Round 20

68 16 10
                                    

O Rio de Janeiro possui um horário místico. Pontualmente chamamos de seis horas. — Alguns dizem que o sobrenome é Da Tarde, outros Da Noite. Depende de como é íntimo a ela. — Para mim sempre será da tarde, pois tem consigo o fim do meu expediente. Para quem costuma sair, é da noite, pois o dia mal há de ter começado. Com as últimas entregas, eu e o Baiano nos aprontávamos para sair. Havíamos feito entregas o dia inteiro. O Zeca havia me dito para descansar no dia, então não teria treino.

— Negão. — Baiano chegou no Na Chapa. Estalou a coluna. Uma dor rotineira no serviço de entrega. — Fui numa boca-de-se-fuder!

— Onde tu foi entregar?

— Lá na Rocinha! — Ele sentou ao meu lado no balcão. — Não existe maior medo para um favelado do que ir numa favela que não é da sua facção.

— E desde quando a facção é tua, baiano? Vende droga agora é? — Brinquei, mas a cara de emburrado que recebi fez a graça ficar maior que o esperado.

— Pedi para me esperar, mas vou é tomar um chá de se pique! — Baiano. Deitado no balcão. Estendeu o tronco, para pegar sorrateiro, alguns itens pessoais que deixava com Darlene.

— Então para que você me pediu para esxperar, viado?

— Para você dizer para aquela quenga que o negão aqui desejou uma boa luta — Referiu-se a Yasmin.

— Não vai à luta dela? — Fiquei em choque, apenas o vi sair de fininho pela porta do restaurante.

— É no dia do vestibular. — Ele me deu uma última olhada. Despejou o sorriso felicito pelo passo que dava. — Não é só boxeador que luta não negão preciso alcançar meu topo.

— Pretosx no topo, baiano.

— Pretos no topo negão.

Ele saiu do restaurante. Pegou a moto para a viagem de retorno para casa. Com a vinda do fim de semana, só o veria depois de dois dias. — Ou três. Me recordei que haverá feriado na segunda. Baiano não é do tipo que falta o serviço, mas também não faz desfeita com folgas. O que me deixava encucado no momento era a demora de Darlene, que tão pouco apareceu para se despedir do nosso amigo.

Não me lembro de nenhuma vez que deixamos de falar os três no fim do expediente. Minha preocupação ampliou de tonalidade a partir do rompimento do silêncio. O único barulho que ouvia era o vapor que fugia da chapa do China. Porém no momento, alguns lamentos se sobrepuseram ao chiado da cozinha. Murmúrios lacrimosos escapavam tímidos por detrás da porta restrita aos funcionários.

Decidi passar pela abertura do balcão, e ir investigar. O lamento da voz fina e adocicada não me era estranha, na verdade, me machucava ouvi-la.

— Você sabe que eu odeio te ver triste. — Disse assim que deslizei a fresta da porta. Encontrei Darlene abraçada aos joelhos, sentada ao chão.

Agachei-me. Ela me surpreendeu quando se desprendeu do próprio casulo para se jogar em meus braços. Envolvi com força, como se quisesse esmagar a tristeza e as lágrimas. Fui tolo. Quanto mais Darlene chorava, mais fraco eu ficava. A dor trazia a sensação de incapacidade em meu peito.

— Ele terminou comigo. — Ela me encarou — Tomei a atitude de mandar minha foto, e ele me bloqueou no celular.

O peso de sentir-se incapaz ficou maior ao saber que minha ideia havia causado isso. Quando encarei os olhos puxados abarrotados de lágrimas só pude limpá-los com os dedos.

— Por que eu sou feia e gorda, Matheus? — O questionamento trazia uma onda de voz embargada e mais lágrimas.

No primeiro momento, pensei em dizer algo. Contar a ela todos os elogios travados em minha garganta. No intuito de enchê-la com belas palavras. Para salvá-la da lama criada pela tristeza. Minha boca abriu. Dei um leve suspiro, quase soltei: você é linda.

Mas não era problema de beleza. Tão pouco um problema com o próprio peso. Darlene nunca se sentiu mal com a própria aparência. Ou pelo menos não me disse. Falar que ela é linda, esbelta, que pode conseguir qualquer rapaz no mundo. Que existem homens que gostariam de ficar com ela sem se importar com essas coisas. Na minha cabeça soou tão... Banal. Frágil, um discurso que poderia chegar ao ego, e orgulho, mas nunca ao verdadeiro eu.

Darlene não precisava de palavras de apoio. Ela conhecia as próprias capacidades. O próprio corpo. Ao invés de palavras rasas, dei a ela meu profundo silêncio. Ao qual nele o choro mergulhou, e perdeu o fôlego aos poucos, começou a se afogar. Não ouvi mais murmúrios, e muito menos senti lágrimas nos ombros.

— Você é péssimo para dar apoio. — Ela assuou o nariz em minha camisa.

— Eu ouvi o grupo lá de coreanosx que você me mandou. — A olhei com desalento num sorriso felicito por vê-la aliviada.

— É. — Darlene limpava os resquícios da melancolia. Enquanto, como uma maquiagem, dava espaço a um sorriso por trás da tristeza. — O que achou?

— Música Pop com aquelas palavras xing-xong fica muito pior.

— Você não vai aprender a ser menos xenofóbico, Matheus? — Ela riu de mim.

Era o suficiente.

O Nocaute do X-TudoWhere stories live. Discover now