2. O nome que iniciou uma investigação

113 2 0
                                    

Cadernos, papeis e livros estavam misturados. Era impossível dizer se haviam ou não encontrado o que procuravam, especialmente porque nem eu ou Agnes sabíamos por onde começar. Talvez houvesse alguma nota com a mesma sequência de letras do papel que deixei no porta-luvas do carro. Mas como achar aquilo? As duas estantes foram esvaziadas; os blocos com anotações revirados, folhas jogadas por todo canto. Pilhas de livros de todo tipo, dispostas de forma descuidada, como se alguém tivesse se sentado ali e após folhear um por um, os tivesse jogado pelas costas, um gesto mais afeito a um personagem de desenho animado do que a alguém real. Romances, biografias, relatos jornalísticos: tanta informação que Otto, com absoluta certeza, mantinha organizada.

Descartamos os (impressionantes) desenhos, em primeiro lugar. Paisagens, cidades, machos de todos os tipos, estudos de expressões faciais, animais, mulheres nuas e em vestidos etéreos, tudo retratado com atenção a detalhes, sombras e traços firmes. Em nada lembravam os rostos apressados que Otto rabiscava em nossas investigações. Tomávamos o cuidado de separar os desenhos, ao menos os que não estavam danificados demais ou irrecuperáveis, em um canto, ao lado da estante.

Às cinco horas da tarde, a luz do sol, filtrada pela cortina baça, tornava as pilhas de papeis menos feias, mas não mais úteis: ainda não havíamos encontrado uma simples palavra que pudesse nos nos animar ou, pelo menos, enganar. Agnes levantou-se do sofá destroçado, levou as mãos a lombar, resmungou sobre a madeira dura e sentou-se na única cadeira disponível. No instante seguinte, ela se levantou apressada.

- Esta cadeira, não é a que… - sim, eu a havia trazido do quarto apenas alguns minutos antes. Agnes ergueu uma das mãos e passou a outra nos cabelos. Respirou fundo, tampou a boca o nariz com os dedos. - Tudo bem. É só o cheiro de papel velho. Vai passar.

Balancei a cabeça e concordei: à exceção de desenhos mais antigos, os papeis estavam limpos, livres de mofo e poeira. Agnes olhou para a porta do quarto de Otto, aberta. Deu um passo a frente. Seus pés não faziam mais barulho algum no piso; ela deixou os saltos em cima da estante e experimentava o chão com os dedos protegidos pela meia-calça negra. Outro passo. Os braços retos, ao lado do corpo, parados. Ela flutuou com delicadeza para dentro do quarto, a respiração interrompida por um feitiço ou um truque barato de hipnotismo.

Passaram-se poucos minutos, e eu ainda não me decidia por ir atrás dela ou continuar a minha busca. Sentado no outro braço do sofá, tinha uma pilha de livros de capa dura revirados à minha esquerda e muita preguiça em analisá-los com a mesma atenção das últimas horas. Peguei um, sequer vi o nome e comecei a folheá-lo. Não lia; procurava qualquer coisa fora do padrão das letras impressas, um trecho destacado, uma anotação nas laterais das páginas.

Quando já estava chegando a metade das suas quinhentas folhas, Agnes parou no meio da sala, olhou para os lados e andou até a mesinha de madeira, logo abaixo da janela. Arrancou o fone do gancho e o levou ao ouvido. Suspirou; havia linha. Deixou o livro que trazia na outra mão bater na mesa com todo o seu peso e o abriu logo na terceira capa. Antes de girar o disco com os números, ergueu o dedo na minha direção e ordenou, com os olhos injetados e os lábios contraídos, que não a interrompesse.

Enquanto ela discava, eu me levantei, pulei os livros no chão e cheguei ao seu lado. Não me aproximei muito, apenas o suficiente para ler a página do livro sobre a mesa. Agnes agarrou o telefone e deu-me as costas:

- Alô? Eu queria falar com a senhora Beatriz.

Bia. Oito-meia-cinco-sete-quatro-três. Na letra descuidada de Otto.

- Quem é? Qual o seu nome?

Dei a volta na mesinha e ergui as duas mãos na direção de Agnes, as palmas a centímetros de seu rosto.

Memória de GorilaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora