Ampulheta Quebrada

By piwrre10

1.3K 47 1

Tentando salvar Sirius Black de um destino terrível, Hermione envolveu Harry com seu vira-tempo. Porém, ao in... More

Prólogo - (Remastered)
Família
Por Entre Chamas
Enxurrada Solta
Visitantes do Leste
A Floresta Proibida
Aceitação
Labirinto de Emoções
Entre a Varinha e um Olhar
Quebra-Cabeça
Cavalo de Troia
Ao Olho do Furacão
Correndo para o desconhecido
Quem eu sou? - Parte II

Quem eu sou? - Parte I

30 2 0
By piwrre10


Harry se sentia leve.

Imagens lhe passavam, ele não entendia o que estava acontecendo e nem tinha forças para entender. Algo laranja, um pôr-do-sol? Ele se lembrava que era noite... não sabia onde estava.

- Harry Potter, o menino que sobreviveu. – uma voz ecoou, distante, distante. Indecifrável. Cansada.

Onde estou? Ele tentava pensar, mas seu cérebro era uma grande gelatina.

Novamente, ele viu. A imagem de uma pedra. Pedra? O que seria aquilo? Qual era sua forma? Parecia às vezes uma porta, às vezes uma enorme bola. Mas ele se lembrava.

- Você precisa continuar. – a voz continuou. Era alguém (ou algo) muito velho. – O menino que sobreviveu é o mais especial de todos.

Harry estava com uma sensação claustrofóbica. Sentia-se preso, mas no que? Em si mesmo?

Pouco a pouco, ele sentia seu corpo ganhar peso novamente. As sensações voltavam, e consequentemente as dores inacreditavelmente dolorosas.

Ele abriu os olhos com um pouco de dificuldade. O ar fresco e gelado batia em seu rosto enquanto olhava para o céu, pouco estrelado, mas bonito, por entre as copas das árvores.

Todo seu corpo doía. Nenhuma parte em exceção. Obviamente, as costas eram a pior parte. Conseguia se lembrar da pancada do feitiço... Como havia chegado ali?

- Você acordou. – era a voz de Ethan, Harry reconheceu.

Com dificuldade, ele virou a cabeça para onde vinha o som.

Ethan estava sentado ao redor de uma fogueira baixa de galhos, que iluminava o local. Eles estavam no interior de uma floresta.

- Chegamos no parque...? – Harry perguntou tentando se esticar pra ver melhor. Ele estava no chão, forrado por apenas algumas folhas.

- Sim...

- Onde está Hermione?! – Harry questionou, desesperado, assim que sentiu falta da garota. Sem pensar muito, ele tentou se levantar, mas a dor foi demais.

- Ei, ei, ei... – Ethan se levantou da pedra aonde estava sentado, tentando evitar que Harry se levantasse. – Se você não quer morrer, por favor, fique deitado.

- Onde ela está? – Harry ainda relutava em se deixar quieto, mesmo que houvesse dor por todos os lados.

- Fazendo a ronda, instalando feitiços de defesa. – Ethan disse. – Vamos ter que passar a noite por aqui.

- Como vocês...?

- Eu consegui te pegar a tempo. – Ethan revelou. – Despistamos os caras no meio da floresta proibida. Hermione acha que eles foram enviados através do ministério.

- Que, como...?

- Aparatamos. – era a voz de Hermione, séria. – Só pode ser isso.

Harry se virou para ela quase que imediatamente.

Ela o observou de pé, por alguns segundos, a varinha em mão. Parecia avaliar. Após algum tempo, ela se aproximou, ajoelhando-se ao lado dele.

- Como se sente? – perguntou ela, levantando a camisa de Harry para olhar o ferimento da barriga. Só Harry havia percebido que ela havia costurado-o.

- Dolorido... – disse ele, tentando se encostar melhor. – Mas bem.

- Hum. – Hermione voltou com a camisa e se levantou, sem demonstrar muitas expressões.

- Hermione... – Harry chamou, novamente.

- Harry, eu não estou afim de conversar sobre...

- Droga, eu só quero saber se você tem certeza disso! – Harry questionou, estressado. – Eu também não quero conversar sobre Hogwarts, ok?! Eu já te expliquei meus motivos, você sabe bem... você sabe por que estamos aqui, eu só quero nos ajudar! Eu sei o que aconteceu lá, você não precisa me olhar com essa cara.

Hermione deu as costas, passando a mão no rosto.

- Aparatações são registradas, sempre. – disse ela. – Eu devia ter pensado nisso, mas... como eu imaginaria que eles tem pessoas dentro do ministério?

- E o rastreador? – Ethan questionou, entrando na conversa. – Foi uma das primeiras coisas que recebi quando entrei no país. O rastreador de magia para menores.

- Hermione é maior de idade. – Harry tratou de responder.

- É, mas eu não sou, você é? – Ethan perguntou.

- Não.

- Não acho que foi isso. – Hermione respondeu, ainda olhando para o interior da floresta e não para os dois garotos. – Eu usei todos os feitiços, eu não tenho mais o rastreador... apesar de que...

- O que? – Harry perguntou.

- Bom, não temos certeza de como exatamente o rastreador funciona. – Hermione disse, mordendo o lábio inferior, pensativa. – É, sim, uma dúvida. Se for realmente isso, acredito que descobriremos quando os feitiços de proteção baixarem.

- Ninguém pode nos achar? – perguntou Ethan, tenso.

- Por um curto período de horas, sim. – respondeu ela. – O suficiente para passar a noite. Mas com atenção. Eu realmente não sei o que esperar mais. Essas pessoas tem informantes no ministério...? Que tipo de pessoas podem ser? O objetivo delas não pode ser apenas pegar o Ethan.

- Eu me preocupo com... James e Lily. – Harry quase falou pais, com dificuldade. Se pegou pensando nisso. Sentia falta deles?

- Agora você se preocupa com as pessoas daqui? – Hermione rebateu. – Algumas atrás você estava completamente certo do que estava fazendo, por alguma razão...

- O que você quer de mim?! – Harry se estressou, tentando se sentar para conta-argumentar.

- Alguma explicação lógica? – Hermione pediu, sincera.

- Hermione, você não vê? – Harry perguntou, exausto. – Tudo está se encaixando como nunca antes aconteceu aqui. Ficamos três anos sem nada, perdidos, e então tudo se apresenta. Desde o diário do Harry até a floresta. Eu sinto que eu fui guiado até lá. Hermione... eu tenho sonhos, sensações... é quase como se fosse a coisa com a cicatriz.

Hermione encarou Harry, parecendo se decidir se acreditaria totalmente naquilo por agora ou não.

Repentinamente, ela se abaixou, apanhando algo de uma bolsa. Era o colar que Bane havia entregado a Harry.

- Me agradeça por ter pegado suas coisas e não deixado lá, no chão. – ela arremessou o colar para ele. Harry mais uma vez sentiu aquela vibração esquisita. – Precisamos disso para chegar até lá, não é?

- Ele me disse que tenho que apresentar. – Harry disse, enquanto girava o colar, examinando-o com os olhos. – Vocês não sentem essa vibração, não é?

Hermione e Ethan olharam Harry sem entender bem, o que respondia a pergunta.

- Pois é. – Harry disse, finalmente envolvendo o colar com a mão. – Algo está me levando para o caminho certo. Sinto que não estamos aqui por acaso.

Hermione acenou com a cabeça, abaixando o olhar. A expressão e sentimentos eram indecifráveis. Teria se cansado de argumentar ou estava pensando naquilo tudo?

- Eu vejo ele nos meus sonhos. – Harry disse, repentinamente. – Rony. Ele me fala algumas coisas.

Hermione levantou a cabeça, meio assustada, meio perplexa.

- Você sabe que é coisa da sua cabeça. – disse ela, inflexível. – Eu mesmo sonho com várias coisas, como meus pais. É comum.

- Sim, é coisa da minha cabeça. – Harry concordou. – Mas é sempre uma conversa que... me coloca em perspectiva. Ele me diz que estou indo para o caminho certo, finalmente.

Hermione mais uma vez não respondeu. Harry sabia que ela teria dificuldade para acreditar naquilo como ele estava acreditando. Hermione realmente precisava de provas em algo, ou então que seja no mínimo embasado. Harry não conseguia mostrar o que estava sentindo para ela e ele podia admitir que lhe magoava um pouco a falta de fé da garota, que tanto queria voltar à sua vida de antes.

- E você, Ehrenberg?! – Hermione disse, após algum tempo de silêncio entre os três. – Não acha que falar sobre o que aconteceu direito vai ajudar com isso?

- Tudo que eu sei, vocês sabem. – Ethan disse, recuando um pouco. Parecendo pressionado.

- Você não falou um terço do que precisamos saber pra isso aqui funcionar. – apertou ela, com braços cruzados, ameaçadora. Ela realmente tinha parado com a brincadeira, era impressionante o que o humor podia fazer. – Temos a noite inteira, Ehrenberg. Tenho certeza que ninguém aqui vai dormir...

- Hermione...

- O que, Harry? – Hermione questionou, olhando diretamente para ele. – Precisamos saber sobre ele, não? Afinal, estamos nessa jornada, querendo ou não.

Harry engoliu em seco, hoje não seria um dia que eles conseguiriam colocar as coisas no lugar.

Ethan respirou fundo.

- É difícil saber por onde começar...

Quem eu sou? A pergunta ecoou pelo interior de Ethan, resgatando suas mais longínquas (e dolorosas) memória.

***

- Não deixe o fogo apagar, querido. Fique em casa, quietinho e quentinho.

A porta à frente do pequeno Ethan se fechou. Entusiasmado e curioso, ele rapidamente correu, escalando o sofá e espiando pela janela. Com o par de olhos vidrados, ele acompanhou seus pais se juntarem ao grupo de caçada.

Sua barriga roncava. Ele queria muito comer, eram seus únicos desejos. Esperançosamente, acompanhou o grupo se perder para longe das dependências de Sirkel. Porquê o alimento só ficava para lá? Ele podia jurar de pés juntos que via as crianças do Sr. Rookel sempre alegres, animadas e dispostas a brincar. Elas deviam se alimentar bem, mas como? Comiam as flores daquele jardim tão belo da entrada do casarão da família? Ethan não entendia porquê elas estavam sempre bem e ele não.

Ele olhou para os céus. Aquela coisa branca caía, despencava... como se chamava mesmo? Neve, ele se lembrou. Gostava de brincar com a neve; moldar o que quisesse, deixar sua criatividade aflorar.

Queria sair correndo para se divertir um pouco. Seria bom aproveitar, pois os céus não estavam com raiva como nos dias anteriores. Caía pouca neve. Caía de uma maneira bondosa sobre o vilarejo, sem trazer tristeza como vinha trazendo. Enfeitiçado, Ethan continuou olhando, passando seu tempo sendo aquecido pela pequena lareira improvisada por seu pai.

Gradualmente, a neve aumentava. Ethan acompanhou, pouco a pouco, ela preencher totalmente o chão calejado. Os ventos começavam a uivar como animais selvagens, famintos. O céu ribombava, denso e negro; definitivamente ameaçador. Eram tamanhas as nuvens que Ethan achava que a Terra seria engolida pelas mesmas, a neve agora uma genuína nevasca. Ethan não conseguia mais ver nitidamente pela janela. Escutava barulhos aqui, escutava barulhos ali. Sua visão estava deturpada pela absurda quantidade de neve que caía. Estava gélido, ali, perto da janela. Ethan se afastou e rastejou até a pequena lareira, que falhava. Não estava bastando para manter um aquecimento adequado.

Não tinha mais seu passatempo. Não podia ficar mais próximo da janela. Queria ver quando seus pais iriam chegar e não se aguentava. E se sua cabeça começasse a doer ali, de novo, sozinho? Eles tinham de chegar logo, sua barriga também já doía. Esperava que não demorassem muito, pois a lareira já havia se apagado.

A noite recaiu, Ethan percebeu. Estava totalmente escuro, mas a neve ainda caía lá fora, fazendo barulhos perturbadores. Ele se lembrou do lampião de emergência que o pai tinha, queria se iluminar um pouco e quem sabe se aproveitar do calor da luz. Ethan se levantando, no casebre escuro; suas pernas tremiam, estava prestes a desmaiar com fome. Descalço, caminhou por entre a escuridão. Vasculhou os armários vazios, tateava de fora a fora a procura de seu objeto. Não conseguia achar. Ele olhou para cima. Devia estar nos armários superiores da cozinha. Ele não os alcançava. Gemendo, sentou no chão frio de pau a pique. Juntou as pernas e os braços o mais próximo que podia. Atualmente, a única coisa que lhe restava era seu próprio calor. Queria ignorar a fome, mas era difícil. Queria ignorar os barulhos da tempestade, mas era impossível. Eles já deviam ter chegado. Eles já deviam ter chegado ou Ethan não tinha a noção de tempo? Seus olhos pouco a pouco se fecharam e lhe entregaram o melhor remédio possível.

Ethan acordou assustado no dia seguinte. Desequilibrou-se com as costas e bateu no chão. Novamente, ele teve seu sono perturbado por aquela imagem. Aquele fragmento de imagem que fazia sua cabeça doer e ele não conseguia se lembrar. Ele via um aperto de mãos... o que podia ser? Ele se levantou. Se sentia mais leve do que antes de dormir.

Toc toc.

Não era o sonho que tinha lhe acordado. Alguém batia à sua porta, logo cedo.

Uma corrente elétrica percorreu desde a ponta do pé até a cabeça. Eram seus pais, finalmente? Tinham demorado uma noite inteira... porquê batiam à porta? Eles tinham a chave...

Saltitando, mesmo que a energia lhe faltasse, Ethan foi abrir a porta. Antes, reparou a movimentação lá fora, pela janela sem cortina. Tinham bastante pessoas. Para falar a verdade, havia um burburinho incômodo pairando pelo vilarejo. Moradores passavam, em passos apertados e preocupados, pessoas carregando lonas pretas que ele não entendia muito bem do que se tratava. Aquela tempestade tinha trazido danos grandes? Ele voltou a prestar atenção na porta. Ansioso, ele pegou a chave torta e colocou na fechadura. Não foi da primeira. Ele sempre tinha dificuldade com aquilo.

Click. Finalmente ele conseguiu acertar a posição. A fechadura abriu. Ethan puxou a porta.

- A... casa dos Ehrenberg é aqui? Você é o filho deles, não é, garoto?

Sinistro era quem lhe chamava. O homem sujo, alto e magrelo que sempre ficava cuidando do cemitério. Ethan não sabia se o nome dele realmente era Sinistro, mas lhe caía bem. A expressão dele era esquisita, inquieta, o rosto tremia, como se estivesse fazendo algo profano. Levemente, Ethan percebeu que as pessoas olhavam-no ao redor. Ele sentiu um ar... esquisito. Apreensão?

- É-é – Ethan respondeu, desconcertado. – Meus pais... eles não estão, Sr. Sinistro...

Sinistro raspou a garganta, incomodado. Ele olhou para os cantos.

- O que vocês estão fazendo aqui, hein? – Ethan percebeu que ele berrava para as pessoas que os observavam. – Catem fora! Imundos! Fofoqueiros da pior espécie!

- Sr. Sinistro, o que está...

- Olha, você não me venha encher o saco também, garoto! – Sinistro berrou para ele também. Ethan recuou. O rosto dele era louco. Lhe apontava a unha encravada de maneira ameaçadora. – Já estou fazendo demais com isso! Ah, se estou!

Sinistro agarrou o braço fino de Ethan. Seus dedos eram como presas que machucavam.

- AI! – Ethan berrou, tentando se soltar. – Por favor, Sr. Sinistro...

Sinistro começou a arrastar Ethan para cima da colina. Sua casa encontrava-se em uma pequena depressão, então tinham que subir um pouco se fossem para qualquer outro lugar de Sirkel.

Ethan estava com medo. Aquele homem estava o arrastado a céu claro. As pessoas olhavam, mas não faziam nada. Não queriam ajudá-lo. Porquê? Sinistro era louco. Ele ia fazer alguma coisa com Ethan. Alguém tinha que salva-lo.

