Ascensão e queda de Camila Ca...

By bolonguinha

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Camila Cabello é uma bruxa que estuda numa escola de magia na Inglaterra. Profecias dizem que ela é a Escolhi... More

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By bolonguinha

Camila

Já é quase Dia das Bruxas quando eu finalmente falo com o Mago.

Ele mesmo me chama. Um melro entra voando na aula de Grego e larga um bilhete em minha mesa. O Mago com frequência tem um ou dois passarinhos voando ao seu redor. Melros, em geral. E cambaxirras e pardais. (Como a Branca de Neve.) Ele prefere lançar o feitiço Um passarinho me contou do que usar o celular.

Quando a aula termina, dirijo-me a um prédio na parte mais distante do terreno da escola, bem junto à muralha exterior.

Ali há estábulos que foram convertidos em uma garagem e galpões.

O pessoal dele está do lado de fora – Dinah diz que gostaria um pouco mais deles se houvesse mais algumas mulheres –, reunidos em torno de um grande caminhão verde que eu jamais vira antes, algo como um caminhão militar com paredes de lona. Um deles segura uma caixa metálica. Eles se revezam estendendo as mãos para ela e observando as mãos passarem direto pelo objeto.

– Camila – diz o Mago, saindo do estábulo. Ele passa o braço ao redor dos meus ombros e me leva para longe do caminhão. – Aí está você.

– Eu teria vindo imediatamente, senhor, mas estava na aula. E o Minotauro disse que o senhor teria enviado um pássaro maior caso fosse uma emergência.

O Mago enruga a testa.

– O feitiço não funciona com pássaros maiores.

– Eu sei, senhor. Me desculpe. Ele não quis ouvir.

– Bem. – Ele aperta meu ombro. – Não era uma emergência. Eu só queria vê-la. Conferir como está. A Senhorita Possivelfa me contou sobre o ataque, os insetos. Ela disse que foi o Insípidum.

Energúmenos. Na aula de Palavras Mágicas. Um enxame deles. Eu nunca tinha visto um enxame de energúmenos antes.

Nós os chamamos de insetos porque eles são do tamanho de marimbondos, mas energúmenos são mais próximos dos pássaros. Um deles pode matar um cachorro, uma cabra ou um grifo. Dois ou três podem derrubar um bruxo. Eles se enfiam na sua orelha e zunem tão alto, que você não consegue pensar. Primeiro, você perde sua sanidade – em seguida alcançam seu cérebro, e daí você perde todo o resto.

Energúmenos não atacam pessoas, não de modo geral. Mas eles entraram pela janela da sala de aula na semana passada e me cercaram como uma nuvem alaranjada conversadeira. A pior parte foi aquela sensação seca de sucção que sempre acompanha os ataques do Insípidum.

Todo mundo que estava na aula fugiu.

– A sensação era a mesma do Insípidum, senhor. Mas por que ele enviaria energúmenos? Eles mal podem ser considerados uma ameaça.

– Não para você, certamente. – O Mago esfrega sua barba. – Talvez ele apenas queira nos lembrar de que está por aí. Com o que você os atingiu?

Mortinho da silva.

– Muito bem, Camila.

– Eu... acho que eu também matei outras coisas. Ally encontrou faisões no gramado. E Halsey tinha um periquito...

O Mago dá uma olhada para o melro voando acima de seu ombro e aperta meu braço.

– Você fez o que precisava fazer. E ninguém se feriu. Chegou a falar com a enfermeira?

– Estou bem, senhor. – Eu me aproximo um passo. – Senhor. Eu esperava... digo. O senhor fez algum progresso? Com o Insípidum? Vejo o pessoal indo e vindo. Mas eu não... eu poderia ajudar. Dinah e eu. Nós poderíamos ajudar.

A mão dele escorrega de meu ombro e ele a pousa em seu quadril.

– Não há nada para relatar nesse front. Nenhuma novidade, nenhum ataque. Apenas o constante aumento dos buracos. Eu quase desejo que o Insípidum mostre de novo sua cara – Eu estremeço à lembrança daquele rosto; o Mago prossegue – para lembrar àqueles tolos retrógrados o que estamos enfrentando.

Eu olho por cima do ombro dele para o caminhão. Os homens ficaram carregando caixas por todo o tempo em que conversamos.

– Senhor, o senhor recebeu meu bilhete?

Ele estreita os olhos.

– Sobre a garota Jauregui-Pitch desaparecida.

– Sobre a minha colega de quarto. Ela ainda não voltou.

O Mago esfrega a barba com a parte de trás da luva de couro.

– Você está correta em se preocupar, creio eu. As Famílias Antigas estão cerrando fileiras, chamando seus filhos para casa, trancando os portões. Estão se preparando para tomar alguma atitude contra nós.

– Seus filhos?

Ele começou a listar nomes – garotas que eu conheço, mas não muito bem. Alunos do sexto, sétimo e oitavo anos.

– Mas certamente – digo – as Famílias sabem que o Insípidum vai acabar conosco se não nos mantivermos unidos. Ele está mais poderoso do que nunca.

– Talvez isso faça parte do plano delas – diz o Mago. – Parei de tentar entender essa gente. Eles se importam mais com sua própria riqueza e poder do que com nosso mundo. Às vezes, acho que eles sacrificariam qualquer coisa para me ver cair...

– Como eu posso ajudar, senhor?

– Sendo cuidadosa, Camila. – Ele coloca sua mão em meu braço novamente e se vira para me encarar. – Estou partindo de novo em algumas horas. Mas eu esperava, à luz desse novo ataque, que pudesse convencê-la a levar minhas palavras a sério. Saia daqui, Camila. Deixe-me levá-la para o abrigo de que lhe falei; é o mais distante do perigo que posso alojá-la.

Eu dou um passo para trás.

– Mas eram só energúmenos, senhor.

– Dessa vez.

– Não. Senhor. Eu já lhe disse... Estou bem aqui. Estou perfeitamente segura.

– Você nunca está segura! – diz ele, e o diz com tanta ferocidade, que quase soa como uma ameaça. – Segurança, estabilidade, é tudo uma ilusão. É um deus falso, Camila. É como se agarrar a um bote afundando em vez de aprender a nadar.

– Então eu posso muito bem ficar aqui! – digo. Alto demais. Um dos homens do Mago, Stephen, olha para mim. Baixo o tom de voz. – Se nenhum lugar é seguro, posso muito bem ficar aqui. Com meus amigos. Ou posso muito bem lutar. Eu poderia ajudar o senhor.

Nossos olhares se encontram. Então eu vejo o dele se encher de desapontamento e dó.

– Sei que você poderia, Camila. Mas a situação é muito delicada neste momento...

Ele não precisa terminar. Sei o que ele quer dizer.

O Mago não precisa de uma bomba.

Não se envia bombas em missões de reconhecimento. Elas não são convidadas para reuniões de estratégia. As pessoas esperam até ficarem sem nenhuma outra opção, e então as soltam.

Eu assinto.

Em seguida, viro de costas para ele e caminho de volta para o centro do terreno da escola.

Posso sentir seu pessoal me vigiando. Eles são apenas um ou dois anos mais velhos do que eu. Odeio o fato de que eles pensam ser ainda mais velhos – que eles se sintam tão importantes. Odeio suas calças verde-escuras e as estrelas douradas em suas mangas.

– Camila! – grita o Mago.

Eu estampo uma expressão neutra no rosto e só então me volto.

O Mago pousa uma mão sobre os olhos para protegê-los do sol. E me dá um raro sorriso. Pequeno.

– O Insípidum pode estar mais poderoso do que nunca, mas você também está mais poderosa do que nunca. Lembre-se disso.

