Prólogo - Frio

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"E então, temos um acordo?"

O frio vento do deserto se esgueirava por baixo da porta e pelos vãos da janela, se arrastando pelas paredes da velha casa e se instalando por entre os móveis, assombrando os cantos escuros que há muito tinham se esquecido do doce som das conversas.

Não era de se admirar que, ao tomar a mão de longos dedos cheios de calos e cicatrizes estendida para si, ele sentisse o mesmo frio que assombrava a casa lhe subir pela espinha e lhe causar tremores.

É uma coisa misteriosa, o frio. Muitas pessoas são assombradas por ele.

Alguns, sem um teto sobre suas cabeças ou um cobertor sobre seus corpos, o temem, sabendo que quando suas vagarosas garras os alcançassem, sua única opção seria aceitá-lo de braços abertos.

Alguns, estressados com seus trabalhos e vidas corridas, se sentem ameaçados por ele. É como se o frio clamasse seu lugar entre as outras milhares de coisas que os pressionam ao limite, lentamente, os empurrando à borda do precipício.

Alguns, influenciados por memórias de tempos passados, o evitam a todo custo. Um meio de, talvez, tentar apagar o que já estava gravado a ferro em si. Mas quem poderia culpá-los? Ainda estou para conhecer alguém que, mesmo sabendo que era uma batalha perdida, nunca tentou ignorar uma lembrança incômoda, na esperança de que ela sumisse.

Ainda assim, existem aqueles diferentes. Aqueles que, diante do frio, sentem o sangue correr e a adrenalina lhes tomar o corpo. Aqueles que, diante do frio, levam um sorriso em seus rosto, como se o desafiasse, o instigasse a se aproximar. Aqueles que o convidam a experimentar, raspar suas garras pela pele e a tentar quebrar barreiras.

Esses são a quem deviam temer os homens sábios. Afinal, são eles que não correrão quando suas barreiras romperem. São eles que continuarão com um sorriso petrificado nos rostos, quando o frio tentar tomar seus corpos. E são eles que, uma vez perdida a batalha, continuarão com a cabeça erguida, desafiando seus inimigos para a próxima guerra.

Também é a essas pessoas, tão misteriosas quanto o próprio frio em si, que pertence essa história.

"Como se eu tivesse uma escolha." 

Sonhando AcordadoWhere stories live. Discover now