Ascensão e queda de Camila Ca...

By bolonguinha

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Camila Cabello é uma bruxa que estuda numa escola de magia na Inglaterra. Profecias dizem que ela é a Escolhi... More

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By bolonguinha

Camila

Passo mais ou menos uma hora com Ariana, mas não falamos muito. Não conto a ela sobre o Mago.

(E se Ariana concordar com o Mago? E se ela também quiser que eu vá? Eu iria querer que ela fosse, caso estivesse correndo perigo em Watford. Diabos, ela está em perigo aqui. Por minha causa.)

Quando volto para meu quarto, Dinah já está lá, esparramada na cama de Lauren com um livro.

– Então você e Ariana conversaram? – pergunta ela.

– Conversamos.

– Ela explicou? Sobre a Lauren?

– Eu disse a ela para não explicar.
Dinah solta seu livro.

– Você não quer saber por que a sua namorada estava se pegando com sua inimiga jurada?

– Não sei de nada sobre "jurada" – digo. – Nunca fiz um juramento.

– Tenho certeza de que Lauren fez.

– Bom, elas não estavam se pegando.
Dinah chacoalha a cabeça.

– Se eu flagrasse Normani de mãos dadas com Lauren, iria querer uma explicação.

– Eu também.

Camila.

– Dinah. É claro que você iria querer uma explicação. Isso é você. Você gosta de exigir explicações e depois dizer a todo mundo que as explicações deles são uma merda.

– Não digo, não.

– Diz, sim. Mas eu... olha, eu simplesmente não me importo. Ficou para trás. Ariana e eu estamos bem.

– Eu me pergunto se ficou para trás para a Lauren.

– Foda-se a Lauren, ela vai fazer o que puder para me irritar.

E ela vai começar assim que aparecer. O que pode ser a qualquer momento...

Quase todo mundo já está aqui. Ninguém quer perder o piquenique de boas-vindas no Grande Gramado esta noite. É sempre um negócio sério. Jogos. Fogos de Artifício. Magia espetaculosa.

Talvez Lauren perca o piquenique; isso jamais aconteceu, mas é um pensamento agradável.

*****

Dinah e eu encontramos Ariana no Gramado.

Não estou vendo Lauren, mas há tantas pessoas aqui, que seria fácil para ela me evitar, se assim quisesse. (Lauren normalmente se certifica de que eu a veja.)

Os pequeninos já estão brincando e comendo bolo, alguns deles usando seus uniformes de Watford pela primeira vez. Os chapéus escorregando, as gravatas tortas. Há corridas e cantoria. Eu fico um pouco embargada durante a música da escola; tem um verso que fala sobre "esses anos dourados em Watford/esses anos mágicos, cintilantes" – e me faz pensar de novo em como é isso. Todo dia que eu viver nesse ano será o último dia desse tipo.

O último dia do piquenique de volta à escola.

O último primeiro dia de volta.

Eu ajo como uma porco, mas Dinah e Ariana não ligam, e os sanduíches de ovos e agrião estão matadores. Mais frango assado. Torta de lombo. Bolos temperados com cobertura azeda de limão. E canecas de leite frio e refresco de framboesa.

Fico me preparando para Lauren aparecer e estragar tudo. Fico olhando por cima do ombro. (Talvez isso seja parte de seu plano – estragar a noite ao me fazer imaginar como ela vai arruiná-la.) Acho que Ariana também está preocupada em vê-la.

Uma coisa com a qual não estou preocupada é com um ataque do Insípidum. Ele enviou macacos voadores para atacar o piquenique no início do quarto ano letivo, e o Insípidum nunca tenta a mesma coisa duas vezes. (Acho que ele poderia enviar alguma outra coisa que não fosse macacos voadores...)

Depois que o sol se põe, os pequeninos voltam todos para seus quartos, e o pessoal do sétimo e oitavo anos fica no Gramado. Nós três encontramos um lugar, e Dinah transforma sua jaqueta em um cobertor verde para nos deitarmos em cima. O que Ariana diz ser um desperdício de magia, uma vez que há cobertores perfeitamente bons lá dentro.

– Sua jaqueta vai ficar manchada de grama – diz ela.

– Ela já é verde – diz Dinah, ignorando-a.

A noite está quente, e Dinah e Ariana são ambas boas em Astronomia. Nos deitamos de costas, e elas apontam para as estrelas.