Eu concordo e observo-o voltar para a garagem.

Estou atrasada para encontrar Dinah.



Dinah

Estamos estudando nas colinas, apesar de estar frio, porque Camila não gosta de praticar onde alguém possa vê-la.

Ela está com seu casaco de lã cinza e com um cachecol da escola listrado em tons de verde, e eu deveria ter colocado uma calça, pois o vento está atravessando minhas meias cinza como se não fossem nada.

Já é quase Samhaim – o Véu se fechará em breve, e nem sombra da minha tia Beryl.

As coisas são como são! – diz Camila, apontando a varinha para uma pedra repousada sobre um toco de árvore. A pedra estremece, depois desmorona em uma pilha de poeira. – Não sei dizer se o feitiço está funcionando – diz ela –, ou se estou só destruindo coisas.

Todo aluno do oitavo ano tem a tarefa de criar um feitiço até o final do ano – seja encontrando um novo desvio de linguagem que ganhou poder ou um feitiço antigo que foi esquecido, e então descobrir como aplicá-lo.

Os melhores feitiços novos são práticos e duradouros. Bordões normalmente são uma porcaria; os mundanos se cansam de dizê-los, depois seguem a vida. (Os feitiços se estragam assim, expiram exatamente quando estamos pegando o jeito.) Música é arriscado pelo mesmo motivo.

Quase nunca um aluno de Watford cria um feitiço que realmente pega.

Mas minha mãe estava apenas no sétimo ano quando criou Vocês vão ter que me engolir – e ainda é um feitiço incrivelmente poderoso em combate, especialmente para mulheres. (Acho que minha mãe tem um pouquinho de vergonha disso. De ter um feitiço ensinado nas oficinas de Magia Ofensiva do Mago.)

Camila vem tentando uma nova frase toda semana desde o começo do ano letivo. Seu coração não está nisso, e eu não a culpo. Até feitiços testados e aprovados tropeçam na varinha dela. E às vezes, quando ela trabalha com metáforas, elas se tornam cruelmente literais. Como a vez em que ela lançou Procurando pelo em ovo na Ariana durante nosso sexto ano a fim de ajudá-la, e em vez disso deixou-a coberta de pelos de cachorro. Acho que aquela foi a última vez que Camila apontou sua varinha para uma pessoa. E a última vez que Ariana tocou em bebida.

Ela espana a sujeira do toco e se senta, enfiando a varinha no bolso.

– Lauren não é a única desaparecida.

– Como assim? – Aponto minha varinha para algumas peças de xadrez que coloquei no chão. – O jogo começou!

O bispo cai.

Tento de novo.

O jogo está valendo!

Nada ocorre.

– Essa frase tem que servir para alguma coisa – digo. – É Shakespeare mais Sherlock Holmes.

– O Mago me disse que as Famílias Antigas têm tirado seus filhos da escola – diz Camila. – Dois meninos do sétimo ano não voltaram. E Alice, prima de Lauren, se foi. Ela está só no sexto ano.

– Qual delas é a Alice?

– Em forma. Mechas loiras no cabelo. Joga no meio de campo.

Eu dou de ombros e me abaixo para apanhar as peças de xadrez. Estou sendo bem literal no momento, porque já tentei de tudo com essa frase. Sinto que ela poderia ser um bom feitiço de início – um catalisador...

– Alice... não é aquela que ficou presa no elevador de carga no nosso segundo ano?

– É.

– Ela se juntou ao lado negro, é? Bem, estou tremendo de medo.

– O Mago acha que as Famílias estão se preparando para alguma grande ofensiva.

– O que ele quer que a gente faça a respeito?

– Ele não quer – diz Camila.

Eu guardo as peças no bolso.

– Como assim?

– Bem, ele ainda quer que eu vá embora...

Eu devo estar franzindo a testa, porque Camila ergue as sobrancelhas e diz:

– Eu sei, DJ. Não estou indo para lugar nenhum. Mas, se eu ficar aqui, então ele quer que eu fique na moita. Quer que nós fiquemos na moita. Diz que seu pessoal está trabalhando nisso, e que é delicado.

– Humm. – Sento-me perto de Camila no toco da árvore. Tenho que admitir, eu meio que adoro a ideia de ficar na moita, de deixar o Mago fazer seus negócios doidos sem nós, pelo menos uma vez. Mas não quero que me digam para ficar na moita. E Camila também não. – Você acha que Lauren está com esses outros alunos? – pergunto.

– Faz sentido, né?

Eu não digo nada. Realmente odeio conversar com Camila sobre Lauren. É como conversar com o Chapeleiro Maluco sobre chá. Odeio encorajá-la.

Ela tira um pouco de musgo do toco com o calcanhar.

Eu me encosto nela, porque estou com frio e ela está sempre quentinha. E porque eu gosto de relembrá-la de que não tenho medo dela.

– Faz sentido – diz Camila.




O Mago

Livros. Artefatos. Joias encantadas. Móveis encantados. Patas de macaco, pés de coelho, gnosis de gnomos...

Nós tomamos tudo. Mesmo que eu saiba que é inútil para mim.

Esse exercício tem mais do que um objetivo: é bom para mostrar às Famílias Antigas que ainda mando neste show.

Nesta escola.

Neste reino.

E não há nenhum deles que possa fazer melhor.

Eles me chamam de fracasso porque o Insípidum ainda está por aí, roubando nossa magia, limpando nossa terra – mas quem entre eles poderia se colocar como uma ameaça?

Talvez Natasha Jauregui-Pitch pudesse ter colocado o Insípidum no lugar dele – mas ela se foi há muito tempo, e nenhum dos amigos e parentes dela tem sequer uma fração de seu talento.

Mando meu pessoal para tomar os tesouros de meus inimigos, pilhar suas bibliotecas. Mostro-lhes que até uma criança de cara rosada no meu uniforme tem mais poder do que eles nesse novo mundo. E mostro a eles o que seus nomes valem: nada.

E ainda assim...

Não encontro o que procuro. Não encontro nenhuma resposta verdadeira. Ainda não posso consertá-la.

A Maior Bruxa é nossa única esperança.

Porém, nossa maior bruxa é defeituosa. Trincada. Quebrada.

Camila Cabello é essa bruxa; eu sei disso.

Nada como ela jamais caminhou pela nossa terra.

No entanto, Camila Cabello – minha Camila – ainda não pode suportar esse poder. Ainda não sabe como controlá-lo. Ela é o único receptáculo suficientemente grande para conter o poder, mas ela é trincada. Ela é avariada. Ela é...

Só uma menina.

Deve haver algum jeito – um feitiço, um amuleto, uma lembrança – que possa ajudá-la. Somos bruxos! As únicas criaturas mágicas que podem manejar e moldar poder. Em algum lugar em nosso mundo existe uma resposta para Camila. (Um ritual. Uma receita. Uma rima.)

Não é assim que as profecias funcionam...

Não é assim que as histórias se desenrolam...

De maneira incompleta.

Se existe uma rachadura em Camila, então existe uma maneira de consertá-la.

E eu vou encontrá-la.




Camila

Vou reprovar em Grego, eu acho. E tô perdida em Ciências Políticas;

Ariana e eu tivemos uma briga sobre ir para a casa dela nas férias do meio do ano letivo: eu não quero sair de Watford, e não acho que ela queira mesmo que eu vá para casa com ela. Mas ela quer que eu queira. Ou algo assim.

Eu paro de usar minha cruz e guardo-a em uma caixa debaixo da cama...

Meu pescoço parece mais leve, mas minha cabeça parece cheia de pedras. Ajudaria se eu conseguisse dormir, mas não consigo, e, na verdade, não preciso dormir – meio que vou empurrando com a barriga, sobrevivendo de sonecas e magia.

Tenho expulsado Dinah do meu quarto com frequência, para ela não perceber como passo as minhas noites.

– Mas ninguém está usando a cama de Lauren – argumenta ela.

– E ninguém está usando a sua cama – digo.

– Trixie e Keris juntam as camas quando eu não estou lá. Provavelmente tem pó de pirlimpimpim em todo canto.

– Não é problema meu, DJ.

– Todos os meus problemas são problemas seus, Camila.

– Por quê?

– Porque todos os seus problemas são problemas meus!

– Vá pro seu quarto.

– Camila, por favor.

– Vá. Você vai ser expulsa.

– Só se eu for flagrada.

.

Quando Dinah finalmente sai, eu também saio.

Eu desisti das Catacumbas; passo agora a rondar as muralhas.

Não espero de fato encontrar Lauren por aqui – onde ela se esconderia? Porém, ao menos sinto que poderei vê-la se aproximando.

Além disso, eu gosto do vento. E das estrelas. Nunca posso ver as estrelas no verão: não importa em qual cidade eu vá parar, sempre há luzes demais.

Há uma torre de vigia com um pequeno refúgio lá dentro, com um banco e um teto. Eu observo o pessoal do Mago indo e vindo a noite toda em seu caminhão militar. De vez em quando, pego no sono.

*****

– Você parece cansada – diz Dinah, no café da manhã. (Ovos fritos. Cogumelos fritos. Feijão cozido e pudim negro.) – E também... – Ela se debruça por cima da mesa. – ... tem uma folha no seu cabelo.

– Humm. – Eu continuo destruindo meu café da manhã. Terei tempo para uma segunda porção antes das aulas, se correr.

Dinah estende a mão para o meu cabelo de novo, depois dá uma olhada de canto de olho para Ariana e recolhe a mão. Ariana sempre sentiu ciúme de Dinah e eu, mesmo eu dizendo inúmeras vezes que não tem nada a ver. (E realmente não tem nada a ver.)

Contudo, Ariana parece estar nos ignorando. De novo. Ainda. Não passamos nenhum tempo sozinhas desde nossa discussão. Francamente, foi um alívio. É uma pessoa a menos me perguntando se estou bem. Eu coloco minha mão na perna dela e aperto; ela se vira para mim, sorrindo com a metade inferior do rosto.

– Certo – diz Dinah. – Vamos nos reunir à noite no quarto de Camila. Depois do jantar.

– Reunir para quê? – pergunto.

– Estratégia! – cochicha Dinah.

Ariana desperta.

– Estratégia a respeito de quê?

– De tudo – diz Dinah. – Do Insípidum. Das Famílias Antigas. Sobre o que o pessoal do Mago está querendo de fato. Estou cansada de ficar na moita. Vocês não sentem que estão sendo deixadas de escanteio?

– Não – diz Ariana. – Sinto é que deveríamos agradecer por ter um pouco de paz.

Dinah suspira.

– Foi o que eu pensei também, mas estou preocupada. Talvez estejamos sendo enganadas para nos acalmar. E de propósito.

Ariana balança a cabeça.

– Você está preocupada por alguém querer que fiquemos felizes e confortáveis.

– Sim! – diz Dinah, espetando o garfo no ar.

– Que horror – diz Ariana.

– Nós deveríamos estar por dentro do plano – diz DJ. – Seja lá qual for. Sempre estivemos por dentro do plano, mesmo quando éramos pequenas. E somos adultas agora. Por que o Mago está nos pondo de escanteio?

– Você acha que o Mago está querendo nos enganar? – pergunta Ariana. – Ou é o Insípidum que está fazendo isso? Ou talvez seja a Lauren? – Ela está sendo sarcástica, mas DJ não repara, ou finge não reparar.

Sim – diz Dinah, espetando o ar de novo, como se estivesse se certificando de que ele está morto. – Todas as alternativas!

Espero que Ariana discuta um pouco mais, mas ela só balança a cabeça – chacoalha o cabelo da cor de palha de milho – e deposita um pouco dos ovos sobre sua torrada.

Isso é algo de que gosto em Ariana. E em Dinah. Ambas comem quando há comida por perto. Nós três já fomos presas em porões e sequestradas por águias vezes o bastante para saber que se você pode, você come.

Coloco minha mão de volta na perna de Ariana. Ela não parece feliz nem confortável. Está franzindo a testa e seus olhos estão espremidos, e não creio que ela esteja usando maquiagem.

– Você parece cansada – digo, me sentindo mal por ter notado só agora.

Ela se recosta em mim um instante, depois volta a se endireitar.

– Estou ótima, Mila.

– Vocês duas parecem cansadas – declara Dinah. – Talvez estejam com síndrome de estresse pós-traumático. Talvez vocês não estejam habituadas a tanta paz e tranquilidade.

Volto a apertar a perna de Ariana, depois me levanto para pegar um pouco mais de ovos e torrada e cogumelos para nós.

Nos enganando – ouço Dinah dizer.




Dinah

Foi difícil trazer as duas aqui para cima, e Ariana ainda está reclamando.

– Dinah Jane, este não é o nosso dormitório. Nós seremos expulsas.

– Bem, o estrago já está feito – digo, sentada na escrivaninha de Camila. – A probabilidade de você ser apanhada é a mesma, saindo daqui agora ou mais tarde, então pode muito bem ficar.

– Você não vai ser apanhada – diz Camila, desabando em sua cama. – Dinah vem aqui escondida o tempo todo.

Ariana não fica nada feliz em ouvir isso. (Eu a ignoro; se ela é tonta o suficiente para acreditar que Camila e eu temos sentimentos uma pela outra depois de tantos anos, não vou desperdiçar meu tempo tentando convencê-la do contrário.) Ela se senta deliberadamente o mais distante que pode de nós duas, embora isso signifique se sentar na cama de Lauren.

Aí percebe o que fez e parece que quer se levantar de novo. Seus olhos dardejam pelo quarto como se a própria Lauren fosse sair do banheiro. Camila parece tão paranoica quanto ela.

Francamente. Essas duas.

– Ainda não sei o porquê desta reunião – diz Ariana.

– Para agregar nosso conhecimento – digo, procurando por materiais à nossa volta. – Isso seria muito mais fácil se eu tivesse uma lousa...

Eu levanto minha varinha e lanço um Viu o que eu falei? e então começo a escrever no ar – O que sabemos:

– Nada – diz Ariana. – Reunião encerrada.

Eu a ignoro.

– Do meu ponto de vista, há três coisas com que sempre temos que nos preocupar.

1., escrevo, O Insípidum.

– O que sabemos sobre o Insípidum?

– Que ele tem a minha aparência – diz Camila, tentando me acompanhar. Ariana não parece surpreendida por essa informação; Mila deve ter contado a ela o que aconteceu. – E que ele quer algo de mim – prossegue Camila. – Que ele me persegue.

– E nós sabemos que ele anda quieto – digo. – Desde junho, nada além dos energúmenos.

Ariana cruza os braços.

– Mas o Insípidum ainda está por aí devorando magia, não é?

– Sim – admito. – Mas não tanta. Eu vi meu pai no fim de semana e ele disse que os buracos estão se espalhando muito mais devagar do que o habitual.

Acrescento isso às minhas anotações no ar.

– Nós não sabemos se ele devora a magia – diz Camila. – Não sabemos o que o Insípidum faz com a magia.

– Vamos nos ater ao que sabemos... – digo, e escrevo: 2. A guerra com as Famílias Antigas.

– Não chamaria isso de "guerra" – diz Ariana.

– Mas tem havido conflitos, né? – diz Camila. – E duelos.

