Capítulo 4 - Eu aprendo a jogar xadrez

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Era muito para se assimilar. A cabeça do Bernardo estava trabalhando a mil por hora. Como qualquer criança de sua idade, Bernardo sempre se imaginara com superpoderes. Como gostava de brincar sozinho, sua maior diversão era fingir ser algum super-herói de desenho animado e correr pelo quintal lutando com vilões imaginários.

Mas agora... a ideia o assustava. E o que era aquilo tudo de seres semelhantes a deuses? Ele não se sentia forte, muito menos com a capacidade de... como era mesmo? Manipular a fé de quem?

- Fetcis, manipular a fetcis. O meteoro que te atingiu estava repleto dessa energia. Com o tempo e treinamento você vai conseguir senti-la e manipula-la a seu bel prazer. Mas antes você vai ter de aprender a controlar sua ansiedade e outros sentimentos ruins que irão aumentar e piorar com o tempo. O que você sentiu hoje na escola é só o começo.

- O que houve com o meteoro? Ele não estava lá e ninguém parecia saber dele.

- Eu o levei para nossa terra, logo depois de te levar pra sua mãe. Não consegui impedir a queda dele, mas pelo menos consegui camuflar para que ninguém o visse. Como ele estava caindo no meio da mata, imaginei que ninguém seria atingido, muito menos afetado por ele.

- E aquele monte de aranhas em cima de mim?

- Insetos costumam se sentir atraídos pela fetcis, mas morreram quase que de imediato ao subirem em você.

E o interrogatório continuou. Mas quanto mais Bernardo perguntava, mais dúvidas ele tinha.

- Olha, já deu seu horário de sair da escola e você deveria ir para casa pra não preocupar seus pais. Hoje a noite, depois que eles dormirem, volte aqui para iniciar seu treinamento. Lembre-se: eles não devem saber disso.

- Fique tranquilo. Eles não acreditariam se eu contasse. Eu mesmo não tô acreditando!

Naturalmente, como sempre acontece quando se espera ansiosamente por algo, as horas se arrastaram, e o relógio às vezes parecia andar pra trás. Mas durante todo aquele dia Bernardo não viu nenhuma mudança em seu corpo. Não se sentia mais forte nem mais rápido. Tentou voar, pulando da garagem do pai, descobrindo não só que era incapaz disso, como também de que ele não era invulnerável, se machucando na queda.

A única coisa que sentia era frustração, medo, ansiedade. Tinha horas em que ele ficava eufórico em imaginar que tipo de treinamento ele teria. Outras horas o mesmo pensamento lhe enchia de raiva. E ainda em outros momentos, ele ficava apavorado com a ideia de ser diferente. Nessas horas ele ia ao banheiro, tirava a roupa e se olhava no espelho, temendo que alguma coisa nele estivesse diferente. Teve um momento que se assustou com o tamanho da sua cabeça, para depois se lembrar que sempre tivera uma cabeça grande. Imediatamente o medo foi substituído por uma vontade fora do comum de rir.

- Filho, tá tudo bem aí dentro? O que é tão engraçado assim?

- Nada mãe! - respondeu, parando de rir imediatamente. Começou a chorar.

Colocou a mão na boca para abafar o choro. A ideia de ficar longe da mãe, do pai e das irmãs se apoderou dele com força total. Bernardo tremia dos pés a cabeça e chorava copiosamente sem conseguir parar. O que estava acontecendo com ele?

Era quase 1 hora da madrugada quando Bernardo se levantou da cama, completamente desperto. Levantou-se, pé ante pé, silenciosamente para não acordar suas irmãs que dividiam o mesmo quarto. Passou pela cozinha e chegou na sala. Antes de dormir, Bernardo havia destrancado a porta e deixado ela encostada para não ter de fazer barulho agora. Só que seus pais devem ter visto isso antes de irem se deitar, por que a porta estava trancada.

Voltou para pegar a chave, e tentou abrir a porta o mais silenciosamente que conseguiu. É incrível como o molho de chaves parece uma britadeira de noite. Bernardo destrancou a porta como quem tentava descobrir a combinação de um cofre. Abriu a porta devagar, que rangeu nas dobradiças. Esperou. Ninguém acordou. Ele encostou a porta e foi para rua, em direção ao córrego. Desceu o barranco e atravessou a parede falsa.

Ken-YaWhere stories live. Discover now