I was born to love you

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Mais um longo dia. O sol adentrava a janela do meu quarto, e eu não pude deixar de amaldiçoar a pessoa que abrira aquela merda sem minha permissão. Com certeza havia sido Abigail, minha mãe. Com aquela mesma mania de que eu poderia acabar morrendo sufocada por dormir com todas as janelas fechadas. Que mal eu fazia em fechar minhas janelas para que nenhum engraçadinho da casa em frente ficasse me vigiando? Eu tinha esse direito, mas ela pensava diferente. "Você precisa de ar fresco."

Meu pescoço doía um tanto, pois não costumava deitar sempre de bruços, e assim constatei que aquela posição era bem mais desconfortável do que eu esperava. Eu podia sentir meu rosto inchado por ter ficado tanto tempo contra aquele travesseiro velho e fedorento. Olhei para o outro lado, tentando fazer com que aquela dor parasse, mas as únicas coisas que consegui foram um estalar de pescoço e que várias lembranças voltassem a me assombrar. Haviam se passado cinco anos. Como eu ainda poderia sentir isso? Meu rosto queimava e não era por causa do travesseiro. Com certeza minhas bochechas se encontravam com uma certa cor, diferente da cor pálida de sempre, e por um segundo eu imaginei que Gerard estivesse ali para lembrar daquilo junto a mim, mas não estava.

Eu ainda podia sentir aqueles dedos longos percorrerem meu rosto e afagarem ali. Era o que eu mais gostava. Às vezes eu torcia para ter um motivo para ficar triste só para ter Gerard me consolando, afagando meu rosto e secando minhas lágrimas insistentes. Coisa que não tenho mais privilégio. Não tenho há cinco anos. Cinco anos. Havia realmente passado apenas cinco anos? Para mim já tinha uns dez anos sem ver Gerard. Quanto tempo mais ficaríamos afastados? Veríamo-nos novamente? Havia tanto tempo que havíamos perdido o contato, que eu sem sombra de dúvida não lembro quando foi a última vez que nos falamos.

Cinco anos sem Gerard e seus afagos com aqueles dedos gélidos. No início não podíamos no comunicar. Seus pais haviam mudado seu número e depois de um tempo conseguimos enfim no falar por alguns minutos até ele dizer que precisava ir para a aula, e depois nunca mais consegui ligar para ele, e aparentemente nem ele para mim. Cada dia que passava a certeza de que Gerard não iria voltar só aumentava. De 3%, passou para 65% nesses últimos anos sem notícia dele.

Aquele porta-retratos na pequena mesinha ao lado da minha cama não era muito saudável para mim, algum dia iria acabar me tentando a fazer alguma besteira irremediável. Até hoje eu me lembrava do dia em que Gerard e eu tiramos aquela foto. Estávamos no ensino fundamental, participando de uma peça. Romeu e Julieta. Com aquelas roupas engraçadas e tudo, tivemos que nos beijar – se é que poderia chamar aquele encostar de lábios de beijo – em cima do palco. E era claro que alguém fotografaria aquilo. E foi o que aconteceu. Uma colega da minha turma tirou aquela foto e depois me deu. Ah, era claro que eu era apaixonada por aquela foto. Nosso primeiro e único beijo. Foi tão mágico quanto qualquer outro por aí. Eu acho que até hoje Gerard não sabe da existência dessa foto e é bom que nunca saiba. Pelo menos não tão cedo.

Eu era tão nova, acho que tinha uns 12 anos, enquanto ele já tinha seus 14 anos. Um adolescente, diferente de mim, que ainda poderia ser considerada uma criança. Aquele beijo não havia significado muito para mim naquela idade, e muito menos para ele. Beijar uma criança de 12 anos não o interessava em nada, mas era ou a mim ou as meninas que ficavam atrás dele e, eu como a amiga solidária, fui a tão sortuda Julieta. Como se eu não quisesse, não é?

—Você... vai sumir daí. – falei, tentando parecer o menos maluca possível, mas não era possível, já que eu estava falando com um porta-retratos. Logo deslizei minha mão até o porta-retratos, tratando de esconder a fotografia contra a mesinha de madeira maciça. —Já estava na hora. Lembranças nem sempre são boas.

Pisquei seguidas vezes, tentando afastar a sonolência e esquecer aquela imagem do Gerard e de todas as suas características únicas. Uma pessoa única. Levantei, ficando sentada na cama enquanto colocava meus chinelos. Espalmei minhas mãos sobre o colchão da cama e pendi minha cabeça para trás, alongando-me, suspirei demoradamente, e enfim, tomei coragem para levantar da cama. Senti uma tontura mínima e logo que me estabilizei, segui para o banheiro do corredor, adentrando ali.

One more chanceWhere stories live. Discover now