— Pronto, agora a empresa de carros de aplicativo vai falir de vez. — Liam fala com a minha carteira de motorista em mãos e Iris prende a risada quando Niall quase bate de testa na mesa por estar cochilando sentado.
— Deixa de ser idiota, Liam. — Iris reclama e sorrio com o apoio da minha amiga. — Eles não vão falir de vez, só terão que vender a empresa para algum magnata cheio de dinheiro que vai oferecer pouco mais do que se paga num saco de jujuba.
— Vocês são ridículos. — Niall reclama voltando a se sentar direito na cadeira. — Pra onde vai ser sua primeira viagem?
— Pra lugar nenhum, daqui a pouco tenho terapia e fora que eu nem tenho um carro ainda. — Falo estendendo a mão para pegar minha carteira de motorista para guardar atrás da capinha do meu celular.
— Não tem porque não quer. — Iris fala tranquilamente e Liam assente em concordância.
— Vocês estão falando igual aos meus avós. — Falo brincando e recebo olhares feios dos meus amigos.
— Eu demorei pra conseguir passar nas provas práticas, era um inferno. — Niall fala bocejando e coloco a mão sobre a boca para cobrir meu próprio bocejo. — Harry demorou a passar também, ele era ainda pior que eu, chegou a ter crise de riso durante uma prova.
E como tem sido há pouco mais de um mês e meio, a menção do nome de Harry faz meu humor mudar completamente. Um nó aperta meu estômago e minhas batatas fritas com cheddar já não são tão apetitosas. Tento manter um sorriso no rosto enquanto meu coração arde querendo perguntar como ele está agora que chegou em casa, como tem sido a reabilitação e se ele está reagindo bem às sessões de fisioterapia porém não faço. Apesar do cansaço, Niall percebe com facilidade o peso que suas palavras trouxeram para um almoço que estava sendo de comemoração por eu ter conseguido tirar minha carteira de motorista na primeira tentativa.
— Não fiz por mal. — Niall se defende e faço um gesto de desdém com a mão.
— Fica tranquilo, eu estou bem. — Minto forçando um sorriso e Iris estala a língua no céu da boca debochando.
— Então por que parece que você levou um soco no estômago? — Minha melhor amiga pergunta e se eu não corresse risco de atingir a perna de Liam, teria dado um chute na sua canela.
— Nós já conversamos sobre isso, Iris. — Liam intervem e Iris cruza os braços incomodada. — Temos que respeitar o tempo dela.
— Conversaram sobre o que? — Pergunto não gostando nada do rumo da conversa.
— Sobre pressionarmos você a tomar uma atitude pra acabar com esse sorriso forçado. — Iris fala e sinto como se tivesse levado um tapa na cara.
— Nós queremos o seu bem, Mely. — Niall fala e me sinto envergonhada.
— Eu estou bem, de cerdade. Só é tudo recente na minha cabeça e ainda estou aprendendo a lidar com a não rotina de vê-lo todos os dias. — Falo sem conseguir convencer a mim mesma.
— O que queremos dizer é que entendemos que tudo tem que acontecer no seu tempo, não queremos te pressionar a nada. — Liam acrescenta tentando apaziguar o clima pesado.
— Mas que tem sido horrível pisar em ovos quando estamos com um de vocês dois, ah isso tem mesmo. Ele fica sofrendo de lá e você daqui, vocês precisam se resolver. — Iris fala e tenho a sensação de que meus olhos vão pular pra fora da minha cabeça.
— Falando desse jeito parece que somos um casal que teve uma briga e nenhum dos dois sabe como pedir desculpas. — Reclamo mexendo nas batatas que estão no meu prato.
— E não são? — Liam pergunta e olho para ele de cara feia. — Qual é, Melanie. Quer prova maior de fidelidade e amor do que você demonstrou por ele? É impossível.
— Eu não sou uma romântica incurável ou sócia do clube "amor salva tudo" mas concordo com Liam. — Iris fala e a atenção que estava sobre mim cai pra ela.
— E está comigo por qual razão? — Liam pergunta quase ofendido e ela toca o rosto dele com carinho apesar do olhar triste.
— Porque seu sorriso é lindo, seu abraço é maravilhoso e acho algumas coisas bem mais interessantes em você mas não acho que seja a hora de falarmos sobre isso bem na frente deles. — Ela fala baixinho e Liam sorri abaixando o rosto com as bochechas vermelhas. — E acho que você deveria mandar mensagem pra ele, Melody.
— Ele já está em casa há dias e não me mandou uma mensagem sequer. — Reclamo feito uma criança emburrada e Niall boceja outra vez.
— Isso não é uma competição de quem cede primeiro, foi você quem deu as costas e não quis voltar para conversar com ele. — Niall fala e tenho vontade de jogar meu prato de batatas no cabelo dele.
— Também não precisa falar desse jeito, você sabe que ele cagou para os sentimentos dela por causa daquela outra lá. — Iris fala me defendendo e continuo quieta.
— É só você dizer ex namorada. Sabe, acho que ajudaria bastante se vocês dois parassem de falar em códigos. — Liam fala quando seus olhos castanhos encontram os meus. — Eu, Iris e Niall fomos visitar Harry para entender a versão dele da mesma história que você nos contou. Antes que você fique chateada ou ache que estamos te escondendo alguma coisa, não esperávamos que você fosse ficar tão irredutível em relação ao que aconteceu.
— Ele sente a sua falta, Melanie. E está mais que óbvio que você sente a dele também. — Niall fala e assinto discretamente em concordância. — Então porque não procura por ele?
— Porque ele foi frio, maldoso, sarcástico e pisoteou nos meus sentimentos. Ele questionou a minha "devoção" por uma família que não era minha. Porque eu não quero sofrer por um cara que eu mal conheço e que aparentemente faz toda questão de debochar do que eu sinto. Naquela noite eu tive toda certeza de quem eu achava que conhecia vivia só na minha cabeça graças ao que eu ouvia das pessoas que conviviam com ele antes do acidente. Eu não posso mais permitir que me machuquem desse jeito, Niall. — Falo com a voz falhando de nervoso e os três ficam em silêncio me observando.
— Ele estava confuso. — Niall defende e reviro os olhos pra ele. — Imagina você acordar de um coma de nove meses e descobrir que sua namorada, aquela que você deu a vida e colocou sempre em primeiro lugar, te abandonou e quem deu apoio a sua família e ficou ao seu lado incondicionalmente foi uma pessoa que você nunca viu na vida? Eu respeito a sua mágoa e seus sentimentos mas você também precisa colocar numa balança que ele estava acordado há pouco mais de uma semana quando essa confusão toda se formou entre vocês dois. E que desde que ele teve noção da dimensão da merda que causou, tem gritado pelo seu nome mesmo sem abrir a boca.
— Eu não sou presidente do fã clube "Somos Loucos por Harry Styles" e você sabe disso muito bem. — Iris fala e continuo sem condições de falar. — Mas tenho que concordar que o arrependimento dele é explícito, eu vi como ele ficava ansioso esperando você entrar toda vez que alguém abria aquela porta e a decepção estampada no rosto dele quando entrava todo mundo menos você.
— E ele não te mandou mensagem porque jogou o celular dentro do prato de sopa para te dar espaço. — Liam conta prendendo o riso e solto uma gargalhada nervosa que logo se transforma numa crise de choro que não consigo controlar.
— Eu não sei o que fazer. — Falo me sentindo patética rindo enquanto lágrimas descem por minhas bochechas.
— Vai para sua terapia, conversa com o psicólogo e se você acha que está pronta para finalmente conhecer o cara que você cuidou por nove meses, vá até a casa dele porque tenho certeza que ele vai ficar mais do que feliz em ver você. — Niall fala e meus dois melhores amigos assentem em concordância.
— Às vezes eu tenho a impressão de que nada disso é real, que daqui a pouco vou acordar num quarto desconhecido numa cidade estranha por puro capricho da Renée. — Confesso e os olhares tristes que recebo fazem buracos na minha alma.
— Tudo isso aqui é bem real, pelo menos pra mim. — Liam fala olhando para Iris e tenho a impressão de que ele não está só se referindo ao que estou passando. .
— Não somos ninguém para dizer o que você deve ou não fazer, só queremos o seu bem porque amamos você. — Minha melhor amiga fala e aperta minha mão sobre a mesa. Liam e Niall, que já não parece estar com tanto sono, colocam suas mãos sobre a minha e a de Iris. Agradeço o amor e suporte que eles estão me dando com um abraço apertado antes de sair do restaurante para não me atrasar para a terapia.
Enquanto espero um carro de aplicativo decido dar a voz ao que meu coração tem pedido há dias. Com um riso nervoso que está me fazendo parecer uma lunática, ligo para a clínica dizendo que vou precisar remarcar minha sessão. Cancelo a minha viagem anterior e mudo o trajeto com pressa antes que eu dê voz a razão que diz para não tomar nenhuma atitude precipitada. Meu coração está batendo em meus ouvidos quando entro na rua residencial em direção a casa que se tornou uma extensão do meu próprio lar.
Desço do carro me desculpando com o motorista se pareci ser mal educada e culpei o meu nervosismo quando ele me deixou no meu destino. Fico encarando a cerca rústica de bambú antes de criar coragem para finalmente atravessar o pequeno jardim. Levanto a mão para bater na porta mas não consigo, me sinto trêmula demais para conseguir fechar meu punho e emitir algum som. Encosto minha testa na madeira escura e fico esperando a coragem espantar a insegurança quando a porta é aberta e perco o equilíbrio caindo sobre o corpo de quem abriu.