10. A um passo de todos os erros

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Como eu já imaginava: Túlio deixou Agnes na sede da gravadora e voltou para a residência dos Villanova. Eu, por outro lado, havia acordado bem mais cedo. Fiquei algum tempo observando o quintal de Janice e voltei para a cama. Pouco mais de uma hora depois, me levantei, tomei banho, vesti uma camisa que deixei na casa dela por engano em alguma de nossas noites. Quando me virei, a vi sentada na cama. Olhava para mim enquanto eu abotoava a roupa:

— Já está indo?

— Estou. Desculpe. — dobrei as mangas. — Tenho que saber do Túlio o que ele e a Paula querem. Eu te disse.

— Não sei se concordo. — Janice pulou dos lençóis, nua. — Acho arriscado.

Enfiei a camisa dentro da calça e me sentei para calçar os sapatos. Janice passou a mão em minha cabeça, entre as orelhas. Os pelos da minha nuca ergueram-se imediatamente.

— Vem, que vou trocar este curativo.

Tomamos café calados, trocamos um beijo rápido antes que eu partisse no carro dela. Eu a convenci de que Túlio conhecia bem demais o meu carro, não serviria para segui-lo. Ao contrário do Buick de Janice, de um azul meio sem graça e que ele vira uma vez apenas, ontem. Aceitou trocar de carros, desde que, claro, eu o devolvesse inteiro.

Às oito e meia, o lobo entrou em uma rua arborizada, larga e vazia, ladeada por casas escondidas por muros altos. Ele conduzia o Oldsmobile Eighty Eight com preguiça, a uma velocidade bem baixa. Era a minha oportunidade.

Acelerei, pisquei os farois, fingi irritação. Túlio percebeu que trafegava com parte do carro sobre a pista contrária, impedindo a minha ultrapassagem: manobrou um pouco para a direita e fez sinal com a mão para que eu avançasse. Era um condutor gentil ou relapso, para minha sorte. Em seu lugar, eu teria mostrado o dedo médio.

Engatei a primeira, o motor rugiu; segunda, eu passei por ele; terceira, girei o volante com força e fechei o seu caminho. Ele freou com força, parando a centímetros do Buick de Janice. Sorte, de novo.

— Porra! — a voz grave do lobo veio de dentro do Oldsmobile preto. — Tá maluco, amigo?

Saí do carro, deixei a porta aberta e andei na direção dele, os punhos cerrados ao lado do corpo. Ele também abriu a porta e se levantou, as orelhas empinadas, a boca semiaberta exibindo os caninos. Tirou o quepe e jogou no banco do motorista. Ladrou baixinho. Pronto para briga. Mas não era nada disso que eu pretendia.

— Não. — parei a alguns passos dele e ergui a palma da mão direita. — Só quero conversar.

— E precisava disso? — apontou para os dois carros.

— Só nós dois. Longe da Agnes e do Samuel.

Levei as mãos a cintura e fiz questão de mostrar que havia deixado o coldre e minha Smith & Wesson 39 no carro. O lobo baixou as orelhas:

— Então, vai ter que ser aqui. — olhou para a esquina. — Estamos a dois quarteirões da casa da senhorita Villanova.

— Ótimo. — mais dois passos na direção dele e eu disse: — O que a Paula quer com você?

Túlio tombou a cabeça e piscou os olhos, as orelhas se ergueram, como se precisasse confirmar o que havia ouvido:

— Como é, coelho?

— Vou falar sem rodeios, lobo. A Paula é assistente de uma cientista que trocava cartas com o Otto. O Otto morreu porque sabe de alguma coisa no passado que envolve esta cientista e o pai do Vagner. Me fala, Túlio. — outros dois passos. — A Paula te pediu para trocar as anotações na biblioteca?

Memória de GorilaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora