Round 3

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Agora, negada minha saída do ringue. Nem podia pular as cordas, ou tão pouco fingir nocaute. Aceitei dar à plateia o espetáculo que pediam. Minto. Fingir que lutaria animado. Precisava me mover mais, e simular o desejo de luta. Podia, assim, ser nocauteado pelo borrachudo.

Os jabs dele eram elásticos. Chegavam perto do meu rosto, mas não acertavam. O mago-boxeador provocava, e de quebra, animava os bêbados.

— Já estou ficando apoquentado com esse afetado ai! — Baiano não desgarrava das gírias da cidade natal. Era uma péssima mania. Após alguns anos de amizade você entende. Ele se irritou com as exibições do emborrachado. — Tu é barril dobrado acaba com esse bunda de caruru! — Os insultos do Baiano não surtiam efeito em quem desconhecia.

Me aliviava a tensão. Acabei em gargalhadas, e minhas risadas deixaram o emborrachado zangado. Não fazia mal. À intenção perder e terminar participação no campeonato. — Queria voltar para casa. Dormir e fazer, amanhã, hora extra no Na Chapa.

— Vamosx acabar com isso, garoto borracha. — Ergui os braços frente ao rosto. — Acaba logo com isso.

— Qual é tua magia, favelado? — Ele caminhou para o centro do ringue. — Não precisa esconder.

— Não tenho magia.

— Não tem? — O borrachudo riu. — E quer lutar comigo como? Só com boxe? — Gargalhava da minha cara. Junto a alguns bêbados ao redor.

Ele armou-se dos punhos. Voltou a me disparar socos. Mesmo distante, no meio do ringue. Os murros me prendiam no corner. Incrível como os braços iam tão longe e continuava com jabs e diretos tão fortes.

Mentira.

Não eram tão fortes assim.

Meus movimentos eram um disfarce para poder fingir nocaute. Mas fiquei frustrado comigo. Encarei diversas lutas. Aguentei socos mais poderosos que estes. Ainda sim, fiquei encurralado. O Matheus do passado não se orgulharia disto.

Tão pouco Baiano, que assistiu várias lutas minhas. Mas como expliquei para ele, repetiria para mim. Pobre não vive de sonhos, vive de trabalho.

O gancho de esquerda vinha de encontro. Tão longo que o braço saía do ringue. O destino era meu rosto. Abaixei a guarda para levar o soco. O murro no queixo enfraqueceu minhas pernas. Cai. Agora sim. Com o alvoroço dos bêbados, e da criançada. A contagem aceitaria. O público considerava um espetáculo. Mas eu, uma falha para esquecer.

Estava tonto. Meio zonzo. Podia ouvir batidas fortes na lona. Alguém gritava como se brigasse comigo. A ilusão tortuosa nos meus olhos, e o zumbido no ouvido, começou a assimilar com a realidade.

Era o Baiano. Batia para eu me levantar.

— Negão tu não vai me cair na taca! — Baiano queria me assistir ganhar. O desespero era transmitido pelas batidas rápidas. — Pica a porra nesse cambito!

Eu sorri. Dos dentes desceu sangue. Baiano sempre me apoiou. Mas a luta havia acabado. Mesmo que ficasse mal comigo, tinha que trabalhar amanhã. Olhei para o mago, que esperava o término da contagem.

— Esse esporte ai que tu pratica, é uma piada. — O Borrachudo riu.

Eu vou trabalhar amanhã, pois pobre vive de trabalho. Só que ele desrespeitou a arte do boxe. Dedicaria à vida se fosse afortunado. Se não precisasse por comida na mesa junto a minha mãe. Mago ou não. Ia sentir o que era o boxe.

— Ei, baiano — Fiquei de joelhos — Está na hora de jogar os cajásx! — O vi sorrir, e assentir com a cabeça. Não era o momento para recuar.

Levantei-me. O contador parou. O tempo do round continuava a rodar. Havia trinta segundos para concluir o primeiro assalto, mas era o suficiente. Não precisei levantar a guarda, só aguardei a brecha. O emborrachado ficou irritado, de trincar os dentes, ao notar meu desrespeito. Ele lançou um jab. Queria terminar o round com meu rosto afundado contra o corner.

E lá estava minha brecha. Esquivei do soco e corri para perto do emborrachado. Ele se desesperou. Usou do outro braço para me esmurrar. Fácil de prever, consegui desviar. Com ambos os membros esticados ficamos no encontro mais interessante da noite. Eu, e o medo dele. O suor do mago descia gelado nas costeletas. A boca fechada aguardava o pior.

— Lasca esse cambito Matheus! — O apoio do Baiano era tudo que eu precisava.

Desferi uma sequência de cruzados no canto do rosto dele. A cabeça era jogada de um lado para o outro. Como uma bolinha de ping-pong. A elasticidade fazia o crânio ir longe a cada golpe. Como o ditado: "Não se perde a cabeça, pois está presa no corpo." Os olhos do emborrachado estavam apagados. Mal enxergavam luz no fim do túnel.

Queria a última sensação. Meu soco preferido no fim da luta. Agachei o corpo, e elevei com o braço junto ao peito. Lá estava, o gancho. Na ponta do queixo. O emborrachado sentou na lona como a jaca que cai do pé. Um olho grande surgiu no contador. Em sequência o gongo foi soado.

Não precisava de contagem. Foi nocaute limpo.

O ringue sumiu. Como passe de "mágica" o mago-boxeador foi junto. A plateia ficou em volta de mim. Junto ao baiano que chorava de alegria. No momento decidi aproveitar. Lutar me fazia falta.

Sai do meio da inhaca de bebida. — Bora baiano! — O chamei.

— Mas negão — Ficou encucado — Aproveita tua noite. Esse é o começo comigo passando para a faculdade a gente. — Havia brilho nos olhos dele.

— Não começa, baiano! — O cortei. Sabia onde a conversa ia chegar. — Já não te falei? Para com esse papo de faculdade e boxe, a gente é pobre mano. Pobre vive de trabalho! — Fui rude, até no tom da voz. Deu para notar que o Baiano se chateou.

Ele era legal demais para alguém brigar. Infelizmente tive coragem. Baiano era sonhador, mas eu sabia da realidade.

— Ei, Ei, garotos! — Uma voz arrastada nos chamou. — Posso tornar isso real!

Imaginei o homem que fosse comprar meu sonho seria alguém travestido de blusas largas, com cara de rabugento e cabelos grisalhos. De fato era tudo isso. Só não imaginei que fosse beberrão. Ele caminhava até nós, cruzando as pernas. Cada passo calculado. Estávamos numa passarela em cima do vulcão.

— Quem é você?

— Eu? Sou Zeca! — Estendeu a mão, e agarrou a minha. — E você, garoto, é o novo campeão do campeonato de amadores!

— Ah, beleza. Tchau Zeca. — Voltei a caminhar. Deixei o Baiano para trás.

— Garoto, calma! — Berrou desesperado — Eu vi o que fez ali, você tem potencial! — Soluçou. — Com meu treinamento pode chegar longe! — Soluçou de novo.

— Eu não quero lutar, quero ir trabalhar.

— E se eu te treinar, e ainda te dar espaço para trabalhar, topa? — Soluçou. — As lutas não vão acabar garoto. Elas ocorrem uma vez no mês.

A proposta era indecente. Mas tentadora. Parei de caminhar e virei para ele. Baiano sorria. Dava para enxergar a gengiva dele fora dos lábios.

— Negão se chegar a semifinal já temos um lobo-guará! — Parecia traficante me chamando para experimentar droga. — Se conseguir pode morder a arco-íris! — Referiu-se a garota lá no China. — Inclusive, morder é referente a conquistar. Não fiquem com raiva do baiano por interpretações erradas.

A semifinal dava o lobo-guará garantido aos competidores. Era a chance de comermos o X-Tudo Ultra Oriental Kung-Fu. Além disso... Queria a sensação de usar as luvas outra vez.

— Qual é a proposxta, Zeca? — Por causa dos sorrisos animados de Zeca e Baiano, me arrependi de perguntar. 

O Nocaute do X-TudoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang