nossa ausência depois de um mês! Obrigado pelos votos e comentários, vocês são os melhores! *ronrona*

Vamos lembrar o que aconteceu no capítulo anterior?

Daiki Ren aceita o lance de Zen e troca a espada de Yusuke por Tetsurō. Após uma luta nos aposentos de Daiki Ren, quando ele finalmente obtém a espada, as almas do inugami e do humano entram em guerra. O yōkai cachorro arrasta Daiki Ren para o Yomi, sugando tudo o que está ao redor. Zen segura Yusuke e Tetsurō, tirando-os dali antes que também sejam tragados — o único que ficou para trás foi Yuta Momo.

Por fim, a música para esse capítulo é: Akuma no Ko, de Higuchi Ai.

Reapareceram em um estalar de dedos nunca dado.

O corpo de Yusuke foi solto, palmas e joelhos sobre terra firme, o mundo dando voltas, a barriga assomando a força do chute e se embrulhando ainda mais, despejando tudo no solo.

Os troncos das árvores tomaram forma, então o estranho céu rosa aveludado sem nuvens. A paisagem se formou como se fosse uma pintura, a tela final era uma clareira. Tetsurō levantou-se e, mesmo com dores, se apressou em ir socorrer Yusuke.

Não era necessário perguntar se o samurai estava bem. Tetsurō tinha total ciência de suas limitações e de como tratá-lo.

— Yuu-chan, vem cá, vamos cuidar desse enjoo.

Yusuke ouviu a voz preocupada e sentiu o curandeiro tocá-lo nas costas, num carinho manso. Esquivou-se como um gato, seu olhar repelindo o contato e alertando para não se fazer isso de novo, até que... Vomitou mais uma vez, expelindo mais sangue do que bile.

— Yusuke — O tom de Tetsurō se agravou, indo até ele pela segunda vez, mancando. — Francamente, você não está em condições para isso. Deixe eu te ajudar pelo menos dessa vez.

Os protestos não vieram, estava tonto e enjoado demais para reagir da forma habitual... que seria empurrá-lo de vez. Então concentrou os esforços em se manter consciente. Tetsurō era menor e não tinha tanta força, mas firmou as mãos no ombro e na cintura do samurai, o arrastando até um tronco de uma árvore caída. Deixou-o com as costas recostadas ali.

Duas leves verdes observavam em silêncio sepulcral enquanto Tetsurō resgatava das vestes uma bolsa de pano e tirava de lá ervas do mundo mortal. Ele havia planejado o que levar há duas noites, quando se convenceu de que contaria com Yusuke na subida pela Akayama. Por isso, trazia consigo elementos naturais para enjoos e todas as enfermidades que o samurai viesse a ter — Tetsurō não deixou passar nenhuma hipótese. Mas o problema surgiu ainda assim: o mesmo ramo de flores que poderia ajudar seu amigo era o que servia como pomada para o pé queimado. Já o sentia em carne viva e temia que, se continuasse assim, não demoraria a ter uma infecção para tratar.

Yusuke estava em primeiro lugar. Daria um jeito nos próprios machucados depois; por enquanto, iria aliviar a dor como o de costume, já que problemas nos pés eram uma herança da infância. Arrancou as sandálias. A terra acariciou a sola, a grama fez cócegas entre os dedos. Bem melhor.

Olhou sorridente para o amigo encolhido no tronco, passando mal. Mostrou algumas folhas na mão aberta.

— Elas são mastigáveis, então tudo o que você precisa fazer é... mastigar. Logo, logo você vai ficar bem.

A expressão de Yusuke tornou-se enojada antes de ele abaixar a cabeça e pressionar a barriga.

— Vamos, Yuu, eu prometo que vai melhorar...

As folhas em sua mão foram arrancadas com brutalidade por Yusuke. Da mesma forma agressiva, colocou tudo na boca e fez a pior careta ao mastigar, ranzinza como um oni. Aos poucos, entretanto, as linhas feias se desfizeram. Teria se acostumado com o gosto, ou simplesmente refletiu a melhora rápida proporcionada pelas folhas? Tetsurō sabia se tratar da segunda opção.

O sorriso leve preencheu Seki Tetsurō, aliviado por finalmente ter sido escutado. Fitou os pés e o sorriso tremeu nos lábios — a queimadura estava pior, como se o tempo atingisse as feridas de forma diferente em Makai. Virou-se para onde havia arbustos, buscando as ervas certas para se tratar, mas o que encontrou foram plantas que nunca havia visto na vida! Várias delas! Como só reparou naquele momento? As portas de um mundo novo da botânica se abriram para ele; imaginou como seria o caule, a textura e o formato de cada uma das plantas e que propriedades curativas elas forneceriam. Ainda encantado, Tetsu não demorou a achar uma erva que tinha as características básicas do que serviria ao seu propósito.

Só precisava aguentar a dor, andando até lá...

Mas antes, Yusuke.

