A LUA, O CAOS E A LIBERDADE [...

By MarySinnon

547K 49.9K 4K

CONCLUÍDA ✓ ✨Eu não ia continuar naquele lugar. Vivendo como se estivesse morta. Sem sentir, sem me mostrar d... More

Capítulo 2 - Periferia (revisado)
Capítulo 3 - Quem é você? (revisado)
Capítulo 4 - Hóspede (Revisado)
Capítulo 5 - Uivo (revisado)
Capítulo 6 - Passado (revisado)
Capítulo 7 - Tempo fresco (revisado)
Capítulo 8 - Funcionário Novo (revisado)
Capítulo 9 - Garçom (revisado)
Capítulo 10 - Porta dos Fundos (revisado)
Capítulo 11 - Praça (revisado)
Capítulo 12 - Discussão (revisado)
Capítulo 13 - Desculpas e Planos (revisado)
Capítulo 14 - Não é um adeus (revisado)
Capítulo 15
Capítulo 16 - Alpha
Capítulo 17 - FUJA!
Capítulo 18 - A porra da prata
Capítulo 19 - Onde ela está?
Capítulo 20 - Telefonema
Capítulo 21 - Ele só ladra, não costuma morder.
Capítulo 22 - Isso vai ser interessante.
Capítulo 23 - Tomada de decisão.
Capítulo 24 - Olá, loba vermelha.
Capítulo 25 - Temos assuntos a resolver, Celine.
Capítulo 26 - Morar na casa dele?
Capítulo 27 - Agora ela é assunto meu.
Capítulo 28 - Não vou cometer esse erro duas vezes.
Capítulo 29 - Sem máscaras.
Capítulo 30 - Reunião da alcateia.
Capítulo 31 - A curiosidade pode matar.
Capítulo 32 - Pergunta inusitada.
Capítulo 33 - Saindo pela janela.
Capítulo 34 - Febre.
Capítulo 35 - Jovem lobo.
Capítulo 36 - Feromônios.
Capítulo 37 - Carinho?
Capítulo 38 - Não vai rolar.
Capítulo 39 - Lua cheia.
Capítulo 40 - Cachoeira.
Capítulo 41 - Cachoeira (parte dois).
Capítulo 42 - O segredo.
Capítulo 43 - Provador.
Capítulo 44 - Rejeição.
Capítulo 45 - Novas habilidades.
Capítulo 46 - Jantar.
Capítulo 47 - Encontro indesejado.
Capítulo 48 - Perdição.
Capítulo 49 - Laço de alma.
Capítulo 50 - No banheiro.
Capítulo 51 - Cheiro de medo.
Capítulo 52 - Entrelaçados???
Capítulo 53 - Visitinha.
Capítulo 54 - As visitas chegaram.
Capítulo 55 - Telepatia.
Capítulo 56 - Obediência e culpa.
Capítulo 57 - Entre irmãos.
Capítulo 58 - Dever de Alpha.
Capítulo 59 - Despertando.
Capítulo 60 - Desabafo.
Capítulo 61 - Surpresa.
Cap 62 - Cobrando a aposta.
Capítulo 63 - O brinde de Kai.
Cap 64 - Brincadeira excitante.
Capítulo 65 - Regra quebrada.
Capítulo 66 - Aniversariante.
Capítulo 67 - O pau quebrando.
Capítulo 68 - Plano inimigo.
Cap 69 - Um lobo desconhecido.
Capítulo 70 - Lareira e conselhos.
Capítulo 71 - Cheiro de desastre.
Capítulo 72 - Ideia inconsequente.
Capítulo 73 - Uma cama.
Capítulo 74 - Atrelados.
Capítulo 75 - Está ficando louca?
Cap 76 - Na casa dos solitários.
Capítulo 77 - Enjaulado.
Capítulo 78 - Caçadores.
Capítulo 79 - Porão.
Cap 80 - Aperte o gatilho.
Capítulo 81 - Kendall.
Cap 82 - Como uma sombra.
Capítulo 83 - Vulto chocolate.
Capítulo 84 - Meu verão.
Capítulo 85 - Notícia ruim.
Cap 86 - Um novo plano.
Cap 87 - Instinto e dominância.
Cap 88 - Cheiro de sangue.
Capítulo 89 - Caos e descoberta.
Capítulo 90 - Laço de sangue.
Cap 91 - Terminando o que começaram.
Capítulo 92 - Matando a saudade.
Capítulo 93 - Voltando aos eixos.
Capítulo 94 - Calor.
Capítulo 95 - Sensações novas.
Capítulo 96 - Primeira vez.
Capítulo 97 - Galetos e Natal.
Capítulo 98 - O grande momento.
Capítulo 99 - Eternos.
Capítulo 100 - A lua, o Caos e a Liberdade.

