—Você ainda vai a delegacia?

—Toma seu remédio!

—Arina... —Resmungou

—Ivan! —Ela respondeu com seu melhor tom de ordem, evitando colocar a perna enfaixada no chão, ainda que se apoiar na muleta não fosse a coisa mais confortável a se fazer

—Eu não quero, prefiro sentir essa dor e...

—Para de ser doido!

—Isso...—Apontou para si—Não é nada comparado ao que já aconteceu e ao que eu sei que você está pensando em fazer, vai me doer muito mais se você for a porra da delegacia e eles arrumarem um motivo para te prender!

Arina tocou a própria testa, ainda com a mão fechada para que o remédio não caísse—Não tenho escolha e tenho certeza de que não vai acontecer nada, mas ficar torturando o seu corpo não vai impedir que o futuro aconteça!

Ivan suspirou —Lutamos para te ter de volta e eu achei que era o suficiente!

Arina soltou a muleta e deu dois passos para frente, Ivan assim como ela, não estava preocupado com a própria saúde, preferia sentir a dor física do que ser completamente dominado pela incerteza ou pela culpa. Ela o entendia muito bem —Eu vou cuidar de você —Ela disse e sorriu—E você não vai reclamar ou lutar contra isso porque será em vão, em troca da sua permissão para essa ação que te beneficia, eu deixo que cuide de mim! —Falou ao tocar o rosto dele, os olhos do namorado brilhavam e a última coisa que ela queria naquele instante era vê-lo chorar—Mas, ainda assim, você precisa entender que eu tenho total autonomia para tornar uma decisão que pode causar danos, assim como você! —Sentiu uma leve dor, mas se colocou na ponta dos pés para beijá-lo —Você escolher não tomar o remédio não é uma opção, porque não é uma decisão, é burrice.—Ela tocou os lábios dele com o indicador, impedindo que ele tentasse falar—Mas, optar ir a delegacia prestar esclarecimentos é uma decisão, muito inteligente por sinal!

—Pare de barganhar comigo como se estivesse em um daqueles júris simulados na faculdade!

Arina sorriu—Barganhar em um banheiro de hotel, beijando um homem só de cueca e camiseta?  Que tipo de aluna você acha que eu sou?

—Eu te odeio!

—Não tem problema, porque eu te amo por nós dois!

Ivan a segurou pela cintura para que pudessem se beijar, mas antes que encostasse seus lábios aos dela, Arina colocou o comprimido em sua boca e tocou em seu queixo

—Engole! —Disse ao se abaixar para pegar a muleta e sair do banheiro —Vamos dormir um pouco! —Gritou ao deitar na cama

--◇◇--

Junkie estava terminando de comer uma sopa que havia pedido ao serviço de quarto, quando ouviu batidas na porta, sem delongas, levantou-se e a abriu, deparando -se com Arina

—Aconteceu alguma coisa? —Perguntou, tinha dormido por grande parte do dia e só acordado para entregar a mochila para Ivan e pedir comida.

—Preciso de ajuda!

—Diga! —Falou passando a mão envolta dos lábios, por achar que a boca estava suja

Arina apertou o apoio de mão da muleta e com a mão livre arrumou a parte de cima que estava começando a incomodar seu cotovelo, estava odiando se locomover assim e ainda mais ter deixado Ivan dormindo no quarto para "fugir"

—Quero que me leve a delegacia, o telejornal informou que eu deveria comparecer

—Você recebeu algum pedido formal, como uma intimação?

—Não!

—Então não deveria ir! A imprensa dissimula as informações, não caia nessa —Disse Junkie, apoiando no batente da porta

—Mas eu preciso!

—O Ivan me disse que arrumaria um advogado e que vocês resolveriam isso, e sabendo que não foi intimada, concordo com o que ele disse,  aguarde! 

Arina balançou a cabeça negativamente —Dessa forma, vou parecer culpada, uma pessoa que só comparece obrigada e foge! Sem falar que a minha irmã Hera deve ter motivos para mentir, ela não pode ser filha da puta nesse nível, eu tenho tudo sobre controle, me leva a delegacia!

Junkie respirou fundo—O Ivan, o que ele acha disso? Aceitou essa ideia?  Mudou de opinião?

—Ele sabe sobre minha decisão, mas agora, está dormido como um neném naquele quarto e depois de tudo isso, ele merece descansar!

Junkie entendeu naquele instante o motivo dos dois garotos amarem aquela menina, ela era encantadora, linda e direta quanto aos seus interesses, segura e ao mesmo tempo, seu rosto jovem e a pouca altura mostravam o quão frágil ela poderia ser. Arina era como uma Matrioska¹, e ainda que não a conhecesse muito, como a boneca ela era várias em uma só, cheia de camadas.

—Pode ou não me levar? Tive uma experiência horrível hoje de táxi, o homem foi me dizendo cada ponto da cidade e eu só queria silêncio! —Bufou e Junkie riu,  de tudo que estava acontecendo, a garota ter como ponto baixo do dia um taxista simpático foi a gota d'água. 

"Os jovens e sua resiliência! "-Pensou

—Eu não quero me envolver!

—Eu digo ao Ivan que fui sozinha! —Falou e o viu negar—Ele nunca sabe quanto tem na carteira e eu nunca fiz isso antes—Enfatizou, odiava quando diziam que ela queria ser bancada por Ivan, além disso, o título de ladra nunca a caiu bem e por isso tinha que deixar tal informação explicita—Mas, dessa vez ,digo que peguei se quiser!

—Não precisa fazer isso!

—Junkie, confia em mim.  Sei que não nos conhecemos e que o Ivan é seu parente, mas confia em mim por favor! Na maioria das vezes, eu sei o que faço!

O homem coçou a bochecha e suspirou pensativo—Vou pegar a minha chave!

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Matrioska ou boneca-russa é um tradicional brinquedo russo. Constitui-se de uma série de bonecas, feitas geralmente de madeira, colocadas umas dentro das outras, da maior até a menor.

Os Traidores - Série Crianças de MoscouOnde as histórias ganham vida. Descobre agora