Prólogo

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Ao que tudo indicava era tarde demais para ela. Sempre se sentira atrasada para tudo e não importava o quão duro dava para forçar algumas portas abertas, ela sempre parecia estar para trás. Estava decidida a conseguir ao menos uma bolsa parcial em alguma boa universidade e depois um trabalho para pagar o restante, mas tudo que havia recebido em troca de todo o esforço eram inúmeras mensagens que diziam "agradecemos o seu interesse, mas não podemos conceder uma vaga a você".

A Universidade da Pensilvânia era sua última esperança e também a última instituição de sua enorme lista de preferência. Se não recebesse uma resposta positiva dela então teria de ficar em Indiana e pensar em uma universidade comunitária. Portanto, o destino, os deuses, a sorte e o bom coração do reitor precisavam colaborar com seu desejo naquele dia. Em uma péssima análise se compararia ao holograma de Leia Organa que pedia ajuda dizendo "Me ajude, Obi-Wan Kenobi. Você é minha única esperança".

– Cheguei! – anunciou sua entrada com passos cansados, mas não recebeu nenhuma resposta de volta.

O silêncio fez algo agitar-se dentro dela, mas tentou deixar seus ânimos e expectativas mais próximos ao chão possível. Sabia que se fosse checar a pilha de correspondências e não encontrasse um pacote com o selo da universidade perderia a prospecção de futuro e teria de começar seus planejamentos da estaca zero, e dessa vez, sem uma faculdade com a qual pudesse contar.

Por estar sozinha em casa não se apressou. Apenas respirou fundo e caminhou até a mesa onde deixavam todos os papéis recebidos e as cartas. Pegou a pilha e, uma por uma, checou os envelopes. A cada um que passava e não era o seu, sentia sua garganta apertar e ao fim da busca já podia sentir um nó a sufocar.

Fall já não estava no ensino médio há um ano. Não conseguir uma faculdade agora fazia seus planos acadêmicos ainda mais difíceis e naquele instante pensou que talvez estivesse destinada a permanecer estagnada. Ela mais uma vez fazia jus ao nome da estação que carregava. O outono não tinha as cores variadas da primavera, nem os flocos de neve do inverno ou os dias de diversão do verão. Outonos eram monótonos demais para fazerem alguma diferença, eram apenas uma estação de transição e permaneciam sempre iguais.

Pressionou os lábios e deixou a pilha de papéis em cima da mesa. Jogou sua bolsa no sofá e antes que pudesse se acomodar no mesmo para aproveitar sua frustração com uma xícara de chá – amargo como seu fracasso, de preferência - sentiu algo dentro de si. Não se conformava em ver seus sonhos se perderem por entre seus dedos como areia da praia. Cruzou a sala e saiu pelo jardim em direção à caixa de correio. Mesmo que não encontrasse nada lá, estava disposta a usar toda sua persuasão aprendida nas aulas de debate para redigir uma nova carta de admissão ao reitor da faculdade. Mas não foi preciso.

Assim que abriu o pequeno compartimento de madeira viu o pacote com a insígnia que dizia Universidade da Pensilvânia. Capturou o pacote como um tesouro antigo e precioso e correu para dentro da casa, fechando a porta do quarto atrás de si. Sentou-se na cama enquanto encarava o artefato que segurava em suas mãos e pensou na possibilidade de ser uma carta negando seu pedido de admissão. O coração, que batia forte, a dizia outra coisa, e um relance de otimismo vibrou por seu corpo.

Ao abrir o envelope, com olhos brilhantes atentos a cada detalhe, se deparou com flyers, cartões e listas de coisas que precisaria fazer para se matricular e montar seus horários de aula. Lá havia informações sobre incontáveis grupos de alunos que poderiam ser encontrados no campus e todos os programas acadêmicos também estavam listados em papéis com as cores da universidade.

Então Fall alcançou o pequeno envelope com o selo e assinatura do reitor. Ao abrir e ler as primeiras palavras não pode conter o sorriso e ao mesmo tempo que sentia seu coração explodir, também sentia-se ficando cada vez mais viva. Limpou os olhos e prosseguiu a leitura que dizia:


Prezada Srta. Clark,

É com muita alegria que a informamos que você foi aceita em nossa universidade no programa de literatura com uma grade adicional de escrita criativa. Acreditamos que não só podemos ajudá-la, como a Srta também tem muito a nos oferecer.

