Sangue Leal

By AmyDuartte

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Agnes Williams é uma garota comum, que vive uma vida comum como qualquer outra adolescente da sua idade. Isso... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20

Capítulo 4

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By AmyDuartte

Acordei tarde. Já eram dez horas quando decidi parar de enrolar e me impedi de colocar o despertador no modo soneca novamente. Quando me levantei, mamãe já tinha saído para o escritório. Ela havia me deixado um aviso colado na geladeira me pedindo para fazer compras. Tive que preparar omeletes para o café da manhã, já que o leite havia acabado. Olhei pela janela enquanto mastigava um pedaço da minha omelete. O dia estava claro, o sol sorria para mim me lembrando de que, por mais que estivéssemos perto do início do inverno, ele ainda me fornecia o dia ensolarado que eu tanto gostava. Sorri de volta agradecida.

Fiquei sob a ducha de água fria ao tempo que decidia com qual roupa eu iria para a festa na casa do Jonas. Eu não tinha muitas opções, já que não saia muito para festas ou lugares barulhentos com vários adolescentes grudentos se esfregando uns nos outros. Eu tinha que admitir que estava um pouco receosa com à noite de hoje e isso se devia a desagradável lembrança da última festa que eu fui. Eu estava no canto da sala sentada no sofá da casa de Heitor enquanto Rebeca dançava com Tina e Wanda, duas líderes de torcida da nossa escola. Meu copo de refrigerante descansava na mesinha lateral e eu jogava Pac-man no celular para que o tempo passasse mais depressa. Alguém se aproximou e se sentou ao meu lado, mas eu não me dei o trabalho de olhar. Dois minutos depois, eu estava sozinha novamente quando Clarissa surgiu em meu campo de visão, pegou o meu copo de refrigerante da mesinha, jogou seu conteúdo na minha cara e saiu da sala sem me dizer nada. Até hoje eu não sei o que aconteceu. Eu tinha ficado praticamente todo o período da festa sentada jogando no celular. Mas Clarissa era assim, surtava de uma hora para a outra e descontava tudo em mim.

O Walmart estava mais lotado do que o de costume, mas hoje era sábado, o dia oficial de fazer compras escolhido pela maior parte das famílias americanas. Eu segurava algumas sacolas enquanto caminhava pelo estacionamento. Urso Polar brilhava sob o clarão do sol. Eu tinha acabado do tomar um banho, mas o suor já descia pela minha bochecha rosada. Cheguei ao carro e um folheto estava preso em meu para-brisa. "Compra-se e vende-se sucatas pelo melhor preço da cidade. Venha conferir" estava estampado em neon no papel. Ok, Urso Polar estava velho, mas não era pra tanto. Olhei para Urso Polar. Uns retoques aqui e ali e estaria novinho em folha.

No caminho de volta para casa, eu já estava na Avenida 4th quando o sinal ficou vermelho e eu freei. Olhei pela janela e a vitrine de uma loja de roupas me chamou atenção. Um vestido vermelho, na altura do joelho, com mangas bufantes vestia o manequim me fazendo desejá-lo. Não pensei duas vezes antes de ligar o pisca alerta e estacionar o carro no meio-fio. Uma atendente sorridente de cabelos curtos presos em um rabo de cavalo me atendeu. 

— Bem-vinda à Stone. Sou Emma, como posso ajudá-la? — Seu sorriso forçado não saiu de seu rosto em nenhum segundo, uma provável exigência de seu superior. Emma devia odiar o seu trabalho. Eu odiaria se estivesse em seu lugar.

— Gostaria de experimentá-lo. — Eu disse apontando para o vestido de mangas bufantes.

— Um minuto, por favor. — Emma me deixou sozinha e foi engolida pelas cortinas da parte posterior da loja. Pontualmente, um minuto depois seu sorriso amarelado me saudou novamente. — Só temos este tamanho.

Ela me indicou o provador e eu me troquei. O vestido não ficou como eu imaginara, isso porque eu era uns dez centímetros mais baixa e não tinha uma cintura tão fina quanto o manequim. Ainda assim, eu havia decidido leva-lo, ele havia se encaixado bem no meu corpo, mesmo eu não tendo o corpo perfeito do manequim e serviria perfeitamente para hoje à noite. Meu Deus! O que estava acontecendo comigo? Eu parecia Rebeca preocupada com o que vestir em uma festa comum de fim de semana. Essa não era eu. Eu não ia a festas, e quando ia, vestia uma calça jeans, uma regata e uma jaqueta velha. No que eu havia me transformado?  

Cheguei em casa e corri para a cozinha. Enquanto eu dirigia de volta para casa, uma súbita vontade de comer brownie havia surgido e eu tinha quase certeza que isso se devia ao outdoor da loja ao lado da Stone, o qual estampava um brownie perfeito sendo comido por uma criança quase tão sorridente quanto à atendente da Stone. Quase. 

Cozinhar era algo que me distraía facilmente e eu estava precisando pensar em algo que não fosse à noite de hoje. Festa. Barulho. Adolescentes suados passando vergonha na pista de dança. Eu realmente queria esquecer um pouco disso tudo e ocupar minha mente cozinhando era uma ótima alternativa.

À medida que eu ia acrescentando os ingredientes na tigela a tensão ia diminuindo, quase como mágica. Era muito satisfatório ver os ingredientes se misturando e formando uma pasta escura. 

Fechei o forno e fui em direção a estante de madeira da sala de estar em busca de algum livro que ocupasse a minha mente enquanto o brownie não ficava pronto. Eu estava me esforçando para deixar minha cabeça ocupada e estava conseguindo. Dei uma boa olhada de cima a baixo no móvel velho à minha frente. Ele pertencera ao meu pai e já devia ter os seus vinte anos preso naquele mesmo lugar. Passei os olhos pelas prateleiras vagarosamente. Havia uma quantidade considerável de poeira espalhada por ela me lembrando de que eu devia limpá-la o mais breve possível.

Iniciei a procura por Orgulho e Preconceito, o clássico de Jane Austin, o qual eu adorava. Passei os dedos pelos livros e a poeira ficou grudada em suas pontas, mas eu a ignorei. Encontrei o livro no canto superior perfeitamente conservado, como se o efeito do tempo não tivesse o atingido. Parecia um livro recém-comprado.

"Em vão tenho lutado comigo mesmo; nada consegui. Meus sentimentos não podem ser reprimidos e preciso que me permita dizer-lhe que eu a admiro e a amo ardentemente", eu havia sublinhado essa parte no livro. Sr. Darcy sabia como deixar uma mulher caidinha por ele. Já havia se passado mais de duas décadas da publicação desse clássico e ele ainda conseguia mexer comigo.

Tirei o brownie do forno, abocanhei alguns pedaços, guardei alguns outros para mamãe e voltei para a sala com a intenção dar continuidade a minha leitura, mas outro livro, verde e de capa dura, que estava um pouco mais a frente dos demais enfileirados ao seu lado, me chamou atenção. 

Tirei-o e o folheei. A poeira invadiu minhas narinas e eu espirrei. Bom, definitivamente eu precisava limpar aquela estante. 

O livro era bem velho, com algumas palavras sublinhadas em páginas aleatórias. Eu nunca havia reparado nele antes e, levando em consideração que somente eu tinha interesse no que se encontrava naquela estante, aquele livro devia está ali há muito tempo. Um breve conto introduzia a estória. Era sobre um menino que nasceu com grandes asas como as de uma Condor-dos-Andes, e que por isso vivia isolado do mundo no centro de uma floresta tropical, se escondendo da vista de todos. À medida que ia crescendo mais o garoto almejava conhecer o mundo, era um desejo profundo e incontrolável como o vício em uma droga. "Os humanos são perigosos. Não estão preparados para alguém como você", sua mãe avisou, mas ele não deu ouvidos. A estória termina com o menino fugindo de casa e sendo morto depois que moradores de uma aldeia o capturaram e o cozinharam junto com as demais aves na noite da festa lunar.

A leitura me deu arrepios. Eu havia me arrependido de ter aberto aquele livro. Porque raios aquilo se encontrava na minha estante?

Pus o livro de volta e fui para o meu quarto me arrumar para a festa. Rebeca já havia me enviado um monte de mensagens me perguntando sobre o seu look da noite. Respondi que o vestido de bolinhas era o melhor, mesmo sabendo que no final ela iria ignorar a minha resposta e escolher o que mais lhe agradara.

Alcancei o vestido vermelho de mangas bufantes que havia comprado e o vesti. Calcei minha bota preta e resolvi passar uma leve maquiagem. Após alguns minutos, já estava pronta. Olhei o meu reflexo no espelho, eu havia me arrumado mais do que eu normalmente me arrumaria. É, eu realmente estava ficando parecida com Rebeca.

Minha amiga, por incrível que pareça, já estava pronta quando eu cheguei. Ela apareceu com um vestido justo rosa e com um salto nude. Resolvi não comentar do milagre dela não ter se atrasado e ela também não levantou o assunto.

— Você está linda. — Rebeca me disse. — Não sei por que não gosta de maquiagem, fica tão bem em você. — Isso havia sido um elogio?

 Dei de ombro.

— É que não parece que sou eu quando uso.

— Você parece exatamente com você agora. — Rebeca pôs o cinto e olhou para a sua imagem no espelho do retrovisor. Ela limpou uma mancha de batom ao redor da boca com o polegar e sorriu para o seu reflexo.

Chegamos à casa de Jonas depois de dez minutos e logo o arrependimento me bateu. Eu não sabia que tanta matéria em um mesmo espaço era possível. Aquilo ultrapassava as leis da física. Até mesmo o pequeno sofá da sala de estar, ocupado por ao menos dez adolescentes, mostrava como a física havia resolvido sumir daquela festa assim como eu queria fazer. Até as escadas estavam completamente abarrotadas e não sei se era possível chegar ao andar superior. Dei um passo em direção à saída, mas Rebeca me puxou de volta. Encarei o ambiente me convencendo a ficar. Não tinha tanta gente assim. Eu daria conta. Vamos Agnes, você consegue, me encorajei.

Rebeca e eu tentamos ganhar espaço entre o amontoado de gente e atravessar a sala e isso foi quase uma missão impossível. Procurei o canto mais vago, se é que isso era possível, e me estabeleci por lá. Eu me sentia tonta, a sala parecia girar e o som em seu limite máximo não ajudava.

Uma mesa com vários copos com um líquido vermelho estava na cozinha. Ao longe, avistei Clarissa pegar um copo e sumir entre a multidão. Isso, vá para longe.

— Eu vou para a pista. Você quer vir comigo? — Rebeca gritou por cima da música.

Neguei.

— Tem certeza?

Olhei para ela e minha expressão lhe passou o recado.

— Ok, ok. Já volto, então.

Eu não sabia dançar e não era do tipo que me arriscava, então me pus a fazer o que costumeiramente eu fazia em festas como essa: me sentar na poltrona acolchoada e assistir aos outros dançarem. Arrependi-me profundamente de ter desinstalado Pac-Man do celular. Era um ótimo passatempo para eventos como esse.

Alarguei um sorriso e gargalhei quando a música ficou mais agitada e os estudantes da Anne Stuart School se empolgaram na pista de dança. Tina, uma das líderes de torcida da escola, me convencia de sua fama de que só estava no time porque se encaixava no padrão americano de beleza, já que dava passos e mais passos totalmente desregulados pela sala. Eu não sabia de onde as pessoas tiravam tanta coragem. Parecia que na pista de dança elas perdiam a noção das coisas e não tinham medo de passar vergonha em público. Aparentemente, Pac-man não me faria tanta falta essa noite quanto eu imagine.

Após longos minutos me permitindo usufruir desse passatempo tão prazeroso Rebeca apareceu de volta com o rosto suado e um copo de refrigerante na mão. A cabeça de Jonas apareceu entre a multidão logo em seguida, e Rebeca revirou os olhos.

— Pompom, você veio. — Rebeca odiava aquele apelido. Jonas a chamava assim desde oitava série, quando Rebeca começou a aparecer regularmente com o cabelo preso em duas maria chiquinhas. — Pensei que você tivesse mais o que fazer. — Jonas gritou por cima do som.

— Sim, eu tinha, mas a Agnes me convenceu a acompanhá-la. Ela não me deu opção, sabe. — Parei e olhei para Rebeca. Ela me olhou da mesma forma que tinha me olhado quando ficou me devendo um sorvete de chocolate, na ocasião em que me pediu para acompanhá-la àquela festa. Eu iria cobrá-la de novo por isso.

— Sei. — Jonas sorriu e bebericou o refrigerante no copo. — Admita, você estava doida para me ver. Eu vi você me procurando entre a multidão. — Um sorriso se estampou no rosto dele. Infelizmente para Jonas, não era por ele que ela procurava.

— Sonha Jonas. — Rebeca revirou os olhos.

Geralmente eu me divertia vendo a interação dos dois, ele a provocava e ela o ameaçava. Mas eu não estava a fim de continuar ali por mais nenhum minuto. O ambiente estava sufocante demais para quem não tinha o costume de está envolta de tanta gente. Em geral, a escola era o único local em que eu via mais de três pessoas num mesmo lugar. 

Saí silenciosamente para pegar um copo de refrigerante e conseguir um pouco de ar fresco no jardim. A noite estava fria e o céu coberto de nuvens. Não parecia que iria chover, mas isso não impedia que os ventos gelados de início de inverno deixassem os pelos dos meus braços eriçados e me causassem calafrios a cada minuto. Ainda assim, preferia aquilo a um lugar quentinho abarrotado de adolescentes suados e barulhentos. Respirei fundo absorvendo um pouco da calmaria do ambiente.