- Socorro! – Ethan berrou, quando passaram pela praça principal movimentada. Apenas lhe olharam. Os rostos opacos, sem empolgação, sem sentimentos. Não havia compaixão. Sinistro apertou a pegada. Já devia estar perfurando com aquelas garras.

- Você está gritando socorro porquê, garoto imbecil? – Sinistro falou, por entre os dentes. – Seu idiota, imprestável. Cale a merda da sua boca e ande logo.

Sinistro puxou Ethan, quase arremessando-o. Ele teve que apressar o passo para que não terminasse mais machucado.

Ethan reparou que estavam chegando na área do cemitério.

- Por favor, o que você vai fazer, por favor... – Ethan sentia as lágrimas tomarem conta dos seus olhos. Ele estava desesperado. Ninguém queria lhe ajudar. Ninguém. – Eu quero ver minha mãe... eu quero ver...

Sinistro rugiu, enfurecido. Dessa vez ele realmente arremessou Ethan cemitério a dentro. Ele despencou naquela terra escura. Com medo, tremendo, encarando seu raptor a espera da próxima covardia.

- Seu verme. Te trouxe para ver seus pais, seu lixo. – Sinistro falou, cuspindo. – Se não fosse por mim você jamais veria o rosto daqueles pobretões imundos novamente. – ele apontou para o fundo do cemitério. – Rasteje até lá, seu rato.

Ethan virou, ficando de quatro. Seu corpo doía. Ele olhou para o fundo do cemitério. Perto do velho mausoléu, havia uma lona preta estirada no chão, enorme. Ethan se levantou, com as costas doloridas. Pouco a pouco, ele foi se aproximando. Sinistro ainda resmungava atrás dele.

Ethan sufocou um grito. Seu estômago se revirou por inteiro. Ele não sentiu seus pés. Sentia que flutuava por alçapão suspenso. Porque ele estava vendo aquilo? Porque ele estava vendo a cabeça do seu pai separada do próprio corpo. Porque via sua mãe dividida aos pedaços? Um braço em um canto, o corpo amassado... Pelo amor de Deus, o que era aquilo?

Seu corpo tremia. Aquilo era normal? Era normal seres-humanos assim? Bruxos? O rosto deles... o rosto da mãe... não dava... pra ver... Ele sentiu seu peito pesado como chumbo.

- Acharam esses pedaços na patrulha da manhã – Sinistro apareceu, por trás. – Foi tudo que sobrou... Quem mandou caçar depois de tantas tempestades?

Ethan virou-se para Sinistro. O velho de um rosto cruel, sádico.

- O que aconteceu... porque estou vendo isso? – Ethan perguntou. A voz era trêmula. Ele não sabia as perguntas certas para aquela ocasião. Ele não queria virar para trás mais. Não queria entender aquilo.

- Uma avalanche, seu burro... deu sorte de terem sobrado esses pedaços... Bom, tenho que enterrar, não é? Já está incomodando isso aí.

- Enterrar? Enterrar o quê?

- Argh. Garoto burro – Sinistro passou por Ethan, quase o jogando para fora. – Me deixe fazer meu trabalho.

- Sr. Sinistro, por favor... – Ethan ainda não havia se virado para ver denovo. – Por favor... porque meus pais estão assim?

- Eles morreram, idiota! Satisfeito! Você tem quantos anos, imbecil? – Sinistro praguejou. Ele estava mexendo na lona. – Ah, eu devia era ter jogado tudo isso na terra, ô se devia... dor de cabeça demais ter feito isso, não devia ter te chamado. Não sei onde estava com a cabeça... VAZA DAQUI.

- Sinistro...

- VAZA DAQUI ANTES QUE TE ENTERRE TERRA ABAIXO JUNTO! – Sinistro estava berrando. Ethan começou a chorar desesperado. – ANDA LOGO, GAROTO INSUPORTAVEL.

Ethan estava descontrolado. Porque Sinistro estava berrando assim? Ele estava o incomodando. Muito.

Sua cabeça doía. Ele não aguentava mais ser chamado de insuportável.

Seu choro queimava o rosto. Ele estava com raiva. Ninguém deveria gritar assim com ele. Ele só queria saber...

Ele sentiu as garras de Sinistro agarram sua nuca.

- Argh...- ele gemeu de dor, tentando se desvencilhar.

- Vem cá, seu verme – Sinistro tentou o arrastar. Ethan tentava escapar da pegada, mas o velho era incrivelmente forte. Ele puxou o rosto de Ethan para próximo do seu. O bafo era horrível. A cara dele era absurdamente nojenta; causava repugnância. Ethan não queria ver aquilo. Sua cabeça doía. Sinistro apertou ainda mais, – Você parar com isso agora ou...

- ME. LARGA. – Ethan berrou, disparando o ódio que tinha dentro dele; mas não foi só isso.

Ele sentiu sua cabeça esquentar absurdamente e logo em seguida um fluído de energia por todo o corpo. De repente, cada parte do seu corpo pareceu ficar mais leve. Abruptamente, Sinistro foi arremessado para longe e consequentemente Ethan também. Ele atingiu o chão violentamente. Escutou um barulho muito alto ao longe. A cabeça girava, ele não tinha muito mais noção do que estava acontecendo; sentia o rosto quente, mas insensível ao mesmo tempo. Ele escutou ao longe algo se partindo, não entenderá ao certo o que havia acontecido.

Sua mente lhe dizia para sair correndo dali. Cambaleando e tonto, ele custou a se levantar. O pequeno garoto olhou ao redor, procurando por algum rastro de Sinistro. Não conseguia raciocinar direito, mas não o via ali perto... será que tinha se machucado? Ainda não queria olhar para aquela lona preta de novo. Ele tinha medo... tanto medo que suas pernas tremiam, doidas para correr dali. Ele precisa sair. Precisava.

Ofegantemente desesperado, Ethan saiu trotando pelo cemitério afora, em busca do portão. A única coisa que assimilava era seu medo. Medo de que? Correr para onde?

Enquanto corria, sua cabeça disparou a doer novamente, tornando se sensível. Ia partir no meio. Porque agora, de novo? Porque a cabeça dele era assim? Ele já estava perto do portão do cemitério. Estava insustentável, ele só queria sair de lá. Era um pesadelo... era um pesadelo.

- GAROTO! – alguém berrou, bem em frente a porta do cemitério.

Ethan freiou a corrida. Sua vista focou novamente. Alguém estava impedindo sua passagem.

Bem no meio do portal do cemitério, havia um homem em uma cadeira de rodas. Ethan se lembrava dele, bem vagamente... seu nome começava com S? Não se recordava. Ele tinha um rosto acabado, meio travado pela guerra. Já era velho e não andava mais. Ethan se lembrou, os garotos do vilarejo diziam que ele era bem rabugento...

Ele se aproximou, girando as rodas da cadeira.

- Meu Merlin, para onde é que você está correndo? – ele perguntou, encarando Ethan mal humorado. Um de seus olhos era totalmente branco, cego; fato que assustava um pouco, ao encarar de perto. – Que barulhos foram aqueles?

Ethan levou a mão a cabeça. Que dor.

O velho rodou um pouco mais as rodas da cadeira, reduzindo a distância.

- Venha. Não vou fazer nada com você, independente de tudo.

Quatro anos depois:

Ethan encarava o túmulo de seus pais. Seu começo de aniversário era sempre assim.

A luz do dia mal clareava o vale de Sirkel, mas ele estava lá, ajoelhado, colocando mais algumas flores coloridas e partilhando um pouco de seu sentimento.

Ele demorou algum tempo para assimilar a sensação de perda. Cinco anos, na época, era muito pouco. Ver seus pais partidas, esmaçagados daquela forma... não era algo que ele soubesse como reagir. Agora ele achava que entendia isso um pouco melhor e não sabia se isso era uma coisa positiva.

Seus pais haviam morrido buscando comida para tratar dele. Isso nunca havia saído de sua cabeça e jamais iria sair. Agora, ele estava ali. Com dez anos de idade ele poderia entrar em Durmstrang, mas o que ele seria sem os pais? Ele realmente não conseguiria sem eles? Era isso?

Ethan sempre quis uma chance de se despedir melhor deles. Aquele dia, quatro anos atrás, havia sido perturbador. Ele jamais quis matar Sinistro, também. Não estava nos planos, mas ele havia se descontrolado. Ethan tinha tirado a vida de alguém. Tinha deixado alguém exatamente como seus pais.

Sinistro era uma pessoa horrorosa. Esse era seu pensamento reconfortante. Mas aquele sentimento... ele realmente não queria para si. Assim como também não queria aquele poder que não podia controlar.

Largou os últimos buquês, colocou a mão nas duas lápides e rezou a oração que sempre lhe ensinaram. Ele não acreditava em Deus, ou em algo parecido, mas ele sentia que devia aquela oração para os que acreditavam; seus pais.

Levantou-se, pronto para tornar seu caminho de volta quando alguém interrompeu.

- Ei, manchado!

Infelizmente Ethan reconheceu aquela voz. Eram os irmãos Rookel que lhe encaravam, da porta do cemitério. Mais uma vez, ele fingiu não escutar. Ainda precisava passar por lá, entretanto. Era difícil.

- Me deixa passar, por favor – Ethan pediu, de cabeça baixa.

- Na-na-não – Marko, o irmão mais velho falou. – Pede pra ele levantar a cabeça, Frank.

Ethan não teve tempo para reação. Acertaram-lhe nas partes inferiores com uma baita bicuda. Ele caiu com a bunda no chão. Foi um impacto seco e doloroso, além de todo seu inferior estar doendo agora. A vista chegava a embaçar, mas ele conseguia olhar para os dois garotos logo acima dele, rindo uns para os outros.

- Por favor... – Ethan pediu, colocando as mãos na frente para tentar se defender. Pegaram-lhe na gola da camisa. Marko o encarava, Ethan não queria olhar no rosto dele.

- Você pode olhar pra mim, manchado? – Marko disse, bem próximo do ouvido, torturando-o. – Agora! – ele deu um solavanco na gola da camisa.

Ethan olhou, assustado. Seu corpo tremia. Ele não queria ser um covarde sempre, não queria ter que abaixar a cabeça... mas as cenas de quatro anos atrás lhe assustavam, ainda mais quando sempre lhe lembravam disso.

Marko sorriu para ele. Ethan não entendia o porquê dele ser assim. Por que uma pessoa sentia prazer em torturar a outra por... nada? Ele era rico, tinha basicamente uma mansão na fazenda de sua família. Por que ele tinha que atazanar o garoto quase sem-teto?

- Assim é melhor – ele falava, quase cuspindo saliva no rosto de Ethan. Seu irmão, Frank, basicamente da mesma idade de Ethan, gargalhava lá trás, quase rolando de rir. – Agora quero te pedir um favorzinho, meu grande amigo.

- Nós não somos amigos – Ethan, falou, desviando o olhar e tremendo. Marko o forçou a olhar novamente.

- Deixe disso, Ethanzinho. – ele falou, imprimindo um sorriso nos lábios. – É claro que somos. Vamos, se levante, por favor. Meu irmão apenas foi... exagerado no cumprimento.

Marko soltou a gola da camisa e se afastou de Ethan. Ele abaixou as mãos e olhou os rostos dos garotos. Ambos riam, mas estavam em pé e afastados. Ainda na defensiva, Ethan achou um bom momento para se levantar, sem tirar os olhos dos irmãos. Ele se colocou de pé.

- Opa, onde é que você vai? – Ethan tentou deixar o cemitério, passando por entre os garotos, mas Marko lhe impediu. – Eu não disse que preciso de um favor seu?

Ethan respirou fundo, tentando esconder seu medo.

- O-o que foi? – ele arriscou perguntar, com medo da resposta.

Frank se acabava de rir no fundo, por alguma razão.

- Vem com a gente – Marko pediu, virando-se. – Mas é para vir mesmo, hein? – ele acrescentou, olhando para trás.

Ethan não teve alternativa a não ser seguir os dois irmãos para fora do cemitério. O que estava acontecendo? Ele sentia, obviamente, que não seria boa coisa, mas e se dessa vez... fosse diferente?

- Onde vocês estão indo? – Ethan perguntou, nervoso. Eles haviam atravessado pelo centro da vila, onde ficava basicamente uma mini-feira. Todos os olhares estranharam Ethan, como sempre. Ele desviou todos, fingindo não notar aquele tratamento.

- Ah, você vai ver amigo... – Marko falou. Frank não se segurava. – Estamos com uma dificuldade. Tenho certeza que você vai conseguir nos ajudar.

- Estamos indo para a casa de vocês? – Ethan percebeu o caminho.

Frank gargalhou.

- Você vai ver, já falei – Marko disse.

Eles andaram um bom pedaço ainda, até chegarem na enorme fazendo da família Rookel. Ethan sempre se surpreendia com aquilo. Era absurdamente grande, em todas as proporções. Tanto na entrada, com um jardim e pomar que se estendia de maneira enorme, tanto no casarão vigoroso e imponente ao fundo. De fato, era uma construção que destoava completamente do restante de vilarejo.

Atravessaram por todo o pomar, Ethan apenas olhava ao redor. Trabalhadores para lá e para cá em todo canto, era impressionante a quantidade deles. Ethan se perguntava se os garotos ali conheciam todos; a maioria era composta de moradores de Sirkel, mas ele tinha dúvida se eles se quer olhavam na cara deles, dada a maneira que andavam por aquele caminho.

- É aqui – Marko anunciou, eles entraram dentro de uma área mais densa do pomar. Ethan percebia que a luz era pouca ali e a vegetação era incomum. Arvorezinhas com frutos e galhos tortuosos e longos marcavam bem a área.

Marko e Frank continuaram avançando por dentro do local. Frank até mesmo apanhou um fruto de uma das árvores, aproveitando para dar uma mordiscada.

- Me desculpe, mas o que vocês... AHHH!

Do nada, Ethan virou de ponta cabeça. Alguma coisa agarrou sua panturrilha e lhe puxou para o alto, virando-o.

Frank rolou de rir no chão.

- Eu sabia que ele ia cair! – Frank falou, morrendo de rir. Marko também não se continha ao seu lado.

- O que é isso? – Ethan sentia todo o sangue fluindo para a cabeça. Ele havia sido pego por... uma planta?

- Finalmente essa árvore idiota serviu pra alguma coisa – falou Marko, divertindo-se em ver Ethan suspenso. – Tenha uma boa tarde, Ethan. Esse é o mais perto que você vai chegar da nossa casa.

- Ei, porquê vocês estão fazendo isso? – Ethan perguntou, tentando girar e alcançar a própria perna, mas ele só piorava a situação.

- Por quê? Porquê você é a porra de uma aberração! – Frank condenou, apontando o dedo com sua voz esganiçada.

Marko segurou o ombro de Frank, como se pedisse calma.

- Vamos. Deixe ele aí, Frank.

Eles deixaram o local. Eles realmente deixaram o local e largaram Ethan lá, de cabeça pra baixo. Ele não merecia aquilo. A raiva crescia profundamente nele. Eles ainda estavam ali, dando as costas para ele; se ele pudesse ativar novamente aquele poder... ele poderia dar o troco. Não precisava escutar tudo calado, ele simplesmente podia fazer aquilo.

Você matou ele, sua aberração! Você matou ele!

Aquelas palavras o impediam de prosseguir. Ele havia matado Sinistro, sem saber como. Havia se descontrolado, igual estava agora. Não podia deixar aquele erro acontecer novamente. Infelizmente, ele não podia contra-atacar; quaisquer que fossem os motivos. Ele não queria entender aquele poder assassino que havia dentro dele. Aquilo era definitivamente ruim.

Iria ficar lá, pendurado? Sempre iria aceitar aquilo? Jamais iria revidar? Eram perguntas que doíam. Ethan não queria ser assim. Ele só não sabia se conseguia ser diferente daquilo.

O sangue decantando na cabeça já estava começando a lhe fazer mal; estava perdendo a percepção do tempo que estava ali, até que escutou um barulho de facão e ele despencou.

A queda foi um pouco dolorosa, visto que ele não estava na melhor das posições; mas um dos pontos positivos é que finalmente estava em terra firme e com a cabeça no lugar de novo.

- Sabia que esses garotos iam aprontar com essa árvore – Ethan escutou alguém resmungar ao seu redor. Ele se sentou no chão, coçando a cabeça. Era um dos trabalhadores do pomar. – Tudo bem, garoto?

- Tudo – disse Ethan, se levantando. – Muito obrigado.

O trabalhador embainhou o facão. Ele franziu o cenho para Ethan. Já dava pra premeditar o que viria a seguir

- Você é o garoto do Sjurd, não é? – ele disse, a voz desconfiada. – Hum. Tem razão os garotos estarem de atazanando. Saia logo daqui se não quiser mais problemas, filho.

- Eu vou – Ethan garantiu. – Mais uma vez obrigado.

- Não me agradeça. Você deu sorte de estar fazendo meu trabalho. Agora vaze daqui.

Ethan resolveu não argumentar muito mais. Aliviado, ele seguiu pelo caminho que o trabalhador havia indicado.

Precisava voltar para a casa rápido, não queria arranjar mais nenhuma confusão. Parecia bem mais tarde do que quando ele havia passado pelo mesmo caminho. Tinha ficado boas horas lá.

Atravessou novamente a vila com todos aqueles olhares de reprovação e cochichos. Apontavam pra ele, julgavam-no e zombavam.

"Foi se meter com os garotos do Rookel e agora está sujo. Não aprende mesmo." Ethan apertou o passo. Ele sentia raiva, ele estava triste; tudo era muito injusto para ele. Aquelas pessoas realmente achavam que ele tinha matado uma pessoa por simplesmente ser ruim. Falavam que ter perdido os pais era o castigo dele. Ele não conseguia entender como poderiam pensar aquilo. A única coisa que ele queria era poder ser livre naquele lugar, poder fazer o que quiser. Será que entenderia todo aquele ódio quando fosse mais velho?

Quando chegou à porta da casa de Sjurd, o velho lhe esperava, com a cadeira de rodas na entrada.

Sjurd era um veterano de guerra que morava na área norte da vila, bem afastado, na saída para a floresta. Ethan não sabia descrever a relação deles; Sjurd foi quem lhe deu comida e um lugar quente para dormir naqueles anos. Era basicamente sua figura apoiadora.

Era engraçado; todos de Sirkel tinham medo de Sjurd, assim como tinham de Ethan. Diziam que era a combinação perfeita, para não citar as frases horríveis que ele já tinha escutado. Ethan sabia que Sjurd não era a melhor possível do mundo; ele lutou na guerra, aquela guerra horrorosa que ele tanto escutava falar, mas não era como se ele precisasse continuar sendo tratado daquele jeito. Ele não andava, tinha uma paralisia no lado esquerdo do corpo que deixava sua face com um aspecto desagradável; não podia ser aquela sua punição, por coisas que Ethan nem sabia direito? As pessoas eram engraçadas.

- Está tarde – ele falou, com aquela voz cansada e pausada de sempre. Cada frase parecia lhe provocar dor. – Você está todo sujo. O que aconteceu?

- Não aconteceu nada – mentiu Ethan. – Vou tomar um banho, me desculpe.

Ethan iria entrar na casa, mas Sjurd girou as rodas da cadeira e se colocou na frente. Ele olhava Ethan desconfiado; não tinha como esconder nada dele.

- Brigaram com você de novo – Sjurd adivinhou.

- Argh... ninguém brigou com ninguém – Ethan disse, desconcertado.

- Sim. Não teve briga, nisso aposto. – Sjurd ponderou. – Você não revida. Consequentemente não há briga.

Ethan cerrou os dentes, nervoso. Não era uma escolha.

- Entre logo – Sjurd rolou com a cadeira de rodas para dentro da humilde casa. – Você precisa se limpar e me ajudar com sua janta, se não vai ficar sem comida.

- Você também vai ficar sem – Ethan disse, incomodado.

- É, mas eu já estou morrendo mesmo, garoto – Sjurd retrucou com seu humor ácido de sempre.

- Me desculpe – disse Ethan, assombrado com a constatação. – Já vou para o banho.

- Garoto... – Sjurd o chamou, a voz arrastada antecedendo uma pergunta. – Eu não entendo o porquê você nunca revida.

Ethan coçou a cabeça.

- Por que você não retruca quando vai na rua e alguém te chama de Facista? – Ethan disse, amargurado. Sjurd desviou o olhar, imediatamente.

Eles seguiram em silêncio. A respiração falhada de Sjurd era evidenciada naquela ocasião.

- Sente-se – Sjurd pediu, inclinando a cabeça com seu lado direito bom. Ele rolou com a cadeira de rodas até a pequena mesa na cozinha. Ethan, contrariado mas tendo entendido o recado, sentou-se na mesa, encarando o velho.

Sjurd não desgrudava os olhos de Ethan, o que era incômodo o bastante para fazê-lo desviar do olhar.

- Faz quatro anos que dividimos a mesma comida, a mesma casa – Sjurd disse, após algum tempo. Ethan se assustou. – E nunca, em todo esse tempo, você fez perguntas sobre... aqueles tempos – ele devia estar se referindo à guerra.

Ethan coçou a cabeça.

- Você também nunca fez perguntas sobre o dia no cemitério – Ethan respondeu. – Nunca quis saber o que aconteceu entre Sinistro e eu.

Sjurd balançou um pouco a cabeça, concordando mas ao mesmo tempo respirando fundo.

