Capítulo um

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185 dias antes.

Eu nunca fui um garoto muito normal, durante toda a minha infância. Meio magricela demais, horrível em qualquer coisa no primário que não envolvesse fazer desenhos, também nunca tive muitos amigos. E um dos motivos para isso, além de eu ser muito tímido com qualquer um que não fosse do meu círculo familiar, é de que passei boa parte da minha infância não fazendo coisas de criança, indo a hospitais e fazendo checagens frequentes que me deixavam bem irritado.

Com seis anos, tive câncer no estômago. Era hereditário, meu avô havia tido, e o bisavô antes dele também. Ainda que fosse uma possibilidade, todo mundo ficou bem assustado. Eu ainda não conseguia muito bem entender o que significava tudo aquilo, só tinha a certeza de que eu odiava agulhas com toda a força do mundo. De lá pra cá, isso não mudou nem um pouco. Tenho pavor de agulhas e micro-ondas, sempre parecem que vão explodir.

Aconteceu quando estávamos na aula de educação física, minha barriga estava estranha já havia algum tempo, e eu começava a me perguntar se era intolerante a lactose como um dos meus primos. Sempre fui meio molenga, mas naquele dia estava pior. Meu estômago doeu com mais força, eu regurgitei sangue e desmaiei algum tempo depois. Passei por uma bateria de exames chatos que me deixaram mal humorado, e papai saiu às pressas do trabalho em um escritório de advocacia para se encontrar com mamãe no hospital.

Depois disso, a minha rotina mudou completamente. Não que eu descesse para me encontrar com as outras crianças do prédio todos os dias, eu sempre preferi ficar com os meus brinquedos no meu quarto, mas aquilo se tornou ainda mais frequente. Comecei a ir ao hospital em um intervalo de três semanas para sessões de quimioterapia, e saía de lá todo inchado e irritado, apesar das tentativas do Dr. Kwan de me alegrar com os seus livros de fantasia. Meus pais sofreram bastante com a minha oscilação de humor.

Nunca tivemos uma situação financeira muito estável, e os tratamentos eram bastante caros. Eu não percebi no começo, mas por causa disso uma tensão começou a pairar sobre os meus pais, sempre tendo aquela desconfiança quando sentávamos na mesa de jantar no fim da tarde e mamãe me ajudava com a sonda nasoenteral. Aquilo era outra coisa que me irritava bastante.
Um tempo depois, no meu aniversário de sete, as coisas explodiram. Havia tido alguma complicação no meu estômago no meio da noite, e eu fui para o hospital, isso com alguns meses de tratamento. Foi tão rápido que eu nem tive tempo para ficar assustado com tudo aquilo. Demorou algum tempo para que eu recobrasse os sentidos, abrindo os olhos e voltando a fechar diversas vezes. Quando acordei, já era de manhã, e eu tinha um curativo rodeando toda a minha barriga. Minha mãe estava com a cabeça no colchão, e uma das mãos pálidas sobre a minha. Não encontrei papai em lugar algum do meu quarto de hospital, e ela parecia tão exausta que decidi não falar nada. Na época, eu estava começando a entender porque eles se trancavam no quarto e começavam a discutir algumas vezes.

Demorei bastante tempo para me sentir cem por cento outra vez, depois da gastrectomia. Foi quando eu comecei a me aproximar de Kim Namjoon, o meu primo que tinha intolerância a lactose e era um ano mais velho. Ajudava muito ter uma outra criança para brincar e me distrair de tudo aquilo, e ainda passar as respostas das atividades que eu nunca sabia responder porque as aulas começaram a me entediar demais. Continuei o tratamento por mais algum tempo, e eu comecei a perceber algumas coisas que me faziam diferente das outras crianças, e fiquei um pouco deprimido. Mamãe me levou ao psicólogo pela primeira vez, e não era muito ruim, mas eu ainda conversava bem mais com Namjoon sobre o que passava pela minha cabeça.

Ele foi a minha primeira busca de conforto assim que os meus pais se separaram. Aconteceu quando eu tinha dez, e eu e minha mãe nos mudamos para um apartamento vizinho ao de Namjoon, enquanto meu pai foi para a capital. Algum tempo depois, descobri que ele estava formando uma outra família com uma estrangeira. Eu me senti péssimo, e culpado.

Quem Nós Somos (JiKook)Where stories live. Discover now