Agachado diante do samurai, Tetsurō voltou-se para ele e notou sua cabeça tombada, os olhos fechados e uma expressão... serena. Os lábios entreabertos inspiravam e soltavam profundamente. A exaustão havia somado à erva, dando-lhe um tempo de repouso. Uma brisa acariciou os cabelos negros presos num rabo-de-cavalo quase desfeito, afrouxando mais o aperto.

Dormindo, ele parecia outra pessoa.

— Você deve estar tão cansado... — Tetsu balbuciou e o vento respondeu com mais uma brisa quente. O laço que prendia o cabelo de Yusuke se desfez, mostrando o verdadeiro cumprimento dos fios. O curandeiro prensou os lábios e engoliu seco, erguendo uma mão.

Não ouse.

Hesitou, mas seu coração batia nostalgia e enviava coragem aos músculos. Colocou uma mecha atrás da orelha de Yusuke, tirando-a delicadamente da testa. Foi tão suave, tão afetuoso, mas tão melancólico. O toque sustentou todas as expectativas do que a relação deles poderia ter sido, se não tivesse dado ouvidos ao que os pais falavam sobre sua amizade.

Quando voltou à realidade, a mão automaticamente foi para trás esperando por um tabefe, mas não houve nada. É claro, Yuu estava desacordado...

— Você parece se preocupar muito com o seu amigo — a melodia do tom malicioso soou atrás de si — mas agora deveria cuidar desses pés.

A alma de Tetsurō saiu e voltou em um solavanco, o ar faltando em seus pulmões. Lembrou que não estavam sozinhos e o sangue se concentrou nas bochechas. Ele não costumava corar, mas sentia como se tivesse feito algo errado.

— Era essa que você queria?

Após um momento de confusão, olhou para lado e se deparou com uma flor entrelaçada entre as garras da mão que lhe era estendida. Era a mesma flor que encarava antes de se perder em um futuro preterido.

— Eu agradeço muito, kitsune-dono... — Ele pegou o caule com certa timidez. — Mas por que se importaria?

Zen mirou os pés machucados dele.

— Você comeria carne estragada? Eu, não.

A resposta direta não surpreendeu. Quando foi raptado, Daiki Ren e seus servos só falavam sobre possuir sua energia. Estava tão apavorado que não prestou atenção nos detalhes, mas não era como se tivesse esperanças de voltar vivo da viagem até Akayama. Seu objetivo era um só. A teimosia era apenas uma parte da motivação que o faria tentar de tudo para salvar o vilarejo. A última imagem de Mirai, na cama, falando que o amava e prometendo que cresceria assim como suas mudas de árvores, era a principal fonte de sua resiliência.

Sim, ela cresceria. Não importa o que tivesse que fazer, Mirai e Yusuke viveriam.

E se fosse morrer ali... ao menos poderia contar para Mirai, no além vida, a sua história envolvendo um kitsune — porque agora havia uma.

Quantas vezes suas irmãs relataram aparecimentos de yōkais e ele falhou em encontrá-los? Ele e Yusuke jamais presenciaram o sobrenatural. Até mesmo um simples kappa, ocasionalmente visto nos rios próximos da aldeia, lhe foi negado. E agora um kitsune iria jantá-lo.

Que situação.

O yōkai de olhos frios superava tudo o que havia lido em livros. Todos os rumores e textos sobre kitsunes eram pobres comparados ao ser perfeito diante de si.

Ao contrário de Yuu, Tetsurō não se sentia intimidado. Viu espíritos após atravessar a ponte, mas não teve tempo de processar. Enquanto era mantido na gaiola para ser vendido, arrependeu-se dos pedidos que fizera à Deusa para encontrar yōkais. Se soubesse que seria assim, teria agradecido pela benção de nunca ter visto nada.

Diante de um kitsune com oito caudas tremulando no ar, entretanto, não conseguia reconsiderar o pensamento.

Ele teria pedido, sim, para vê-lo.

Sentou-se no tronco em que Yusuke dormia encostado, limpando a terra da sola dos pés. Depois de preparar a erva adequadamente, espalhou a pomada feita à folhas maceradas — a pasta era gelada e seu perfume era doce, trazendo alívio imediato para a queimadura. Ele até conseguia ficar de pé sem sentir alfinetadas na carne. As ervas de Makai eram poderosas.

Mesmo que Zen estivesse em pé ao seu lado, Tetsurō calmamente aproveitou para tirar da bolsa dois triângulos de arroz e alga, seu último condimento para viagem, e ofereceu ao kitsune. Em outro convite, abriu espaço para a raposa se sentar.

— Isso está envenenado? — Zen perguntou.

Tetsurō arregalou os olhos.

— Não... é claro que não!

— Que pena. — Zen negou, jogando parte do tecido do kimono para trás e enfim cedendo ao convite, se acomodando perto de Tetsurō. — Comidas sem tempero não fazem o meu tipo.

— Veneno... tempero? O senhor gosta de comidas envenenadas?

Zen deu de ombros.

— É sempre divertido quando tentam e percebem que nenhum veneno pode me matar.

— Ah... eu jamais faria isso. — Tetsu abocanhou o bolinho, ficando com as bochechas cheias.

— As tentativas costumam vir acompanhadas de frases como essa.

Ninguém mais falou, só a respiração funda de Yusuke se fazia presente. Assim como o samurai, Tetsurō também havia acabado de passar por um trauma. Bolsas escuras se formavam abaixo dos olhos, mas a ansiedade não o deixava dormir. Ele simplesmente estava descontando todo o estresse na comida. Depois de ter terminado os dois bolinhos de arroz, ele resolveu quebrar o silêncio.

— Então... o senhor irá mesmo me devorar?

Zen, que observando o horizonte, voltou os olhos verdes até os castanhos-claro. Os dois mergulharam um no outro.

— Por quê? Está ansioso por isso?

— Só estou me perguntando o motivo de o senhor não ter feito isso ainda.

— Depois de todo o trabalho que tive para ter você nas minhas mãos — disse ele, zombando —, você acha que vou te devorar agora?

— Bem... eu achei que o senhor... pudesse querer acabar logo com isso.

Imediatamente Zen segurou o maxilar de Tetsurō, o polegar pressionando o queixo. O choque de eletricidade provocado pelo toque assustou mais Tetsurō do que a súbita aproximação. Ele cerrou os dentes para não corar. Após segundos excruciantes, Zen se afastou, bufando uma risada nasal.

— Vê? Não é assim que funciona. Espere com paciência, ataque com rapidez.

Era um provérbio que Tetsurō conhecia do livro da autora chinesa Hao YaLing, onde aprendeu muito sobre propriedades curativas. Naquele aspecto, ela usava a frase para aconselhar a não ter pressa ao identificar a doença, mas assim que fizesse, garantisse assertividade na fórmula para bloquear os danos. Mas Zen lhe trouxe outro significado: demoraria, mas quando acontecesse, pegaria-o desprevenido. Uma raposa regozijando antes de abater sua presa.

Tetsurō se encolheu.

— Eu não irei me opor. O senhor merece uma compensação depois de todo o trabalho que teve conosco. — Inspirou fundo. — Eu só... quero pedir uma coisa. Quando o senhor quiser, darei o que desejar sem contestações.

— Sem contestações, você diz?

Zen levantou-se e Tetsurō pôde soltar a respiração presa. O kitsune deu uma volta e jogou o corpo para trás, sendo amparado por uma fumaça negra fofa criada por sua magia. Acomodou-se de frente para o curandeiro, jogado daquela forma confortável e imprópria, a mão apoiando a cabeça.

— Estou ouvindo — ele disse.

— "Há uma flor e uma pérola, ambas nascem no mais alto do mundo de flores vermelhas. Destroem ou reconstroem, na mesma medida, espíritos malignos" — Tetsurō havia decorado a sessão do livro, o mais antigo de Ise. — Nossa vila está sofrendo com a vampirização de um yōkai. A shinzō kuza é a única coisa capaz de nos salvar. Tenho que levá-la para a nossa vila e não posso demorar mais... Sabe, por acaso, onde encontrá-la?

Zen absorvia suas palavras. Tetsurō quase ouvia a mente dele trabalhando, de tão concentrados que os olhos se mantinham.

— Foi por isso que vocês subiram Akayama?

O quê? Tetsurō não esperava a pergunta.

— Sim. — Os olhos de Tetsurō desabaram, encarando os pés. — Pessoas importantes para nós estão... — Engoliu em seco, sem coragem de terminar.

— Mas vocês aparentam estar bem. — Zen franziu o cenho, seus olhos imediatamente percorrendo os corpos humanos. Depois revirou os olhos. — O Yusuke talvez nem tanto quando o encontrei, mas já resolvi isso.

— Estamos, mas quem nós amamos, não. Isso é ainda pior do que ficar doente. Ver quem nos é precioso definhando é como definhar também. — Tetsurō suspirou, o rosto tomado pela tormenta. Então a última frase do kitsune despertou uma dúvida: — O que o senhor quis dizer com "já resolvi isso"?

— Yusuke chegou aqui com o corpo dominado por manchas negras, criadas a partir do próprio rancor. Estava morrendo quando o encontrei e, para a sorte dele, eu estava com fome na hora.

Tetsurō não entendeu e piscou, inclinando a cabeça.

— Não disse que comida envenenada é a melhor? — Zen diz lentamente. — Como uma energia contaminada por um rancor tão forte lhe parece?

— Ah...

A culpa caiu como uma pedra em seu estômago. Yusuke quase morreu e não precisava ser muito inteligente para saber um dos motivos: o rancor que nutria pelos Seki e, mais precisamente, por ele.

— O favor que tenho a pedir é para me indicar onde essa planta está... — Antes que Tetsurō finalizasse, viu o dedo em riste apontado para a esquerda.

— Se prestasse mais atenção ao seu redor, não estaria me pedindo isso.

— Não me deixou terminar. — Tetsurō sorriu amigável, feliz após se erguer e conferir a flor cuja pérola negra e branca se destacava. Estava realmente próximo do seu objetivo e seria fácil pegá-lo, o que era um alívio. Mas ainda havia outra parte preocupante... — Quando subimos a montanha, vimos que chegamos em segundo lugar. Outras pessoas haviam apanhado a shinzō kusa antes de nós...

— Tolos — Zen bufou, erguendo o lábio superior em desprezo. — Nada que é de Ningenkai passa para Makai. O contrário também é verdade. — Zen lançou um olhar para Tetsurō; para suas mãos, ocultadas pela manga do kimono. — Ou assim deveria ser.

— Então o senhor já sabe que não poderíamos voltar para casa com a planta de forma pacífica, sem sermos perseguidos e mortos pelos espíritos protetores — Tetsurō disse, brincando com os próprios dedos. Então ergueu o olhar: — É notável o seu poder perante aos outros, deve ser o yōkai mais forte daqui. Por favor, senhor, permita que Yuu-chan volte para casa com a shinzō kusa e anotações minhas. Proteja-o na descida para que nada de ruim aconteça. Eu fico. Fico e entrego meu corpo e alma ao senhor.

Ao final do pedido, o curandeiro já estava prostrado, a testa tocando a grama, o corpo curvado em uma reverência. A mais educada que poderia ser feita, digna apenas de imperadores.

Após segundos de silêncio, Zen chiou uma risada.

— Eu sequer considerar negociar com um humano é inédito — ele divagou, ainda risonho. A voz caprichosa retumbava pelos ouvidos do Seki, que se mantinha firme no chão. — E se eu recusar, Tetsu-chan? Não passou pela sua cabeça que posso ter outros planos para vocês? Algo que inclua o seu amigo?

— Eu sei que sou precioso para vocês, de alguma forma, mas o Yusuke também? — Tetsurō fechou os olhos, apertando as mãos na terra. Não poderia deixar aquela chance esvair. — Por que ele não foi raptado junto comigo? Não pareceram... se importar com ele. Nem mesmo Daiki Ren; apenas com a espada.

Eu me importo.

Tetsurō deixou a reverência para encará-lo, encontrando-o irredutível. O "importar" dito por sua boca não trazia afeto, mas possessão.

— E mesmo que eu quisesse arcar com um acordo com um humano — continuou Zen — não seria possível–

— Levanta já daí!

Tetsurō ouviu a voz irritada antes de sentir-se sendo içado do chão por duas mãos fortes em suas costas, o deixando de pé num impulso. Yusuke bufava em ódio, já entre ele e o kitsune. Parecia totalmente revitalizado, tanto que as veias do seu pescoço e braço estavam saltadas, e os dentes tão trincados que chegavam a ranger. Por pouco não segurava Tetsurō pela frente das vestes para chacoalhá-lo; sua atenção era toda de Zen, como se ele fosse o mal do mundo, causador de todos os problemas.

— Parece que descansou bem — caçoou Zen.

— Cala a boca! — ele despejou, depois olhou por sobre o ombro para o ex-amigo, de olhos espantados pelo furacão que transformou o momento de negociação em um ataque. Ele havia acabado de mandar o kitsune se calar. — Iria fazer um acordo com uma raposa, Tetsurō? Você é idiota? Quer acabar com a minha honra, Seki? Eu vim para te levar de volta e não vou voltar de mãos abanando! Você vai voltar comigo.

— Yuu, se controla, por favor... — Tetsurō suplicou.

— E você! — Yusuke focou no kitsune. — Você tem uma dívida comigo.

As pupilas de Tetsurō tremiam e as mãos suavam, temendo o que poderia acontecer com Yusuke caso ele continuasse a despejar sua fúria. Pior, o acordo que tentara fazer acabou de ser sepultado, sem chance do yōkai considerar mais uma vez após ser desafiado e desrespeitado. O Seki suspirou, passando a mão no rosto. Só restava torcer para o bom senso de Yusuke falar mais alto que seus gritos. Enquanto pensava nisso, o samurai invadiu o espaço pessoal de Zen, que mudou a pose relaxada, deitando completamente na nuvem negra.

— Seu desgraçado... você me manipulou!

— Manipulei?

Deitado de barriga para cima e olhando-o de cabeça para baixo, os cabelos derramados na borda da nuvem, Zen sorria. Achava graça da raiva exposta em todos os nervos do samurai.

— Você está achando engraçado? — Yusuke já estava perto demais, bufando. Tetsurō estava logo atrás, pensando em como contê-lo. — Acha engraçado manipular meu senso de honra? Acha divertido rir à custa do nosso sofrimento? Foi divertido ter roubado a minha espada?

Zen inclinou a cabeça, o sorriso largo se entortando.

— Então, gostou da atuação?

Atuação?

— Yuu! — A voz de Tetsurō soou trêmula. Se Yusuke continuasse a agir daquele jeito, seriam mortos em um estalar de dedos e o vilarejo não teria mais salvação!

No entanto, nenhuma das palavras de Yusuke abalavam Zen. Quanto mais ele despejava insultos, mais a raposa se divertia.

— Eu perdi a minha espada por sua causa! — esbravejou Yusuke, o descontrole já afetando sua cor e sensatez. — Eu juro, vou te matar.

Zen finalmente se ergueu, fazendo a nuvem sumir.

"A paciência dele acabou. Estamos perdidos!", pensou Tetsurō.

— Vou te mostrar um truque, Yuu-chan. — De pé, fez um movimento no ar. — Aposto que desse, você vai gostar.

Antes que Yusuke pudesse gritar mais uma vez, Zen o calou completamente. Havia levado a mão até as costas e tirou de lá, em um passe de mágica, uma katana.

A sua katana.

A Verdadeira Lâmina da Serpente.

O vermelho do rosto se perdeu, a cor se transmutou em um arco-íris, depois sumiu até estar pálido. Seu corpo travou, a voz minguou. Os queixos dos dois caíram, diferente do sorriso do kitsune, que só crescia.

— Se não gostou, posso desaparecer com ela de novo.

— Não! — Yusuke usou todo o fôlego para gritar, depois engoliu saliva. — Não...

— Kitsune-dono, como conseguiu... — A voz de Tetsurō falhou. Tinha certeza que havia visto a espada ser tragada para o Yomi em posse de Daiki Ren. Seria mais uma ilusão? Vagaroso, tentou sussurrar para Yusuke: — Como sabe se é a verdadeira? E se ele estiver te manipulando de novo?

É a verdadeira, Seki! — Yusuke gritou, voltando a atenção para Zen. Estendeu a mão, os braços com as veias lilases de tão saltadas. — Ela é minha, me devolve.

— Sua? — Os olhos se tornaram felinos. — Você a largou no chão e eu a peguei para mim. Seria um desperdício, uma espada tão bonita...

Sem suportar mais tanta ladainha, Yusuke avançou para pegar a katana. No entanto, Zen era infinitamente mais rápido e levava a espada de um lado para o outro, brincando com Yusuke, que continuava tentando pegar o objeto. Em um segundo a espada estava em um lugar e, no outro, sumia. Não havia chegado nem perto de tocá-la.

Para Tetsurō, a cena se assemelhava a um adulto implicando com uma criança birrenta tentando resgatar o brinquedo favorito.

— Para de brincar comigo e me devolve, seu cretino! — Yusuke reclamou, apoiando as mãos nas coxas enquanto respirava, ofegante. Cansado, mas longe de desistir.

— Não ouviu? Eu vou ficar com ela. — Zen sorria, jocoso, após uma infinidade de risadas. — Aprenda a ser menos estressadinho e eu reconsidero se deixo você andar por Makai com objetos afiados.

A espada desapareceu em fumaça.

Em um movimento rápido, Zen viu-se preso por aqueles olhos escuros e raivosos. A parte superior de seu kimono luxuoso foi torcida e erguida com apenas a força das mãos de Yusuke.

Se encararam.

Zen com uma expressão pacificamente divertida; Yusuke bufando ira.

— Yuu-chan, pare com isso! — Tetsu puxou-o para trás pelo ombro, afastado-o do yōkai.

Após ter testemunhado o medo que Zen causava em outros yōkais, imaginou que o tom insolente de Yusuke já o tinha feito um alvo marcado para morrer. Mas não foi isso que aconteceu. Zen tinha uma curva ainda mais estranha desenhada no rosto astucioso. Divertindo-se às suas custas. Sentindo prazer ao vê-lo agindo como um tolo.

— Me solta, merda! — Yusuke bufou, se desvencilhando do curandeiro. — Essa raposa vai me devolver a espada, ou eu vou cortá-lo em dois!

— Com que espada? — Os olhos de Zen formaram uma meia lua enquanto seu sorriso se expandia.

Yusuke avançaria novamente para atacá-lo com as próprias mãos, se o tom desesperado de Tetsurō não o impedisse:

— Yusuke! Chega! Você está sendo grosseiro!

— Vou ser muito mais se esse ladrãozinho não entregar o que é meu! A espada é importante para mim!

— Quem diria que até algumas horas atrás você preferia morrer ao deixar eu me aproximar? — Zen zombou. — Ficou mais corajoso, Yuu-chan?

Tetsurō sentiu um calafrio. Não sabia se temia mais a fúria do que a calma; kitsunes tinham jeitos estranhos de agir. Entender Zen, sobretudo, era ainda mais complexo. De qualquer forma, não queria o ofender, afinal a Verdadeira Lâmina da Serpente poderia ser a troca perfeita para que Zen permitisse que o samurai voltasse para Ise. Se a lâmina azul era tão cobiçada a ponto de ser trocada em um leilão, deixando expressões atônitas por onde era vista, talvez pudesse acordá-la pela vida de Yusuke.

— Ora, cale a sua b...

Tetsurō tampou a boca de Yusuke com a mão, calando-o.

— Yuu-chan, por favor, se acalme — Tetsurō tentou falar ao pé do ouvido dele, mesmo sendo dez centímetros mais baixo — teve que ficar na ponta dos pés, fazendo o machucado arder. Isso fez a mente de Tetsurō voar, mas se forçou a retornar ao presente. Virou a cabeça do samurai para o lado, uma árvore rodeada de flores estranhas entrou no campo de visão. — Está vendo? É a shinzō kusa. É o que precisamos para ir embora. Deixe o resto comigo.

— Deixar o resto com você? — O foco de Yusuke de repente concentrou-se no outro humano, se afastando um passo para encará-lo. — Para acordar minha vida de novo pela sua? Decidindo coisas por mim? Não pensou nem por um segundo como eu seria afetado se retornasse sem você para Ise? Como sua família asquerosa iria se empenhar em destruir a minha vida ainda mais? E achou — Yusuke riu de nervoso — achou que ia conseguir fazer um acordo com uma raposa? Uma raposa, Tetsurō? Até onde a prepotência dos Seki vai te levar?

O sangue bombeou para o rosto de Tetsurō.

— Você... estava acordado?

— Como você pode ser tão baixo? — Yusuke rosnou, prestes a explodir. Mas iria direcionar sua raiva para o yōkai. A espada era mais importante do que despejar verdades na cara do antigo amigo.

Quando se virou para Zen, no entanto, ele não estava mais lá.

O kitsune deixou como vestígio apenas a fumaça negra dissipada em segundos.

— Ele... foi embora? Com a minha espada...

Um arrepio se desenhou pela coluna de Tetsurō. Só teria aquela chance. Jamais iria descobrir a razão do kitsune tê-los deixado ali, talvez fosse Inari os auxiliando. Ou ele até então só estivesse jogando com os dois, quando o que verdadeiramente queria era a espada. Kitsunes eram inconstantes. Zen, em especial, era impossível de decifrar. Mas, no geral, esses yōkais adoravam pregar peças. Tudo não passou de uma.

— Foi. E nós também vamos — respondeu Tetsurō, puxando Yusuke pelo braço e seguindo para a esquerda, onde estava a shizō kusa.

Não tinha tempo a perder.

— Espera, a minha espada! — Yusuke tentava argumentar, enquanto era arrastado pelas clareira até árvores e arbustos. — Não posso ir sem ela!

— Depois vemos isso, Yuu, primeiro... esse lugar lhe é familiar?

Sobre grama repleta daquelas flores-de-pérolas, eles observaram com atenção ao redor. Um tronco grosso se estendia até o céu rosado de Makai, perto do crepúsculo. Pétalas vermelhas eram arrancadas pela brisa forte, jogando-as para cima dos rapazes. Tetsu já tinha vários pontos escarlates entre as mechas castanhas; Yuu expulsava cada uma que o tocava. O chão onde pisavam era praticamente banhado à sangue, de tantas pétalas murchas concentradas ali.

Em meio a expressão plana de Yusuke, Tetsurō se apressou.

— É a ponte que atravessamos para chegar até aqui.

Seguindo onde Tetsurō apontou com um dedo, Yusuke enxergou as grades vermelhas encobertas por uma neblina branca. Tão densa que praticamente não se via a entrada da ponte. Por isso, Yusuke não a reconheceu. E porque...

— Eu estava muito ocupado tentando sobreviver enquanto você desaparecia — ele se explicou sem necessidade, rolando os olhos.

No sopé da montanha, como dizia os livros, foi de onde Tetsurō arrancou, apressado, algumas folhas — e as pérolas — da planta de Makai que salvaria sua irmã e o restante do vilarejo. Ninguém dizia ser necessário atravessar para outro mundo para capturar a erva, mas isso explicava porque os murmúrios eram de que ninguém voltava. Se não por isso, os protetores fariam seu trabalho.

Bem, Yusuke voltaria.

— Yuu-chan, por favor, não é minha intenção te desrespeitar ou acabar com sua honra, mas você precisa entender... só me escute — Tetsurō o olhou compadecido, dando um impulso de coragem para pegar os pulsos de Yusuke, pondo em suas mãos o pano com as shinzō kusa e um manuscrito que fez enquanto estava na choupana. Era o utensílio e as instruções de preparação. O samurai o encarou em silêncio dessa vez. — Eu não vou voltar. Eu não posso. — Antes de Yusuke retrucar, Tetsurō aumentou a voz: — Primeiro, nós não sabemos quando o kitsune irá aparecer de novo. Mas se acontecer... ele não vai ficar feliz em ver que nós dois sumimos. Ele me... comprou. Devo ser o suficiente para abrasar sua ira. Se eu fosse com você, ele iria nos buscar no vilarejo, e sabemos o caos que seria.

Antes de Tetsurō terminar, Yusuke já negava com a cabeça.

— Eu não vou fazer isso, não importa o quanto você peça. Nós dois vamos voltar. Eu prometi.

Tetsurō estava a ponto de deixar o nó na garganta ser solto.

— Por quê, Yuu? Não há ninguém que se importe comigo fora Mirai, mas... ela é pequena, vai crescer e se esquecer de mim. Você tem sua mãe. Volte vivo para os que te amam, cure-os com isso. — Forçou a erva e as anotações contra Yusuke, tentando controlar a voz embargada. — Inari não fez você vir à toa. Foi para que vocêvoltasse ao vilarejo. Então por favor, me deixe ser útil e te salvar para isso ser possível.

— Inari não me colocou aqui à toa, é? — Yusuke já respirava com raiva, uma queimação incomoda no peito. Ele enfiou a erva e o papel ao lado daquele que sua mãe lhe dera, entre as vestes.

Tetsurō finalmente respirou.

— Muito obrigado, Yuu-c...

— Cale a sua boca, Tetsurō. Se eu estou aqui, é para te levar de volta. Você e essa maldita planta! — ele disse entredentes. — Seus pés estão esfolados? Pois bem!

De um momento para outro, Yusuke segurou em Tetsurō, abaixou-se e colocou-o nas costas como se fosse um boneco. Tetsurō ficou chocado demais para ter objeções, sem conseguir reagir além de se deixar ser encaixado no corpo do samurai. Seki não era leve; mas Yusuke já estava acostumado a carregar peso e havia descansado, mesmo que pouco.

— Qual era a primeira coisa? Aquele desgraçado voltar para nos pegar? Bem, se isso acontecer, nós vamos dar um jeito. — Ele firmou as pernas de Tetsurō em volta do tronco, abraçando-as com o antebraço. O curandeiro perdeu o ar dos pulmões, arregalando os olhos. — Mas primeiro vamos para casa. E não quero mais ouvir a merda do seu plano de novo, senão quebro suas pernas.

Tê-lo pego nas costas foi uma decisão sensata; tanto para poupar os pés quanto para fazê-lo ficar calado. Porque não foi a ameaça que fez Seki Tetsurō não protestar de novo, vide sua típica teimosia — foi a surpresa e os sentimentos nostálgicos borbulhando no interior.

Como se o momento tivesse parado para que o aproveitasse, as brumas pairando na extensão da ponte não eram mais um obstáculo, mas uma adição que fazia o cenário ser inesquecível. O cheiro de Yusuke, seu aperto nas pernas, as costas quentes abaixo do seu peito. A última vez que o samurai fez algo assim, eles ainda eram tão pequenos... Mesmo sendo carregado, seus pés tocavam o chão. Agora, ficava a uma altura considerável.

O samurai andava sem afrouxar a força sequer um pouco, talvez com medo de que o outro fosse sair correndo. Tetsurō não tinha essa intenção. Ele desejou que seus braços completassem o abraço em torno do pescoço de Yusuke, mas o seu pensamento alertou: você não tem o direito.

Não ouse.

Estava tudo bem. Ele se contentaria com o cheiro de Yusuke, que descobriu ser de bambu com notas de pimenta-preta, uma fragrância amadeirada quente e opulenta. Ao senti-la, a sensação de calor e aconchego vieram mais fortes. Ele fechou os olhos, se esforçando para marcar o odor e o toque na memória para sempre, se convencendo que não era mais um de seus sonhos.

Poderia não ter a amizade de Yusuke nunca mais; mas memórias eram eternas.

O silêncio não era incômodo e ansioso. Mesmo assim, Tetsurō limpou a garganta, mordiscando os lábios para segurar o sorriso.

— Yuu... Você nunca mais vai poder falar que yōkais não existem.

Yusuke franziu a testa e torceu os lábios.

— Depois que voltarmos, iremos esquecer disso tudo — decretou, sua musculatura enrijecendo. — Você irá voltar para sua vida de Seki e eu, para a minha. Nada irá mudar e nenhum de nós irá comentar sobre essa loucura.

Tetsurō esperava por uma fala defensiva assim, mas não pôde evitar a melancolia se apossando do seu sorriso.

— Então... o que você pretende fazer quando voltar?

— Eu vou... — Yusuke já tinha todos os planos traçados no momento em que voltou da guerra, mas hesitou naquele instante. — Eu não vou mais lutar. Vou cuidar da minha mãe e me casar, cumprindo o que prometi. Levar uma vida pacífica ao lado da minha família.

O curandeiro achou estranho ouvir aquilo de Yusuke, não soava nenhum pouco como ele. Não conseguia imaginá-lo sem uma espada, levando uma vida calma, ao lado de uma mulher e com... filhos...

Mas o que o amigo escolhesse o deixaria feliz, ele e Hana faziam um casal bonito. Certo?

— Então você finalmente percebeu? — Tetsurō sorriu.

— Percebi o quê?

O sorriso de Tetsurō tremeu, uma sobrancelha se franziu.

— Ora, com quem você pretende se casar?

— Minha mãe irá cuidar disso. — Yusuke fez pouco caso; falar sobre o assunto com o Seki nunca lhe passou pela cabeça. Era nauseante. — Qualquer uma serve.

Yusuke suspirou, em conflito interno. Já havia caminhado um bom trecho e ainda sem sinal das árvores da floresta, a neblina não tinha fim. Sentiu que Tetsurō escorregou e o impulsionou para cima num tranco.

— E você? — a pergunta saiu num rosnado.

Aquilo era inesperado. Nem em sonhos imaginou que Yusuke iria querer saber seus planos de vida. O que deixou Tetsurō sem fala, com a boca semi-aberta. Demorou para que ele se recuperasse do choque, piscando várias vezes e fazendo a voz sair:

— Ah... eu... não tenho muitos planos — confessou. — Pensei que iria morrer aqui, para dizer a verdade. De qualquer forma, caso sobrevivesse, eu não poderia me...

Os pés de Yusuke tocaram o chão de terra e a conversa se encerrou. Ele pousou delicadamente o curandeiro na grama. Seus olhos não desgrudavam do solo, solo humano.

Atravessaram a ponte, estavam em Ningenkai.

Alívio percorreu as suas veias. Yusuke fechou os olhos e suspirou de alívio, olhando para os pés na terra. O outro mordiscou os lábios, arrancando peles mortas, porque sabia que a promessa não se cumpriria: as coisas não iriam voltar a ser como antes. Era uma questão de tempo até que yōkais fossem atrás dele. Nunca mais teriam paz.

Essa certeza só durou até olhar para cima.

Yusuke, ao contrário, sorria vitorioso, estufando o peito de orgulho.

— Eu não disse, Seki? Agora que voltamos, podemos descansar um pouco e então desc...

Tetsurō não parecia animado, o que fez Yusuke franzir as sobrancelhas. O rosto dele estava perplexo.

— Yuu... O céu...

O corpo gelou quando também olhou para cima, constatando a verdade sobre suas cabeças. O céu de tonalidade rosada de Makai.

— Já voltaram? Fiquei com saudades. — A voz debochada soou também de cima, sem dar tempo deles raciocinarem o óbvio.

E é claro que Zen sorria.

Ele estava deitado de lado em cima de uma árvore, o kiseruentrelaçado nos dedos e com as caudas preguiçosamente balançando. Ele soltou fumaça pela boca antes de completar:

— Como foi lá em Ningenkai?

Os lábios de Yusuke não se mexeram, o corpo inteiro tomado por um frio que ia das orelhas aos pés. O olhar vago enquanto as palavras do kitsune se tornavam palpáveis para serem consideradas reais.

— O que significa isso, Seki? — Yusuke formou mais uma conversa sussurrada, a expressão incisiva, buscando explicações que não vieram.

— Eu acho que... que... — ele gaguejou, não querendo verbalizar o que pensou.

— Vamos tentar de novo.

— Admiro o otimismo, Yuu-chan — Zen começou —, mas não vão conseguir levar a erva para o vilarejo de vocês. Vocês não vão voltar.

Foi um golpe de desilusão.

Por mais que buscassem, a expressão desconfigurada de zombaria feita pelo kitsune não estava mais ali. Pela primeira vez, sentiram eletricidade subir por suas vértebras como denúncia de uma verdade incontestável.

Os pensamentos do curandeiro vagavam. Havia subido a montanha por um motivo altruísta, sem nenhuma pretensão de glória ou reconhecimento. Só queria salvar Mirai e o resto do vilarejo. Agora não só aquelas pessoas estavam perdidas, mas também Yusuke.

Todos iriam morrer por sua incompetência.

A culpa o consumia, faminta, arrancando violentamente cada pedaço do seu ser.

E doía. Muito.

— Yusuke... — A voz saiu embargada.

— É mentira. Mais um truque desse maldito! Tem que ser... — dessa vez, Yusuke não apontava dedos. A desolação o fez perder a vontade de falar. — Tem que ser mentira...

Tetsu sentiu a náusea subir pela barriga. Pousou uma mão no ombro do outro humano, apertando.

— Yusuke, nós vamos dar um jeito.

Não. Mais uma mentira. Por que estava falando aquilo? Ele não sabia e nem tinha ideia de como arrumaria um "jeito". Eram somente dois humanos em um mundo que não os pertencia. Eles provavelmente iriam...

— Tem que ser mentira! — Yusuke gritou, se livrando da mão de Tetsurō. Olhou para o kitsune. Não iria implorar, mas falou de joelhos: — Nos tire daqui agora!

— Mesmo se eu permitisse, vou repetir para que dessa vez não restem dúvidas: nada que é de Ningenkai passa para Makai. O contrário também é verdade — ele falou pausadamente. — Vocês estão presos aqui.

Continua...

No próximo capítulo...

Diante da verdade incontestável, Yusuke e Tetsurō precisam recuar e repensar o que fazer. Subitamente presos por correntes invisíveis, eles só podem esperar que Zen considere levá-los para um lugar propício para comerem e descansarem...

No próximo capítulo: "Entre logo, vamos nos divertir (parte 1)"

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Até semana que vem, 18 de agosto, com o último capítulo do mês!

Beijos felinos,

Mork

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