- É verdade... – disse ele, pensativo. – Mas eu sei o que aconteceu naquele dia, pois vi. Não vi necessidade de falar isso com você.

- Você viu... – Ethan repetiu, perturbado. – Você viu... o que exatamente você viu?

Mais uma vez o velho balançou a cabeça e Ethan não sabia o porquê.

- Sua pergunta fala por si só – declarou ele.

- Como... assim?

- Você não quis fazer nada daquilo, garoto. Essa é a certeza que você pode carregar para o túmulo.

- Eu estava bravo com ele – Ethan relembrava os momentos vividamente agora. – Eu estava confuso, com meus pais... não sei o que aconteceu, eu...

- Você tinha cinco anos, agora você tem nove – Sjurd o interrompeu. - Garoto, você não sabe de nada da vida ainda. Não tem noção de nada.

- O que isso tem...

- Tem tudo a ver. Você não é nem minimamente culpado por aquilo. Foi um descontrole.

- Mas como eu fiz aquilo... nunca vi ninguém fazer nem perto...

- Eu te vejo dormir faz anos – Sjurd falava com um tom sério agora. – Você é um garoto especial até lá. Você fala dormindo, se remexe, tem sonhos esquisitos... você é inteligente, astuto, raciocina rápido. É maduro além de sua idade e também tem um grande potencial mágico... Às vezes, você provoca coisas que nem percebe. Isso não é sua culpa; você pode nem mesmo descobrir o que é isso ao longo de sua vida. Mas você é especial. Existem pessoas assim.

- Eu não... eu não queria ser assim... – Ethan constatava com tristeza. Ele sentia as lágrimas virem; por favor, não queria chorar. – Eu nem sei o que é isso. Minha cabeça, ela é... toda errada... eu sinto que vou fazer com todos o que fiz com Sinistro. Eu não quero isso pra mim...

Ethan parou de falar, ele já sentia as lágrimas caindo pelo rosto. Sjurd colocou a mão boa em seu ombro. Era a primeira vez que ele via o velho fazer aquilo.

- Você é uma ótima pessoa, garoto – Sjurd falou. Ele não sorria, era a expressão de sempre, mas daquela vez era... aconchegante. – Mas você não deve se esconder e não deve deixar que façam o que quiser com você. Eles estão errados, você sabe. Aceite isso que está em você, o que quer que seja... – ele fez uma pausa dolorosa para pensar, como se estivesse escolhendo as palavras. - Você aceita quem você é. A vida é assim.

- Eu não sei o que é isso em mim.

- Você vai descobrir. Tem muito tempo pela frente ainda. Não tenha medo.

- Você fala como se fosse fácil.

- Não é. Eu falo porquê tenho quase dez vezes o que você tem de vida.

Ethan abaixou a cabeça. Era verdade, ele deveria escutar. Sjurd com certeza sabia do que estava falando. Ethan não poderia imaginar o que ele já tinha vivido.

- E por que você não revida? – Ethan achou adequado perguntar, já que Sjurd estava lhe dando uma lição. Ao menos aquilo ele precisava saber. – Os xingamentos.

Mais uma vez, Sjurd se calou. Parecia um sinal de respeito ou vergonha, não dava para discernir.

- Um dia você vai saber que minha atitude é adequada – ele disse. – Não são coisas que você merece ouvir agora.

- Mas...

- Ande logo tomar seu banho – Sjurd declarou o assunto como devidamente encerrado. Ethan estava indignado, ele queria saber aquilo imediatamente, mas o rosto do velho dizia que não iria acontecer. Incomodado, ele foi tomar seu banho. – Espere. – Sjurd acrescentou. Ethan se virou, esperançoso. – Garoto... você quer ir para a Durmstrang, não quer?

Ethan se surpreendeu com a pergunta.

- Do que você está falando? – ele perguntou.

- Você me escutou. Durmstrang... você pretende estudar lá?

- Eu não tenho o dinheiro. Você sabe como funciona lá.

- Se você me falar que quer ir, você vai.

- Sjurd, como você vai... você não pode, não tem isso tudo...

- Tenho o suficiente e não vou usar para nada.

- Mas porquê você iria fazer isso por mim?

Sjurd fez uma pausa caraterística de respirações dolorosas. Ethan julgou que ele não parecia saber a resposta.

- Se você quiser, Ethan – era a primeira vez em muito tempo que ele falava seu nome. – Você pode. Quero que saiba disso. Estou te oferecendo. É a única coisa que posso fazer para... – ele interrompeu a frase, raspando a garganta desconfortavelmente.

- Para...? – Ethan repetiu, curioso. Sjurd balançou a cabeça negativamente.

- A escolha é sua – ele garantiu, invariável.

- Como que você quer que eu aceite isso?

- Não quero. Estou te oferecendo e espero que pense sobre o assunto.

Continue Reading

You'll Also Like

3K 104 14
[MINHA PRIMEIRA FANFIC!!] Foram meses, meses, e meses que Morajo havia sumido de Verade... Ninguém conseguia entrar em contato com ele, ou ao menos r...
29.5K 2.7K 146
Oque será que vem por aí?
138K 10.1K 43
Dois anos após a guerra, uma criança estranha faz uma visita à toca. Sua chegada sozinha é desconcertante, mas as notícias que ele traz de uma guerra...
Xeque-Mate By editsx_lua

Mystery / Thriller

119K 6.6K 42
Um jogo perigoso, repleto de armadilhas. Uma disputa de poder, dinheiro e desejo. De um lado do tabuleiro, a delegada Priscila Caliari, do outro, a e...