Dois ❦ Outono

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Com as cores vibrantes de todos os tipos de laranjas, amarelos e verdes, a Filadélfia ganhava forma em frente aos seus olhos. Pedalar podia oferecer um senso de liberdade que não conseguia achar em nenhum outro lugar ou ao menos ela ainda não tinha encontrado. É claro que investira em um carro simples, muito menos luxuoso que os de suas colegas, e gostava de afirmar a si que era uma economia para o futuro e quem sabe, um apartamento. No entanto, a economia verdadeira era para o presente e quando ia de um lugar a outro sozinha, escolhia por sua bicicleta azul turquesa.

Enquanto o vento gelado de outono acalmava sua pele, Fall respirava fundo e mantinha um ritmo moderado que a energizasse, mas também a permitisse admirar o dia de céu claro e azul que fazia. A cidade universitária não ficava a mais de dois quarteirões do Bennie's Caffe e de onde Fall e Darlene moravam, por isso a garota conhecia as ruas e estabelecimentos como as palmas das mãos.

Não se lembrava ao certo quando se apaixonara pela cidade já que nunca fora sua primeira opção, mas àquela altura já se sentia em casa ao ver todos aqueles estudantes sentados no gramado, rindo, e pessoas com copos de café na mão, atrasadas para a primeira aula do dia. O cheiro de muffins e cafeína que escapava das cafeterias enchia o ar e se misturava ao das árvores e concreto das calçadas. Aquela era uma manhã que Fall não tinha há alguns meses, mas estava feliz por nada ter mudado. E, ao mesmo tempo, temia esse mesmo fato.

Ao chegar no campus, deixou Pérola – como havia carinhosamente batizado seu meio de locomoção – no bicicletário e seguiu para o prédio onde seria sua primeira aula do dia. Os corredores bem iluminados com toques de madeira na arquitetura faziam com que seu cérebro a enganasse e, imediatamente, a fizesse acreditar que era mais inteligente do que de fato provava ao mundo. E talvez fosse para valer. Seria possível que o conhecimento de todos os antigos alunos que estavam agora mortos ficasse preso nas paredes e fosse liberado como magia aos atuais alunos? Se sim, esperava que alguma escritora brilhante tivesse sido morta ali mesmo para que pudesse receber como dádiva uma boa história para escrever e o talento da mesma.

Ela deixou os pensamentos mórbidos de lado e não mais importunou os mortos. Sabia que era apenas uma distração para que pudesse retardar a entrada na sala de aula e ter de lidar com as dinâmicas acadêmicas mais uma vez. Apesar de ser uma pessoa aprazível, Fall gostaria de ser invisível naquele semestre. O motivo não estava claro nem mesmo para ela, mas apenas sentia que não tinha nada a oferecer a qualquer pessoa que cruzasse seu caminho. Por isso, se esperasse no corredor até o horário exato da aula e saísse assim que ela terminasse, não precisaria falar mais do que o necessário ou trocar mais conexões sociais do que um simples "Oi" e "Tchau".

Quando já havia aproveitado até seu último segundo e não podia mais delongar tal tortura, entrou na sala e se deparou com grupos de alunos reunidos em ilhas, espalhados pelas cadeiras. Sentiu alguns olhares sobre ela e retribuiu com um sorriso desconfortável a quem fizera o mesmo. Não conhecia nenhuma daquelas pessoas, mas a forma como conversavam entre si mostrava que a maioria delas já era da mesma turma. Se sentir uma completa estranha no ninho nunca foi um problema para ela já que aprendera a lidar bem com a sensação de desajuste no primeiro semestre. No fim das contas, quando se é jovem, são todos estranhos no ninho.

Encontrou um lugar próximo à janela e distante dos grupos e pegou o livro que deveria resenhar para ler enquanto esperavam o professor. O livro permanecia tão ruim quanto no café da manhã, e fingiu persistir na leitura, mas deixou que sua mente se perdesse na imagem à sua frente. Um garoto afastava algumas mechas de cabelo que caíam no rosto de quem imaginou ser sua namorada, enquanto ela falava. Um sorriso involuntário surgiu no rosto de Fall que, assim que percebeu, o desfez e afundou a cara no livro novamente. Não queria de forma alguma ser interpretada como psicopata, mas ainda assim não sabia se achava o casal gracioso ou se eles faziam seu estômago revirar por ternura em excesso.

Quando o Outono ChegarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora