Louvor a Coroa

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#AmorSafira

"Onde está a divindade que chamam de rei? Onde está seu Deus agora, se não com a cabeça presa entre meus dedos?"

Essas foram as palavras que soaram veemente do regicida, após encharcar o reluzente metal de gume afiado em maestria no mais vivido sangue de tom escarlate, ao decapitar o imperador de Dracar, dando início a uma turbulenta guerra que custou os anos mais sombrios na vida de seu povo.

Um ato. Apenas um ato bastou para mudar drasticamente a vida de milhares de pessoas inocentes, que se tornaram condenadas a banhar-se na desgraça que o homem, e somente ele, poderia causar com sua estúpida complexidade de Deus.

Naquele dia, o chão tremia com um exército exorbitante marchando como um só. Cada passo em uníssono com os outros, deixando apenas dezenas de rastros para trás, exibindo um sinal claro para quem passa.

O som da cota de malha e da armadura se chocando, sobrepunham-se a todos os outros sons. O rangido da madeira das carroças de suprimentos e máquinas de cerco, pôde ser ouvido fracamente e os rosnados e grunhidos dos animais de guerra completamente abafados.

Ninguém ousava proferir uma palavra com o outro, seja por medo, foco ou algo que beirava o incerto. O exército multiplicava seu tamanho a cada marcha, e todos ali pensavam em um único objetivo: certificar-se de sobreviver à guerra que estava por vir e retornar para casa em segurança.

A noite que foi gravada na história dando início aos Anos Sangrentos, havia sido resultado direto da traição de Pherloc, um dos maiores aliados da antiga Dracar. As terras dracarianas eram secretamente alvo desde o começo do século pelo povo que havia se tornado inimigo, mas com suas alianças e generosos acordos, Dracar jamais imaginaria que um dos maiores aliados seria capaz de trair a coroa em busca de uma fonte inesgotável de poder. E um país cujo jamais presenciou tamanha violência, não estava preparado para tomar qualquer atitude diante das proporções que a guerra devassa tomou.

Dracar lutou bravamente por anos, impedindo o inimigo de avançar. Mas as consequências de tal persistência em querer resistir quando não havia nada mais a ser feito, quase resultou na extinção de seu povo. Testemunhar crianças, mulheres e idosos serem massacradas em tal calamidade foi o estopim para ceder ao que o inimigo desejava, em troca da suspensão das hostilidades que estavam acontecendo durante o conflito armado.

Com as mãos atadas durante a guerra, Dracar agarrou-se a um acordo que custaria mais do que podiam oferecer: suas vidas, liberdade, identidade e tudo que torna uma pessoa única. E assim, a ocupação das terras dracanianas feita pelos cidadãos inimigos, foi iniciada.

A ocupação materializou-se a partir da formação de colônias pherloquianas no território. Pherloc tomava as terras produtivas até então ocupadas por Dracar e faziam o povo local prestar trabalhos forçados e muitos eram enviados ao país inimigo exatamente para cumprir essa finalidade.

Devido a violência da ocupação, os dracarianos tentaram aliar-se secretamente a forças exteriores tendo o grande sonho de expulsar os invasores de suas terras e garantir independência, porém, o que Dracar não esperava é que as potências da guerra tinham outros interesses para o país.

Vulneráveis pela falta de apoio, Dracar cedeu aos termos impostos ao assinar, finalmente acreditando no fim dos confrontos. As consequências de sua derrota causaram choque e humilhação a população dracariana ao abrir mão de sua língua materna e seus costumes e até mesmo de sua religião os deixando sem opções além de aceitar para sobreviver, ou abraçar a morte.

Entre as entrelinhas daquele acordo, Dracar encontrava-se totalmente nas mãos do inimigo e, com o último ato da guerra, Pherloc concedeu o golpe final ao criar a lei que proibia famílias dracarianas possuírem mais de um herdeiro em sua família, seja ela nobre ou não nobre, permanecendo na frágil linha que os levariam à extinção, iniciando-se o Massacre dos descendentes.

Sem piedade alguma e deleitando-se do caos e da morte que causava por onde passava, o regicida explorou seus desejos mais insanos, que era o total aniquilamento do povo dracariano, começando com suas crianças e o futuro delas. Devido a tamanha proporção, os aliados de Pherloc intervieram ao ameaçar retirar qualquer apoio ao regicida se sua ambição não fosse devidamente contida. Cego pela insanidade, se não tivesse poder o suficiente para extinguir Dracar, faria os dracarianos rejeitar e odiar o próprio povo.

E a partir daquele momento começaram a nos denominar como os Vheha.

Após o Massacre dos descendentes, as crianças com origem de famílias que já possuíam herdeiro, eram completamente excluídas da sociedade. Largados à deriva da vida, foram considerados como párias abandonados pelos novos deuses que Pherloc havia imposto ao trazer sua própria religião às terras dracarianas.

Quanto mais o tempo passava, mais os Vhehas eram rejeitados pela sociedade e pelo próprio povo. E mesmo com os Imperadores acreditando secretamente que tudo aquilo seria temporário, demoraram a perceber que talvez aquilo nunca teria realmente um fim.

As estações mudavam rapidamente e com elas o tempo era carregado em seus braços. Os anos corriam, assim como as garras de Pherloc em toda a Dracar para que somente fosse lembrado daquele antigo povo, o nome de seu país e o leão que carregavam com o orgulho destruído e fragmentados pela história.

A nova imperatriz carregava em seu ventre o futuro de uma esperança distante. Acreditando que poderia se agarrar em um último clamor por misericórdia, entregou a vida de seu primogênito ao destino para que um dia ele retornasse para seus braços e cumprisse a sina daquele que carrega a coroa e tudo o que encontra-se através dela.

Fotos e lembranças que abraçavam seu corpo e cada gota que escorria de seus olhos tinham efeito corrosivo em seu coração. Perder um filho não havia conforto, seu mundo se tornava ausente e se pudesse, derrotaria aquele mal com as próprias mãos.

Mas a incógnita que nem mesmo Deus poderia responder, era se aquela criança, ao retornar, traria a esperança que todos almejam ou a eterna condenação.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 23, 2021 ⏰

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