Além disso, concederemos uma bolsa de sessenta por cento para o valor anual, contando com a realidade de que você se fará presente em atividades extracurriculares no campus e se integrará a grupos e atividades para servir nossa instituição e manter elevada nossa reputação de alunos exemplares.

Confesso que fiquei muito impressionado com a maturidade dos materiais enviados para análise e especialmente com os capítulos dos livros desenvolvidos. Aqui em nossa universidade queremos formar alunos que impactem o mundo de formas positivas e sobressalentes, e se me permite dizer, Srta. Clark, vemos em você esse potencial para trilhar uma jornada de esforço e bons resultados. Portanto, gostaria de deixar todos nós a sua disposição e claro, se aceitar nossas condições, estaremos te esperando no próximo semestre.

Atenciosamente,

Gerald Johnson – Reitoria


O material, a qual se referia o reitor, era uma junção de tudo que fazia de Fall quem era ou ao menos tudo que a definisse e coubesse no limite de arquivos permitidos a serem enviados. Foram inúmeras comprovações de suas vitórias enquanto aluna - escondeu a matemática o quanto pode - e seus anseios enquanto pessoa. Lembrou-se como se sentiu enquanto organizava tudo e enquanto escrevia sua carta de admissão. Podia vislumbrar sua infância de quem vivia entre o jardim de sua casa e os outros mundos que criara para si em seu interior. Fall Clark, no entanto, carregava um vazio incômodo que desejava eliminar de si quando encontrasse seu lugar no mundo. Por isso a insistência na ideia da faculdade. Era uma de suas limitadas opções para buscar esse lugar.

Assim que terminou de ler, ouviu as vozes e passos de seus pais e sua irmã mais nova irromperem na sala. E então se deu conta de que agora precisava se preparar para deixá-los, àquela cidade e tudo que conhecia como seu lar. Estava tão ansiosa pela resposta das faculdades que nem mesmo pensou em como seria deixar sua família para começar a nova etapa de sua vida.

Segurou apenas a carta do reitor em sua mão e saiu do quarto, temerosa com o que diria a eles. Não tinha um plano traçado e a maioria das aplicações que fez manteve em segredo. Não queria oferecer mais frustrações à sua família do que já fizera ao não entrar em uma faculdade assim que saiu do ensino médio. Mas agora tinha certeza e como um grande quebra-cabeças as palavras tentavam se organizar em sua cabeça para que fizesse o anúncio.

Ao chegar na sala, encarou a imagem de cada um, com algumas sacolas nas mãos, aparentemente retornando do mercado.

– O que foi? – Harriet, a caçula, perguntou mostrando os dentes metalizados em um sorriso, um pouco perdida.

Como um instinto, Fall buscou o olhar do pai, que parecia entender o que aconteceria dali para a frente, mesmo que a garota não tivesse dito uma palavra sequer. Era sempre difícil ver uma das filhas deixando de ser suas para pertencerem ao mundo. Quando a mais velha, Emily, saiu de casa para estudar, sentiu um pequeno vazio no peito enquanto para a mãe, Lillian, sofreu por muito mais tempo. No entanto, agora sentia uma euforia ainda maior.

Era Fall quem passava noites com ele consertando os móveis de madeira quebrados da casa e era com ela que podia rir dos absurdos republicanos mesmo em uma cidade enfestada deles. Mas sentiu-se feliz com a imagem da filha segurando um envelope na mão. Fall viu nos olhos de seu pai o orgulho, mas também a dor agridoce que antecedia as palavras ouviria da filha nos próximos segundos. Poderiam dizer que era mais uma Clark que aprenderia a voar, mas elas já voavam livres há muito tempo.

– Nos conte, Fall! – a mãe agora também emanava alguma curiosidade.

Acho que vou me mudar para a Filadélfia. – ela contou.



Quando o Outono ChegarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora