Quando pensei que os dias de solidão não teriam fim.
Escutei o barulho familiar do motor de um carro e um sorriso logo escapou dos meus lábios.
Desci as escadas correndo e fui em direção à porta.
Ver a liza dentro daquele carro roendo as unhas despreocupada, me fez sentir um misto de raiva e alegria. Caramba nunca senti tanto a falta de alguém assim.
Depois do meu pai é claro.
-- Meu Deus, Liza, onde você estava? - Perguntei eufórica, imaginando mil situações que poderia ter acontecido.
-- Entra vai, no caminho eu te explico - Ela falou sem me olhar, e eu obedeci, é claro.
-- Tá, mas vamos passar no ponto e pegar o Simon porque eu prometi pra ele que quando a gente voltasse a ir para escola, juntas, eu falaria com ele
-- O cego?
-- Liza - A repreendi
-- Ué - Encolheu os ombros - Mas ele não é cego?
Revirei os olhos e virei o rosto pro lado, encarando a paisagem um pouco mais tranquila.
-- Você deveria ter dado pelo menos alguma notícia, sei lá, eu fiquei muito preocupada, e David então...
-- Ana, eu não tenho tempo para os seus sermões agora, estou com problemas - Ela soltou impaciente.
-- Por que, o que aconteceu? Por que não está arrumada? faltam dez minutos para começar as aulas - Perguntei depois de notar que ela não estava de uniforme e com rosto lavado, ele nunca deixa suas sardas aparentes.
-- Hoje não vamos à escola, preciso conversar com alguém, você vem comigo pra casa?
-- Mas e o Simon?
-- Esquece o cego, é caso de vida ou morte.
Eu fiquei dividida, eu estava indo tão bem na escola, não faltei nenhum dia, mas ver o semblante caído de liza e sua aparência horrível, fiquei bastante assustada.
-- Está bem.
Ao passar de frente à escola, eu abaixei no banco do carro pra ninguém me ver, confesso que fiquei decepcionada comigo mesmo, mas não podia mais voltar atrás.
Pela primeira vez na vida, eu estava matando aula, e a sensação é um tanto estranha. Eu me sentia culpada o tempo todo, acho que por está acostumada a ser sempre certinha e seguir as regras.
Espero muito que a liza tenha uma boa explicação pra isso.
Tomara que minha mãe também não descubra.
-- E o seu pai? - Perguntei assim que paramos em frente a sua belíssima residência.
-- Está viajando.
O pai dela está viajando e ela nem pra ligar pro David, e avisar que está viva.
Ela abriu a porta do carro no mesmo instante que eu, e ambas descemos.
Era bom respirar o ar puro da riqueza novamente, porém eu estava começando a gostar da nova vida, apesar de não ter mais as mordomias de antes.
-- Sua casa é linda.
Ela correu os olhos pela casa e suspirou.
-- É aqui que o meu pai se esconde, aquele corrupto - Falou, depois colocou a chave do carro em cima da mesa de centro
Reparei em alguns retratos na estante, e notei que em todos a liza aparece com o pai. Me questionei por um momento sobre a sua mãe.
E como eu sou curiosa, resolvi perguntar.
-- Por que sua mãe não aparece em nenhuma foto, onde ela está? - Perguntei com medo da resposta.
-- Não sei.
-- Como assim, você não sabe?
-- Não a vejo desde que fugiu com o personal trainer dela - Disse com o indiferença - E não duvido nada que eu seja filha dele ou será que é do encanador, enfim, acho que por isso que meu pai me odeia.
Arregalei os olhos com a descoberta, nunca conheci uma família tão problemática.
-- Sério?
-- Tô te dizendo, mas não é sobre isso que vamos conversar, agora vem - Ela me puxou pelo braço até a escada, mas logo soltou ao olhar minha expressão e se lembrar de que eu havia dito pra ela não fazer isso.
-- Desculpa, é o costume.