Ariana bufa.

– Bem, não se pode entrar na casa de alguém e exigir que abram o sótão para buscas sem esperar que haja alguns duelos.

Camila e eu nos voltamos para olhar para ela.

– O que você quer dizer? – pergunto.

– O Mago – diz Ariana. – Ouvi minha mãe falando com uma amiga do clube. Ele tem pilhado as casas dos bruxos, procurando por magia sombria.

– Ele vasculhou a sua casa? – pergunto.

– Ele não faria isso – diz Ariana. – Meu pai faz parte da Irmandade.

– Que tipo de magia sombria? – indaga Camila.

– Qualquer coisa que possa ser usada como arma, provavelmente – diz Ariana.

Acrescento isso às minhas anotações: Batidas, magia sombria, duelos.

– E nós sabemos que as Famílias Antigas mantiveram alguns de seus filhos fora de Watford – completa Camila.

– O que pode ser mera coincidência – digo. – Nós deveríamos investigar. Talvez os alunos que faltam simplesmente foram para a universidade.

– Ou talvez estejam cansados de serem tratados como vilões – diz Ariana.

– Ou talvez – diz Camila – estejam se unindo a um exército.

Acrescento às minhas anotações: Aliados dos Jauregui-Pitch largando a escola.

– E a Lauren? – Camila está ficando inquieta.

Ariana desliza a mão sobre o colchão.

– Nós vamos chegar lá – digo. – Vamos continuar focadas no que sabemos.

Ela continua forçando a barra.

– A Senhorita Possivelfa acha que ela está desaparecida. Ela disse que o pai dela soava assustado.

Eu suspiro e acrescento uma terceira coluna. 3. Lauren. Mas não há nada para escrever debaixo dela.

– Ainda não acho que seja uma guerra – insiste Ariana. – É apenas política, exatamente como no mundo Normal. O Mago tem poder, e as Famílias Antigas o querem de volta. Elas vão reclamar, choramingar, fazer acordos, festas e...

– Não é só política. – Camila se inclina na direção dela, dedo em riste. – É uma questão de certo e errado.

Ariana revira os olhos.

– Mas isso é o que o outro lado diz também.

– É o que Lauren diz? – pergunta ela.

Eu tento interromper.

Camila.

– Não é só política – repete ela. – É certo. E errado. São as nossas vidas. Se as Famílias Antigas conseguissem que as coisas fossem do seu jeito, eu nem estaria aqui. Jamais teriam me deixado entrar em Watford.

– Mas isso não é pessoal, Camila – diz Ariana. – É porque você é uma Normal.

– Como é que eu sou uma Normal? – Ela joga as mãos para cima. – Sou a bruxa mais poderosa que alguém já viu.

– Você sabe o que eu quero dizer – afirma Ariana, e está sendo sincera, acho. – Nunca houve um Normal em Watford.

Ela tem razão, mas eu me pergunto quem ela está parafraseando.

– Eu fui profetizada – diz Camila, e isso soa tão pateticamente defensivo, que eu tento pensar em um jeito de mudar de assunto.

Camila foi profetizada.

Ou alguém foi. Várias e várias vezes.

O mago mais poderoso a caminhar pela terra estava chegando, e ele (ou ela) deveria chegar aqui justamente no momento de maior necessidade do Mundo dos Bruxos.

E Camila chegou.

O Insípidum estava devorando nossa magia, o Mago e as Famílias Antigas estavam se esganando – e então Camila chegou. Ela assumiu seu poder e acendeu o firmamento mágico como uma tempestade elétrica.

A maioria dos bruxos consegue se lembrar exatamente de onde estava naquele dia. (Eu não. Mas só tinha onze anos.) Minha mãe estava dando uma palestra. Ela disse que a sensação foi a de tocar um fio vivo e sentir a eletricidade te balançar por dentro. Magia crua, escaldante, abrasadora...

