Round 28

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Ela custou para abrir os olhos. Como se ainda estivesse morta de sono. Assim que me viu encará-la aflito despejou um sorriso desnorteado. — Por que você está aqui? — Me perguntou. Ela buscava na maca o toque liso do tatame. Quando os dedos sentiram lençóis e colchoado o desespero refletiu como susto.

Yasmin ergueu o tronco rápido. Tentava compreender o motivo de estar na sala de preparação. — Calma você ainda está muito machucada. — Auxiliei-a a deitar outra vez. Os socos da maranhense haviam causado marcas que não iam sair com facilidade.

— Eu... — Os olhos começaram a se encher de lágrimas — Eu perdi? — Ela perguntou, e sabia a resposta.

Não era o momento de ser verdadeiro. A dor da derrota num ringue era maltratante a qualquer um que amasse lutar. Zeca se levantou do banco e chegou próximo a Yasmin. Pegou na mão dela. Ambos se olharam com martírio. Como se desculpas saltassem os pensamentos. — Você foi uma das lutadoras mais promissoras que tive orgulho de treinar. — Ele engoliu o soluço para não deixar o bafo de cachaça estragar o momento.

Yasmin mal conseguiu segurar os sentimentos. O abraçou da maneira que pode. — Me desculpa. — Ela repetia como um pedido de clemência. Enquanto Zeca dizia — Não fala isso. — Como se ambos se sentissem em dívida um com o outro. — Vou caçar um pouco de gelo para tirar o inchaço do rosto. Garoto cuida dela. — tocou em meu ombro, e se despediu. Confiou a prioridade de fazê-la melhorar.

Nós possuíamos intimidade, era inegável. Mas como dizer a alguém que você gosta para não ligar para a dor de perder em algo que ama? O barulho do ponteiro no relógio. A mosca que ainda estava viva, com zumbidos incessantes. E meu silêncio ensurdecedor.

— Me ajuda a levantar? — Encarecida. Ela me pediu com timidez. E não era do feitio.

Fiz as costas encontrarem apoio em minhas mãos. Ela se sentou. Yasmin deixou as pernas me entrelaçarem, enquanto o tronco exaurido se curvava, e a cabeça buscava conforto em meu peito. Creio que nunca fui bom em confortar alguém. Porque nunca tive tempo para me confortar também.

— Vamos tomar um milk-shake? — Questionei-a. Arranquei algumas risadas descontraídas.

— Você vai lutar daqui à alguns dias, besta, quer ser derrotado? — As mãos puxavam minha camisa.

— Para melhorar teu ânimo, sacrificaria minha luta. Nesse estado, estou derrotado junto contigo.

Minha fala martirizou um pequeno silêncio. Seguido por lágrimas e murmúrios de lamento. Ela me agarrou forte. Envolvi-a em meus braços. Nossos olhos se cruzaram. Não sabíamos se encarávamos o abismo ou o salto nos lábios, mas eles se atraiam. Os rostos ficavam mais próximos. Eu podia sentir o ar quente da boca dela, que pedia por mim.

— Ai está você! — Num chute violento a porta se abriu. Como dois delinquentes, ajeitamos nossas posturas e afastamos os corpos. — Os dois raparigueiros! — Rita continuava as agressões verbais. Enquanto entrava coberta de fúria. A medalha de ouro balançava no busto. Ela ficou na minha frente, e se inclinou contra Yasmin. Apoiou as mãos no colchão. — Quem você acha que é, hein!?

— Você ganhou Quebra-nozes. Fico feliz, mas não pode respeitar meu descanso?

— Tu num vale o que o gato enterra, visse! — Ela falava alto, como de costume. — Eu te estudei, rapariga, por dias! Por que achei que lutar contigo era pior que esse bando de cabra-safado! — Ela ergueu o pomo de Eva. Cruzou os braços à frente. — Mas venho para a final, te enfrentar, e você tem o desrespeito de não usar sua força máxima... Estavas achando que eu era vitória fácil? Sua... Sua... Cambão!

— Rita, agora não é o momento. — Tentei acalmar os ânimos, mas ela me olhou com raiva. Pelo visto só havia me notado no momento em que soltei a fala. Mas ela respeitou, e se deslocou para fora da sala. Antes de fechar a porta ficou parada. Pensou em algo.

— Rita! — Yasmin a chamou, com fraqueza na voz. — Não foi minha intenção. Eu sinto muito.

— Deixei meu número com o cabra que é teu técnico. Me liga. — Rita fechou a porta. Deixou a incógnita da ligação se perdurar no ar.

— Ela não sabe o que fala.

— Sabe sim. — Yasmin pontuou. Ela se apoio em meu braço e se levantou. — Eu também percebi, mas após bater em tantos homens no ringue. Por ser uma mulher, hesitei. — Olhava para baixo. — A desrespeitei. Achei que não seria capaz de aguentar meus socos com toda força. E reproduzi o que tanto lutava contra.

— Pelo menos reconheceu. — Consegui fazê-la olhar para cima, nem que fosse para me encarar. — O próximo passo é lutar de novo. Não há tempo para lamentos.

Ela despejou o sorriso. Ajeitou o cabelo que atrapalhava os olhos. Senti-me com o dever cumprido. Caminhamos até a porta, e eu a abri para podermos encontrar o resto do pessoal. Mas Yasmin a fechou com o toque de mão. Prensou-me contra a porta. Puxou a gola da minha camisa e fez nossas bocas se tocarem.

Um beijo, molhado. Como se nossos lábios esperassem a séculos um pelo outro. Como um casal de araras. As línguas, descontroladas, faziam carinho uma à outra, e tentavam não se soltar quando nos afastávamos para respirar. Meu braço a apertava, como se quisesse esmaga-la com meu amor, mas eram os dedos dela que destroçavam minha carne. O toque plumo do corpo me deixava nas nuvens. Pedia autocontrole para que outra coisa não apontasse para o céu.

Quando nos soltamos, pude vê-la vermelha. Enquanto ainda buscava uma maneira de recuperar meu folego. Nossos sorrisos despiam o momento. Sem reclamações ou ditos. Somente aproveitava a companhia. Yasmin me soltou, e abriu a porta. — Milk-shake de quê?

Nós caminhamos pelo corredor vazio. Do lado de fora, uma surpresa. Aplausos calorosos haviam deixado Yasmin sem reação. Eles não vinham apenas de nossos conhecidos, pessoas que foram assistir à luta estavam admiradas pelo desempenho da pugilista.

— Ovomaltine sempre deixa um sorriso no rosto.

O Nocaute do X-TudoWhere stories live. Discover now