-- Tudo bem, aquele dia eu estava um pouco frustrada
Subimos as escadas e entramos em um quarto que era tão grande quanto a sala, era praticamente o triplo do meu quarto atual.
Fiquei admirando os detalhes. Havia muito dela ali totalmente diferente dos outros cômodos.
-- Eu sei o que deve está pensando, porque alguém precisa de um quarto desse tamanho, tem cômodos nessa casa que eu nunca entrei, acredite.
-- Nossa.
Eu queria muito contar para ela da minha antiga vida, mas resolvi esperar um outro momento, afinal não viemos aqui pra falar de mim.
Ela se sentou na cama e fez um gesto com a mão para que eu me aproximasse. Ficamos em silêncio por alguns minutos encarando nosso reflexo no grande espelho à nossa frente.
-- Eu fiz uma coisa muito errada - Ela falou enterrando o rosto nas mãos.
-- E o que você fez? - Toquei o seu ombro.
-- Nem sei como te contar isso.
-- Seja o que for, eu vou tentar entender.
Pra me fazer matar aula tem que ser algo muito sério mesmo.
Ela levantou e me encarou com os olhos cheios de lágrimas. Me entristeci com a sua aparência.
Sinal que nossa amizade estava se tornando algo muito especial e verdadeiro.
-- Liza, não chore.
-- Não posso te contar, você vai ficar com raiva de mim...
Ela voltou a esconder o rosto, provavelmente envergonhada com o que havia feito, e eu sinceramente não sabia o que fazer, não sou muito boa em consolar.
-- Olha, pode me contar...eu vou entender.
-- Ok
Ela respeitou fundo, enxugou as lágrimas e me encarou no espelho.
-- Sabe aquele dia depois da escola quando eu te disse que não estava me sentindo bem?
-- Lembro sim.
Ela virou o rosto e me olhou profundamente.
-- Eu fui pra casa naquele dia, mas antes disso acabei me encontrando com o professor no caminho.
-- O professor John?
-- Sim, o idiota que você atropelou outro dia no corredor - Ela completou me arrancando uma risada, mas ela permaneceu séria
-- Ele estava voltando de algum lugar, e estava a pé, então ofereci uma carona pra ele, que aceitou numa boa, só que depois disso, eu comecei a passar mal do nada e ele assumiu o volante e me levou pro hospital.
-- Sério?
Ela balançou a cabeça, aflita.
-- Mas você está bem? - Perguntei preocupada.
Ela fez uma pausa e as lágrimas molhou os seus olhos.
-- Liza, tudo bem - Segurei a sua mão transmitindo confiança.
-- Eu confundi, Ana, a forma como ele me tratou e dei um beijo nele - Ela disse agitada.
-- Você beijou o professor, mas só um cego para não ver a aliança no dedo dele liza ,ele é casado, e quanto ao David?
-- É, eu sei - Soltou nervosa - Foi no calor do momento, eu não pensei em nada, apenas fiz o que eu tinha vontade.
Soltei a mão dela e levei a mão nos cabelos, horrorizada.
-- Calma, a história não parou por aí, ele óbvio, não gostou do que eu fiz, saiu do carro todo decepcionado e zangado comigo...e eu me senti um lixo depois disso, e não tive coragem nem de ir pra escola no dia seguinte. Eu estava com muita vergonha dele, da situação e com medo que o David me olhasse com outros olhos, enfim...só que ele me ligou a noite..
Ele tem o número dela e eu não, estranho.
-- Antes que pergunte, acho que ele achou meu número em algum arquivo da escola, não passei meu número pra ele, e como eu não podia atender, ficamos trocando mensagens..
Eu ouvia tudo abismada e boquiaberta, sem acreditar que isso realmente tenha acontecido, e durante o tempo que ela esteve fora da escola. O professor nunca demonstrou nenhum tipo de inquietação.
-- Ele pediu pra gente se encontrar em algum restaurante ali perto para conversar sobre o que havia acontecido...
Continua...