– Eu deveria pegar minha bola de cristal e ler a sorte de vocês – diz Dinah, e Ariana e eu soltamos um gemido.

– Vou te poupar o trabalho – digo. – Você vai me ver banhada em sangue, mas não conseguirá dizer de quem é. E vai ver Ariana linda e banhada de luz.

Dinah faz bico, mas não por muito tempo. A noite está boa demais para trombas. Encontro a mão de Ariana no cobertor e, quando eu aperto, ela aperta de volta.

Esse dia, essa noite, tudo parece tão certo. Magicamente certo. Como um portento. (Eu não acreditava em portentos – não sou supersticiosa. Mas aí tivemos um capítulo sobre isso em Ciência Mágica, e DJ disse que não acreditar em portentos era como não acreditar em feijões com torrada.)

Após cerca de uma hora, alguém atravessa o Véu, bem ali no Gramado. É a irmã falecida de alguém; ela voltou para dizer a ele que não foi culpa dele...

Guardo minha espada por conta própria dessa vez, sem que Dinah precise me dizer.

– É incrível – diz ela. – Duas Visitas em um dia, e o Véu está só começando a se abrir...

Quando o fantasma parte, todos começam a se abraçar. (Acho que os alunos do sétimo ano estão distribuindo vinho de dente-de-leão e Breezers Bacardi. Mas nós três não somos monitores de classe, então não é problema nosso.) Alguém começa a cantar a canção da escola novamente, e nós nos juntamos. Ariana canta, apesar de ter vergonha de sua voz.

Estou feliz.

Estou feliz mesmo.

Estou em casa.

*****

Desperto poucas horas depois, e acho que Lauren deve ter voltado.

Não consigo vê-la – não consigo ver nada –, mas tem alguém no quarto comigo.

– Dinah?

Talvez seja o Mago de novo. Ou o Insípidum! Ou aquela coisa que sonhei ter visto na janela na noite passada, e da qual estou me lembrando só agora...

Nunca fora atacada no meu quarto antes – seria a primeira vez.

Eu me sento e acendo as luzes sem nem tentar. Isso acontece às vezes com pequenos feitiços quando estou estressada. Não deveria acontecer. Dinah acha que deve ser como telepatia, pulando as palavras para ir direto ao objetivo.

Ainda não vejo nada, embora pense ter ouvido um farfalhar e algo parecido com um gemido. As duas janelas estão abertas. Eu me levanto e olho para fora, fechando-as em seguida. Verifico debaixo das camas. Arrisco um Pique esconde, um dois três! – depois um Quem não se escondeu, não se esconde mais!, que faz com que minhas roupas saiam voando do armário. Amanhã eu guardo tudo.

Volto para a cama, estremecendo. Está frio. E eu ainda não me sinto sozinha.

*****

Lauren não está no nosso quarto quando eu acordo.

Procuro por ela no refeitório durante o café da manhã, mas ela também não está lá.

Seu nome é chamado durante minha primeira aula – Grego, com o Minotauro. (O nome do nosso professor é Professor Minos; nós o chamamos de Minotauro porque ele é meio homem, meio touro.)

Ele chama pelo nome de Lauren quatro vezes.

– Lauren Pitch? Lauren Michelle Jauregui-Pitch?

Ariana e eu olhamos ao nosso redor na sala, depois uma para a outra.

Lauren também deveria estar na aula de Ciências Políticas comigo. Dinah me faz cursar Ciências Políticas; ela acha que eu posso acabar sendo uma líder algum dia, depois de derrotar o Insípidum.

Ficaria feliz em passar meus dias ajudando Ally a pastorear as cabras caso sobrevivesse ao Insípidum, mas Ciências Políticas é até interessante, então eu frequento todo ano.

Lauren também frequenta. Provavelmente porque ela espera reivindicar o trono algum dia...

A família de Lauren mandava em tudo antes de o Mago assumir o poder.

Bruxos não possuem reis e rainhas, mas os Pitches são a coisa mais próxima que temos da realeza – eles provavelmente teriam se coroado em algum momento se esperassem que algum dia alguém fosse desafiar sua autoridade.

A mãe de Lauren era a diretora de Watford antes do Mago, o que fazia dela a pessoa mais importante em magia. (Há um salão perto do escritório do Mago com retratos dos diretores anteriores; é como uma árvore genealógica dos Pitches.) Foi a morte dela, na verdade, que mudou tudo – que levou o Mago ao poder.

Quando o Insípidum matou a Diretora Pitch ao enviar vampiros para Watford, todos viram que o Mundo dos Bruxos precisava mudar. Nós não podíamos simplesmente seguir como éramos, permitindo que o Insípidum e as criaturas sombrias nos apanhassem um por um.

Era necessário nos organizarmos.

Era necessário pensar sobre defesa.

O Mago foi eleito Mago, líder da Irmandade, em uma sessão de emergência, e também o elegeram diretor substituto de Watford. (Tecnicamente, este ainda é o título dele.) De imediato, ele iniciou suas reformas.

Se ele tem sido bem-sucedido ou não, depende de para quem você pergunta...

O Insípidum ainda está por aí.

Mas ninguém morreu nos terrenos da escola desde que o Mago assumiu. E eu ainda estou viva, então acho que estou inclinada a dizer que ele tem feito um bom trabalho.

Alguns anos atrás, precisávamos escrever ensaios para Ciências Políticas sobre a ascendência do Mago. O ensaio de Lauren praticamente clamava por uma revolta. (O que exigiu coragem, pensei. Exigir que seu diretor renuncie em um trabalho de escola.)

Lauren sempre fez um joguinho esquisito: expressando publicamente a política de sua família – que é basicamente "Fora com o Mago! Pacífica e legalmente!" –, como se não tivesse nada a esconder, enquanto sua família na verdade lidera uma guerra clandestina e perigosa contra nós.

Se você perguntar aos Pitches por que eles odeiam o Mago, eles começam a falar sobre "os costumes antigos", "nossa herança mágica" e "liberdade intelectual".

Porém, todo mundo sabe que eles só querem estar no comando de novo. Querem que Watford volte a ser como antigamente – um lugar apenas para os mais ricos e mais poderosos.

O Mago eliminou as taxas financeiras da escola ao assumir o poder, e acabou com as apresentações orais e julgamentos de poder para admissão. Agora, qualquer um que possa falar com magia pode frequentar Watford, independentemente de força ou habilidade – mesmo que a pessoa seja meio troll pelo lado materno ou mais sereia do que bruxa. A escola teve que construir outro dormitório, a Casa da Fraternidade, só para ter espaço para todo mundo.

Não dá para escolher demais as buchas de canhão – é o ponto de vista de Lauren sobre as reformas.

Ela simplesmente odeia ser tratada como qualquer outro aluno, em lugar de ser tratada como a herdeira presumível. Se a mãe dela ainda fosse a diretora, ela provavelmente conseguiria um quarto só seu – e qualquer outra coisa que quisesse...

Eu não devia pensar assim. É terrível que a mãe dela tenha morrido. Só porque eu nunca tive pais, não significa que não possa compreender o quanto tal perda pode ser dolorosa.

Lauren não aparece na aula de Ciências Políticas, então fico de olho na sua melhor amiga, Alexa. Alexa nem pisca quando o nome de Lauren é chamado, mas olha para mim, como se tentando dizer que sabe que estou de olho nelas e está pouco se fodendo pra isso.

Eu a encurralo depois da aula.

– Onde ela está?

– Sua namorada? Não vi.

– Onde está a Lauren? – pergunto.

Alexa tenta passar por mim, mas isso é impossível quando eu me imponho. Não que eu seja grande, sou apenas ousada. E quando as pessoas olham para mim, têm a tendência de ver tudo o que eu já matei.

Alexa para e levanta a mochila no ombro. Ela é uma garota magra com olhos castanhos que ela deixa de um azul turvo com um feitiço. Desperdício de magia. Ela zomba:

– E o que isso te interessa, Cabello?

– Ela é minha colega de quarto.

– Achei que você iria gostar da solidão.

– E estou gostando.

– E daí?

Saio do caminho de Alexa.

– Se ela está planejando algo, vou descobrir – digo. – Sempre descubro.

– Tomei nota.

– Tô falando sério! – grito atrás dela.

– Também tomei nota da sua sinceridade!

