Celine
— Acho que Jasmin na verdade... é menino.
— O quê?! — Ela se levantou com dificuldade e pegou carinhosamente o recém-nascido nos braços ainda ligado no cordão. As lágrimas escorriam no seu rosto e quando viu o sexo do bebê, ela riu. Gargalhou para ser exata. — Não é possível... — Olhei para Sury que sorria alheia enquanto olhava para os dois. Peguei uma toalha e entreguei para Lori. Ela colocou o bebê que na verdade não era Jasmin sobre o pano e eu entreguei a faca pra ela. Ela sabe melhor como usar isso. E fez numa agilidade que me surpreendeu.
Parece que vão ter que escolher outro nome...
— Então... Que nome vai dar agora? — Sury perguntou e vi Joseph aparecendo longe atrás do sofá.
— Acabou? — Ele perguntou e eu gargalhei.
— E você estava aí esse tempo todo? — Sury falou.
— Parabéns Lori. — Me aproximei dela.
— Obrigada... — Ela enrolou o bebê agora sem nome e começou a chorar e rir. Sury se aproximou e beijou a cabeça dela.
— Podia ter me ligado, queria poder ter ajudado em alguma coisa nem que fosse pra dar só apoio moral. — Joseph se aproximou e espiou de cima.
— É menino?
— É, parece que teremos história pra contar futuramente. — Ela assentiu e beijou o bebê. — Só não sei qual nome vou colocar agora. — Ela levantou uma sobrancelha e o canto da boca num sorriso torto. A cor já estava voltando pra ela. — Filho, você enganou a mamãe esse tempo todo e tem agora um monte de roupa rosa lá em casa. — Dei risada e encarei aquela cena belíssima por um tempo. Queria que Collin e Connor estivessem aqui pra ver isso. Posso até imaginar os dois lobos encarando a criaturinha e rindo da situação.
— Agora me falem, como tudo isso aconteceu? — Sury perguntou e eu olhei pra ela ao mesmo tempo que me levantei saindo do torpor.
— Podem explicar pra ela? Preciso voltar lá e tentar cuidar daquilo o mais rápido possível. — Olhei para Lori e ela assentiu.
— Cuidar do quê? — Coloquei meu casaco de novo nem me importando com as mãos ainda sujas do parto. Acenei e andei até a porta de trás.
— Joseph. — O chamei quando vi aquelas espingardas. Ele logo chegou. — Esconda essas armas pra mim, por favor. Sabe onde tem uma pá? — Ele assentiu e entrou num quartinho ali perto. Logo voltou e me entregou.
— Você quer... ajuda? — Percebi suas mãos tremerem.
— Não, não precisa. — Fui alisar seu cabelo, mas parei no mesmo momento quando vi minhas mãos sujas. — Daqui a pouco eu volto. — Falei e ele assentiu mais uma vez.
Encarei aqueles corpos na minha frente, encarei a neve manchada e senti meu estômago embrulhar. Tive que desviar o olhar por um momento e encarar algo que estivesse imaculado para não vomitar. Olhei em volta e percebi que era até um lugar bom para abrir uma cova, mas que ficava perto demais da casa. Então depois de minutos arrastando aqueles corpos para longe, eu finalmente comecei a cavar.
Não estava acreditando que estava fazendo isso. Eram humanos, e eu os matei para proteger a mim e meus lobos.
Travei com a pá na terra ao pensar nisso.
Meus lobos...
Sim, eu os matei sem pensar porque estava protegendo pessoas importantes pra mim. Connor teria feito a mesma coisa. Talvez teria feito um trabalho mais limpo, mais rápido, mas teria feito o mesmo.
Continuei cavando e cavando e cavando até que chegasse numa profundidade boa atrás daquelas pedras grandes. As árvores aqui tampam bem a visão. Puxei o primeiro corpo e empurrei ele lá pra dentro antes de fazer o mesmo com o outro. O processo de enterrar foi o mesmo. Mas ainda pisei sobre a terra para prensar e chutei a neve sobre ela quando terminei.
Até que o inverno acabe, a grama já vai ter nascido.
Peguei aquela pá para voltar pra casa e encarei minha mão suja de terra e sangue. Minutos atrás eu tinha ajudado um bebê a nascer, e minutos antes disso eu tirei a vida desses homens. Engoli a ânsia uma vez, mas na segunda não aguentei. Acabei esvaziando meu estômago no arbusto seco ao lado.
Tinha começado a nevar.
Respira. Olhei para o tronco da árvore e encostei minha testa nela antes de fechar os olhos. A neve vai apagar o resto dos rastros. Só volte pra casa. Vamos ajudar Lori a pensar num nome.
Voltei a andar, e enquanto eu andava, senti algo atingir minha perna. Grunhi com a picada e olhei para baixo no mesmo momento que senti a mesma dor fincar no meu pescoço. Arranquei aquilo e pisquei ao ver o dardo vermelho. Minhas mãos tremeram e a pá escapou da minha mão antes que meus joelhos pendessem na neve. O quê?
Isso não era prata... Esse dardo era tranquilizante.
Olhei em volta e vi tudo girar. Caí naquela neve gelada sem conseguir pensar em mais nada e vi duas ou três sombras me rodearem antes que eu não conseguisse manter mais os meus olhos abertos.
Joseph
Andei de um lado para o outro naquela sala enquanto Lori contava tudo para Sury. Olhei para as pegadas que Celine tinha deixado na neve e só consegui lembrar dela atacando aqueles dois bastardos enquanto eu estava travado na neve. No momento que pulei diante daquela arma e abocanhei o braço dele, não vi o que eu estava fazendo.
Quando eu tinha voltado para perto de Celine e Sury tentando dar outro susto nelas, ouvi aqueles homens. Senti o cheiro deles. Era o mesmo cheiro que Matheu tinha. Humano.
Ouvi a conversa deles, senti o cheiro estranho de Lori e vi que eram caçadores.
Caçadores...
Se eles estavam rodeando esse lugar, significa que Matheu não manteve a boca fechada. Não manteve. Ele mentiu pra mim. E agora colocou todos nós em perigo. Todos nós. Tudo aquilo que aconteceu antes vai acontecer de novo. Quase vi isso acontecer hoje diante dos meus olhos.
Se não fosse Celine...
Lembrei das suas mãos sujas de sangue, os olhos amarelos virados na minha direção.
Meus pais não foram capazes da mesma coisa. Eles não conseguiram se salvar daqueles monstros. E isso me desesperou.
— Joseph, você está bem? — Sury estava tremendo quando se aproximou de mim e me abraçou. Ela sabia qual era o meu problema com caçadores. — Céus, quando Celine voltar devo agradecê-la. — Abracei ela de volta e respirei fundo. Aqueles homens estão mortos. Já estamos seguros.
Não encana Joseph.
— Acho que decidi o nome que vou dar. — Olhamos para Lori e ela sorriu para aquele bebê ainda sujo. Os olhos daquela coisinha estavam arregalados e o berreiro já tinha parado também. Tinha os olhos verdes escuros de Collin. — Vai ser Jasper. — Ela riu fraco. Os cabelos dela ainda estavam melados de suor. — É o nome que Collin sugeriu uma vez. Antes de sabermos que era menina.
— Jasper... — Repeti o nome. — Não é tão ruim quanto eu imaginava. — Senti um beliscão no meu braço e abri a boca para Sury que sorria para Lori.
— É lindo. — Ela falou. — Eu adorei.
Olhei novamente para a porta dos fundos e mirei a floresta. Já faziam longos minutos que Celine tinha saído. Eu deveria ter ido ajudá-la para agilizar o trabalho. Está frio lá fora e eu vi a cor pálida da sua boca antes de fechar a porta. Mas eu fui covarde demais. Um moleque covarde.
Maika
5589
Acho que eu repeti esse número tantas vezes na minha cabeça que eu lembraria dele pro resto da minha vida.
Desde que eu acordei, esperei que Bram chegasse de onde quer que ele estivesse para me entregar aquela maldita chave. Liphe e eu estávamos sendo vigiados por aquele solitário loiro que estava sentado no sofá mexendo no seu celular.
Se eu pudesse morrer de tédio ou ansiedade, esse era o momento.
Me perguntei se os outros estavam ficando loucos com o que eu tinha feito. Adoraria ter um celular também com o número de alguém de lá. O meu último eu tinha perdido a vários dias e nem sabia como ou onde. De qualquer forma eu só usava ele para falar com o meu irmão. E meu irmão numa hora dessas deve estar fazendo qualquer coisa, menos preocupado com a irmãzinha que quase matou. Meu maxilar contraiu e eu encarei a janela. Ouvi o barulho de passos lá fora e vi Bram abrir a porta e entrar com o grandão logo atrás dele.
— Bom dia. — Ele falou sério enquanto nos encarava.
— Bom dia, estávamos quase morrendo de tédio aqui. Aquele cara ali abriu a boca 17 vezes desde quando o encontrei aqui embaixo. — Liphe falou sentado perto do balcão e Bram pelo menos sorriu. Pude ver seu revólver encaixado na cintura quando tirou o casaco. Precisávamos saber onde essas armas estavam...
— Imagino que Hugo tenha ficado calado esse tempo todo... — Bram passou por ele e apertou seu ombro com uma força considerável. — Ele é um pouco antissocial e irritável. Desculpem por isso. — Andou até onde eu estava quando percebeu que eu continuava olhando pra ele. Parou na minha frente e tentei manter a respiração normal.