Capítulo 1 - Chegada (revisado)

21.8K 1K 138
By MarySinnon


PRÓLOGO:

Minha alcateia era pequena comparada aos outros territórios. E meu antigo Alpha — assim como qualquer outro líder de alcateia deveria ser — parecia ter orgulho de todos os membros e tratava todos muito bem. Era tudo aparentemente perfeito, a não ser por uma coisinha: Eu.

Particularmente, nunca fui bem vinda lá. E se você me perguntar o porquê, eu não vou saber responder a essa pergunta. O fato era que eu não me sentia conectada a nenhum deles. Todos deveriam sentir uns aos outros, fazerem parte de um todo que eu nunca conseguia enxergar. É horrível dizer isso, mas era a verdade. Eu me sentia presa e não conseguia me acomodar na matilha. Por algum motivo repugnante, ela me incomodava profundamente.

Mas o destino tende a ser imprevisível quando menos esperamos.



CAPÍTULO 1 - CHEGADA

Eu era livre. A floresta era minha e eu era dela. Meus uivos ecoavam como correntes se quebrando pela terra. Nada podia me parar. Nada podia me prender a não ser eu mesma.

Conseguia sentir os fios invisíveis que me ligavam a alcateia se romperem, mas não senti dor, não me estilhaçou como eu imaginava, pois eles nunca existiram de verdade. Sempre fui eu comigo mesma. Eu conseguia sentir tudo perfeitamente ao meu redor. Os cheiros, os gostos, os barulhos, tudo era conectado como nervos no meu corpo. As sensações de medo, adrenalina, eu podia sentir tudo no ar. Eu estava livre. Sentia como se tudo estivesse no meu controle. Sem lugar fixo, sem regras para seguir. Fugitiva das leis que me perseguiam e que me atormentavam.

Como?

Bem...

Depois de correr praticamente metade de um dia e a noite inteira, acabei parando na fronteira do território de outra alcateia. Eu tinha conseguido atravessar a merda de um estado inteiro para ficar o mais longe possível da minha. Meus músculos vibravam, e minhas patas nunca sentiram tanta dor. Mas a dor era prazerosa e me faziam ficar mais eufórica e destemida do que sempre fui. E que, no entanto, era algo que nunca tive o direito de apreciar apropriadamente.

Eu estava sem nada. Absolutamente nada. Sem roupas, sem pertences e nada que pudesse me ajudar. A cidade mais próxima era bem maior que a minha, mas antes que eu pudesse chegar até ela, eu tinha que me transformar e achar alguma roupa para vestir. O que não seria muito fácil. Não para alguém ansiosa e que não gostava de fazer nada errado. E a questão era que eu estava fazendo a coisa mais arriscada da minha vida. Era totalmente proibido entrar em um território assim sem antes informar o Alpha local. E se algum membro da alcateia daqui me pegasse, seria o meu fim.

Na parte rural, depois de adentrar mais o novo território, acabei encontrando uma casa. Um pequeno chalé. Podia ouvir o barulho de alguns carros passando hora ou outra, o que mostrava que ficava perto da estrada.

Me esgueirei pelas árvores e observei se o lugar estava seguro. Não havia cachorro, alarmes e nem câmeras. O local parecia simples e sem sistema de segurança. Seria um show e tanto ver um lobo passeando pelo seu quintal antes de se transformar num humano para roubar alguma coisa.

Olhei com mais atenção o local e notei que nos fundos da casa havia um varal com algumas roupas penduradas. A residência estava toda apagada e rezei para que ninguém ali dentro sofresse de insônia, pois eu estava apostando que estavam todos dormindo a essa hora.

Me aproximei cuidadosamente e farejei o lugar. Sem cheiro recente, sem odor de humano e principalmente de lobo. Sem nada que pudesse apresentar perigo. Era aparentemente seguro, então quando cheguei perto do varal, rapidamente me transformei atrás de um lençol grande. A mudança foi ainda mais dolorosa, até porque meus músculos já estavam cansados da corrida e ainda precisavam se transfigurar completamente para a forma humana.

Mas tudo valeria a pena.

Passei pelo varal e procurei alguma roupa que pudesse me servir. Peguei a primeira calça jeans surrada que vi pela frente que parecia mais próxima do meu número. A blusa vermelha também não estava das melhores, mas pelo menos estavam todas limpas e cheirosas. E eu gostava de coisas cheirosas. No entanto, quando olhei mais a frente e vi dois pares de tênis na escada da varanda, quase senti o cheiro dele daqui. Eu não sabia dizer exatamente qual deles que fedia rato morto e nem tinha vontade de descobrir, mas precisava calçar alguma coisa e um dos pares parecia perto o suficiente de servir no meu pezinho lindo. Estavam a poucos metros de distância e por mais que eu não quisesse me aproximar da casa, eu não podia ir para a cidade descalça.

Andei até lá sorrateiramente e peguei o par de sapatos menor. E a felicidade que senti por saber que não havia um rato morto dentro daquele em específico foi tão grande que calcei sem esperar nem mais um segundo. Os sapatos, assim como imaginei, ficaram um pouco largos, mas não importava. Queria mais era sair daqui. De preferência com roupas e com os pés minimamente confortáveis.

Silenciosamente voltei para a floresta e segui em direção a estrada.

Não foi encorajador olhar para as placas e descobrir que ainda faltavam 30 km para Burlington. A cidade mais populosa — e mais segura para uma recém solitária como eu — do estado de Vermont. Com um território extremamente maior comparado ao qual minha antiga alcateia ocupava em Lancaster, em New Hampshire. No entanto, foi menos encorajador ainda tentar pegar carona e ser ridiculamente ignorada pelos raros veículos que ousavam passar por ali. Não sei se seriam corajosos o suficiente para ajudarem alguém às 5 horas da manhã no meio da estrada, mas não custava nada tentar mais um pouco.

Continuei andando arrumando meu cabelo emaranhado e esperando o próximo carro passar. Demorou vários minutos até que o primeiro farol aparecesse, mas quando acenei, ele sequer diminuiu a velocidade antes de passar direto.

Isso demoraria muito mais do que eu imaginava. Entretanto, olhando pelo lado positivo, eu estava longe de casa. Longe de todos, sozinha e pronta para começar minha vida de loba solitária. Do zero. Era no mínimo emocionante pra cacete! E no máximo, aterrorizante ao extremo.

Andar como humana depois de ter ficado exausta como lobo não era agradável. E depois de algumas tentativas falhas, eu vi finalmente o próximo veículo vindo na minha direção. Ergui os dois braços e fiz sinal. No intuito de chamar mais atenção ou mostrar urgência o suficiente dessa vez. Percebi quando o automóvel diminuiu a velocidade e parou do outro lado do acostamento. Era um caminhão pequeno de carga.

O motorista abaixou a janela e fez sinal para eu entrar. Estranhei por alguns segundos o cabelo loiro sedoso, os olhos lindos e brilhantes e os lábios rosados com gloss. Não, não era um homem que dirigia. Era uma mulher.

Atravessei a estrada e abri a porta do caminhão antes de entrar. A mulher estava usando uma jaqueta jeans e uma calça escura, o cabelo loiro escuro estava amarrado num rabo de cavalo e parecia ter no máximo uns 35 anos.

— O que você faz sozinha na estrada uma hora dessas? — Ela me olhou com bastante atenção, mas o olhar só durou alguns segundos antes que ela pisasse no acelerador novamente. Ok, vamos lá...

— Ah, eu moro aqui perto, tenho compromissos na cidade logo de manhã, mas não tinha como ir. O motor do meu carro resmungou para mim quando tentei ligá-lo. — Dei um sorriso humorado e torci para que a mulher me acompanhasse.

— Então teve sorte de eu estar passando. — Ela riu fraco.

— Tive sim. E agradeço. — Encarei a estrada.

Pelo cheiro da mulher, pude afirmar que era humana. Ela tinha acabado de tomar café e também tinha um pouco de cheiro de tabaco. Era um alívio ser uma humana, de verdade. Seria muito azar da minha parte dar de cara com um lobo logo na minha primeira hora nesse território. Até conseguia imaginar o teor da conversa que teríamos.

Quem é você e o que você está fazendo aqui?

Oh, eu estava indo agora mesmo falar com o Alpha de vocês... ou talvez eu pudesse tentar simplesmente um perdoe-me e rasgue meu pescoço de uma vez... seria bem melhor do que ver outro Alpha na minha frente de novo.

— Mora a muito tempo aqui? — Perguntei para a mulher ao invés de ficar pensando o pior. Vida nova, pensamentos novos.

— Já estou a dois anos. — Ela alisou o polegar no volante. — E você?

— Acabei de me mudar. — Evitei dar muitas informações por mais amplas que minhas mentiras poderiam ser. Eu estava tentada a brincar um pouco.

Olhei de relance e vi um vidro de perfume no porta luvas na minha frente. Meus olhos praticamente pularam para fora de suas órbitas. Seria essencial dar algumas borrifadas para disfarçar o meu cheiro característico. Me salvaria com certeza, ainda mais depois de uma transformação.

Merda... eu não tinha pensado nisso. Será que seria muito estranho eu pedir isso pra ela?

"Olha moça, eu estou cheirando igual a um animal, seria demais pedir umas borrifadas do seu perfume?" Para de ser idiota Celine, é claro que seria estranho.

— Moça... — Ela me olhou. Merda, você ia mesmo fazer isso Celine? — Sabe, eu saí de casa correndo pra uma entrevista de emprego e acabei esquecendo de passar perfume. — Cocei a nuca. — Li uma vez que pessoas cheirosas contam muito em dias como esse. Em qualquer lugar na verdade. — Que porra foi essa Celine?! — Será que você poderia me socorrer e deixar eu dar umas borrifadas do seu? — Apontei pro porta luvas e a risada sem graça que saiu da minha boca fez eu querer enterrar minha cabeça no asfalto.

No mínimo ela me achou estranha e no máximo, me chamaria de louca, mas no final de tudo ela não pareceu se importar de verdade, pois a loira começou a rir e balançou a cabeça positivamente.

— Claro. — Falou e voltou a prestar atenção na estrada. — Entrevista de emprego, é? Acho que por aqui é bem fácil de conseguir. Sempre precisam de mais gente. — Peguei o perfume e borrifei em mim.

Ai que cheiro horrível!

Prendi a respiração para não morrer com aquele odor do diabo e voltei a atenção no que ela tinha acabado de falar. Bom, é ótimo saber que minha chance de ser contratada em algum lugar é alta. Eu tenho que conseguir um emprego urgentemente se quisesse sobreviver por aqui.

— Estou torcendo para conseguir. — Coloquei o perfume no mesmo lugar.

— Eu trabalho com entregas. Comecei a trabalhar no segundo dia que me mudei para cá. Acredite, logo eu que não tenho habilidade nenhuma a não ser minha carteira de motorista. Aposto que vai conseguir alguma coisa. — Assenti o mais confiante possível e sem dizer mais nada, continuamos até a cidade.

Não demorou tanto tempo para eu ver a primeira placa dando boas-vindas a Burlington. A cidade populosa que possuía uma das alcateias mais poderosas dos Estados Unidos, pelo que eu pouco sabia da região. Tudo parecia lindo e bem-organizado. Havia lojas de conveniência, ruas limpas, bares e restaurantes nos cantos por onde passávamos. Mas devido ao horário, não havia muitas pessoas andando por aí ainda.

E enquanto a motorista guiava o pequeno caminhão pelas ruas da cidade, eu já podia ver o sol aparecendo entre os prédios pequenos. Abarrotando os cantos escuros e cinzas com cor natural e divina. Por Deus, meus olhos estavam diferentes nessa cidade.

— Onde posso deixá-la? — A loira perguntou e minha mente pulou. Merda... eu não faço ideia...

— Ah, bem, o centro seria perfeito pra mim.

Ela continuou dirigindo por mais dois minutos e logo parou o caminhão numa vaga de carga e descarga. Perto de uma das conveniências no centro da cidade.

— Pronto, está entregue. — Sorriu e olhou para mim.

— Muito obrigada, moça. — Só então percebi que não sabia o nome dela. — Você me salvou.

— Boa sorte na entrevista. — Acenou pra mim e eu desci do caminhão fechando a porta logo em seguida.

— Vou precisar.

Eu tinha mesmo que arrumar um emprego. Lavaria até pratos se fosse preciso. Um mercado ou um restaurante não seria nada ruim.

Acenei de volta para a mulher e vi ela saindo com o caminhão até que entrasse numa rua e sumisse de vista.

Olhei ao redor e suspirei.

Estava parada em frente a um prédio que parecia ser bem antigo. Talvez fosse um armazém em desuso, mas que se destacava no bairro em meio aos outros prédios impecáveis. O sol já refletia nos vidros coloridos de alguma delas e o chão se divertia com o reflexo que os banhava.

Cocei o pescoço sem saber por onde começar. Um novo lugar, uma nova vida, isso não era muito bem o que eu imaginava fazer. Para começo de conversa, era loucura ter feito o que fiz. Era quase coisa de filme. E se você morrer aqui? Hein? Já pensou nisso, Celine? E se o Alpha não for nada legal com "visitantes fujões" como você? Vai ajoelhar e pedir pelo perdão dele? Vai mordê-lo de volta? Dominá-lo, tenho certeza. Hahaha...

Ignorei os pensamentos irônicos e comecei a andar.

Numa hora dessas minha antiga alcateia já deve ter notado minha ausência. Só não devem ter percebido minha fuga ainda pois devem estar achando que saí para correr como sempre faço. E nem sempre eu voltava para dormir em casa.

Só vão estranhar minha ausência de verdade quando perceberem que eu não voltei para o almoço. Nunca fiquei tanto tempo fora desse jeito.

Comecei a andar por algumas ruas e quarteirões enquanto observava a cidade. Parecia um bom lugar para se ficar e criar raízes. Coisa que para lobos eu achava bem inusitado, pois a última coisa que consegui fazer em toda minha vida foi criar raízes em algum lugar. E não foi por falta de tentativa. Talvez pisar nessa cidade pudesse despertar algo diferente em mim, em minha loba. Talvez esse lugar pudesse me fazer querer ficar.

Enquanto eu pensava nisso e olhava para os novos raios solares atravessando os telhados até o asfalto, percebi que por mais estimulada pelo novo ambiente eu estava, não fazia nem ideia de que horas eram. A maioria dos comércios ainda estavam abrindo, então eu podia supor umas sete ou sete e meia da manhã.

A cada passo mais atento que eu dava, mais os cheiros se aprumavam em minha volta. E dentre todos os cheiros, o aroma doce de café me chamou atenção. Virei o rosto na direção do aroma mais marcado e percebi que vinha do outro lado da rua. De uma lanchonete de esquina. O café dali tinha um cheiro um pouco diferente do que eu estava acostumada a sentir. Parecia amanteigado e acompanhado com chocolate um pouco amargo. Eu adorava chocolate amargo.

"BunnyBlaki's".

Minha barriga roncou, mas eu dei um sorriso com o nome fofo. Era o único lugar que já parecia estar aberto. Tinha grandes janelas laterais de vidro fumê claro e o lugar parecia mais como um restaurante no estilo Pub.

Havia um homem limpando os vidros pelo lado de dentro. E ele parecia compenetrado no que fazia enquanto eu atravessava a rua até a entrada da lanchonete. Quando olhei a maçaneta para abrir a porta do estabelecimento, vi uma plaquinha de madeira pendurada ao lado da minha mão que dizia estarem contratando. Quase senti vontade de rir ao ver aquilo.

Pelo menos uma vez na vida a sorte parecia me dar sua benção. Não ia perder esse emprego por nada.

Abri a porta escura de vidro e entrei. O ambiente era muito agradável e cheirava muito bem. O cheiro de canela também era visível apesar de fraco. As paredes eram ladrilhadas com tijolos cinzas e o piso era escuro e todo lustrado, assim como as mesinhas redondas que haviam ali.

— Bom dia senhorita. — Aquele homem que limpava os vidros veio até mim. Tinha um porte médio, cabelos castanhos e olhos negros. Usava uma calça bege e uma camisa branca com um avental preto amarrado na cintura.

— Bom dia.

— Só vamos abrir daqui a meia hora, mas pode se sentar se quiser. — Ele era um pouco mais alto do que eu e sua voz era bastante calma.

— Ah, obrigada. Na verdade, eu estava passando e vi a plaquinha de contratação. — Apontei pra ela.

— Ah sim... está interessada?

— Estou muito interessada. — Abri um sorriso ao deixar bastante claro e ele levantou uma sobrancelha antes de segurar o sorriso.

— Certo, me acompanhe. — O homem fez sinal para eu segui-lo.

Eu andei atrás dele até o balcão de mármore escuro que ficava logo depois das mesas dos clientes perto do caixa.

— Só um instante, vou chamar o gerente.

— Tudo bem.

Vi o funcionário sair e entrar numa porta.

Depois de alguns segundos bem demorados, um outro cara apareceu. Um cara não, um senhor de idade de barriga avantajada que parecia ter uns 60 anos. Vestia roupas semelhantes à de um garçom e tinha o cabelo grisalho penteado pra trás. Quando ele se aproximou do balcão e parou do outro lado, senti um leve cheiro de cigarro e bala de menta no ar.

— Olá, é você que está interessada no trabalho? — Sua voz era bastante rouca também. Parecia ser um senhor bem rigoroso pelo jeito que me encarava, mas quando eu analisei melhor o seu rosto, ele acabou mostrando um sorriso gentil.

— Sim, sou eu.

— Ótimo, qual é o seu nome e quantos anos você tem? — Pegou uma caderneta embaixo da bancada e uma caneta para anotar uma ficha. Como se aquilo fosse muito frequente para ele.

Será que as pessoas não ficavam aqui por muito tempo?

— Meu nome é Celine Ross. Tenho 26 anos. — Decidi pelo meu nome verdadeiro já que eu começaria minha vida real a partir de agora. Nada melhor do que começar direito, não é?

O velho repetiu enquanto o escrevia na ficha azulada.

— Pode me passar seu endereço e seu documento?

Ah merda.

— Er... Eu não estou com meus documentos agora, só estava passando quando vi o aviso. Posso trazer depois? Acabei de me mudar também, então ainda não tenho um lugar fixo. — O velho me olhou nos olhos por um momento e assentiu com a cabeça.

Depois de mais algumas perguntas, como, por exemplo, onde eu trabalhei pela última vez ou se eu tinha alguma experiência, respondi que sim e que tinha trabalhado meio período boa parte da adolescência numa lanchonete em Lancaster. Claro que foi mentira, afinal eu tinha trabalhado somente uma semana para juntar uma grana para comprar uma bicicleta dos sonhos.

O senhor respirou fundo e guardou a caneta prateada no bolso.

— Abrimos todos os dias as sete e meia e tudo começa a funcionar as oito horas. Pagamos por hora aqui. Pode começar hoje?

— Sim claro! Posso começar agora.

— Seja bem-vinda Celine. Meu nome é Charlie. — Estendeu a mão e eu apertei amigavelmente. — Aquele que te recebeu se chama Edward, mas pode chamá-lo de Eddy. Temos uma cozinheira chefe que se chama Anna, mas creio que não conhecerá ela hoje. É o seu dia de folga. Quem está no lugar dela hoje é o John. Logo ele chegará. — Ele olhou ao redor procurando alguém. — Eddy! Mostre pra ela o vestiário, por favor. — Ele olhou para mim novamente. — Por agora, pode entrar e trocar de roupa. Acho que deve ter algum uniforme feminino que caiba em você.

Assenti e vi o tal de Eddy aparecer na porta com uma bandeja de pão de queijo que tinha acabado de sair do forno. Quase salivei de tanta fome quando ele colocou na vitrine e voltou a olhar pra mim.

— Claro. Celine, venha comigo.

Segui ele, entrei por outra porta e andei por um pequeno corredor que dava para o vestiário sentindo minha barriga murmurar de fome. Eu sequer tinha me incomodado de caçar, pois meu sangue estava tão vivo enquanto fugia, que minha única preocupação foi continuar correndo.

— É aqui. — Eddy abriu a porta do vestiário e seguiu até um armário prateado. Eu também notei o banheiro dos funcionários que ficava no corredor separado dos outros banheiros, o que era muito bom. Virou a cabeça e entrei para onde Eddy estava com uma muda de roupas na mão, checando para ver se o uniforme cabia em mim. — Acho que esse vai dar. — Estendeu na minha direção. — Se precisar de mais alguma coisa é só falar.

— Obrigada. — Peguei a roupa de suas mãos e vi ele sair.

Muito educado...

No canto do vestiário, havia um provador. Andei até ele e fechei a cortina ao mesmo tempo que vi o espelho atrás de mim.

Jesus...

Meu cabelo estava um fuá de gato e eu estava com olheiras surpreendentes para alguém que só tinha corrido por mais de doze horas a fio. Fui rápida em tirar as roupas e me trocar. Precisava lavar meu rosto e dar um jeito nesse cabelo também.

Coloquei a camisa branca, vesti a calça caqui e amarrei o avental preto na cintura antes de olhar no espelho e dar meia voltinha. Tinha ficado melhor do que eu imaginava.

Guardei minhas roupas no armário e saí do vestiário. Andei direto até o banheiro dos funcionários que ficava do outro lado do corredor e lavei o meu rosto para continuar acordada. Meu cabelo estava parecendo um ninho revolto de algum pássaro infeliz pelo jeito que estava nesse momento.

Jesus, como Charlie pôde me contratar assim?

Tentei alisar os fios acobreados com a mão úmida, tirando o máximo de nós que conseguia e fiz um coque alto no cabelo. Ficaria melhor.

Tinha virado a noite acordada. Estava só o pó, mas continuei firme. Pois recomeçar, além de ser difícil, era novidade para mim tanto quando entrar uma dieta.

Vamos lá loba... Precisamos fazer isso bem.

Saí e voltei pelo pequeno corredor até me deparar com Charlie do lado de fora da porta. Ele estava passando quando me viu.

— Eu sabia que ia ficar perfeito!

— Obrigada. — Dei um sorriso sincero. — Por onde posso começar?

Ele me indicou os cardápios no balcão. Disse que seria bom eu decorar os pratos e os preços quando fosse atender os clientes. E Eddy estaria sempre me auxiliando se caso eu precisasse de ajuda.

Fui até o balcão e peguei o cardápio. Farejei o ar e senti um aroma delicioso vindo da cozinha. Provavelmente o cozinheiro que Charlie citou já havia chegado. Dei uma olhada no cardápio e acabei decorando alguns pratos, mas eram muitos e de variados preços. Desde bolos a pães, salgados folhados, tortas, cafés de diversos tipos e tamanhos. Eu precisaria levar um cardápio nos meus braços por pelo menos uma semana.

Se eu continuasse viva todo esse tempo.

Os minutos se passaram e a lanchonete já estava aberta quando o barulho o sininho soou na porta. Um homem entrou na lanchonete. Estava de terno e acabava de desligar o telefone furioso.

— Bom dia senhor. — Fui até ele e peguei o bloquinho que Eddy tinha me dado para me auxiliar.

— Bom dia. — Nem olhou pra mim. Tinha a feição contraída e parecia se importar somente em onde ia decidir se sentar. Parecia ter uns 50 anos e tinha cheiro de álcool em gel.

Ele se sentou e segurou o cardápio nas mãos.

— Pois não? — Parei perto da mesa. Só aí que ele levantou seu rosto e me encarou. A feição mudou sutilmente para menos irritado e continuei encarando-o enquanto esperava o pedido. — Posso anotar seu pedido ou ainda não se decidiu? — Ótimo Celine... mal começou o trabalho e já parece estressada.

— Já decidi. — Bateu os dedos na mesa de madeira e correu os seus olhos em mim. — Vou querer dois pães de queijo e um café expresso.

— Okay, mais alguma coisa? — Anotei.

— Só isso, por enquanto.

— Certo. Logo trarei. — Dei meia volta e fui para o balcão. Entreguei o papel para Eddy e ele logo preparou um prato com dois pães de queijo e serviu uma xícara de café expresso.

— Esse é o Richard. Advogado. Normalmente estressado. — Eddy colocou tudo sobre uma bandeja e me entregou. Assenti para ele.

— Notei o estresse e o cheiro amargo. — Sussurrei e voltei até a mesa. Deixei seu pedido e antes que eu pudesse sair, ele falou:

— É nova aqui, não é? Nunca te vi antes.

— Ah, sim. — Ela forçou um sorriso, apesar de não querer papo com ninguém além de fazer seu serviço. Estava muito cansada pra isso.

Mais pessoas começaram a chegar e eu achei a brecha ideal para escapar dali.

— Aproveite o café. — Falei e fui atender os outros clientes. Isso se prolongou pelo café da manhã, almoço e fim de tarde. O que foi terminar só às 19:00 depois que lavei todo o resto da louça que tinha sobrado. E claro, minha licantropia me ajudou a aguentar o dia inteiro. Senão eu estaria caída nesse chão, completamente morta.

Recebi o dinheiro de Charlie no final do dia, além das gorjetas que eu tinha ganhado por ser "uma moça muito bonita e gentil" de acordo com uma senhora de 60 anos chamada Olga. Não era muito, mas era mais do que o suficiente pra sobreviver por um dia e ainda comprar uma muda de roupas na promoção. Conheci Jonh, um rapaz jovem e um exímio cozinheiro. Era esguio, espontâneo e de boa aparência. E no final do dia, com a comida que tinha sobrado, ele fez duas marmitas. Uma pra mim e outra pra Eddy. O que me deixou ainda mais aliviada por não precisar gastar com comida. Me troquei, peguei minhas coisas e segui para ir embora.

— Boa noite Celine. Você foi ótima hoje. — Todos já tinham ido. Só havia eu e Charlie.

— Obrigada. Até amanhã. — Acenei e saí da lanchonete. Eu poderia ter tentado manter um papo por mais alguns minutos pelo menos, mas eu estava tão exausta que só queria achar um lugar para dormir.

A cidade estava mais movimentada a noite. E eu tinha que procurar algum lugar pra ficar. Mas antes, passei numa lojinha, comprei algumas peças íntimas e uma muda de roupas. O que quase me torrou metade do dinheiro apesar de estar na promoção.

Andei por mais algumas quadras a procura de um hotel, até finalmente achar um que parecia acessível para mim. Um pouco mais afastado do centro, mas decente o suficiente. Atravessei a rua e entrei no hall do pequeno prédio. Andei até a recepção e vi uma jovem de pele cor de chocolate que nem parecia ser maior de idade. Tinha o cabelo preto na altura dos ombros e um lado de sua cabeça era raspado. Estava lendo uma revista até que se virou pra mim ao me ver se aproximar.

— Boa noite. — A cumprimentei.

— Boa noite. — Deixou a revista sobre a mesa.

— Tem algum quarto livre?

— Tem o quarto 201 no segundo andar, o 301 e...

— Pode ser o 201. — A interrompi. — Quanto custa ficar por uma semana?

— $140,00. — Uau.

— Perfeito. — Eu estava no lucro. Com certeza eu não conseguiria achar algo mais barato aqui nessa cidade.

— Certo, posso ver sua identidade para fazer seu check-in? — Encarei a menina.

O quê? Pra quê? Eu não tenho nada comigo.

Fingi procurar a identidade no bolso da calça e demorei consideravelmente a procura dela antes de fingir um espanto crescente por não achá-la.

— Não, não, não. Eu não posso ter esquecido... — Olhei pra menina ainda com minha cara de espanto e ela suspirou dando uma risada fraca. Me encarou dos pés à cabeça.

— Não precisa mentir, vou deixar passar. Só me diga o seu nome.

— Celine. — Depositei $40,00 na frente dela antecipadamente.

— Obrigada. — Falei realmente aliviada. — Perdi meus documentos, e bem... — Parei de falar. Não foi exatamente isso que aconteceu, mas não deixa de ser verdade. — Enfim.

Ela abriu uma gaveta, pegou a chave do quarto e me entregou.

— Se quiser, posso te passar um endereço onde você pode descolar uma identidade falsa. — Peguei a chave de suas mãos e olhei pra ela com a sobrancelha levantada.

— É sério?

Normalmente eu não aceitaria fazer algo tão arriscado, mas eu já estava fazendo, então...

A moça pegou um papel da mesma gaveta e anotou o endereço.

— Se você for nesse lugar você pode conseguir. — Me entregou. — Mas fica um pouco longe daqui. É na periferia da cidade.

— Obrigada. — Eu pouco estava me importando onde ficava, desde que eu não passasse por mais humilhações como essa.

Acenei para a punk e subi as escadas. Ao abrir a porta do meu quarto e entrar, logo voltei a trancá-la. Fui até a janela e olhei para fora vendo alguns bêbados fazendo algazarra no bar do outro lado da rua. Fechei a cortina, joguei as coisas em cima da cama e fui checar cada canto da suíte antes de tirar minha roupa. Eu precisava muito de um banho. Muito mesmo.

Segui para o banheiro, acendi a luz e logo liguei o chuveiro. Esperei a água esquentar e entrei debaixo daquela oitava maravilha.

Finalmente...

Me ensaboei, lavei meu cabelo e depois de alguns minutos, desliguei o chuveiro para sair. Com a fome que eu estava, eu era capaz de comer um urso inteiro. Amarrei a toalha em volta do meu corpo e fui pegar a marmita em cima da cama.

Só terminei de secar meu cabelo depois que devorei a comida, é claro. Escovei meus dentes e desabei na cama já morta. Eu estava exausta, só o pó da rabiola. E pelo menos por hoje, eu tinha um lugar pra dormir em paz.

Lembrei que tinha que colocar o relógio pra despertar às sete e meia pra ir trabalhar. Olhei para o criado mudo e por milagre vi um relógio antigo de mesa. Estendi minha mão e ajustei o despertado tentando ao máximo confiar em algo tão velho como aquilo. Será que ainda funcionava?

Não consegui passar tanto tempo questionando a funcionalidade do aparelho, pois virei para o lado após apagar a luz e simplesmente dormi. O que era uma coisa rara de acontecer, pois normalmente eu demorava horas em claro.


Como essa é uma longfic, ainda vão ter muitas coisas para acontecer, mas como eu não tenho muita paciência pra enrolação, algumas coisas vão acontecer até que bem rápido kkkk

Espero muito que gostem, essa história é especialmente pra vocês!

Então não esqueçam de votar e comentar muito!
Isso me motiva demais e eu adoro ler a opinião de cada um!

Não sejam leitores fantasmas!!!
❤️❤️❤️❤️❤️❤️

Continue Reading

You'll Also Like

283K 18.5K 36
A milhares de anos atrás, desde a nossa existência, um mundo sobrenatural esteve em grande conflito. Talvez por territórios, poder, força... Tendo a...
3M 40.5K 12
História completa disponível na Amazon e KindleUnlimited ⚠️ROMANCE DARK 🔞 Lucas Ribeiro, dono da fazenda Ribeirão, em Goiânia, um cowboy frio, calcu...
18.4K 1.5K 25
Duque Holland é um homem movido aos seus desejos. Nunca recebeu um não e sempre teve tudo que quis, SEMPRE. O cheiro da inocência da jovem Celine foi...
1.6M 151K 44
[Volume 1 da Saga das Quatro Rainhas] Anna é a filha única do duque de uma pequena e adorável vila. É uma encantadora jovem que acaba de completar de...