I. Fred

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- Drª Íris! Chegou uma emergência!

Assim que ouviu a voz de Harumi, Íris de Freitas deixou que o jaleco branco caísse como uma pluma sobre os ombros, prendeu o cabelo cacheado e volumoso num coque e buscou na bolsa o estetoscópio. Tomou um gole d'água antes de sair do consultório para atender o chamado da recepcionista. No meio do caminho, Íris ajeitou a postura e apertou o passo. Uma vida dependia dela, não importava se estava prestes a fechar a clínica.

Quando chegou à recepção encontrou Harumi ao lado de um homem que segurava nos braços um casaco aninhado como um bebê. Ela cumprimentou o cliente que "desembrulhou" a peça de roupa, revelando um cão filhote. O homem olhou para a recepcionista como se pedisse permissão para seguir adiante e, ao receber um sinal de positivo, acompanhou a veterinária até o consultório. O clima frio da sala, por conta do ar-condicionado, fez o cachorrinho tremer. Íris desligou o aparelho para dar mais conforto ao paciente pois pensava neles como sua prioridade. Sempre foi assim desde que escolheu a profissão e, se fosse de sua vontade, eternamente seria.

- Qual o seu nome? –Perguntou a moça com uma ficha em mãos.

- Marcos. – Respondeu o homem - Marcos Paulo Monteiro.

Ela anotou esse e outros dados e perguntou o motivo que o levou até ali. Marcos disse que, ao voltar do trabalho, escutou latidos fracos e agudos vindos de uma caixa de papelão jogada na calçada, em frente a um terreno baldio. Ele se aproximou e viu o filhote que agora tremia em seus braços.

- Você tomou a atitude certa, Marcos. Vou dar uma olhada nele, certo?

Íris pediu que o pequenino animal fosse colocado em cima de uma mesa própria para atendimentos. Após o exame ela percebeu que o cão estava bastante desidratado e possuía feridas pelo corpo.

- Preciso que ele fique internado. Vamos fazer uma fluidoterapia para reverter o quadro de desidratação. Também vou precisar coletar sangue para um hemograma. Precisamos avaliar o estado de saúde mais a fundo para oferecer um melhor tratamento.

Marcos assentiu e fitou o filhote por alguns segundos que mais pareceram horas. Ele prestou atenção em cada parte do frágil corpo do animal e só a voz de Íris o tirou da auto-hipnose. A veterinária pediu para que ele assinasse alguns documentos que o tornavam responsável pelo cão. De primeira ela temeu que ele recusasse- era algo comum em vários casos – mas Marcos seguiu todo o protocolo sem questionar.

Íris levou o filhote até a área de internamento onde ele seria acompanhado pelo médico veterinário plantonista. O turno dela já havia acabado, mas no dia seguinte voltaria a acompanhar o estado do novo paciente. Ela levou Marcos até a recepção para que Harumi o explicasse sobre o pagamento e voltou para o consultório, enfim tirando o jaleco. Antes de sair, a médica se despediu da recepcionista e de Marcos que ainda estava lá. Ela percebeu que ele estava com o mesmo semblante. Olhar caído e lábios pressionados.

- Fique tranquilo. Vamos cuidar dele. – Falou ela pousando sua mão sobre a de Marcos, apoiada no balcão.

Porém a reação dele foi oposta ao que ela esperava. Ele recuou bruscamente antes mesmo que as peles se tocassem. Marcos olhou nervoso para as mulheres de testas franzidas. Ele se desculpou, disse que voltaria no dia seguinte e saiu às pressas pela porta. Elas se entreolharam e Harumi deu de ombros. Pessoas peculiares eram muito comuns no dia-a-dia. Marcos deveria ser só mais uma delas.

A veterinária entrou no carro cuja superfície estava molhada devido à garoa das seis da tarde. O evento climático era tão comum que poderia ser considerado patrimônio em Leopardita. Ela deu partida no veículo e dentro de vinte minutos chegou no prédio onde morava. Estava tão acostumada àquela rotina que dirigiu em piloto automático. Quando abriu a porta do apartamento, jogou a bolsa na primeira cadeira que viu e foi tomar um banho. Porém antes de ligar o chuveiro deu uma boa olhada no espelho.

MuralhasWhere stories live. Discover now