II. Nishikigoi

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Sentado na varanda, Marcos levou um dedo à língua e folheou mais uma página do jornal. Nela havia uma lista de aprovados no concurso para polícia civil da 1ª Delegacia de Leopardita. Por um momento ele se arrependeu de não ter sabido da seleção a tempo, mas preferiu esquecer. Se exercer um papel em escritório já era complicado, servir as autoridades viraria uma missão impossível. Ele voltou a folhear o papel e depois o jogou no outro canto da sala. Não encontrou nada, ou melhor, nada que ele estaria apto a fazer. Ajeitou os cabelos castanhos, bebeu um gole da caneca de café - que já estava frio - e respirou fundo. O ar da manhã parecia sempre mais puro e Marcos amava isso. O vento fresco o mantinha calmo apesar do quase constante frio na barriga. Ele entrou na casa, deixou a louça na pia e foi ao banheiro se barbear. Queria estar apresentável para procurar um novo emprego pela cidade.

Tirou boa parte da barba falhada, mas acidentalmente se cortou com a lâmina, fazendo um filete carmesim escorrer pelo maxilar rósea. O reflexo no espelho adquiriu uma sobrancelha arqueada e olhos questionadores. Marcos sempre fazia essa expressão ao se barbear e, se alguém estivesse ali para vê-lo, o acharia atraente. Contudo, seu olhar estava quase sempre opaco pela ansiedade e medo, exceto em momentos como esse onde seus orbes cor caramelo realçavam sua aparência. Ao terminar, vestiu uma roupa social e foi até a porta. Tocou na maçaneta e ficou parado, sem fazer qualquer movimento para sair. Era a terceira vez que ele jogava o mesmo jogo sem passar para a fase seguinte. Olhou pela janela e assim que se imaginou em uma entrevista de emprego sentiu os tambores em seu peito recomeçarem a tocar. Sua mão suada escorregou da maçaneta e ele deu um soco na porta.

Marcos caminhou até seu quarto que, um ano atrás, pertencia a seus avós. Havia uma caixinha embaixo da cama onde guardava reservas financeiras. Boa parte era sua única herança, deixada por eles. Ele não mexeria ali a menos que seu próprio salário acabasse – estava próximo de acontecer, para ser sincero. Porém tudo que ele pensava agora era em buscar Fred. Marcos teria companhia dali para frente o que era animador. Com a mesma roupa que estava ele saiu, aproveitando que ainda estava cedo e a clínica estaria vazia.


- Olá, Marcos. – Cumprimentou Peter, surpreendendo o outro.

- A Drª Íris se encontra?

- Ela vai precisar se ausentar por uns dias. Íris sofreu um acidente na noite de ontem.

Marcos arregalou os olhos e perguntou, mais alto que o normal:

- Foi grave? Como ela tá?

- Ao que tudo indica nada pôs em risco a vida dela mas precisará ficar em observação, igual o seu filhote. Falando nele, vamos lá?

Como foi dito pelo médico, Fred recebeu alta naquele dia. Peter explicou que o tratamento poderia ser continuado em casa e instruiu Marcos a realizar a primeira vacinação o quanto antes para melhorar a imunidade do animal. Até lá, Fred não poderia passear ou entrar em contato com outros cães. Marcos acertou as contas na recepção – que lhe custaram o restante do salário, mas fora por uma boa causa – e antes de sair escutou uma conversa entre Peter e Harumi.

- Você vai ao hospital hoje? – Perguntou o veterinário para a recepcionista.

- Vou resolver um problema na escola dos meus meninos. Não posso adiar mas quero ver ela o quanto antes.

- Eu vou depois de amanhã. Tenho dois plantões hoje.

Marcos saiu sem ouvir o final, mas ficou com aquilo na cabeça. Gostaria de agradecer a doutora pelos cuidados com Fred, mas isso significaria entrar em um hospital que estaria sempre cheio. A ideia maquinou em sua mente o resto do dia. Após o almoço ele encarou o relógio de parede na cozinha, o tic-tac dos ponteiros o incomodava bastante. Olhou para Fred que dormia tranquilamente numa cama improvisada próximo ao sofá. Marcos sabia que o filhote só estava ali porque Íris e Peter o salvaram. Ao rapaz ele já agradecera, mas a ela ainda não. Um dia se passara e ele queria vê-la, precisava vê-la. Então na tarde do dia seguinte ele foi até a clínica e, para sua sorte, encontrou Peter na porta.

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