*****

Quando chega a hora do jantar, estou tão inquieta, que despedaço meu pudim Yorkshire em fiapos enquanto como. (Pudim Yorkshire. Rosbife. Molho. É o que temos para o jantar todo ano no primeiro dia de aula. Jamais me esquecerei do meu primeiro jantar em Watford – meus olhos quase saltaram das órbitas quando a Cozinheira Pritchard surgiu com as bandejas de rosbife. Naquele momento, não me importava se a magia era real. Porque rosbife e pudim Yorkshire são reais pra caralho, tão reais quanto a chuva.)

– Ela pode estar de férias ou algo assim – diz Dinah.

– Por que ela ainda estaria de férias?

– A família dela viaja – sugere Ariana.

"É mesmo?", tenho vontade de dizer. É sobre isso que vocês conversam quando estão sozinhas na floresta? O amor que ambas sentem por viagens? Arranco um teco de pão e derrubo meu leite. Dinah faz uma careta.

– Ela não perderia aulas – digo, apanhando meu copo. Dinah limpa o leite com um feitiço. – Importa-se demais com os estudos.

Ninguém discute comigo. Lauren sempre foi a primeira em nossa classe. Dinah costumava ser uma boa competição para ela, mas ser minha parceira acabou afetando suas notas. "Eu não sou sua parceira", ela gosta de dizer. "Sou sua temível aliada".

– Talvez – sugere ela – a família dela tenha resolvido parar de fingir que estamos todos em paz. O oitavo ano é opcional mesmo. Antigamente, muitas pessoas saíam depois do sétimo. Talvez os Pitches tenham decidido levar isso a sério.

– Partir para a guerra – digo.

– Exatamente.

– Contra o Mago e eu? Ou contra o Insípidum?

– Não sei – diz Dinah. – Eu sempre pensei que os Pitches fossem simplesmente se sentar e assistir enquanto os dois lados se destroem.

– Obrigado.

– Você sabe o que eu quero dizer, Camila – as Famílias Antigas não querem que o Insípidum vença. Mas não se incomodam se ele der uma surra no Mago. Elas esperarão para atacar quando acharem que o Mago está fraco.

– Quando acharem que eu estou fraca.

– Dá no mesmo.

Ariana fita fixamente a mesa onde Lauren normalmente se senta. Alexa e Keana, outra das amigas de Lauren – sua prima ou coisa assim – estão sentadas perto uma da outra, conversando, suas cabeças muito próximas.

– Não creio que Lauren tenha largado a escola – diz ela.

Dinah, sentada à nossa frente, inclina-se para entrar na linha de visão de Ariana.

– Você sabe de alguma coisa? O que Lauren te contou?

Ariana baixa o olhar para seu prato.

– Não me contou coisa alguma.

– Ela deve ter te contado algo – diz Dinah. – Foi você que falou com ela por último.

Eu cerro os dentes.

Dinah Jane – digo, sem descerrar os maxilares.

– Não estou nem aí se vocês duas concordaram em seguir em frente. – Ela agita a mão para Ariana e eu. – Isso é importante. Ariana, você conhece Lauren melhor do que nós. O que ela te disse?

– Ela não a conhece melhor do que eu – argumento. – Eu moro com ela.

– Certo, Camila, o que foi que ela contou para você?

– Nada que me levasse a pensar que ela largaria a escola e abriria mão de um ano inteiro me fazendo sofrer!

– Ela nem precisa estar aqui para fazer isso – Ariana resmunga.

Isso me deixa brava, apesar de eu ter pensado a mesma coisa ontem mesmo.

– Acabei – digo. – Vou subir para o meu quarto. Para desfrutar da solidão.

Dinah suspira.

– Acalme-se, Camila. Não nos castigue só porque está se sentindo confusa. Nós não fizemos nada. – Ela dá uma olhada de relance para Ariana e inclina a cabeça. – Bem, eu não fiz nada...

Ariana também se levanta.

– Tenho tarefas a fazer.

Vamos juntas até a porta; em seguida, ela faz a curva para os Claustros.

– Ariana! – chamo.

Mas só quando ela já está longe demais para ouvir.

*****

Tenho o quarto só para mim, e não posso nem desfrutar, porque a cama vazia de Lauren me parece nada menos que sinistra agora.

Invoco a Espada dos Magos e pratico minhas posições do lado dela no quarto. Ela detesta isso.

*****

Lauren não aparece para o café na manhã seguinte. Ou na próxima.

Ela não vai para as aulas.

O time de futebol começa a praticar, e outra pessoa assume o lugar dela.

Depois de uma semana, os professores param de dizer seu nome durante a chamada.

Eu sigo Alexa e Keana por alguns dias, mas elas não parecem ter escondido Lauren em um celeiro...

Sei que deveria estar feliz por Lauren estar longe – é o que eu sempre disse que queria, me ver livre dela –, mas parece tão... errado. As pessoas não desaparecem assim.

Lauren não desapareceria assim.

Lauren é... indelével. Ela é uma mancha de graxa em forma humana. (Humana na maior parte.)

Três semanas de ano letivo e eu me flagro passando perto do campo, esperando vê-la praticando futebol e, quando não vejo, dou uma guinada brusca para as colinas atrás da escola.

Ouço Ally gritar para mim antes de vê-la.

– Oi, Mila. Olá!

Ela está sentada um pouco mais acima de mim na relva, com uma cabra aninhada em seu colo.

Ally passa a maior parte do tempo ao ar livre, nas colinas, quando não está frio ou chovendo. Às vezes, ela deixa as cabras vagarem pelo terreno da escola – diz que elas cuidam das ervas daninhas e das plantas predatórias. As plantas predatórias de Watford podem te derrubar se tiverem uma chance; elas são mágicas. As cabras, entretanto, não são. Uma vez eu perguntei a Ally se a magia machuca as cabras quando elas comem as plantas.

– Elas são cabras, Mila – respondeu ela. – Podem comer de tudo.

Quando me aproximo, vejo que os olhos de Ally estão avermelhados. Ela os enxuga com a manga do suéter. É um suéter antigo de Watford, o vermelho desbotado para um cor-de-rosa com manchas marrons ao redor do pescoço e dos pulsos.

Se fosse outra pessoa, eu me preocuparia. Mas Ally é meio que chorona. Ela é como o Bisonho, se o Bisonho andasse com cabras o tempo todo em vez de deixar que o Pooh e o Leitão o animassem.

Isso dá nos nervos da Dinah, todo esse chororô, mas eu não ligo. O negócio com Ally é que ela nunca diz a ninguém para manter a cabeça erguida ou olhar para o lado bom. É bastante reconfortante.

Eu me jogo ao lado dela na grama e passo a mão pelas costas da cabra.

– O que você está fazendo aqui em cima? – pergunta Ally. – Não deveria estar praticando futebol?

– Eu não estou no time.

Ela afaga a cabra atrás das orelhas.

– E desde quando você deixa que isso te impeça?

– Eu...

Ally funga.

– Você está bem? – pergunto.

– Argh. Claro. – Ela balança a cabeça, e seu cabelo voa ao redor da cabeça. Ele é sujo, loiro,  na altura dos ombros e sem corte nenhum – É só a época do ano – diz ela.

– Outono?

– A volta às aulas. Me lembra dos meus dias de escola. Não dá pra voltar atrás, Mila, nunca dá pra voltar... – Ela esfrega o nariz no punho da blusa de novo, depois esfrega o punho no pelo da cabra.

Eu não aponto para o fato de que Ally nunca deixou Watford de verdade. Não quero tirar sarro dela – para mim, parece um acordo muito bom. Passar a vida toda aqui.

– Nem todo mundo voltou – digo.
Sua face se inclina.

– Nós perdemos alguém?

O irmão de Ally morreu quando eles eram jovens. É um dos motivos de ela ser tão melancólica; ela nunca superou. Não quero fazer com que chore outra vez...

– Não – digo. – Quero dizer, Lauren. Lauren não voltou.

– Ah – diz ela. – Jovem Mestre Pitch. Certamente ela vai voltar. A mãe dela dava muito valor aos estudos.

– Foi o que eu disse!

– Bem, você a conhece melhor – diz ela.

– Eu também disse isso!

Ally consente e afaga a cabra.

– E pensar que vocês costumavam estar sempre se atracando.

Ela olha para mim, em dúvida. Seus olhos são estreitos e castanhos, de um castanho brilhante – ainda mais brilhante, de certo modo, devido ao fato de seu rosto ser tão sujo.

– Ally – insisto –, ela tentou me matar.

– Mas não foi bem-sucedida. – Ela dá de ombros. – E não recentemente.

– Tentou me matar três vezes! Que eu saiba! Não importa se funcionou ou não.

