13 - O diabo vem nos buscar

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Por qualquer besteira do coração, no celular, o dedo sequer vacilou: vendo o contato de Júnior bloqueado, desde o dia da festa, o desbloqueou descontraidamente. O que o desgraçado tinha mandado durante seu sumiço? As mensagens chegaram imediatamente:

Bom dia amor!!!
te liguei ontem mas vc n atendeu

...

Oi amr boa noite
passei na sua casa mas vc nao tava la
sua mae falou que vc ta na luísa

...

amor
vou passar ai na casa luísa mais tarde blz?

...

td bem aí?
cadê vc amor?
amoooooor?
Julia?

...

Júlia???????

Era impossível esconder o prazer que escapava, lendo aquelas palavras que guardavam aflição. Eu estava com outro, Júnior! De registro, o aplicativo mostrava dezesseis ligações só dele. Poderia passar o resto do dia relendo e se deliciando com aquilo, travando com o namorado inúmeros embates. Mas, além de julgar que era errado alimentar sua raiva, tinha problemas mais preocupantes. Na verdade, o último, mas maior entre os seus problemas imediatos. Tem que ser agora – não tinha escapatória: enviou a mensagem.

Oi, Danilo
tudo bem?

Tamborilava os dedos sobre a madeira da armação da cama nua do colchão. Com o tempo do coração vencendo o dos ponteiros do relógio, esperou ansiosa até que viesse minutos depois a mensagem do outro lado. Os dois passearam pelas introduções medíocres, antes que Júlia falasse, finalmente, o que queria:

quero conversar com vc...
sobre sexta 
sobre a gnt, sabe?!

Mal a mensagem foi visualizada, Danilo ligou, o que Júlia recebeu com desespero, quase deixando o celular cair. O desconforto tomou sua barriga, que doía pela fome de mais de um dia sem comer coisa alguma, detalhe, até então, invisível como um mosquito. Não vou atender, exclamou, e não atendeu mesmo: explicou que era delicado, que preferia fazer aquilo de outra forma. E, como um sinal divino, Danilo a surpreendeu.

Hj eu quero comer fora de casa!
onde vc tá?
posso te buscar e agnt almoça jnt

À primeira vista, Júlia estava pronta para recusar. Mas releu uma vez, releu outra, a barriga trovejou, os olhos viravam, andou de cá para lá. É minha chance de esclarecer tudo. Depois, estaria livre, voltava para a igreja e fim de papo. Abriu o chat e releu uma última vez o convite. Calma! Esclarecer tudo, Júlia! É isso. Confirmou, enviando para Danilo o endereço de... por um momento, o corpo comprou um bilhete para o parque de diversões: o coração estava na montanha russa; o estômago, na roda gigante; as pernas e braços, no twist; a cabeça era um dos cavalinhos do carrossel. Não tinha jeito, tinha que falar onde estava: na casa de Jacques Serac.

No tempo entre a confirmação do almoço e a chegada de Danilo, ficou ocupada com irritantes idas e vindas – do banheiro para o closet e do closet de volta para o banheiro. Preciso dar um jeito de ficar bem. Mas como? A roupa lhe cobria, feito uma luva calçada no pé. Fora o cabelo sujo, as unhas, um desastre e a boca escovada com o dedo. Vivia as sequelas de sexta-feira. Não era mais ela, mas o reflexo daquele espelho empoeirado.

Vinte minutos e o celular apitou: – cheguei! E, ao soar a campainha, Júlia sentiu todas as paredes no ritmo de seu pulso. Escondeu o calçado surrado debaixo da cama e calçou uma rasteirinha que encontrou entre os sapatos no armário de Jacques. Por sorte, serviu. Pegou também uma bolsa, onde guardou o celular e os cartões. Passou a mão sobre os cabelos, conferiu seu relógio e aceitou que não tinha mais como melhorar.

Saiu em direção à porta da cozinha. Cada novo passo era mais devagar, mais pesado: caminhava para o juízo final, não do mundo, mas de si mesma. Diante da porta, foi capaz apenas de retirar a chave da fechadura: a mão pálida não se ergueu para abrir, a força lhe fugiu por completo. E se tivessem transado? E se estivesse grávida? O que vai ser de mim? Mas não precisou se esforçar, porque a sentença estava dada – era culpada – e a porta do inferno se abriu sozinha para ela, sem que percebesse.

Como devemos nos comportar, quando o diabo vem nos buscar?

A voz desceu garganta abaixo como um cão assustado com foguetes. O corpo dela foi tomado por um enxame de coceira, ao mesmo tempo em que era uma garrafa que chacoalhava nas mãos de um barman. Era capaz de ouvir, não só a própria respiração, como também os rios de sangue por baixo da pele, fluindo perenes para o coração petrificado. Seus olhos, dançando como dois planetas, orbitaram e se embriagaram nos dele, ali parado, frente a ela, segurando a alça de sua mala enorme. Ele voltou, foi o que pensou, nada mais que isso.

– Laura? – surpreendentemente eufórico, Jacques deixou escapar aquele nome-pergunta, que trouxe ao rosto dele um ensaio de sorriso e alegria. Só que logo se deu conta de que se tratava de outra pessoa, e o olhar caiu como uma bola de bilhar, dos olhos de Júlia para os pés, em uma análise veloz, mas detalhada. Naquela maré escura da face dele, ela pôde ver o desprezo e a dúvida de quem pergunta "quem é você?" ou "o que faz na minha casa?". Mas a contenção continuava como uma marca daquele homem, que não deixava escapar nada, nenhum sentimento, além daquele primeiro deslize.

 Mas a contenção continuava como uma marca daquele homem, que não deixava escapar nada, nenhum sentimento, além daquele primeiro deslize

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– Eu... – o que Júlia podia dizer? Era possível explicar? Não, nada do que dissesse ia salvá-la de um julgamento dele. Invadiu sua casa, dormiu e fez xixi em sua cama, usou as roupas de sua esposa... Não posso chorar, mas os olhos já estavam ardendo feito duas pimentas. E nem se conheciam! Tenho que fugir! – Eu... – falou outra vez, sem conseguir completar. Tomada de vergonha, medo e qualquer outro substantivo inútil, empurrou Jacques de sua frente, segurou a barra do vestido, as canelas à mostra, e começou a correr, correr, atravessando o jardim arruinado; correr, até cruzar o portão; correr, pela rua afora, ouvindo as buzinas desesperadas do carro de Danilo, que, solicitamente, a esperava para uma conversa séria durante um simples almoço.

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Este é o fim da primeira parte da história!!! 

Obrigada, por chegar até aqui :3 :3 :3
Comente se gostou, se não gostou ou se encontrou algum errinho (q sempre passa)


Já estou escrevendo a segunda parte! 
Quando tiver mais coisa, começo a publicar por aqui! <3

Aguardem!

Caindo em tentação: ObsessãoWhere stories live. Discover now