8 - Entre a água e o vinho

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Passou a mão na garrafa quase vazia e nos dois copos secos. Pode deixar. Não iria cessar a bebedeira, com ou sem surpresa. Júnior estava no centro de seus pensamentos, como um mosquito girando ao redor de uma lâmpada. Preciso espantar esse inseto. Pelo menos naquela primeira noite depois de reatar o namoro, queria não pensar nele, como se fosse um tipo de despedida de solteira.

Seguiu até a cozinha, levando as coisas, e colocou tudo sobre o balcão, parando diante da pia, com a mão esquerda sob os olhos. Seu dedo já estava até formigando. É cada vez mais insuportável. Tentou tirar, mas não conseguiu de primeira. Pegou o detergente e esfregou em cima do anel que estrangulava seu anelar, fez força e massageou, até que conseguiu tirá-lo, soltando-o sobre o balcão. Ele errou o número. Encheu um copo d'água, observando devagar sua paralisia. Os olhos logo foram até a garrafa, quase vazia, depois voltaram para admirar a beleza cristalina. Queria transformá-la em vinho! Mas nem sempre a gente tem tudo que quer. Deixou que apenas um pouco do líquido entrasse por sua boca. A língua já estava bem melhor do que no dia anterior. Por que não esperei o café esfriar?

– Sempre que a gente se distrai, corre o risco de se machucar – se pegou falando sozinha. – É isso que ganho por querer que fosse outra pessoa e não... o Júnior.

Quem não bebe vinho, se contenta com água? Encheu sua taça com o resto da garrafa – a bebida quase beijou a borda. Estamos juntos outra vez, mas eu preciso esquecê-lo agora. A primeira linha de sangue foi rapidamente parar na garganta dela, colocando em seu rosto uma careta. Sacudiu a cabeça, desbloqueou o celular, abriu os contatos recentes e viu: "Jacques Serac". Mais vinho! Por que não tinha apenas ido embora e esquecido tudo naquele dia? Precisava salvar o número como contato? Online pela última vez há doze minutos atrás. Prometeu para si que não pensaria mais sobre o homem invisível, sobre o fantasma que apareceu para distraí-la, apenas uma grande tentação, um diabo. Nem tinha voltado para a igreja ainda... e a distância entre eles parecia um abismo depois de retomar com Júnior. Ele não pode saber!

– Faz apenas um dia! – ensaiava consigo. – Como você quer que eu esqueça um cara tão... gostoso, misterioso, sei lá!? E daí se eu vi ele só uma vez? Ele tava tão...

– Mas nós agora somos namorados de novo, amor! – Júnior respondia, na imaginação dela, levando a uma nova golada, mais longa, na água do outro copo.

– Ele é só um plano B, seu bobo!

E entre A e B estava ela, dividida – entre um homem feito de desejos e o outro feito de carne, osso e músculos. Entre a água e o vinho. Mas era como se não pudesse beber nenhum dos dois, ou como se não pudesse ter nenhum deles para si. Como escolher? De repente, estava olhando para a foto de contato de Serac, que deixava ver apenas um dos lados do rosto, porque o outro estava coberto por um caderno, uma cruz na capa de couro, que segurava com uma das mãos. Vestia um blazer e a boca estava levemente aberta: sabe ser bem sedutor. Júlia fechou aquela foto e abriu a de seu namorado: os olhos grandes e aqueles lábios que tantas vezes ela beijou eram o destaque, o rosto à sombra do boné. A mão passeava, tentando escolher qual dos copos... Qual?

A esse tempo, sentindo a demora da amiga, Luísa logo apareceu no arco da cozinha, transendo junto de si uma rajada de espanto. Júlia tentou disfarçar sua bebedeira e sua letargia: virou rapidamente a última linha de vinho na boca. Desceu queimando pela garganta, como uma espécie de advertência, que ela teve de disfarçar.

– Meu Deus, eu não sabia que você ia buscar água na fonte – a amiga disse. Os olhos a analisaram minuciosamente, e, vendo a garrafa vazia, Luísa logo a censurou:

– Era pra gente parar de beber, Ju!

– Mas ainda tinha muito e... eu tô... sei lá... eu preciso, véi.

Caindo em tentação: ObsessãoWhere stories live. Discover now