Capítulo 2 - A volta às aulas me deixam doente

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As férias passaram voando, e logo as famílias estavam voltando para casa. Bernardo não contou a ninguém sobre o estranho sonho, por mais real que tivesse parecido. Ele ficava se repetindo que, se tivesse mesmo acontecido, alguém teria visto a bola de fogo gigante e verde que caiu em cima dele. Claro, a cratera estava lá, ao lado da trilha, mas sua irmã garantiu que eles a tinham visto quando passaram pela trilha mais cedo naquele dia. E realmente o buraco tinha a aparência de estar ali há muito tempo. 

- Mais alguém reparou que não tem mais nenhuma aranha?

- Vai ver elas se assustaram com sua cara feia!

A semana que antecedeu a volta as aulas foi bem esquisita. Sempre que sua mãe o mandava buscar algo no mercado, ou quando ele ia pegar as encomendas dela na casa da costureira, Bernardo tinha a estranha sensação de estar sendo vigiado. Uma vez ele chegou a descer da bicicleta e procurar em volta quem poderia estar lhe observando, mas não havia ninguém. 

Bernardo sempre foi uma criança retraída. Gostava de brincar com suas irmãs e amigos, claro, mas ele tinha poucos amigos e, em geral, se divertia bastante sozinho. Subia nas árvores do pequeno pomar no quintal da sua casa, passava horas andando de bicicleta, fazia trilhas no caminho para o parque... mas sempre sozinho. Ele preferia assim. Não gostava da maioria das crianças de sua idade; ele as achava infantis demais.

Para sua surpresa, essa sensação aumentou ainda mais quando começaram as aulas. Calçou o tênis, colocou a mochila nas costas, e subiu a ladeira de casa rumo a escola. Parou para atravessar a avenida e achou estranho a velocidade dos carros. Devagar demais. Que esquisito! Subiu a rampa que dava acesso à entrada principal. A molecada estava em polvorosa, mas quanto mais Bernardo reparava, mais lentos eles pareciam se mover. Chacoalhou a cabeça como se espantasse uma mosca incrivelmente chata, e caminhou para o pátio da escola.

- E aí, Testa, beleza?

Testa. Como ele odiava aquele apelido idiota! E esse era o mais carinhoso, que seus amigos lhe deram. Os encrenqueiros da escola preferiam Paralamas do Sucesso, Cabeça de Nós Todos, Caatinga (foi só uma vez que ele se descuidara com seus gases na sala de aula para eternizar esse).

- Como foram as férias?

- Legais, e as suas?

- Foram ótimas! Meu pai me levou no zoológico! 

Tiago continuou seu relato de como haviam sido suas férias, mas Bernardo já não estava mais prestando atenção. Tinha algo errado. Seu amigo parecia empolgado, mas ele estava falando tão devagar. E aquela sensação, aquela horrível sensação de estar sendo observado...

- Testa! Ei, tô falando com você, cara!

- Desculpa, viajei legal... acho que é sono, vou lavar o rosto.

- Vai logo, o sinal já vai bater!

Mas ele não estava com sono. Na verdade, parecia que tinha tomado umas vinte xícaras de café. Imaginava que o motivo podia ser sua ansiedade pelo novo ano letivo. Afinal de contas, tudo mudava na quinta série! Antes ele tivera uma professora só para todas as matérias, agora seria um professor diferente para cada matéria. Lavou o rosto, para ver se aquelas sensações esquisitas passavam. Mas não passaram.

O sinal bateu. Na subida para a sala de aula, reparou que não era o único ansioso. Todos conversavam animados sobre como seriam as aulas a partir daquele ano. Todos, menos Tiago, que contava sobre suas férias e a ida ao zoológico a quem quer que não tinha ouvido. Ele era o único colega de Bernardo do ano anterior que permanecia na sua classe este ano e, por falta de opção melhor, era o mais próximo que ele tinha de uma amigo.

Ken-YaWhere stories live. Discover now