Agarrou a corrente e tirou aquela chave do pescoço.
— Aqui Maika, prometi seu serviço. Faça bom uso do espaço lá embaixo. — Deixou a chave cair na minha mão e me encarou. — Hugo te fará companhia e pode pedir qualquer coisa que precisar para ele. — Merda, não...
— Claro. — Sorri e encarei o loiro no sofá que só me olhou de volta antes que eu desviasse a atenção.
Nos minutos seguintes eu passei arrumando as coisas que eu precisava. A despensa, na qual eu descobri ontem enquanto limpava essa casa enorme, tinha os produtos que eu precisaria para tirar a imundice lá debaixo. Ou pelo menos tentaria.
Peguei dois baldes, enchi de água, peguei sabão e uma vassoura para esfregar aqueles coágulos de sangue que provavelmente estavam apodrecendo junto com Kendall, e um rodo para puxar a água suja. Pra algum lugar. Provavelmente aquela merda tinha algum ralo no chão. Não fariam um lugar de tortura sem pensarem na limpeza, não é?
Agora eu estava realmente preocupada dele estar morto quando chegasse lá embaixo. Segurei aquela chave na minha mão como um diamante e levei até a porta para abri-la. Desci com os baldes e o sabão, os coloquei na frente da outra porta e abri novamente. Essa, que era mais bruta, rangeu quando entrei. Ouvi os passos do tal Hugo na escada as minhas costas e contive uma cara feia, mas a primeira coisa que fiz foi olhar para a cela. Kendall sequer tinha saído daquela posição. As mãos juntas perto da grade. A distância máxima que as correntes de prata poderiam manter ele.
Fixei os olhos em seu peito e minha respiração travou quando não percebi de imediato o movimento de subir e descer. Ele está fraco. Muito fraco. E sua respiração deixava isso bem claro também.
Me virei, colocando a chave no bolso da calça em vez de deixar na porta. Peguei os baldes, ignorando Hugo perto da escada e os trouxe pra dentro. Quando fui pegar o rodo e a vassoura, percebi que já estavam nas mãos do solitário loiro. Ele deixou encostado ao lado dos baldes e não me olhou. Só andou até a cela devagar e se abaixou ali em cima daquele sangue seco enquanto encarava aquele corpo inconsciente.
— Obrigada. — Sussurrei, mesmo não querendo. Ele não respondeu. Estava de costas, vi sua mão perigosamente atravessar a grade da cela e não pude ver onde ele tocou. Provavelmente olhando as queimaduras de prata nos pulsos e calcanhares que impediam a cicatrização de Kendall. Pude até acreditar que estava preocupado também, mas ele logo se levantou e deixou ele lá da mesma forma. Nada era claro em suas feições quando deu espaço para eu começar a trabalhar.
Desgraçado. Eu vou fazer você morrer de tédio aqui dentro.
Joguei um pouco de água sobre as manchas de sangue e logo em seguida joguei o sabão antes de esfregar aquele cimento liso. E mesmo depois de várias vezes esfregando, as manchas demoraram pra sair.
Eu estava perto o suficiente da cela, mas evitei olhar demais para Kendall já que Hugo estava do outro lado do porão. Mas graças a isso, no canto mais afastado do lado esquerdo da cela, eu achei o bendito ralo. A água vermelha escorria naturalmente pra lá.
Enquanto me demorava com o chão e quase tropeçava nas correntes de prata hora ou outra, pensei em puxar assunto com Hugo que não parava de me vigiar enquanto mexia no celular.
— Hugo, você já está com Bram há muito tempo? — Perguntei enquanto empurrava a água até o ralo. Levantei a cabeça para olhá-lo e ouvi um suspiro vindo dele.
— Algumas semanas. — Fui até o balde, joguei o resto da água no chão perto daquela mesa podre onde ele estava encostado e joguei também mais um pouco de sabão. Talvez um pouco demais de sabão, só pra eu ter mais tempo para tirá-lo. Ele se sentiu obrigado a andar até a porta para não se molhar. Afinal eu estava sendo um pouco brusca enquanto esfregava. Tenho certeza que ele não gostaria de ter os sapatos sujos.
— E você acha que Bram é um cara que aceitaria bem solitários como eu e Liphe aqui no território? — Falei inocentemente.
— Ele está mantendo vocês aqui, não está?
— Sim, mas eu não conheço ele. — Sussurrei. — Pode estar tramando qualquer coisa. — Suspirei parecendo derrotada, mas eu estava começando a cansar. Meus braços ardendo de esfregar o chão e puxar a água suja. — Eu só quero um lugar pra ficar, Hugo. — Continuei esfregando o chão. — Não quero confusão. Já tive o suficiente disso ao lado de Caim. — Meia verdade. Hugo ficou em silêncio.
— Bram me deixou na mira dele longos dias antes de reconhecer minhas verdadeiras intenções e me aceitar. — Cruzou os braços e encostou na parede. — Ele até que está sendo generoso com vocês. — Isso porque temos um "aliado" em comum. Meu irmão.
— Espero que sim. — Parei respirando fundo e olhei para os baldes já vazios. Precisava enchê-los de novo pra terminar esse trabalho nojento. Olhei para Hugo na porta e automaticamente quis levantar as mãos aos céus. E quando percebeu meu olhar, levantou uma sobrancelha, provavelmente confuso ou esperando algo. — Pode me fazer um favor? — Perguntei e vi que ele demorou para assentir. — Enche pra mim? — Peguei os baldes e me aproximei. Hugo encarou eles e suspirou antes de fechar os olhos.
— Certo... — Os pegou e deu meia volta. Quando ele começou a subir a escada, me virei e peguei a vassoura fingindo voltar a trabalhar, mas andei apressada para perto da cela. Conseguia ouvir os passos dele se afastando cada vez mais na escada. Abaixei ali, olhei os machucados horríveis nos seus pulsos e calcanhares e arfei.
— Por favor... — Sussurrei mais para mim mesma do que para ele. Uma esperança vazia de que sequer iria acordar, mas um sentimento que deveria ajudá-lo de alguma forma. — Kendall... — Levei minha mão para o lado de dentro da cela e toquei seu braço para chacoalhá-lo. Céus... como pensei, ele está congelando... — Kendall... — E nada dele se mover. Quem eu estou tentando enganar? Se ele acordar, vão machucá-lo ainda mais. Tentei virar sua mão para olhar, mas tirei a minha abruptamente quando sem querer encostei na porra da prata. Isso dói demais! Ele vai morrer se não tirarem essa merda dele.
Pensa, pensa, pensa.
Arregalei os olhos e levantei rápido demais quando ouvi os passos na escada. Me afastei da cela e voltei a esfregar o chão quando Hugo apareceu com os baldes cheios. Isso foi rápido.
— Aqui. — Deixou no chão perto de mim.
— Obrigada!
Voltei ao trabalho, mas enrolei muito em cada movimento. Em cada água que joguei e sabão que esfreguei. Me perdi nos minutos que se passaram e quando olhei para trás, pra onde Hugo estava, percebi ele abrir a boca num bocejo preguiçoso. Era minha chance.
— Hugo, ainda vou demorar aqui e você parece cansado, se você quiser, pode subir. — Falei.
— Não se preocupe comigo, continue.
— Não vou te dedurar para Bram. — Ele riu.
— Não é Bram que me preocupa, até porque ele está lá em cima batendo papo.
— Está preocupado comigo? O que eu posso fazer aqui embaixo? Fugir? Cavar um buraco no cimento? — Dei uma risada forçada. — Se for com Kendall que está preocupado, saiba que nem interesse de chegar perto da cela dele eu tenho. — Hugo me olhou. — Sabe muito bem que eu não faria nada com aquele crápula, como eu disse, não quero confusão. Bram pediu algo inútil a você ficando aqui embaixo comigo me vigiando. — Pura mentira. — Vou subir logo depois, só estou limpando. — Ele suspirou e depois de longos segundos assentiu. Algo na sua cara estampava alívio.
— Qualquer coisa, chame. — Assenti, tentando conter a felicidade. Hugo se virou e começou a subir a escada. Já estava me sentindo menos pressionada agora.
Voltei ao trabalho e dei uma olhada melhor nas ferramentas em cima da mesa. Alicates pequenos,, pinças de vários tamanhos e formatos nas quais eu nem imaginava a finalidade, e luvas. Luvas grossas de couro. Dei uma olhada de esguelha para a escada agora vazia. Se eu ficasse quieta e em silêncio, talvez conseguiria ouvir a conversa lá em cima, mas eu não estava me importando com isso no momento. O sabão embaixo dos meus pés já estava secando. Então voltei a puxá-lo. E enquanto puxava toda aquela imundice até o ralo, notei um leve tilintar das correntes ao meu lado. Meu coração quase parou quando olhei e vi os olhos de Kendall abrirem devagar.
Não demorou para virarem na minha direção quando ele detectou movimento. A cor verde escura dos olhos do seu lobo. A mesma cor que se via em florestas densas e imaculadas. O verde antigo, desconhecido e bem diferente ao do filho.
Meu corpo tremeu e o rodo caiu das minhas mãos. O barulho que o cabo fez ao bater no chão me preocupou um pouco de ter chamado atenção demais.
Isso não podia acontecer.
Dá oi pro sogro, Maikaa... 😂😂
Espero que estejam tão aflitos quanto eu 🤭🤭🤭
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Até o próximo pessoal!