E é assim que a magia de Camila ainda parece. Eu nunca falei para ela, mas é medonho. Ficar perto dela quando perde o controle é como tomar um choque. Seus músculos ficam cansados depois e seu cabelo cheira a fumaça.

Às vezes o poder de Camila seduz outros bruxos; eles podem senti-la e querem ficar por perto. No entanto, qualquer um que realmente tenha estado próximo de Camila já não sente a sedução há muito tempo.

Certa vez, ela perdeu o controle enquanto protegia Ariana e eu de um clã de piorentos – eles são como texugos, mas piores –, e Ariana sofreu de contrações e tiques por uma semana. Ela disse a Camila que estava com gripe, só para ela não se sentir mal. A tolerância dela ao poder de Camila é menor do que a minha; talvez porque ela tem menos poder do que eu; talvez porque a magia delas seja incompatível.

Isso pode acontecer de vez em quando, mesmo quando duas pessoas estão apaixonadas. Existe uma história antiga, uma tragédia romântica, sobre dois amantes cuja magia enlouqueceu um ao outro...

Eu não acho que Camila e Ariana estejam apaixonadas.

Mas não é minha função dizer isso a elas. (Além disso, eu já tentei.)

Enfim, minha mãe diz que quando o Mago trouxe Camila para Watford, foi como se ele estivesse chamando o blefe de todo o Mundo dos Bruxos. Aqui está aquela salvadora de que vocês vêm falando há mil anos.

Até as pessoas que não acreditavam nisso não podiam admitir em voz alta. E ninguém podia negar o poder de Camila.

Mas eles tentaram mantê-la longe de Watford. O Mago teve que fazer de Camila sua herdeira para colocá-la na escola – e para inseri-la no Livro da Magia.

Ainda existem muitas pessoas que não aceitam Camila, mesmo entre os aliados do Mago. "É preciso mais do que magia para ser um bruxo", é o que Lauren sempre diz.

Soa como besteira elitista, mas, de certa forma, é verdade: os unicórnios têm magia. Os vampiros têm um pouco. Dragões, lorpas, lobisbundos – todos eles possuem magia.

Entretanto, você não é um mago a menos que possa controlar a magia, a menos que você possa falar a língua dela. E Camila... bem... Camila.

Nesse momento, ela se levanta e vai até a janela, escancarando-a e sentando-se no parapeito. Sua varinha atrapalha, de modo que ela a retira do bolso de trás e a joga na cama.

4., escrevo no ar, O Mago.

– Então a gente sabe que o pessoal do Mago está fazendo buscas... – digo. – E, Camila, você não disse que eles estavam descarregando coisas lá atrás, nos estábulos? Nós poderíamos dar uma checada por lá.

Ele me ignora, olhando pela janela.

– Ariana – digo –, o que mais você escutou em casa?

– Não sei – diz ela, franzindo a testa e remexendo em sua saia. – Meu pai teve muitas reuniões de emergência com a Irmandade. Mamãe diz que eles não podem mais se reunir lá em casa. Ela acha que nossos vizinhos Normais estão ficando desconfiados.

– Certo – digo –, talvez devêssemos passar às perguntas agora. O que não sabemos? Eu começo uma nova coluna no ar, mas Ariana se levanta para sair.

– Eu preciso mesmo estudar.

Tento impedi-la.

– Ariana, espere, você vai ser apanhada se sair sozinha!

Mas ela já está fechando a porta.

Camila exala audivelmente e passa as mãos pelo cabelo, fazendo-o ficar eriçado.

– Vou dar uma volta – diz ela, marchando para a porta e deixando a varinha em cima da cama.

Uma parte de mim deseja que ela vá atrás de Ariana, mas não acho que ela vá.

Suspiro, depois me sento na cama dela e olho para nossas listas magras. Antes de partir, sopro minhas palavras pela janela com um Sem deixar rastros!

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eaê?

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