– Importa um pouco – diz ela. – Além disso, qual era a idade dela na primeira tentativa? Onze anos? Doze? Isso nem conta.

– Para mim, conta – respondo.

– Conta?

Eu bufo.

– Sim, Ally. Conta. Ela me odiava antes mesmo de me conhecer.

– Exatamente – diz ela.

– Exatamente! – digo eu.

– Só tô falando que faz bastante tempo desde que precisei lançar um feitiço para separar vocês – diz ela.

– Bem, não faz sentido brigar o tempo todo – comento. – Não leva a lugar algum. E machuca. Suspeito que estejamos segurando a onda.

– Para quê? – pergunta ela.

– O final.

– O final do ano?

– O final do final – digo. – A grande luta.

– Então você está segurando a onda, e aí ela não voltou para o final?

– Exatamente!

– Bem, eu não perderia as esperanças – diz Ally. – Acho que ela vai voltar. A mãe dela sempre deu valor a uma boa educação. Sinto saudades dela nessa época do ano...

Ela enxuga os olhos na manga. Eu suspiro. De vez em quando, com Ally, é melhor simplesmente desfrutar do silêncio. E das cabras.

*****

Três semanas se passam. Quatro, cinco, seis.

Eu paro de procurar por Lauren nos lugares onde ela deveria estar.

Sempre que eu ouço alguém na escadaria do lado de fora do nosso quarto, sei que é a Dinah. Até deixo que ela passe a noite aqui às vezes e durma na cama dela; não parece existir nenhum perigo imediato de Lauren entrar de repente e botar fogo nela por causa disso. (O Anátema do Colega de Quarto não impede que você machuque qualquer outra pessoa em seu quarto.)

Eu aborreço Alexa mais algumas vezes, mas ela não dá nem pistas de saber onde Lauren está. No máximo, parece que Alexa está torcendo para que eu encontre alguma resposta.

Sinto que deveria conversar com o Mago a respeito. A respeito de Lauren. Mas eu não quero falar com o Mago. Tenho medo de que ele ainda esteja planejando me mandar embora.

Dinah me diz que é inútil evitá-lo.

– Não é como se você fosse desaparecer do radar do Mago.

Mas talvez eu tenha desaparecido... E isso também me incomoda.

O Mago sempre passa muito tempo longe, mas ele mal esteve presente em Watford neste ano letivo. E sempre que ele está aqui, está cercado por sua Equipe.

Normalmente, ele estaria conferindo como eu estou. Me chamando para o seu escritório. Me passando tarefas, pedindo ajuda. Às vezes, acho que o Mago realmente precisa da minha ajuda – ele pode confiar mais em mim do que em qualquer outra pessoa –, mas às vezes acho que ele está apenas me testando. Para descobrir minha constituição. Para me manter em ordem.

Certo dia estou sentada durante a aula quando vejo o Mago caminhando sozinho na direção da Torre Chorona. Assim que a aula termina, eu parto para lá.

É um prédio alto de tijolos vermelhos – um dos mais antigos de Watford, quase tão antigo quanto a Capela. É chamada de Torre Chorona porque há trepadeiras que crescem todo verão e descem do topo – e porque o prédio começou a se inclinar para a frente ao longo dos anos, quase como se estivesse desabando em luto. Ally diz para não me preocupar, porque ele não vai cair; os feitiços ainda são muito fortes.

O refeitório fica no piso térreo da Torre, ocupando-o por inteiro, e acima dele ficam salas de aula, de reuniões e de invocações; o escritório e o santuário do Mago ficam no topo.

Ele entra e sai de acordo com suas necessidades. O Mago tem que ficar de olho em todo o mundo mágico – no do Reino Unido, pelo menos –, e caçar o Insípidum consome muito de seu tempo.

O Insípidum não ataca apenas a mim. Isso nem é o pior que ele faz. (Se fosse, os outros bruxos provavelmente já teriam me jogado para ele a essa altura.)

Quando o Insípidum apareceu pela primeira vez, quase vinte anos atrás, buracos começaram a surgir na atmosfera mágica. Parece que ele pode sugar a magia de um lugar, provavelmente para usar contra nós.

Se você for a um desses pontos mortos, é como entrar em um quarto sem ar. Não existe nada lá para você, nenhuma magia – até mesmo eu fico sem nada.

A maioria dos bruxos não consegue suportar. Estão tão habituados à magia, a sentir a magia, que ficam loucos sem ela. Foi assim que o monstro ganhou seu nome. Um dos primeiros bruxos a enfrentá-lo descreveu o ataque como uma "insipidez insidiosa, uma mundanidade que se arrasta para dentro da sua própria alma".

Os pontos mortos permanecem mortos. Você recupera a sua magia de volta se sair dali, mas a magia nunca mais volta para aquele lugar.

Muitos bruxos tiveram que abandonar seus lares, pois o Insípidum retirou a magia de lá.

Seria um desastre se o Insípidum um dia viesse a Watford.

Até o momento, ele normalmente envia alguém – ou alguma outra coisa, alguma criatura sombria – atrás de mim.

É fácil para o Insípidum encontrar aliados. Todas as criaturas sombrias deste mundo e seus vizinhos também adorariam ver os bruxos caírem. Os vampiros, os lobisomens, os demônios e banshees, as mantícoras, os duendes – todos eles são ressentidos conosco. Nós controlamos a magia, e eles não conseguem fazê-lo. E mais, nós os mantemos sob controle. Se as coisas sombrias tivessem liberdade para fazer o que quisessem, o mundo Normal seria um caos. Eles tratariam as pessoas normais como gado. Nós, os bruxos, precisamos que os Normais levem suas vidas normais, relativamente inalteradas pela magia. Nossos feitiços dependem de eles poderem falar livremente.

Isso explica por que as criaturas sombrias nos odeiam.

Contudo, ainda não sei por que o Insípidum me escolheu como alvo, especificamente. Porque sou a bruxa mais poderosa, suponho. Porque sou sua maior ameaça.

O Mago diz que ele mesmo seguiu meu poder como um farol quando chegou o momento de me trazer para Watford.

Talvez também tenha sido assim que o Insípidum me encontrou.

Eu subo uma escadaria curva até o topo da Torre Chorona, onde ela se abre em um saguão redondo. O brasão da escola está disposto em mármore no piso, polido até parecer molhado. E o teto abobadado tem um mural do próprio Merlim invocando a magia através das mãos apontadas para o céu, a boca aberta. Ele lembra o cara que apresenta QI.3

Há duas portas. O escritório do Mago fica depois da porta alta em forma de arco, à esquerda. E seu santuário, seus aposentos, depois da porta menor, à direita.

Eu bato na porta de seu escritório primeiro, mas ninguém responde. Cogito bater na porta de seus aposentos, mas isso parece íntimo demais. Talvez eu apenas deixe um recado.

Abro a porta do escritório do Mago – ela tem uma proteção, mas as proteções foram ajustadas para me receber bem –; em seguida, entro devagar, caso eu o esteja perturbando...

Está escuro. As cortinas estão fechadas. As paredes normalmente são forradas de livros, mas um punhado foi retirado e está organizado em pilhas ao redor da escrivaninha dele.

Eu não acendo a luz. Queria ter trazido papel ou alguma coisa assim – não quero remexer a mesa do Mago. Não é o tipo de escrivaninha que tem bilhetinhos em Post-it e um bloco de enquanto você estava ausente.

Pego uma pesada caneta-tinteiro. Há algumas folhas de papel na mesa, listas de datas. Eu viro uma e escrevo:

Senhor, eu gostaria de falar com o senhor quando tiver um momento.
Sobre tudo. Sobre a minha colega de quarto.

E então eu acrescento:

(Lauren M. Jauregui-Pitch)

Aí desejo não ter feito isso, porque é claro que o Mago sabe quem é minha colega de quarto, e agora parece que assinei com o nome dela. Assim, eu tenho que assinar com o meu:

Camila

– Camila – alguém diz, e eu me assusto, derrubando a caneta.

A Senhorita Possivelfa está de pé à porta, mas não entra no escritório.

A Senhorita Possivelfa é nossa professora de Palavras Mágicas e reitora dos alunos. Ela é minha professora favorita. Não é exatamente amistosa, mas acho que realmente se importa, e às vezes parece mais humana do que o Mago. (Embora ela não seja exatamente humana, creio eu...) É muito mais provável que ela repare se você está se sentindo doente ou triste, ou se o seu polegar está pendurado por um fio.

– Senhorita Possivelfa – digo. – O Mago não está.

– Estou vendo. Você tem algum assunto a tratar aqui?

– Pensei que ele pudesse estar aqui. Tem algumas coisas que eu queria falar com ele.

– Ele estava aqui de manhã, mas já saiu de novo. – A Senhorita Possivelfa é alta e larga, com uma grossa trança prateada descendo pelas costas. Ela é impossivelmente graciosa e impossivelmente eloquente, e se ela fala diretamente com você, a voz dela meio que faz cócegas nos seus ouvidos. – Você pode conversar comigo – diz ela.

E mesmo assim ela não entra; não deve ter permissão para cruzar os feitiços de proteção.

– Bem – digo. – Em parte, é sobre a Lauren. Michelle. Ela ainda não voltou para a escola.

– Eu notei – diz ela.

– A senhorita sabe se ela vai voltar?

Ela baixa o olhar para sua varinha, um cajado de caminhada, e gira o cabo em um círculo.

– Não tenho certeza.

– A senhorita falou com os pais dela? – pergunto.

Ela olha para mim.

– Isso é confidencial.

Eu assinto e chuto a lateral da escrivaninha do Mago – aí percebo o que estou fazendo e dou um passo para trás, passando a mão em meus cabelos com os dedos.

A Senhorita Possivelfa limpa a garganta com delicadeza; mesmo do outro lado da sala, um arrepio sobe pela minha nuca.

– O que eu posso te dizer – continua ela – é que é política da escola entrar em contato com os pais dos alunos quando a criança não volta para o ano letivo...

– Então você conversou com os Pitches?
Ela estreita seus olhos castanho-escuros.

– O que você espera descobrir, Camila?

Eu baixo a mão, frustrada.

– A verdade. Ela se foi? Ela está doente? A guerra começou?

– A verdade...

Fico esperando que ela pisque. Até bruxos piscam.

– A verdade – diz ela – é que não tenho resposta para nenhuma dessas questões. Os pais dela foram contatados. Estão cientes de que ela não se encontra na escola, mas não têm o que fazer. A Srta. Jauregui-Pitch já é maior de idade, como você. Tecnicamente, é uma adulta. Se ela não frequentar esta escola, não sou responsável por seu bem-estar.

– Mas vocês não podem simplesmente ignorar quando um estudante não retorna para a escola! E se ela estiver planejando alguma coisa?

– Então essa é uma preocupação para a Irmandade, não para a reitora dos alunos.

– Se a Lauren estiver organizando uma insurgência – pressiono –, isso é uma preocupação de todos nós.

Ela me observa. Eu empino o queixo e me mantenho firme. (Esse é meu movimento padrão quando não sei mais o que fazer.) (Porque se tem uma coisa em que eu sou boa...)

A Senhorita Possivelfa fecha os olhos, mas não como se precisasse piscar – é mais como se ela estivesse cedendo. Bom.

Ela torna a olhar para mim.

– Camila, você sabe que me importo com você e que sou sempre honesta. Mas eu não sei onde Lauren está. Talvez ela esteja planejando algo horroroso; espero que não, pelo seu bem e pelo dela. Tudo o que sei é que quando falei com seu pai, ele não pareceu surpreso, apenas desconfortável; sabia que a filha não estava aqui, e não soou nada feliz. Francamente, Camila? Ele soou como um homem que não sabe mais a quem pedir ajuda.

Solto o ar com força pelo nariz e assinto com um gesto.

– Isso é tudo o que eu sei – diz ela. – Se eu descobrir mais alguma coisa, te conto, se puder.

Concordo mais uma vez.

– Agora, talvez você deva ir almoçar.

– Obrigada, Senhorita Possivelfa.

Enquanto passo por ela na entrada, ela tenta dar tapinhas conciliatórios em meu braço – mas eu sigo andando, e é esquisito. Ouço a pesada porta de carvalho se fechar atrás de nós.

Eu não vou almoçar. Faço uma caminhada que se transforma em uma corrida que se transforma em um ataque a uma árvore na fronteira da floresta.

Não posso acreditar que minha espada vem quando eu chamo por ela.

3 QI: Quite Interesting, programa de trívia apresentado por Stephen Fry. (N.T.)

_______

estão atentos?
montem as teorias, conversem comigo.
prometo que sou legal.
porém depende rs.

é isto.
até mais pessoas.

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