— Também prefere lugares menos animados? — Uma voz familiar surgiu atrás de mim.

Olhei para trás e Mark apareceu por detrás de uma árvore. Seus passos ritmados caminhavam em minha direção. Ele estava todo vestido de preto, desde a camiseta até o tênis calçado, como um espião.

— Se eu soubesse que você estaria aqui, não teria aparecido. — Respondi.

Mark fez uma careta e pôs uma mão no coração, como se algo tivesse o atingido naquela região. Tanto drama!

— De graça, assim?

Balancei a cabeça tentando não sorrir. 

Mark me analisou demoradamente dos pés a cabeça, até que os seus olhos retornaram aos meus. Um brilho dourado surgiu no azul das suas íris.

— Você está muito linda. — Ele me disse.

Meu rosto corou e eu não sabia onde enfiar a cabeça.

— Obrigada. — Agradeci. — Você também não está feio.

Associar a palavra "feio" a Mark era quase um crime.

— Posso saber o que você queria falar comigo? — Perguntei após alguns segundos em silêncio.

Ele deu mais alguns passos e se colocou ao meu lado.

— E nós já não estamos falando um com o outro?

— Pensei que fosse algo mais específico.

— Talvez, mas só depois. — Mark analisou o céu por alguns segundos e suspirou. — Ontem ouvi Rebeca dizer que você não gosta de mim. Posso saber o motivo?

O vento frio passou por mim novamente e um calafrio me subiu a espinha.

— Não tem nenhum motivo em específico. — Rebeca me mataria se eu lhe contasse sobre o quão ela fora apaixonada por Mark no passado. — Talvez o fato de você se achar demais. Talvez porque você anda com pessoas que não me trazem boas lembranças. Talvez um pouco dos dois. E com certeza deve ter mais alguns outros motivos.

Olhei para ele e sua expressão demonstrava confusão.

— Eu não me acho demais. — Mark rebateu coçando a barba rala em seu maxilar. — Quando foi que agi assim?

— Ah, qual é? Você chegou à sala deixando até a professora sem ar. Ninguém conseguia prestar atenção na aula, e Mrs. Yang precisou de dez minutos para fazer a turma focar em algo que não fosse a sua presença.

— Eu me lembro disso. — Mark admitiu, o que me surpreendeu. — Lembro também de você me secando enquanto fingia coçar o pescoço.

Engasguei e fingi uma tosse. O sorriso de Mark se alargou e suas covinhas me deram um oi.

— Mas quero que considere — ele continuou — que não fiz nada demais naquele dia. Apenas andei em direção à cadeira e me sentei. O que fez eu ser considerado culpado?

Querendo eu ou não, ele estava certo. Mark não havia feito nada para virar o foco da atenção e comentários dos alunos na última semana. Mas também, ele não precisava de muita coisa para virar a cabeça das pessoas. Se Mark quisesse e tivesse talento, seria aprovado para o papel de Danny Zuko em Grease sem muita dificuldade.

— Já quanto a sua segunda acusação. — Mark parecia sério agora. — Eu não sei exatamente a quais pessoas está se referindo, mas eu não tenho muito controle de quem aparece para falar comigo. Apesar disso, tenho todo o controle com quem eu decido iniciar uma conversa e, caso não tenha reparado, você é uma das poucas pessoas da qual eu tomei essa iniciativa.

Não consegui pensar em nada para dizer e por isso não respondi nada.

— Agnes? — Rebeca apareceu atrás de nós me assustando. Dei um passo para longe de Mark por impulso.

— Sim?

— Você quer ir agora? Eu já estou bastante cansada, não aguento mais nenhuma dança. — Ela olhou para Mark, depois desviou seu olhar para mim novamente.

— Sim, vamos. — Olhei para Mark que continuava no mesmo canto, me encarando sem nem piscar os olhos. — Até segunda. — Saí quase que correndo, sem esperar por sua resposta.

Chegamos ao carro e dei a partida. Rebeca não disse nada durante todo o percurso e eu não sabia dizer se isso era algo bom ou ruim. Deixei-a em sua casa e continuei em direção a minha.

As ruas ficavam mais vagas à medida que eu me aproximava. Os vidros do carro estavam abaixados e um vento frio invadia o seu interior, subi os vidros e liguei o ar-condicionado. Parei em um sinal e esperei. Alguns poucos carros passavam na rua que cortava a avenida 5th. Olhei para o celular, eram dez horas, ainda estava cedo. Desviei o olhar para o céu, as nuvens tinham se esvaído e ele estava limpo, sorte a minha. O sinal abriu e meu carro se moveu.

A festa não foi tão ruim quanto eu imaginava. Talvez fosse pelo fato de eu ter passado a maior parte do tempo fora dela. Já a conversa com Mark foi estranha. Não entendia porque ele resolvera se aproximar de mim de repente. Até ontem de manhã, ele nem olhava para mim, nem havia reparado na minha existência, nem mesmo havia me cumprimentado quando passava ao meu lado no corredor da escola. Mas, então, começou a falar comigo e me tratar como se eu fosse sua amiga mais próxima. Sinceramente, Mark era estranho. Eu não sabia quais eram suas intenções, mas não iria cair em seu jogo. Tem algo por detrás dessas suas atitudes estranhas, algo que eu ainda vou descobrir.

Um arrepio começou a me atingir e o ar faltou em meus pulmões. Respirei fundo tentando me acalmar. Era a mesma sensação que tive ontem quando estava na arquibancada.

Eu tentava respirar, mas meus pulmões pareciam falhar. Eu estava ficando sem fôlego e comecei a me desesperar. Resolvi parar o carro no acostamento, mas naquele momento constatei o pior: meu corpo não atendia mais aos meus comandos. Dirigir o carro se tornou muito difícil e meus braços não me obedeciam mais. Na verdade, meus membros pareciam ter desistido de funcionar de vez. O carro continuava a seguir reto, mas pendia para a esquerda aos poucos. Se eu não me movesse logo ele invadiria a contramão, e apesar de serem poucos os carros que passavam naquele horário, eu não queria contar com a sorte.

Comecei a forçar o meu corpo a reagir. Usei toda força que tinha para tentar mover o meu braço direito e ele cedeu um pouco. O carro desviou milimetricamente para a direita, mas não o suficiente para me tirar do perigo de invadir a contramão. Concentrei-me de novo, forcei novamente meu braço e consegui desviar um pouco mais. Urso Polar já começava a invadir a contramão e uma Suburban preta vinha em alta velocidade em minha direção. Aquilo não podia está acontecendo! Eu iria morrer, era o que me restava. Não havia saída. Não daria tempo de desviar mais. Eu morreria jovem por ser azarada demais. Qual a chance de alguém ter algum tipo de paralisia enquanto dirige um carro, em uma noite pouco movimentada, mas com um carro vindo em alta velocidade em sua direção? Claramente a morte veio terminar o que tinha começado comigo e estava empenhada em fazer um bom trabalho.

Fechei os olhos e esperei o pior.

Ouvi um barulho alto e agudo e senti o cheiro de borracha sendo queimada. Fui impulsionada para frente, mas o cinto impedia o meu avanço. Abri os olhos. Uma fumaça branca se erguia a frente do carro. Meu veículo estava parando, mas a Suburban ainda vinha em minha direção e, apesar do meu carro em alta velocidade entrando na contramão e a fumaça branca serem tão chamativos quanto um incêndio, a Suburban parecia ignorar isso. Minhas mãos estavam geladas e trêmulas, mas minha garganta, que travara há alguns minutos, voltou à ativa. Gritei desesperadamente enquanto via o veículo se aproximando. Seja quem for que estivesse dirigindo o carro, tinha como objetivo me atingir.

Algo se moveu a minha esquerda, me virei e o vi. Seus olhos claros geravam um belo contraste com o seu olhar sombrio e suas covinhas se escondiam em seu rosto naquele instante. Ele estava no meio da rua com uma mão levantada e uma ruga se formara entre as sobrancelhas. Mark estava concentrado. Senti o meu carro parar. Mark levantou a única mão abaixada, apontou para a Suburban e em um movimento moveu o braço para o lado. O carro girou pela pista diversas vezes e logo em seguida tombou. Prendi um grito na garganta, era adrenalina demais para mim. Isso não era possível. Eu devo está tão fora de mim que estou vendo coisas. Mark não tem essa capacidade. Nenhuma pessoa tem.

Assim que o veículo parou, Mark correu para mim. Ele me falou algumas palavras, que eu não consegui entender devido ao meu estado "semidesmaiado", me tirou, em uma velocidade surpreendente do banco do motorista, me colocou no passageiro e assumiu o volante. Nesse momento minha consciência resolveu desligar de vez e a última coisa que vi foi Mark me analisando com um olhar estranhamente monstruoso.

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