Capítulo 1: A Deusa de Oak Hill

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A Colina do Carvalho era um ambiente muito mal frequentado. Não só pela qualidade de seus frequentadores, como pela quantidade. Situada atrás de um grande pólo industrial, só haviam duas vistas, e ambas, desoladoras. De um lado, haviam chaminés, altas e cinzentas, rasgando os céus com suas fumaças. Não se via ninguém entrando ou saindo das velhas fábricas, mas, com certeza, alguém trabalhava nelas. Do outro lado, se via eternos milharais, tocando o horizonte com sua coloração amarelada. Os ventos batiam e balançavam-nos desorganizadamente, possibilitando, algumas raras vezes, de ver um ou outro vulto passando, normalmente, fazendeiros. Na colina, em si, não haviam muitas distrações. Se ouvia um leve canto de pássaros, de noite, cigarras e grilos. Exatamente no centro, havia um grande e velho carvalho, com seu tronco já bem desgastado, e suas folhas por caír. Pendurado em um dos galhos, havia um pneu, que servia de balanço para a única frequentadora do local. 

Já eram quatro da tarde quando ela chegou. Seu uniforme escolar era azulado, indicando ser uma aluna do fundamental. As meias desarrumadas só denunciavam o óbvio: Era uma menina distraída. Diferentemente das outras de sua idade, Tsukiko preferia fugir das aulas extras, para esse pequeno recanto de solidão. Sentava para ler, às vezes, escrever ou pintar. Normalmente, também, a sombra do velho carvalho lhe servia de palco, onde atuava, cantava e desabafava suas mágoas com o mundo. Sua saia, levemente mais curta que o comum, era emprestada do antigo uniforme de sua mãe. Não havia necessidade, ou dinheiro, para comprar roupas novas. A barra da saia estava levemente suja, e sua camisa branca estava amassada, provavelmente da correria. Os olhos, esverdeados, brilhavam de alegria ao finalmente terminar de subir a colina, e encontrar sua velha amiga no centro dela.

O balanço estava frouxo, como sempre. O rangido do galho dizia que era melhor não forçá-lo, mas, a confiança da menina era depositada na árvore, que nunca havia lhe deixado caír. Antes de fazer qualquer coisa, observou o milharal. Os ventos, como sempre, batiam irregularmente por ele, e, de longe, ela via os fazendeiros, sempre andando pelas plantações. A rotina pacata deles lhe apaixonava. Seu olhar seguia-os, sempre pelos mesmos caminhos, enquanto o cheiro de mato tomava conta de seus pulmões. Diferentemente da cidade, ali não havia tanta poluíção, e, principalmente, não haviam pessoas. 

– Haruka-san me deu um tapa hoje. - Desabafou a menina, olhando para o nada. – Eu não entendo o porquê dela me bater quando eu peço para brincar com ela… Ela é mais velha que eu, deveria me tratar direito, não como uma criança.

Os olhos da menina se enchiam de lágrimas, que eram carregadas pelo forte vento que se iniciou. Achando melhor parar de reclamar, sentou-se no chão e abriu um livro. Não realmente lendo-o, mas observando o tempo passar junto de suas páginas. O sol se pôs rapidamente, para sua tristeza. De longe, ouvia o sino da pequena capela, seis badaladas. Era hora de voltar para casa, ou seus pais saíriam a procurá-la. A temperatura havia esfriado mais do que o normal, e seu casaco havia ficado na escola. Tremendo, a menina guardou suas coisas na mochila, e acendeu a vela que sempre acendia aos pés da árvore.

– Eu estou indo embora… - Ela sorriu, enquanto depositava sua humilde oferenda – Mas essa luz que deixo pra você é uma amiga. Não se sinta sozinha. 

Amor, verdadeiro, depositado aos pés da velha árvore guardiã da vila. Algo que os espíritos que rondavam o lugar não viam há século. A memória dos humanos é fraca, e eles logo logo se esquecem que no passado, muito o sobrenatural os ajudou.  Apesar de passadas seis da noite, e a temperatura ter começado a caír, o calor que a árvore emanava atraiu a atenção da menina, que olhou fixamente em seu tronco. Entre as falhas do tronco, brotavam feixes de luz nas mais diversas cores. Tsukiko, dando alguns passos atrás, observa atordoada a cena, enquanto a figura se formava diante de seus olhos.

A forma era de uma criança. Menos de um metro e meio. A pele acizentada diferenciava-a de uma pessoa comum, junto de sua íris roxa. Em suas costas, formavam-se duas asas, tal qual de uma borboleta Monarca. A criatura deu alguns passos em direção à menina, que estava aterrorizada, e abraçou-a.

– Tsukiko-san! - enquanto os lábios da criatura se movimentavam, a voz misteriosamente parecia saír da árvore.

– E..eu? - Respondeu a menina, estupefata.

Os olhos se encontraram, em um momento de paz. Estranhamente, apesar do medo, a menina não moveu um músculo para fugir. A sensação de segurança, o calor do abraço, impediam-na, quase como um feitiço.

– Eu quero te mostrar algo. - Disse a criatura, com um sorriso infantil tomando conta de sua face. - Vamos conhecer o Milharal? 

Uma nuvem de seres brilhantes, como vaga-lumes, envolve as duas meninas. Tsukiko sente como se o mundo estivesse a girar… E estava. O calor subindo pelo seu corpo vinha, com certeza, do abraço da gentil criatura, que acabara de conhecer, mas batia seu coração como uma velha amiga. A menina aperta um pouco seus braços sobre o pequeno corpo, fazendo seu primeiro movimento desde que tudo começou. Suas pálpebras fecham numa contração involuntária, para se abrirem após alguns segundos, também contra sua vontade. 

– Hã? - Indaga a menina, surpresa.

Tsukiko observa as paredes de seu quarto. Aparentemente, havia tudo sido apenas um sonho. Um simples, e fantástico sonho. Mal sabia a menina que agora estava amaldiçoada. Mal sabia ela que tão doce criatura iria mudar sua vida, e a da pequena cidadezinha industrial, para sempre. Enquanto a menina tenta compreender o sonho, seus pensamentos são interrompidos pela voz sobrenatural que ouvira segundos antes.

– E assim, mais uma vez - diz a doce e sobrenatural voz – o ciclo se cumpre.  

O vento corta pela janela de seu quarto, que estava escancarada. Centenas de vaga-lumes adentram o quarto, num baile noturno de se tirar o fôlego. A menina, atônita, observa toda a cena, enquanto mais uma vez, o pequeno corpo se materializa à sua frente. A pele acizentada, os olhos arroxeados, sem dúvida, eram daquele ser de antes.

– Tsukiko-chan!

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⏰ Last updated: Jan 18, 2015 ⏰

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Ōkuhiru no megami to tōmorokoshi hata no nazoWhere stories live. Discover now