Primeiro andar

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Para todos aqueles que decidiram pular, eu não os culpo.

Eu subo pelos degraus cinzas, a porta preta com alguns adesivos gastos é meu único objetivo. É só depois de atravessá-la que eu volto a respirar, mas não é o bastante. Nunca é. O terraço vazio é convidativo, mas não tanto quanto o parapeito. Eu o escalo. O vento frio bate no meu rosto, agressivamente, e eu grito. Torço para que toda a cidade escute e me responda, mas tudo o que recebo é a voz no fundo da minha mente, cantarolando uma ordem. Pule, ela diz. E por um momento, por um milésimo de segundo, eu desejo obedecê-la.

Primeiro andar

A emergência lotada deveria ser a única coisa que eu consigo pensar. E eu penso, escutando as lamúrias de homens e mulheres que se envolveram em acidentes, por vezes estúpidos, do alto do terraço, mas não é o suficiente. É madrugada, afinal. As coisas nunca funcionam como deveriam durante a madrugada.

"O que você diria sobre uma pessoa de 27 anos que está morrendo?"

A voz feminina me surpreende, meu coração se acelera pelo susto e eu estou controlando minha respiração quando olho em sua direção. Uma mulher pequena encostada no duto de ventilação me encara com curiosidade. O vestido amarelo em seu corpo contrasta com a escuridão da noite que nos envolve. Arqueio uma sobrancelha.

"Você não pode ficar aqui."

"Ninguém me disse isso." Ela dá de ombros, despreocupadamente.

"Eu estou dizendo." Argumento, me afastando alguns passos da estranha.

"Você não devia ficar tão próximo da borda." Aconselha.

"E você não devia estar aqui em cima." Repito, sem permitir que ela escape da discussão anterior.

Indo contra o que eu imaginei, ela sorri e em um único aceno forte de cabeça, concorda. "Justo." Se aproximando da beirada do terraço, ela senta no parapeito corajosamente. "Se continuar me olhando assim vou pensar que está planejando me empurrar daqui."

"Juramento de Hipócrates." Falo sem perceber.

"Oh, então essa é a única coisa que te impede de cometer um assassinato, doutor?"

Dessa vez sou eu quem balança os ombros, o que causa a ela uma risada. Não muito alta, mas que soa com clareza no meio do silêncio que nos rodeia.

"Quem é você?" Pergunto, me sentindo particularmente falante.

Ela não responde, entretanto, retornando ao seu primeiro questionamento: "O que você diria sobre uma pessoa de 27 anos que está morrendo?"

Eu desisto. "A verdade."

"A sua ou a dela?"

"Isso faz alguma diferença?"

A mulher me encara mais uma vez, um leve sorriso brinca em seus lábios, como se soubesse de algo que eu não sei. "Pra ela faria." Concluiu, voltando a olhar a paisagem noturna na nossa frente.

Eu suspiro uma última vez, me sentindo particularmente insistente naquele dia. "Você tem que ir." Mal terminei minha frase quando o som do bipe se faz presente.

"Parece que é você que precisa fazer isso, doutor."

Um gemido curto é tudo que ela recebe em troca da brincadeira antes que eu lhe dê minhas costas e comece a correr para a saída a fora. Aquela seria uma longa noite.

Segundo andar

"Você não devia fumar."

"E você não deveria subir aqui." Eu respondo a desconhecida, sabendo que ela está do meu lado. Fecho meus olhos e trago mais uma vez.

Sobre nossas cabeçasWhere stories live. Discover now